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Este livro tem a intenção de desmistificar a Atividade de Inteligência e desfazer o equivocado arquétipo do espião construído pelos filmes e pelas séries televisivas. Para tanto, procura demonstrar como a Inteligência se presta ao assessoramento do processo de tomada de decisão em diversos níveis e nas mais diferentes áreas. Nesta obra são discutidos, entre outros assuntos, os gêneros e as espécies da Atividade de Inteligência no Brasil, examinando mais especificamente a Inteligência de Segurança Pública, seus fundamentos doutrinários, sua origem, sua evolução, seus princípios, seus valores e suas características. INTELIGÊNCIA E SEGURANÇA PÚBLICA LAYLA MARIA DE SOUSA SANTOS Código Logístico 59490 Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-6657-5 9 7 8 8 5 3 8 7 6 6 5 7 5 Inteligência e Segurança Pública Layla Maria de Sousa Santos IESDE BRASIL 2020 Todos os direitos reservados. IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br © 2020 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito da autora e do detentor dos direitos autorais. Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: sarayut_sy/zef art/S.Gvozd/Ilina93/Pan Xunbin/YIUCHEUNG/Shutterstock CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ S236i Santos, Layla Maria de Sousa Inteligência e Segurança Pública / Layla Maria de Sousa Santos. - 1. ed. - Curitiba [PR] : IESDE, 2020. 110 p. : il. Inclui bibliografia ISBN 978-85-387-6657-5 1. Segurança Pública. 2. Serviço de Inteligência. 3. Gestão do conheci- mento. I. Título. 20-64443 CDD: 352.379 CDU: 351.86 Layla Maria de Sousa Santos Especialista em Gestão Pública e em Segurança Pública e Cidadania pela Universidade de Brasília (UnB) e em Gestão de Organizações de Inteligência pela Escola de Inteligência Militar do Exército (ESIMEx). MBA em Gestão de Pessoas pela Universidade Católica de Brasília (UCB). Graduada em Ciências Policiais pelo Instituto Superior de Ciências Policiais da Polícia Militar do Distrito Federal (ISCP/PMDF), em Direito pela Universidade Cidade de São Paulo (Unicid) e em Pedagogia pelo Instituto Superior Albert Einstein (Isalbe). Atua como docente no ISCP/PMDF, onde ministra as disciplinas de Inteligência de Segurança Pública e Gestão de Pessoas, e na Escola de Governo do Distrito Federal (EGOV), ministrando a disciplina de Ética e Sigilo das Informações. É instrutora nos cursos da área de Inteligência e de Análise de Risco do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), da Secretaria de Estado de Segurança Pública do Distrito Federal (SSPDF), do Centro Nacional de Gerenciamento de Risco de Desastres do Ministério do Desenvolvimento Regional (Cenad/MDR) e do Centro de Inteligência da Polícia Militar do Distrito Federal (CI/PMDF). Áreas de interesse: Inteligência, Segurança Pública, economia do crime, análise de risco e gestão de pessoas. Agora é possível acessar os vídeos do livro por meio de QR codes (códigos de barras) presentes no início de cada seção de capítulo. Acesse os vídeos automaticamente, direcionando a câmera fotográ�ca de seu smartphone ou tablet para o QR code. Em alguns dispositivos é necessário ter instalado um leitor de QR code, que pode ser adquirido gratuitamente em lojas de aplicativos. Vídeos em QR code! SUMÁRIO 1 Introdução à Atividade de Inteligência 9 1.1 Histórico 10 1.2 A Atividade de Inteligência no Brasil 18 1.3 Conceitos essenciais 22 1.4 Normas e fundamentos jurídicos 29 2 Atividade de Inteligência de Segurança Pública 36 2.1 Fundamentos doutrinários 37 2.2 Origem e evolução 43 2.3 Espécies de Inteligência de Segurança Pública 45 2.4 Inteligência e investigação policial 48 3 Organização da Atividade de Inteligência 55 3.1 Sistemas e subsistemas de Inteligência 55 3.2 Agências de Inteligência 66 3.3 Redes de cooperação internacionais 69 4 Gestão da informação 75 4.1 Inteligência e sigilo 76 4.2 Acesso à informação 80 4.3 Transparência x efetividade da Atividade de Inteligência 86 5 Produtos da Atividade de Inteligência 92 5.1 Produção do conhecimento 92 5.2 Técnica de avaliação de dados 101 5.3 Documentos de Inteligência 104 5.4 Desafios e tendências da Atividade de Inteligência 106 Agora é possível acessar os vídeos do livro por meio de QR codes (códigos de barras) presentes no início de cada seção de capítulo. Acesse os vídeos automaticamente, direcionando a câmera fotográ�ca de seu smartphone ou tablet para o QR code. Em alguns dispositivos é necessário ter instalado um leitor de QR code, que pode ser adquirido gratuitamente em lojas de aplicativos. Vídeos em QR code! Neste livro, temos a intenção de desmistificar a Atividade de Inteligência e desfazer o equivocado arquétipo do espião construído pelos filmes e pelas séries televisivas. Para tanto, demonstraremos como a Inteligência se presta ao assessoramento do processo de tomada de decisão em diversos níveis e nas mais diferentes áreas. No primeiro capítulo, apresentaremos as origens históricas da Atividade de Inteligência e seu papel determinante em importantes acontecimentos desde os tempos bíblicos até os dias atuais, bem como os principais conceitos doutrinários e legislações a respeito do tema. O segundo capítulo apresenta os gêneros e as espécies da Atividade de Inteligência no Brasil e examina mais especificamente a Inteligência de Segurança Pública, seus fundamentos doutrinários, sua origem, sua evolução, seus princípios, seus valores e suas características. A organização da Atividade de Inteligência em sistemas e subsistemas é estudada no terceiro capítulo, no qual analisaremos as origens, alterações sofridas e a atual composição dos sistemas e subsistemas de Inteligência brasileiros. Também é apresentada a estrutura das Agências de Inteligência que compõem os sistemas e subsistemas, com especial destaque para aquelas que integram o Subsistema de Inteligência de Segurança Pública (SISP). As questões que envolvem o equilíbrio entre a necessidade de sigilo das ações de Inteligência e o direito fundamental de acesso à informação são discutidas no quarto capítulo. Na oportunidade, também será apresentada a Lei de Acesso à Informação (LAI), os mecanismos criados por ela para ampliar a transparência da administração pública e as hipóteses de sigilo que restringem o acesso a determinadas informações. No último capítulo, será apresentado o método formal que os profissionais de Inteligência empregam para elaborar os produtos utilizados no assessoramento do processo decisório, transformando dados brutos em conhecimento útil, significativo e oportuno. Por fim, trataremos dos documentos de Inteligência e dos desafios da produção de conhecimentos em meio a um contexto sociopolítico conturbado e complexo. APRESENTAÇÃO Introdução à Atividade de Inteligência 9 1 Introdução à Atividade de Inteligência A Atividade de Inteligência costuma atrair a atenção das pessoas. O ar de mistério explorado nos filmes, o sigilo que cerca os docu- mentos e a exploração midiática de fatos envolvendo os chamados serviços secretos, por exemplo, alimentam a imaginação e geram muitas especulações acerca dessas organizações e da missão que executam. Neste livro, nos propomos a desmistificar o trabalho dos profissionais de Inteligência, evidenciando sua função de assessora- mento e explicando o método empregado para alcançar os objetivos. O Capítulo 1 apresenta as origens históricas da Atividade de Inteligência, bem como a sua importância em acontecimentos que determinaram os rumos da humanidade. Na primeira seção, tra- zemos episódios nos quais a Inteligência foi empregada de modo determinante, desde os tempos bíblicos até as guerras modernas, com especial destaque à história da Inteligência no Brasil. Na Seção 2, trataremosdos conceitos essenciais que envol- vem a Atividade de Inteligência, incluindo as principais definições trazidas pela doutrina e literatura especializada. Além disso, você terá contato com as obras de dois autores clássicos e obrigatórios quando o assunto é Inteligência: Sherman Kent e Washington Platt. Leis, decretos e demais normas que norteiam a Atividade de Inteligência são tratados na terceira seção. Nela, são apresentadas as diretrizes de organização e o funcionamento da Inteligência bra- sileira, bem como seus parâmetros e as principais ameaças à inte- gridade da sociedade, do Estado e da segurança nacional. Ainda, estudaremos os órgãos de supervisão, fiscalização e controle da atividade. 10 Inteligência e Segurança Pública 1.1 Histórico Vídeo A atividade desempenhada por pessoas que buscam informações – atualmente, chamada de Inteligência – sempre esteve presente na his- tória da humanidade. Referências bíblicas indicam a prática de ações de levantamento de informações, como as ordenadas por Moisés, após ter recebido de Deus a missão de espionar Canaã, como consta no Livro de Números: O Senhor Deus disse a Moisés: mande alguns homens para es- pionar a terra de Canaã, a terra que eu vou dar aos israelitas. Em cada tribo escolha um homem que seja líder. Do deserto de Parã Moisés enviou os espiões, de acordo com as ordens de Deus, o Se- nhor. Todos eram chefes de tribos do povo de Israel. Ele mudou o nome de Oseias, filho de Num, para Josué. Quando Moisés os mandou espionar a terra de Canaã, disse a esses homens o se- guinte: vão pela região sul e subam pelas montanhas. Vejam bem que terra é essa. Vejam também se o povo que mora nela é forte ou fraco, se são poucos ou muitos. Vejam se a terra onde esse povo mora é boa ou ruim, se as suas cidades têm muralhas ou não. Examinem também a qualidade da terra, se é boa para plan- tar ou não. Vejam se há matas. Tenham coragem e tragam algu- mas frutas da terra. (A BÍBLIA, Números 13, 2018) Entre outros exemplos, a Bíblia também narra a história de Sansão e Dalila, ocorrida no contexto da guerra entre israelitas e filisteus. Dalila teria sido recrutada pelos filisteus, sob recompensa financeira, para descobrir o segredo da força de Sansão, um dos líderes de Israel. W ikim édia Com m ons SILVA, O. P. Sansão e Dalila. 1893, óleo sobre tela: 59 x 78, 1. Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro. Introdução à Atividade de Inteligência 11 O primeiro milênio a.C. no Oriente Próximo é considerado a Idade dos Impérios, pois do século IX ao século I a.C. ascenderam grandes civi- lizações, entre elas, o Império Neoassírio. Os assírios ficaram conheci- dos pela cultura militar expansionista e por terem dominado os povos hebreus, egípcios e babilônicos (POZZER, 2016). A máquina de guerra assíria contava com uma elaborada estrutura de obtenção de informações, conhecida como o olho do rei, considera- do o primeiro serviço de Inteligência da história (VOLKMAN, 2013). Um dos primeiros relatos históricos formais foi feito por Tucídides, na obra História da Guerra do Peloponeso, que trata do conflito entre Esparta e Atenas, ocorrido no século V a.C. Ele relatou um episódio no qual um espião persa teria sido preso pelo exército ateniense quando estava a caminho de Esparta (DOBRORUKA, 2009). Há, também, registros sobre a Atividade de Inteligência na conheci- da obra A Arte da Guerra, que teria sido escrita no século IV a.C. por Sun Tzu. Um dos 13 capítulos do livro é dedicado ao necessário emprego de espiões para se alcançar o êxito em uma campanha militar: O que possibilita ao soberano inteligente e seu comandante con- quistar o inimigo e realizar façanhas fora do comum é a previsão, conhecimento que só pode ser adquirido por meio de homens que estejam a par de toda movimentação do inimigo. Por isso, deve-se manter espiões por toda parte e in- formar-se de tudo. Existem cinco tipos de es- piões que podem ser usados: espiões locais, agentes internos, agentes duplos, espiões dis- pensáveis e espiões indispensáveis. (SUN TZU, 2007, p. 135) Já no contexto imperial romano, o Imperador Caio Júlio César é considerado o pai da Inteligência militar. Suas façanhas militares não ocorreram so- mente por seu reconhecido talento como estrate- gista, mas, também, por sua elaborada organização desenvolvida com o objetivo de obter informações sobre seus inimigos. O sistema desenvolvido por Júlio César pre- via agentes responsáveis pelo reconhecimento do terreno e das forças inimigas, conhecidos como procursatores, e, além deles, os speculatores eram Oriente Próximo é a expressão empregada para identificar a região onde surgiram as civiliza- ções pré-clássicas. Atualmente, a região é conhecida como Oriente Médio e abrange países do norte da África até a Ásia. Saiba mais Imperador Júlio César. Artista desconhecido. W ikim édia Com m ons 12 Inteligência e Segurança Pública especialmente treinados para atuarem infiltrados no território inimigo usando disfarces. Havia, ainda, os indices, que eram inimigos deserto- res ou recrutados para fornecer informações (VOLKMAN, 2013). Entre os séculos XI e XIII, ocorreram conflitos, denominados de cruzadas, entre cristãos e árabes muçulmanos. Nesse período, os pa- pas convocaram oito cruzadas com o objetivo de retomar a Terra Santa e libertar o Santo Sepulcro. Nas palavras de Fernandes (2006, p. 103), “a expansão da Cristandade latina conflita com o projeto dos vizinhos muçulmanos, também eles envolvidos num processo próprio de am- pliação dos espaços de dominação e conversão islâmica”. Os exércitos cruzados, conhecidos como soldados de Cristo, impu- seram muitas derrotas aos árabes que, apesar de unidos pela mesma crença, tinham várias subdivisões étnicas e políticas. Yusuf Ibn Ayyub, chamado pelos árabes de Salah-al-Din – “o retifica- dor da fé” – e pelos cruzados de Saladino, destacou-se após uma série de vitórias táticas pouco expressivas. Mas, ao promover a unificação de reinos árabes, conquistou um grande êxito militar derrotando os fran- cos e retomando Jerusalém, em 1187, no período da segunda Cruzada. Volkman (2013) credita parte importante dessa vitória à ampliação das redes de Inteligência promovida por Saladino, que recrutou um ver- dadeiro exército de espiões entre os árabes que viviam em territórios ocupados pelos cruzados. Esses espiões forneceram a Saladino informa- ções sobre os suprimentos e mantimentos de que os cruzados dispunham. Calculando o tempo de duração dos estoques e o posicionamento dos exércitos cruzados, Saladino planejou uma emboscada e venceu a batalha, mesmo tendo inferioridade numérica e forças militares me- nos equipadas. O problema central era que os cruzados não tinham conheci- mento dos seus inimigos árabes, enquanto Saladino enredou os cruzados em uma enorme teia de espionagem, “de modo que nada do que se passa permanecerá desconhecido”, como se ex- pressou ele próprio. Sua rede de inteligência incluía uma grande variedade de ativos que viviam em cidades ocupadas pelos cruza- dos. Quase todos eles eram cidadãos comuns que tinham acesso a áreas de interesse de inteligência – como o vendedor de ver- duras para soldados cruzados, uma tarefa que permitia contar exatamente quantos homens os cruzados tinham. (VOLKMAN, 2013, p. 51) O livro As grandes agências secretas, de José-Manuel Diogo, faz uma apanhado sobre as origens e a atuação dos principais Serviços de Inteligência do mundo. DIOGO. J. M. A São Paulo: Via Leitura, 2015. Livro Introdução à Atividade de Inteligência 13 No século XIII, Gengis Khan teve papel de grande destaque quando conseguiu conquistar tribos tártaras e unificar tribos mongóis nôma- des e sedentárias, iniciando o que foi um grande Império. Durante esses anos ele organiza um eficiente serviço de espiões e batedores infiltrados nas tribos rivais, explorando sempre as dissensões internas entre os inimigos e procurando as melhores condições físicas para atacar (áreas de vertentesonde assumisse posição vantajosa; gargantas entre montanhas; oferta de pasto para os animais). (BARBOSA, 2006, p. 145) Sob o comando de Gengis Khan, os mongóis conquistaram parte do Império Chinês e da Pérsia, além de expandir seus domínios para a Europa Oriental, o que seria hoje a região da Polônia e da Hungria. A extensão desse domínio fez com que esse período histórico ficasse conhecido como a Era Mongol. Durante a Guerra dos 100 anos, entre a França e a Inglaterra, um es- pião recrutado pelos ingleses desempenhou importante papel em uma das derrotas francesas. O Bispo francês Pierre de Cauchon atuou como espião inglês e foi determinante para a prisão de Joana D’Arc. Joana D’Arc era uma jovem francesa bastante religiosa que procu- rou o Príncipe Carlos e narrou ter visões e ouvir vozes divinas que lhe transmitiam algumas missões; entre elas, acabar com o cerco à cidade francesa de Orleans, coroar Carlos como rei da França e expulsar os ingleses de Paris. Após passar por vários “testes”, Joana D’Arc recebeu uma espada e um estandarte e passou a liderar forças militares francesas durante as batalhas. A jovem se mostrou bastante carismática e sua presença motivava os soldados, que acreditavam estar sendo liderados por uma enviada de Deus. Depois de vencer importantes batalhas e cumprir as duas primeiras missões, Joana D’Arc foi capturada. Os ingleses promoveram, então, uma campanha para destruir a imagem de heroína de Joana D’Arc e impactar ainda mais as tropas francesas. Uma campanha de desinformação conduzida pelo Bispo Pierre de Cauchon resultou no julgamento e, consequentemente, na condena- ção de Joana D’Arc pelo cometimento de vários crimes, incluindo bruxa- ria. Em 30 de maio de 1430, Joana D’Arc foi queimada em uma fogueira. Entre os anos de 1337 e 1453, França e Inglaterra travaram a Guerra dos 100 anos. O conflito teve início em razão da disputa pelo domínio da proeminente região de Flandres, onde hoje está a Bélgica. Saiba mais 14 Inteligência e Segurança Pública Os relatos bíblicos e os fatos históricos apresen- tados indicam o emprego de técnicas de Inteligên- cia desde os primórdios da humanidade. Contudo, os sistemas de Inteligência foram institucionaliza- dos e tornados permanentes na estrutura dos Esta- dos com o processo de especialização das funções organizacionais das missões de fazer a guerra, manter a ordem interna e desenvolver relações di- plomáticas (HERMAN, 1996). Nesse escopo, Cepik (2003) acrescenta que as primeiras organizações especializadas em Inteligên- cia foram criadas na Europa, no século XVI. Ainda, corrobora com a tese de Herman (1996), elencando e explicando as três matrizes históricas da Atividade de Inteligência: a guerra, a segurança interna e a di- plomacia, conforme veremos na subseção a seguir. 1.1.1 Primeira matriz histórica: a guerra Em seu livro Da Guerra, Clausewitz (1996) afirma que a guerra é um ato de violência destinado a obrigar o inimigo a fazer a nossa vonta- de, e elabora um dos conceitos mais conhecidos de guerra ao defini-la como a continuação da política por outros meios. Keegan (2006) critica Clausewitz por não considerar a cultura em sua definição de guerra e argumenta que a natureza da guerra é servir a si mesma. Huntington (1997) apresenta uma tipologia diferente e argumenta que existem mais fatores do que a disputa de poder político. O autor trata de conflitos, especialmente no Oriente Médio, como uma catego- ria que ele define como guerra de civilizações. Sob esse ponto de vista, Huntington elabora um novo conceito de guerra de linhas de fratura, ou seja, conflitos que ocorrem nos pontos de atrito entre as diferentes civilizações que colidem umas com as outras. A guerra é a maneira mais comum de resolução de conflitos na história da humanidade, mas não possui uma definição única, e não é um conceito estático. Algumas características, no entanto, são comuns às diferentes definições, como a natureza violenta e a participação de W ikim édia Com m ons DELAROCHE, P. Interrogatório de Joana D’arc. 1824, óleo sobre tela: 277 cm x 217.5 cm. Museu de Belas Artes, Ruão. Introdução à Atividade de Inteligência 15 grupos armados com alguma organização – não necessariamente uma força armada estatal, se considerarmos o conceito de novas guerras de Kaldor (2001). Segundo a autora, as novas guerras representam um tipo de violência organizada que pode ser descrita como uma fusão de guerra, crime organizado e violação maciça dos direitos humanos. Ataques contra civis são uma tônica desses conflitos, em que a lógica é invertida, diferentemente do que acontece nas guerras tradicionais, nas quais morrem mais militares do que civis. O que antes era con- siderado uma consequência indesejada, passou a ser uma estratégia de combate. A motivação para as novas guerras também é diferente. Enquanto no século XX as guerras tiveram motivações essencialmente políticas e ideológicas, esses novos conflitos também têm causas sociais e são circunscritos em um cenário de disputa étnica e religiosa. Um exem- plo dessa nova tipologia é a guerra na Síria, uma vez que se trata de um conflito com múltiplos atores envolvidos: exército sírio, rebeldes separatistas, grupos paramilitares, organizações terroristas e países estrangeiros. Independentemente de qual conceito se use e das ca- racterísticas que apresente, a guerra é o berço da Atividade de Inteli- gência. Foi em busca de sobrevivência e conquistas territoriais que os comandantes e líderes políticos buscaram informações sobre o inimi- go, o terreno, as condições climáticas e outros aspectos que envolvem as campanhas militares. Durante as Guerras Napoleônicas, a Inteligência militar sofreu uma revolução em matéria de especialização e organização. Após ser derrotada na primeira batalha contra os franceses, a Prússia moder- nizou seu exército, criando estruturas que melhoraram o comando (gestão) e a comunicação com as tropas. Em 1815, com a ajuda da Inglaterra, os prussianos finalmente derrotaram o poderoso exér- cito francês, dando um fim ao império napoleônico. A estrutura do Estado-Maior do exército prussiano é até hoje modelo para a maioria das Forças Armadas Nacionais e prevê a existência de um setor espe- cializado na Atividade de Inteligência. Além disso, nesse período, foi inaugurada a primeira unidade mili- tar aérea, que utilizava balões de hidrogênio para que os comandantes pudessem acompanhar suas tropas no terreno e observar as movi- mentações inimigas. O filme Elizabeth, a idade de ouro mostra como a rede de espiões coor- denada por Sir Francis Walsingham descobre planos conspiratórios contra a rainha Direção: Shekhar Kapur. Inglaterra: Universal, 2007. Filme O Estado-Maior de uma organização ou força militar é o conjunto de assessores do alto comando. É composto de setores com atribuições bem definidas. No Brasil, as Forças Armadas, as Polícias Militares e os Corpos de Bombeiros Militares adotam esse modelo. Segundo o modelo brasileiro, o Estado-Maior, ou EM, é divido em seções, sendo a primeira seção responsável pela gestão de pessoal; a segunda é a Inteligência; a terceira destina-se ao planejamento; a quarta tem a função de apoio logístico; e a quinta é responsável pela comunicação social. Saiba mais 16 Inteligência e Segurança Pública 1.1.2 Segunda matriz histórica: a segurança interna A segunda matriz histórica da Atividade de Inteligência é a seguran- ça interna (security Intelligence) ou a atividade de policiamento. Segundo Richelson (1986), a primeira agência especializada em coletar informa- ções sobre inimigos domésticos foi a terceira seção do Departamento de Segurança de Estado da Rússia, em 1826, que se dedicava a reprimir os crimes contra o governo. Com a evolução das dinâmicas sociopolíticas que incluíram a ex- pansão do regime democrático pelo mundo, essas agências, que eram inicialmente voltadas para identificar e combater a dissidência política, passarama atuar mais voltadas para o combate à criminalidade orga- nizada e ao terrorismo. Essas mudanças aproximaram a Atividade de Inteligência das ações de investigação policial. Atualmente, diversas agências policiais do mundo todo possuem setores especializados em Inteligência. De acordo com Reiner (2004), as atribuições de policiar as cidades passaram a ser mais evidentes com a chamada divisão social do traba- lho. No entanto, instituições policiais estruturadas especificamente para a execução do policiamento só passaram a existir com a centralização político-administrativa, ou seja, com o surgimento do Estado-Nação. A fórmula institucional experimentada no século XIX se consagra a ponto de, ao fim dos anos 1800, quase todos os países já contarem com ao menos uma instituição policial. A partir do século XX, a discussão se voltou para o tema da modernização das polícias. Bayley (2006, p. 20) conceitua polícia como “pessoas autorizadas por um grupo para regular as relações interpessoais dentro deste grupo através da aplicação da força física”. Assim, o uso da força, ou a autori- zação para usá-la, é característica central da instituição policial, muito embora outros agentes sociais também tenham tal autorização. Bayley (2006) afirma, ainda, que ser pública, profissional e especializada são as três características essenciais das instituições policiais modernas. O fato de ser pública não se refere somente à autorização coletiva do uso da força, mas fundamentalmente à natureza da agência. Em outros termos, diz respeito a quem financia e gere essa instituição. Para saber mais sobre a divisão social do trabalho, leia a obra Da divisão do trabalho social, de Émile Durkheim, de 2010. Nessa obra, o autor examina as funções existentes no seio da so- ciedade e as define como mecanismo de coesão social. DURKHEIM, É. São Paulo: Martins Fontes, 2010. Livro Introdução à Atividade de Inteligência 17 A profissionalização refere-se à preparação para o desempenho das funções como seleção, treinamento e carreira estruturada. Já a espe- cialização é uma característica relacionada ao controle do comporta- mento social por meio do uso (mesmo potencial) da força física. Uma polícia não especializada faz muitas outras coisas além de aplicação da lei (law enforcement). 1.1.3 Terceira matriz histórica: a diplomacia As relações diplomáticas tornaram-se permanentes na Europa a partir do século XVI. Contudo, somente no século XVII, as potências eu- ropeias passaram a manter arquivos diplomáticos para armazenar e consultar informações. Nesse período, as chancelarias também tinham a função de obter dados de maneira ostensiva ou sigilosa. Era legítimo aos governos que seus embaixadores e demais membros da carreira diplomática juntassem informações por todos os meios disponíveis, in- cluindo o recrutamento de informantes e interceptações clandestinas. Não foi uma coincidência o fato de o primeiro serviço de Inteligência governamental organizado ter sido desenvolvido na Inglaterra pelo Mi- nistro do Exterior Sir Francis Walsingham, em 1573, durante o reinado de Elizabeth I. Walsingham montou uma articulada rede de espiões que atuava por todo o continente europeu, e foi capaz de detectar tramas conspirató- rias para substituir Elizabeth I por Maria da Escócia, em 1584 e 1587, e os planos de Felipe II de invadir a Inglaterra e destronar a rainha, o que resultou na emboscada da marinha inglesa à armada espanhola. O desenvolvimento do fluxo de comunicações diplomáticas, asso- ciado ao surgimento dos serviços postais na Europa, provocou a ne- cessidade do uso de cifração e códigos para proteger o conteúdo das mensagens. Assim, nasceram as primeiras agências especializadas em intercepção e decodificação, as black chambers. Com o passar dos anos, houve uma gradual separação entre as fun- ções diplomáticas oficiais e aquelas ações encobertas, consideradas es- pionagem. Atualmente, essa distinção entre diplomacia e Inteligência está bem definida na maioria dos países. E como começou a atividade de Inteligência no Brasil? Na sua opinião, a Atividade de Inteligência deve ser desem- penhada exclusivamente por estruturas estatais? Atividade 1 18 Inteligência e Segurança Pública 1.2 A Atividade de Inteligência no Brasil Vídeo Existem relatos do emprego da Atividade de Inteligência no Brasil desde o século XVIII. Um episódio que retrata isso é o posicionamento de Luís Antônio Furtado de Mendonça, o Visconde de Barbacena, Go- vernador da Capitania de Minas Gerais, durante os dias que antecede- ram a eclosão da revolta conhecida como Inconfidência Mineira. Conforme consta no Autos de Devassa da Inconfidência Mineira (2016), no dia 14 de março de 1789, apenas oito meses após assumir o cargo e se comprometer com a cobrança da dívida do quinto real repassado à Coroa Portuguesa, o Visconde de Barbacena suspendeu a derrama alegando ter tomado ciência das circunstâncias existentes na Capitania, afastando, assim, a principal bandeira dos inconfidentes. Tratou-se de um trabalho de Inteligência coordenado pelo Visconde de Barbacena que, além de enfraquecer o movimento revoltoso, ainda cooptou delatores. Também, durante a revolta conhecida como Balaiada (1831–1832), o Coronel Luís Alves de Lima e Silva, que depois viria a ser conheci- do como Duque de Caxias, foi nomeado Presidente da Província do Maranhão e Comandante das Forças Militares, com o objetivo de pacifi- car a região. Para tanto, Caxias utilizou agentes para obter dados sobre as forças oponentes e, assim, melhor empregar suas tropas, o que foi essencial para a vitória e pode ser considerado a origem da Inteligência militar no Exército brasileiro (ARAÚJO, 2004). Outros fatos históricos relevantes acerca do emprego da Ativi- dade de Inteligência ocorreram durante a Guerra da Tríplice Aliança (1864–1870), quando Caxias utilizou balões para observação das forças adversas, além de criar uma rede de ligações entre as unidades por meio de telégrafo elétrico (FRAGOSO, 1959). O início da Atividade de Inteligência no Brasil, como algo institucio- nalizado, ocorreu após a eleição de Washington Luís para a Presidência da República, no ano de 1926, em meio a grandes altercações sociopo- líticas decorrentes, principalmente, dos atos do movimento tenentista e do movimento operário. Por meio do Decreto n. 17.999/1927, o Presidente Washington Luís criou o Conselho de Defesa Nacional (CDN), órgão de caráter consulti- vo, cujo objetivo era analisar e coordenar informações sobre todas as Introdução à Atividade de Inteligência 19 questões de ordem financeira, econômica, bélica e moral, relativas à defesa da pátria (BRASIL, 1927). Figueiredo (2005, p. 37) define o CDN como “a primeira repartição pública federal dedicada exclusivamente a levantar e processar infor- mações em proveito do Presidente da República”. Em razão da finalida- de para a qual foi instituído, o CDN é apontado como marco inicial da Atividade de Inteligência no Brasil, porém não contava com estrutura suficiente para atingir os objetivos para os quais foi criado. O CDN care- cia de algo que era essencial a um serviço de informações ou Inteligên- cia: um braço operacional, ou seja, aqueles profissionais popularmente conhecidos como agentes secretos. Muito do que chegava ao CDN era de conhecimento público ou de confiabilidade duvidosa. Como resultado dessas limitações, o Presi- dente Washington Luís foi pego de surpresa em momentos cruciais do cenário político, inclusive quando a Revolução de 1930 resultou na sua deposição e consequente assunção de Getúlio Vargas ao poder. Consciente dessas limitações do CDN, Vargas promoveu uma rees- truturação. As mudanças tinham como objetivo aumentar a efetividade e a abrangência do órgão. A principal modificação feita por Vargas foi a criação de uma Seção de Defesa Nacional em cada Ministério, com a função de estudar os assuntos, afetos àquela pasta, que impactassem na defesa nacional. Com isso, as açõesde assessoramento passaram a ser mais especializadas e adquiriram capilaridade. Contudo, o CDN continuava sem um segmento operacional voltado à obtenção de da- dos em campo. Em resposta à Revolução Militar de 1930, que depôs o presidente eleito Washington Luís, ocorreu a chamada Revolução Constitucional de 1932, que reforçou em Getúlio Vargas a ideia de submeter militarmente os Estados. Isso porque, nessa ocasião, a Força Pública de São Paulo, contrária ao governo provisório varguista, enfrentou o Exército que era apoiado pela Força Militar gaúcha e pela Polícia Militar de Minas Gerais. Durante o Estado Novo, todo o aparato repressivo, principalmente no tocante à dissidência política, foi centralizado no Distrito Federal (DF), que era o Rio de Janeiro, sob a égide da Polícia Civil que, a partir de 1933, subordinou-se diretamente ao Presidente Getúlio Vargas (COSTA, 2004). A Constituição Federal de 1934 trouxe as Polícias Militares como for- ças auxiliares e reservas do Exército e, como resultado dessas mudan- 20 Inteligência e Segurança Pública ças, as Polícias Militares passaram progressivamente ao controle do Exército, mais especificamente do Ministro da Guerra, Eurico Gaspar Dutra. A Polícia Civil do DF, sob a direção de Filinto Müller, e as Polícias Militares, a Comando do General Gaspar Dutra, desempenhavam o pa- pel de serviço secreto não oficial (FIGUEIREDO, 2005). Em agosto de 1934, o CDN foi renomeado e tornou-se Conselho Superior de Segurança Nacional (CSSN) e, com a Constituição de 1937, passou a ser denominado Conselho de Segurança Nacional (CSN). A estrutura da Secreta- ria-Geral do Conselho de Segurança Nacional foi dividida em três seções. Coube à segunda seção a responsabilidade de organizar e dirigir o Serviço Federal de Informações e Contrainformações – SFICI – (BRASIL, 1946). O SFICI, subordinado ao CSN, passou a coordenar a atividade de Inteligência no Brasil em setembro de 1946, no Governo Gaspar Dutra, que sucedeu a Getúlio Vargas. A função do SFICI era levantar informa- ções sobre os inimigos e preparar o Brasil para a guerra. Apesar de existir “no papel”, o SFICI só foi realmente implantado em 1956, já no Governo Juscelino Kubitschek, com quatro subseções: exterior, interior, segurança interna e operações. A subseção de opera- ções (SSOP) era responsável por obter os dados em campo, superando, finalmente, essa limitação. Já em 1957, foi criado o Centro de Informações da Marinha (CENIMAR), cuja finalidade era obter informações de interesse da Marinha do Brasil. Para isso, o CENIMAR contava com três divisões: busca, registro e seleção e serviços gerais (BRASIL, 1957). Em 1991, o CENIMAR passou a ser denominado Centro de Inteligência da Marinha – CIM – (BRASIL, 1991). Durante o Governo João Goulart (1961–1964), o SFICI identificou conspirações de governadores de estados, inclusive, interceptan- do e decodificando mensagens cifradas trocadas por Carlos Lacerda, Adhemar de Barros e Magalhães Pinto, nas quais foi possível identificar a participação de Vernon Walters, adido militar americano, nos planos de derrubar o Presidente João Goulart (FIGUEIREDO, 2005). Em 1964, durante o Governo Militar (1964–1985), o Presidente Castello Branco determinou a criação do Serviço Nacional de Informa- ções (SNI), com a missão de coordenar as atividades de informações e contrainformações, em particular as que interessarem à segurança nacional (BRASIL, 1964). Introdução à Atividade de Inteligência 21 Em 1967, o Presidente Costa e Silva criou o Centro de Informações do Exército (CIE) que, desde 1993, denomina-se Centro de Inteligência do Exército (BRASIL, 1992). Além disso, transformou as antigas Seções de Defesa Nacional, existentes nos ministérios, em Divisões de Segu- rança e Informações (DSI). Também, nos demais órgãos e autarquias federais, foram instituídas as Assessorias de Segurança e Informações (ASI). Tanto as DSI quanto as ASI eram vinculadas ao SNI (BRASIL, 1967). O CENIMAR, o SNI e o CIE, com as DSI e ASI, formavam o Sistema Nacional de Informações (SISNI), cuja principal função era reunir dados para produzir conhecimentos a serem difundidos para o Presidente da República. A partir de 1968, com o início da luta armada e consequente recrudescimento do Governo Militar, o SNI passou a se ocupar da re- pressão aos opositores do governo e ganhou muita relevância política. Ainda em 1968, foi criado o Serviço de Informações da Aeronáutica (SIAer), que também passou a integrar o SISNI. A partir de 1970, esse órgão passou a ser chamado de Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica (CISA) e, em 1988, recebeu a denominação de Secretaria de Inteligência da Aeronáutica (SECINT). Atualmente, existe o Centro de Inteligência da Aeronáutica – CIAer – (BRASIL, 2004). Com o fim do Governo Militar e a eleição de Fernando Collor (1990–1992) como Presidente da República, novas mudanças substan- ciais ocorreram. O SNI foi extinto e substituído pelo Departamento de Inteligência da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (DI/SAE), que era chefiado por um civil. A intenção era pro- mover um rompimento com as estruturas militares, contra as quais re- caíam denúncias de torturas e outras violações de direitos humanos. Em 1992, com o impeachment do Presidente Collor, Itamar Franco (1992–1994) assumiu a presidência e o serviço de Inteligência nacional voltou a ser chefiado por um militar, o Almirante Mário César Flores, que permaneceu na função até o fim do governo. Com a Lei n. 8.490, a área de Inteligência da SAE deixou de ser departamento e passou à condição de subsecretaria (BRASIL,1992). O Presidente Fernando Henrique Cardoso (1995–2002) manteve a SAE em funcionamento, porém, com a edição da Medida Provisória n. 813/1995, autorizou a implantação do Sistema Brasileiro de Inteli- gência (SISBIN) e a criação da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), que passaram a funcionar em 1999, com a edição da Lei n. 9.883. 22 Inteligência e Segurança Pública A ABIN estava subordinada ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República, que passou a ter essa denominação e status de Ministério com a edição da Medida Provisória n. 1.911/1999 – antes era denominada Casa Militar. Em outubro de 2015, a Presidente Dilma Rousseff (2011–2016) ex- tinguiu o GSI e recriou a Casa Militar. Com a mudança, a ABIN passou a se subordinar à Secretaria de Governo da Presidência da República, cujo ministro era Ricardo Berzoini e, pela segunda vez desde a criação do SFICI, a Atividade de Inteligência esteve sob a chefia de um civil. Em maio de 2016, por força de um processo de impeachment, Dilma Rousseff foi afastada do exercício das funções e, com isso, Michel Temer assumiu a Presidência da República (2016–2018). O Presidente Michel Temer, então, recriou o GSI e nomeou novamente um General do Exército para a função de Ministro-chefe. Nesse contexto, a ABIN voltou à subordinação desse gabinete e assim permanece atualmente. 1.3 Conceitos essenciais Vídeo O termo Inteligência é empregado como sinônimo de muitas coisas: espionagem, informações, investigação, serviço secreto etc. Além dos vá- rios conceitos, essa tal Inteligência é usada em diversos setores, desde as agências estatais, passando por organizações comerciais e instituições financeiras, até mesmo por equipes esportivas (RICHARDS, 2010). Em linhas gerais, Inteligência seria informação. Porém, essencial- mente, é muito mais do que isso. Alguns idiomas não têm palavras ca- pazes de diferenciar esses dois conceitos, contudo, no Brasil, é possível fazermos não só distinções etimológicas, mas, também, sociopolíticas. O que hoje, no contexto brasileiro, chamamos de Inteligência, já foi de- nominado informações e deixou de sê-lo como uma forma de ruptura, mesmo que simbólica, com o Governo Militar. O termo inteligência, entendido neste sentido, passou a fazer parte do debate político brasileiro principalmente a partir da dé-cada de 1990, após a extinção do Serviço Nacional de Informa- ções (SNI), não obstante haja referências a este tipo de atividade desde 1927. Emergiu de uma tentativa de acobertar e superar uma identidade deteriorada que havia se formado em torno da atividade de Informações no regime militar, equivalente a re- pressão e violação dos direitos civis. (ANTUNES, 2001, p. 19) No Brasil, a Atividade de Inteligência submete-se ao controle de órgãos específicos. Quais são eles? Atividade 2 Introdução à Atividade de Inteligência 23 Para além da conjuntura política, é importante enfatizar que existem, sim, diferenças conceituais entre informação e inteligência. Gonçalves (2009), examinando o conceito de Lowenthal (2003), define informação como gênero do qual a Inteligência é espécie, uma vez que toda Inteli- gência é informação, mas nem toda informação é Inteligência. A informação é a matéria-prima da Inteligência ou, como Cepik (2003) definiu, Inteligência é sinônimo de informação analisada ou processada, o que também pode ser tecnicamente chamado de conhecimento. Inteligência é a informação coletada, organizada e analisada para au- xiliar tomadores de decisão (ANTUNES, 2001). Assim, os conceitos não restringem a atividade à esfera governamental, o que explica a infinida- de de “tipos” de Inteligência comumente referidos: Inteligência estratégi- ca, Inteligência militar, Inteligência de mercado, Inteligência policial etc. Para delimitar o conceito de Inteligência como atividade essencial- mente de Estado, alguns autores a atrelam ao sigilo, tanto por utilizar métodos sigilosos quanto por se ocupar em proteger os segredos esta- tais. O que distingue a Atividade de Inteligência de outros serviços de assesso- ramento governamental é o objetivo que, no caso da Inteligência, seria “aumentar o grau de conhecimento sobre os adversários e os problemas que afetam a segurança estatal e nacional” (CEPIK, 2003, p. 29). Ocorre que a preocupação em manter suas atividades em sigilo e conhecer os adversários não é exclusividade da Atividade de Inteligên- cia estatal. Muitas empresas têm departamentos especializados em alcançar vantagens mercadológicas por meio do uso de informações. A essa atividade sistemática, voltada para conhecer o cenário e os con- correntes, chama-se Inteligência competitiva, também conhecida como Inteligência de negócios (Business Intelligence), Inteligência empresarial ou Inteligência organizacional. Dukta (1999) definiu Inteligência competitiva como o processo que envolve a coleta, a análise e a utilização de informações sobre con- correntes e o cenário competitivo. Para Crane (2005), essa atividade é absolutamente legal e ética. No entanto, algumas empresas tendem a incentivar ou endossar, mesmo que tacitamente, comportamentos contestáveis de seus funcionários e colaboradores, o que caracterizaria “espionagem industrial”, que ele define como sendo práticas de Inteli- gência eticamente questionáveis. 24 Inteligência e Segurança Pública Mas, afinal, o que é Inteligência? Inteligência é assessoramento. É isso mesmo: fazer Inteligência é assessorar o processo de tomada de decisão. Mas não é qualquer assessoramento. O profissional de Inteligência aplica uma metodologia específica com o objetivo de diminuir as incer- tezas em relação ao assunto sobre o qual está se debruçando e, assim, produzir um conhecimento útil e oportuno. Ou seja, o assessoramento de Inteligência não é uma opinião de especialista ou recomendação, é produto que resulta de um método. Sherman Kent (1967) desenvolveu um conceito de Inteligência cons- truído sobre três perspectivas: Inteligência como processo, Inteligência como produto e Inteligência como organização. Segundo Kent (1967), essa definição trina consiste em explicar as três acepções usuais da palavra Inteligência empregadas pelos profissionais da área. Inteligência como processo é o que chamamos de Atividade de Inteligência. Trata-se do método aplicado, considerando todas as suas fases. Aqui, estamos falando da Metodologia de Produção do Conhecimento de Inteligência. Exemplo: ações de Inteligência realizadas nas penitenciárias federais resultaram na prisão de dois advogados. Exemplo: Inteligência produzida pela Polícia Federal auxiliou na prisão e deportação de traficante mexicano que atuava no norte do país. Exemplo: a Inteligência americana identificou plano de ataque terrorista contra o Pentágono. A teoria kentiana considera que o resultado dessa Atividade também é um conceito – Inteligência como produto. É o conhecimento produzido após a aplicação da metodologia, ou seja, o documento de Inteligência. Por fim, a forma como essa atividade é organizada também é definida de maneira sinonímica. Assim, as agências, os órgãos e os sistemas que compõem as estruturas organizacionais também são Inteligência. Figura 1 Definição trina de Kent Inteligência Produto Processo Organização Documento Método de produção Estrutura organizacional Fonte: Elaborado pela autora com base em Kent, 1967. Introdução à Atividade de Inteligência 25 Em uma das principais obras sobre o tema – A Produção de Informa- ções Estratégicas – Washington Platt (1974) elenca e explica os princípios básicos para a produção de informações, acrescentando que devem ser levados em consideração em qualquer fase do processo, indepen- dentemente de ser no planejamento de um projeto, na elaboração de um documento ou na discussão dos resultados. Os mais importantes princípios para a produção de informações, conforme Platt (1974, p. 65–69), são: • Finalidade – o princípio da finalidade permeia cada aspec- to de cada projeto de informações. A forma de atacar um projeto de informações sobre influência do uso a fazer dele. Esse uso comanda o calendário, a extensão da cobertura, a linguagem e a forma do tratamento do assunto. • Definições – o princípio das definições claras é essencial na produção de informações. A experiência mostra a gran- de importância de tornar claro, pela definição ou de outra forma, a exata significação de cada palavra ou ideia. Defini- ções claras ajudam a pensar claramente. • Explorações das fontes – o princípio da exploração das fontes requer o perfeito acionamento de todas as fontes que possam jogar alguma luz sobre a informação. Quanto mais variadas as fontes, maior a possibilidade de efetivas verificações cruzadas. Fontes variadas ampliam as bases do documento, aprofundam a perspectiva e diminuem a possibilidade de erros sérios. • Significado – o princípio do significado recomenda que se dê significação aos simples fatos. A busca da significação deve promover-se com vigor. Evidenciar sempre o signifi- cado dos fatos e das afirmações. Apontar-lhe o significado aumenta muito a utilidade de um fato. Os fatos raramente falam por si mesmos. • Causa e efeito – este princípio leva o analista a procurar a relação de causa e efeito em qualquer problema de in- formações. Seguir o rastro da causa e efeito é um meio excelente para entender-se o funcionamento de qualquer situação, evitando mal entendidos. Esse exame, muitas vezes, ajuda a descobrir o fato-chave. (Continua) 26 Inteligência e Segurança Pública • Espírito do povo – uma apreciação deve levar em conta a influência fundamental do espírito do povo. O pano de fundo é a cultura do grupo, incluindo religião, folclore na- cional e todas aquelas ideias que seus membros apren- dem quando crianças. • Tendências – o princípio das tendências baseia-se na mu- tação dos padrões dos assuntos humanos. Este princípio requer uma estimativa provável na direção da mudança. As tendências estão intimamente ligadas à previsão, parte importante da produção de informações. • Grau de certeza – o princípio do grau de certeza conside- ra a idoneidade das afirmações sobre um fato; a precisão dos dados quantitativos; e a probabilidade das estimativas e conclusões. De acordo com esse princípio, uma das res- ponsabilidadesessenciais do produtor de informações é determinar, através de um estudo crítico, o grau de con- fiança, precisão e probabilidade, conforme o caso, de cada elemento importante de seu documento e fazer, então, com que fiquem claros para o leitor. • Conclusões – as conclusões são essenciais para a completa utilidade de um grande número de informações. O prin- cípio das conclusões é um corolário do princípio da fina- lidade. As conclusões exigem uma resposta à questão: E daí? Em muitos documentos, somente as conclusões são lidas e lembradas. É necessário o maior cuidado para que as conclusões tragam os pontos principais clara e concisa- mente, mas não causem enganos devido à brevidade. As conclusões exigem o máximo de um oficial de informações. Os princípios são as proposições norteadoras da atividade, ou seja, são as bases ou os fundamentos que orientam os caminhos que os pro- fissionais de Inteligência devem trilhar. A maioria dos princípios básicos construídos por Platt é contemplada, em sua essência, nas doutrinas de Inteligência adotadas no Brasil – de Estado, Defesa ou Segurança Pública. Por sua vez, a doutrina brasileira define a Atividade de Inteligência como: Exercício permanente de ações especializadas, voltadas para a produção e difusão de conhecimentos, com vistas ao asses- soramento das autoridades governamentais nos respectivos níveis e áreas de atribuição, para o planejamento, a execução, o acompanhamento e a avaliação das políticas de Estado. A Introdução à Atividade de Inteligência 27 atividade de Inteligência divide-se, fundamentalmente, em dois grandes ramos: I – Inteligência: atividade que objetiva produzir e difundir co- nhecimentos às autoridades competentes, relativos a fatos e situações que ocorram dentro e fora do território nacional, de imediata ou potencial influência sobre o processo decisório, a ação governamental e a salvaguarda da sociedade e do Estado. II – Contrainteligência: atividade que objetiva prevenir, detec- tar, obstruir e neutralizar a Inteligência adversa e as ações que constituam ameaça à salvaguarda de dados, conhecimentos, pessoas, áreas e instalações de interesse da sociedade e do Estado. (BRASIL, 2016, p. 1) A divisão da Atividade de Inteligência em dois ramos (Inteligência e Contrainteligência) é essencialmente doutrinária, uma vez que não possuem limites bem definidos, pois são inter-relacionados e interde- pendentes. Os dois ramos produzem conhecimento com a finalidade de assessorar o processo decisório. Contudo, a Inteligência tem caráter mais ofensivo e voltado para a busca de conhecimentos; em contrapar- tida, a Contrainteligência é defensiva e tem o objetivo de impedir a ação de agentes adversos que buscam o conhecimento. Além dos ramos doutrinários da Atividade de Inteligência, existe a função de operações, que se presta a obter dados que não estão dis- poníveis em fontes abertas. Operações é o trabalho de campo da Inteli- gência e auxilia na realização das ações dos dois ramos. O elemento ou o setor de operações utiliza métodos e técnicas sigi- losos para obter dados que estão protegidos por medidas de seguran- ça. Os dados que não estão disponíveis – protegidos ou negados – são considerados mais importantes para a Atividade de Inteligência, pois possibilitam a produção de conhecimentos úteis e privilegiados. O ramo da Contrainteligência é subdivido em dois segmentos: segu- rança orgânica e segurança ativa. A segurança orgânica tem o objetivo de proteger os ativos institucionais; a segurança ativa foca em neutrali- zar as ameaças externas. Segundo o Manual de Contrainteligência do Exército Brasileiro (MINISTÉRIO DA DEFESA, 2019), a segurança orgânica é o segmento da Contrainteligência que visa à implementação de um conjunto de medidas destinadas à prevenção e obstrução de danos a pessoas, da- dos, informações, áreas e instalações. Essas medidas são divididas em quatro grupos: Fontes abertas são aquelas sem qualquer restrição de segurança, nas quais podem ser obtidos dados, como páginas de inter- net, redes sociais, documentos públicos, jornais etc. Saiba mais 28 Inteligência e Segurança Pública Segurança dos recursos humanos Segurança do material Segurança das áreas e instalações Segurança da informação Grupo de medidas cujo objetivo é resguardar a integridade física e moral dos integrantes da instituição. Grupo de medidas destinadas a proteger o material produzido pela instituição, ou que seja de seu interesse, contra danos ou apropriações indevidas. Grupo de medidas que objetivam proteger os locais onde são desenvolvidas atividades institucionais ou armazenados os ativos de interesse da instituição, ou materiais relacionados a eles. Grupo de medidas destinadas a preservar a integridade e o sigilo de informações institucionais, em qualquer meio físico ou digital. A segurança ativa, por sua vez, é o segmento da Contrainteligência que adota medidas, de caráter preditivo, com o objetivo de detectar, identificar e neutralizar ameaças. As medidas de segurança ativa tam- bém são divididas em grupos (MINISTÉRIO DA DEFESA, 2019): Contraespionagem Contraterrorismo Contrassabotagem Grupo de medidas cujos objetivos são detectar, identificar e neutralizar ações de espionagem. Grupo de medidas destinadas a detectar, identificar e neutralizar atos terroristas. Grupo de medidas que objetivam detectar, identificar e neutralizar ações de sabotagem contra os ativos institucionais. Contra-ações psicológicas Grupo de medidas destinadas a detectar, identificar e neutralizar ações psicológicas empregadas com o objetivo de prejudicar a instituição. Contrainteligência interna Grupo de medidas cujos objetivos são monitorar as atividades de membros ou colaboradores da instituição e detectar, identificar e neutralizar eventuais ações que possam comprometer os ativos institucionais. Para que haja efetividade nas medidas de segurança orgânica ou ativa, é necessário haver treinamento constante, conscientização sobre a importância de cumprir as regras e qualidade nas soluções propostas. É importante destacar, também, que, quando estamos tra- tando de Contrainteligência, a regra é: tudo é proibido, a não ser que haja autorização expressa. Introdução à Atividade de Inteligência 29 1.4 Normas e fundamentos jurídicos Vídeo Como vimos na Seção 1.1, a Lei n. 9.883/1999 instituiu o Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN) e criou a Agência Brasileira de Inte- ligência (ABIN). O Decreto n. 4.376/2002 regulamenta a referida Lei e dispõe sobre a organização e o funcionamento do SISBIN. O artigo 5º da Lei n. 9.883/1999 prevê que a ABIN executará a Polí- tica Nacional de Inteligência (PNI), fixada pelo Presidente da República, sob a supervisão da Câmara de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Conselho de Governo (CREDEN). O CREDEN, criado com base no Decreto n. 4.801/2003 (revogado e atualizado pelo Decreto n. 9.819/2019), tem como atribuição “aprovar, promover a articulação e acompanhar a implementação dos progra- mas e ações cujas competências ultrapassem o escopo de apenas um Ministério, incluídos aqueles pertinentes à Atividade de Inteligência” (BRASIL, 2019). Além de ser responsável pela já mencionada supervisão da PNI. Já que estamos falando de controle, é importante destacar que não existe um órgão dentro do Sistema de Justiça Criminal que exerça a fiscalização direta sobre a Atividade de Inteligência. O controle exercido pelo Ministério Público e Poder Judiciário ocorre no caso concreto, por exemplo, quando o magistrado é solicitado a se manifestar em sede de interceptação telefônica ou quando há denúncia de cometimento de crime por algum profissional de Inteligência. Ressalta-se que o Ministério Público, por meio dos núcleos de con- trole externo da atividade policial, não alcança a Atividade de Inteligên- cia. Até porque, nem toda agência de Inteligência é uma agência policialou faz parte de uma. Na Lei n. 9.883/1999, existe previsão expressa de que o controle e a fiscalização externos da Atividade de Inteligência é de competência do Poder Legislativo. Assim, em 21 de novembro de 2000, foi instalada a Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência (CCAI) no Congresso Nacional, inicialmente designada como Órgão de Controle e Fiscalização Externos da Política Nacional de Inteligência – OCFEPNI – (GONÇALVES, 2010). 30 Inteligência e Segurança Pública Estabelecida por meio do Decreto n. 8.793/2016, a Política Nacional de Inteligência (PNI) é o documento de mais alto nível de orientação da Atividade de Inteligência brasileira. A PNI tem como base a Constituição Federal e as obrigações decorrentes dos tratados, acordos e demais instrumentos internacionais aos quais o Brasil se submete. “O seu objetivo é definir os parâmetros e limites de atuação da Atividade de Inteligência e de seus executores e estabelecer seus pressupostos, ob- jetivos, instrumentos e diretrizes, no âmbito do SISBIN” (BRASIL, 2016). A PNI (BRASIL, 2016), como forma de balizar as atividades dos di- versos órgãos de Inteligência, também elenca as principais ameaças à integridade da sociedade e do Estado e à segurança nacional, como: • espionagem: ações cujo objetivo é obter dados ou conhecimen- tos sensíveis sobre o Brasil para beneficiar outros países, orga- nizações, facções criminosas, grupos de interesse, empresas ou indivíduos; • sabotagem: ato deliberado que objetiva comprometer ou des- truir dados ou conhecimentos sensíveis, bem como prejudicar ou inutilizar qualquer componente de cadeia produtiva nacional ou de infraestruturas críticas do país; • interferência externa: atuação deliberada de governos, orga- nizações, grupos de interesse ou indivíduos com o objetivo de influenciar o cenário político brasileiro para favorecer interesses estrangeiros em detrimento dos nacionais; • ações contrárias à soberania nacional: ações que atentam con- tra o respeito incondicional à Constituição Federal e às leis, a au- todeterminação e não ingerência em assuntos de caráter interno; • ataques cibernéticos: emprego de recursos de tecnologia da informação e comunicações com o objetivo de adulterar ou inutilizar redes usadas para a gestão e manutenção de serviços considerados essenciais à sociedade e ao Estado, sejam eles pú- blicos, sejam privados; • terrorismo: considerado uma ameaça à paz e à segurança dos países, esse fenômeno requer atenção e acompanhamento espe- cial da Inteligência, com o objetivo de prevenir e combater ações terroristas e seu financiamento; • atividades ilegais envolvendo bens de uso dual e tecnologias sensíveis: a Inteligência deve identificar empresas, grupos, ins- tituições ou redes que intentem ter acesso a essas tecnologias Introdução à Atividade de Inteligência 31 com objetivos ilegais ou para fins não pacíficos, especialmente nas áreas química, biológica e nuclear; • armas de destruição em massa: armas químicas, biológicas, ra- dioativas e/ou nucleares que representam ameaça à paz mundial e aos países que abdicaram dessa forma de defesa; • criminalidade organizada: organizações criminosas que atuam cometendo delitos graves que impactam a segurança do Estado e da sociedade. Além disso, muitas têm características transnacio- nais, o que enseja cooperação entre países e a atuação integrada dos órgãos de Inteligência; • corrupção: fenômeno capaz de corroer as instituições e descredi- bilizar o Estado e seus agentes, além de flagelar a sociedade com o uso dos recursos financeiros dissociado do interesse público; • ações contrárias ao Estado Democrático de Direito: atos contrários aos direitos e às garan- tias fundamentais, à dignidade da pessoa hu- mana, ao bem-estar e à saúde da população, ao pluralismo político, ao pacto federativo, ao meio ambiente a às infraestruturas críticas nacionais. Em 2017, passou a vigorar, também, a Estra- tégia Nacional de Inteligência (ENINT), elaborada com o objetivo de orientar a execução da PNI, de- finindo os elementos norteadores da Atividade no horizonte temporal de 2017 a 2021 (BRASIL, 2017). Segundo a ENINT, os principais pilares da Ativi- dade de Inteligência são constituídos por quatro grandes eixos estruturantes: atuação em rede; tec- nologia e capacitação; projeção internacional; e se- gurança do Estado e da sociedade (BRASIL, 2017). Além disso, a ENINT define as diretrizes a serem seguidas e con- solida os objetivos estratégicos a serem alcançados. No entanto, é o Plano Nacional de Inteligência (PLANINT) que estabelece as ações a serem executadas. Publicado por meio da Portaria n. 40/2018, do Gabinete de Seguran- ça Institucional, o PLANINT é o documento que define ações estratégi- cas para a Inteligência brasileira e detalha os desafios, os objetivos e as ações que os órgãos integrantes do SINBIN devem desenvolver. Figura 2 Eixos estruturantes da Atividade de Inteligência Atuação em rede Projeção internacional Tecnologia e capacitação Segurança do Estado e da sociedade Fonte: Elaborada pela autora com base na BRASIL, 2017. “Informação é poder”, mas Inteligência é muito mais do que informação. Explique essa frase. Atividade 3 32 Inteligência e Segurança Pública CONSIDERAÇÕES FINAIS A Atividade de Inteligência é milenar. Inicialmente, mesmo sendo rudi- mentar e até mesmo intuitiva, foi essencial para a tomada de decisões que interferiram no curso da história da humanidade. O conhecimento sobre as origens históricas dessa atividade evidencia a sua relevância, especial- mente quando esteve associada aos grandes conflitos armados. Saber definir e conceituar Inteligência, que é o assessoramento ao processo decisório, é igualmente importante. Esse conceito é tão simples quanto abrangente, o que faz com que a Atividade de Inteligência seja útil às mais variadas áreas. Existe uma áurea de clandestinidade construída por imaginário cole- tivo, filmes, séries e matérias jornalísticas. Por isso, não podemos perder de vista que, como atividade governamental, a Inteligência é regida por leis, decretos e outras normas. Não obstante, é passível de fiscalização e controle pelos Poderes Executivo e Legislativo. REFERÊNCIAS A BÍBLIA. Bíblia Sagrada. Brasília: CNBB, 2018. 1776 p. ANTUNES, P. SNI & ABIN: entre a teoria e a prática. Rio de Janeiro: FGV, 2001. ARAÚJO, R. História secreta dos serviços de Inteligência: origens, evolução e institucionalização. São Luís: Ed. do autor, 2004. BARBOSA, E. S. Gêngis Khan e as conquistas Mongóis. In: MAGNOLI, D. (org.). A História das Guerras. São Paulo: Contexto, 2006. BAYLEY, D. H. Padrões de Policiamento. São Paulo: Edusp, 2006. BRASIL. Decreto n. 17.999, de 29 de novembro de 1927. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 3 dez. 1927. 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No Brasil, a Atividade de Inteligência submete-se ao controle do Poder Executivo, por meio da Câmara de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Conselho de Governo (CREDEN), responsável por supervisionar se a atividade está sendo exe- Introdução à Atividade de Inteligência 35 cutada em consonância com a Política Nacional de Inteligência (PNI), fixada pelo Presidente da República. O Poder Legislativo também exerce o controle externo da Atividade de Inteligência, por meio da Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência (CCAI) do Con- gresso Nacional. 3. Inteligência é a informação trabalhada, após a aplicação de um método. É, portanto, uma informação qualificada. Toda Inteligência é informação, mas nem toda informa- ção é Inteligência. 36 Inteligência e Segurança Pública 2 Atividade de Inteligência de Segurança Pública As agências de Inteligência de Segurança Pública (ISP) têm pa- pel extremamente relevante na manutenção da ordem pública, atuando na preservação da integridade das pessoas e do patrimô- nio por meio da produção de conhecimentos que assessorem a elaboração de políticas públicas na área de segurança, que orien- tem o adequado emprego das forças policiais e que auxiliem na investigação de crimes. Neste capítulo, analisaremos a Atividade de ISP, seus funda- mentos doutrinários,origem e evolução, bem como as suas espé- cies e os aspectos que a distinguem da investigação policial. Porém, antes de mergulhar no universo da ISP, você en- tenderá como ela está inserida no contexto geral da Atividade de Inteligência no Brasil e conhecerá os gêneros e espécies de Inteligência existentes. Para proporcionar o completo entendimento sobre o que é ISP, são apresentados os princípios, valores e características que cons- tituem a essência dessa atividade. Além disso, o arcabouço nor- mativo e legal que envolve as ações de ISP é elencado e explicado. O conhecimento sobre as origens históricas da Atividade de Inteligência agora é complementado pelos fatos e normas que ori- ginaram a Atividade de ISP no Brasil. Por fim, apresentaremos as semelhanças e diferenças exis- tentes entre a Atividade de Inteligência e a investigação policial, superando confusões conceituais comumente evidenciadas em matérias jornalísticas e opiniões baseadas no senso comum. Atividade de Inteligência de Segurança Pública 37 2.1 Fundamentos doutrinários Vídeo A Atividade de Inteligência tem como principal função assessorar o processo decisório por meio da produção de conhecimento útil, signifi- cativo e oportuno. Além disso, trata-se de uma atividade transversal, podendo ser empregada nas mais diversas áreas. Essa transversalidade é consequência do alcan- ce e da flexibilidade da Atividade de Inteligência, o que constitui um dos seus principais atributos. Kent (1967) afirma que a Inteligência tem inúmeras for- mas separadas e distintas, e é realizada por uma am- pla gama de departamentos e agências. Nas palavras de Platt (1974, p. 25), “o campo das informações é vasto e complexo. Quase todo ramo do conhecimento lhe é pertinente em certo grau, di- reta ou indiretamente. Interessam-lhe todas as re- giões do globo e todos os períodos da história”. Muitos autores se ocuparam de categorizar a Atividade de Inteligência de acordo com o assunto sobre o qual ela se debruça. Uma das principais classificações foi desenvolvida por Hannah, O’Brien e Rathmell, e é apre- sentada por Gonçalves (2011). Constituem essa classificação: • Inteligência Nacional: abrange todos os aspectos de interesse nacional e extrapola o campo de atuação de um único ministé- rio ou agência. É costumeiramente denominada Inteligência de Estado, uma vez que seus produtos são destinados ao Chefe de Estado, enquanto decisor máximo de um país. • Inteligência Estratégica: voltada para a obtenção de dados e produção de conhecimentos acerca de outros países ou organi- zações estrangeiras, com foco na elaboração das políticas públi- cas na área de segurança nacional. • Inteligência Tática: assessora os tomadores de decisão em nível de comando, chefia e direção de órgãos, agências ou departa- mentos da estrutura governamental. • Inteligência Externa: as agências que desempenham esse tipo de atividade se ocupam de produzir conhecimento com foco nas ameaças e oportunidades externas. Indicamos a Revista Brasileira de Inteligência, uma publicação anual da Agência Brasileira de Inte- ligência (ABIN) que reúne artigos sobre a Atividade de Inteligência. Disponível em: http:// www.abin.gov.br/ revista-brasileira-de-inteligencia/ Acesso em: 04 ago. 2020. Leitura http://www.abin.gov.br/revista-brasileira-de-inteligencia/ http://www.abin.gov.br/revista-brasileira-de-inteligencia/ http://www.abin.gov.br/revista-brasileira-de-inteligencia/ 38 Inteligência e Segurança Pública • Inteligência Interna ou Doméstica (Security Intelligence): tem como principal atribuição a obtenção de dados e produção de co- nhecimentos para assessorar as agências policiais na prevenção e repressão a crimes. • Contrainteligência: destinada à detecção, identificação e neu- tralização de ações de inteligência adversa, em especial de países hostis aos interesses nacionais. • Contraespionagem: voltada para evitar ações de espionagem. • Avaliação (assessment): conhecimentos que analisam conjuntu- ras e cenários, incluindo atingimento de metas, fornecendo aos decisores subsídios para aprimoramento das políticas adotadas. Outras categorizações mais adequadas à realidade brasileira fo- ram feitas e podem auxiliar na compreensão do tema. Ferreira (2014) construiu uma das abordagens mais didáticas, dividindo a Atividade de Inteligência em gêneros e espécies. Contudo, antes de apresentar as categorias, faz-se necessário explicar dois conceitos: os níveis de deci- são e os campos de atuação estatal. Em qualquer atividade humana, seja pública, seja privada, há a necessidade de ser realizado um planejamento básico e funda- mental, que se caracteriza em eleger os objetivos a serem alcan- çados e determinar os caminhos que deverão ser percorridos a fim de atingi-los. Nesse contexto, há quatro níveis de decisão para os dirigentes e planejadores: Político, Estratégico, Tático e Operacional. (FERREIRA, 2014, p. 2) No nível político, a Inteligência tem como objetivo proporcionar a cons- ciência situacional ao decisor de mais alto nível, por exemplo, o chefe do Poder Executivo nacional ou local. Conhecimentos produzidos para assesso- ramento nesse nível versam sobre ações com objetivos políticos, como a própria nomenclatura sugere, ou a elaboração de políticas públicas. Os conhecimentos de Inteligência em nível estratégico têm como cerne o assessoramento das decisões que desdobram as diretrizes po- líticas em planos estratégicos. Os produtos entregues aos decisores de nível estratégico usualmente contemplam avaliações de conjunturas, prospecção ou análise de cenários. Já a produção de conhecimentos de Inteligência para assessora- mento de decisões em nível tático implica na decomposição dos planos estratégicos em ações para alcançar os objetivos definidos pelos deci- sores nos níveis anteriores. Níveis de decisão: político, estratégico, tático e operacional. Importante Atividade de Inteligência de Segurança Pública 39 Por fim, no nível operacional, a Inteligência assessora a execução das ações de caráter mais pontual ou com alcance limitado, como pro- duzindo conhecimentos que auxiliem o decisor a definir qual a moda- lidade de policiamento (a pé, motorizado, a cavalo, aéreo etc.) é mais adequada para atuar em determinada região ou para reprimir uma or- ganização criminosa específica. Figura 1 Níveis de decisão Ab er t/S hu tte rst oc k Político Estratégico Tático Operacional Fonte: Elaborada pela autora. Por sua vez, os campos de atuação do Estado, mencionados por Ferreira (2014), são: político, econômico, militar, psicossocial e científico-tecnológico. Também podem ser denominados como Ex- pressões do Poder Nacional, segundo a doutrina militar. Poder Nacional é a capacidade que tem o conjunto dos homens e dos meios que constituem a Nação, atuando em conformida- de com a vontade nacional, para alcançar e manter os objetivos nacionais. Manifesta-se em cinco expressões: a política, a econô- mica, a psicossocial, a militar e a científica e tecnológica. (BRASIL, 2015, p. 200) Com base nos níveis de decisão e nos campos de atuação estatal (Expressões do Poder Nacional), Ferreira (2014) divide a Inteligência entre Inteligência de Estado ou Clássica e Inteligência Empresarial, con- siderando o caráter público ou privado da atividade. A Inteligência de Estado pode ser empregada em todos os níveis de decisão e campos de atuação, enquanto a Inteligência Empresarial é utilizada no setor corporativo, especialmente por empresas de grande porte. Campos de atuação estatal: político, econômico, psicossocial, militar e científico-tecnológico. Importante 40 Inteligência e Segurança Pública Basicamente, a Inteligência Empresarial possui dois componen- tes: um passivo, eminentemente de defesa e segurança orgânica (patrimonial), e outro ativo, eminentemente agressivo, onde sur- gem algumas novas denominações, como Inteligência Competiti- va (Competitive Intelligence) e Inteligência de Negócios (Business Intelligence).
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