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O Meu Coração está com as Crianças (1)

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V. SUKHOMLINSKI 
~ , 
0 l\1EU CORAGAO ESTA 
COM AS CRIANGAS 
Edit;oes Progresso 
.Moscovo 
de Herm£n1o 
CEP,l:(I.J.E OT}J.AIO }J.ET,SIM 
IW nopryzaAbCKO!tt J!3b!Ke 
~ 1-b.D.aTeJibCTDO «:Pa.D.HHbCKa IllKOJia» 
© Tradur;ao para o portugues 
Edir;oes Progresso, 1989 
Impressa na URSS 
4306000000-288 
c. 014(01) - 89 169- 89 
ISBN 5-01-001-284-7 
V. Sukhomlinski provou na pratica e na teoria 
que e possivel fornecer uma instrw;ao secundaria 1110-
derna a qualquer crianc;a que goze ge boa saude, 
mesmo numa escola vulga1;, sem necessidade de de-
strinc;ar entre crianc;as mais dotadas e menos dotadas. 
Assim sendo, nao fez descobertas pedag6gicas novas, 
mas soube encontrar a medida certa que da ao pro-
fessor a possibilidade de concluzir a crianc;a ate aos 
conhecimentos, seguindo os programas oficiais. 0 
que e fundamental para Sukhomlinski e acordar na 
cri:mc;a o desejo de aprender, alimentar dentro deJa 
a necessidade de se auto-instruir e auto-educar . 
. Sukhomlinski estudou os seus alunos paciente-
mente, com minucia, aconselhando-se com os ou-
. tros professores, com os pais, comparando os seus 
pontos de vista com os dos grandes pedagogos do 
passado, deixando-se guiar pela sabedoria popular. 
Para instruir as crianc;as, e preciso ama-las. S6 
assim o professor .sera capaz de despertar nelas a ale-
gria do trabalho, educar a amizade, o sentido de hu-
manidade. 0 professor tern forc;osamente de desco-
brir o caminho que leva ao corac;ao de cada crianc;a. 
S6 assim conseguira ensin_a-la a amar a familia, a 
escola, o trabalho, os corihecimentos e a Patria. Ne-
ste metodo - uma via conducente ao corac;ao das 
crianc;as - assentou toda a actividade pedag6gica de 
V. Sukhomlinski. 
Descobrir nos seus alunos tudo o que de melhor a 
Natureza deu ao homem, conhecer as suas virtudes 
morais, formar urn individuo honesto, devotado aos 
ideais comunistas - eis o objectivo da actividade 
deste professor sovietico. 
4 
A pedagogia 'de V. Sukhomlinski e a da bondacle, 
ci a verdade, da cultura dos sentimentos e do pensa-
mento, e a pedagogia cia formac;ao do homem e do 
cidadao. 
iNos ultimos 20 anos da sua vida, V. Sukhomlinski 
anotou permanentemente as suas observac;5es, as suas 
reflex5es, 0 que !he permitiu elaborar varias obras e 
artigos. 0 meu corafao esta com as crianfas, Nasci-
m ento dum cidadiio, A Escola Secundaria de Pav-
lich, 0 sabio poder do colectivo, sao obras que repre-
sentam a sintese da riquissima experiencia deste pe-
dagogo admiravel. 0 proprio Sukhomlinski dizia 
que os seus escritos eram urn «produto de Makaren-
ko". Tinha em alto aprec;o a experiencia pedagogica 
e de vida do educador sovietico Anton Makarenko 
( 1888-1939). 
0 metodo de A. Makarenko repousava num pro-
funda respeito e numa imensa confianc;a no indivi-
duo. Esteve a frente duma colonia de trabalho para 
jovens, nos anos 20, epoca muito dificil para a Re-
publica Sovietica, em que muitas crianc;as haviam 
perdido os pais, as familias, tinham ficado sem eira 
nem beira. Para atenuar a infelicidade desses garo-
tos havia que rodea-los de calor, de atenc;5es, dar-
-lhes uma nova familia. Foi em familia que o colec-
tivo se torhou para as crianc;as ao cuidado de Malm-
renko. Para reeducar estas crianc;as, romper com 
h::lJbitos profundamente enraizados, novos metodos 
eram necessarios. E brilhantes foram OS que Maka-
renko encontrou. 'M as o elemento essencial do siste-
ma de M akarenko, na opiniao de V. Sukhomlinski, 
era «a ressonancia constante, inesgotavel do huma-
5 
nismo, «a beleza cativante das melhores aspira<;oes 
humanas». 
0 contactb entre professores e crian<;as, o clima 
de afecto - coisa que Makarenko afirmou em teo-
ria e na pd.tica - encontra-se na escola de Pavlich, 
dirigida por V. Sukhomlinski. Ambos os pedagogos 
ligavam a educa<;ao a uma visao civica do mundo, 
viam a beleza do individuo na sua devo<;ao ao pais 
e aG> povo a que pertence. Estavam persuadidos de 
que ensinar os jovens a viver era muito mais que 
dar-lhes simplesmente uma compreensao do Bern e 
do Mal, era ensinar-lhes a intransigencia para: com 
o mal social e a injusti<;a. 
0 legado pedag6gico de V. Sukhomlinski centra-
. -se no seguinte: na escolha dum metoda educativo, 
seguiu os principios de Makarenko, segundo os quais 
qualquer metoda utilizado isoladamente dos outros 
pode dar resultados positivos, mas negativos tam-
hem. Na educa<;ao, o que importa e todo urn sistema 
de meios, de metodos, harmoniosamente combina-
das. 
A teoria da educa<;ao colectiva, que se associa em 
primeiro Iugar ao nome de Makarenko, foi confir-
mada pela pratica educativa de Vassili ~sukhomlin­
ski. Nos nossos dias, e impossivel formar as crian-
<;as fora do colectivo, porque uma tal educa<;ao da 
a crianc;a a alegria dos contactos, a possibilidade de 
afirmar as suas capacidades. 
0 actual desenvolvimento da pedagogia e o aper-
feic;oamento das escolas requerem, necessariamente, 
uma aten<;ao muito intensa as descobertas e reali-
zac;oes de todos os educadores progressistas e sua he-
6 
ranc;a. Os resultados excelentes da actividade de Su-
khomlinski confirmam-no. Tudo o que por ele foi 
criado assenta numa base {mica e visa formar a ge-
rac;ao em crescimento num espirito de elevada mo-
ralidade e civismo. 
* * * 
Vassili Sukhomlinski deixou este mundo prema-
turamente. A sua partida, aos 52 anos, teve a ver 
com a guerra. 
Quando, em 1941,, eclodiu a Grande Guerra Pa-
tria contra a Alemanha fascista, Sukhomlinski, entao 
com 23 anos e tendo acabado de obter o diploma de 
professor primario na escola normal de· Poltava, ali-
stou-se no exercito. Sua mulher, Vera, ficou em Pav-
lich, ocupada pelos nazis. Ali prestava ajuda aos 
guerrilheiros. No decorrer duma missao fof feita pri-
sioneira pela Gestapo. Na prisao, deu a luz urn filho. 
Os hitlerianos submeteram a brutais torturas esta 
corajosa mulher para ouvirem da sua boca os no-
mes dos chefes dos guerrilheiros, mas ela nada disse. 
Mataram-lhe o filho, com poucos dias de vida, a 
sua frente. Vera foi enforcada ... Vassili Sukhomlin-
ski lutava, nessa altura, contra os invasores nas pro-
ximidades de Moscovo. Urn ferimento grave afa-
stou-o do servic.<o activo. Guardaria para sempre no 
peito estilhac.<os mortiferos e no corac;ao a sua tra-
gedia pessoal. 
Ate ao derradeiro dia de vida, 2 de Setembro de 
1970, Vassili Sukhomlinski viveu para as crianc;as. 
Os anos passaram, o pais sarava as feridas, novas 
7 
gera<;oes que s6 souberam da guerra pelos manuais 
de Hist6ria nasceram. Os miudos de Pavlich des-
copheciam que aquele que os educava, os levava 
para o campo, para a floresta, era urn homem que 
tinha a arder no peito, ha mais de 20 anos, as mar-
cas da guerra. 
A medicina mostrou-se impotente para valer a 
este homem invulgar. Sukhomlinski morreu no seu 
posto, no come<;o dum novo ano escolar, depois de 
ter aberto, uma vez mais, as portas da sua escola a 
uma nova fornada de alunos. 
0 legado pedag6gico de Sukhomlinski, a sua expe-
riencia de educador sao alvo de cada vez maior 
aten<;ao por parte de professores e pai~, tanto na 
Uniao SovU!tica como em todo o mundo. 
PR6LOGO 
Caros leitores e colegas, professores, educadores 
e directores de escola! 
A presente obra ·e o balan<;o de bastantes anos 
de trabalho na escola, o fruto de reflexoes, de pre-
ocupa<;oes, de inquieta<;oes, e de angustias. 
Trinta e tres anos de actividade iniriterrupta numa 
escola rural foram para mim anos de uma ventura 
incompanivel. Dediquei toda a vida as crian<;as e, 
depois de muito refletir, decidi intitular este meu 
livro de 0 meu coraqiio esta com as crianqas, achan-
do que esse direito me assistia; 0 desejo que me 
anima e 0 de con tar aos pedagogos, . aqueles que 
trabalham actualmente na escola ou aqueles que nos 
vao-de suceder uma grande parte da minha vida, 
urn perlodo que· se estende ao longo de 10 anos: des-
de o dia em que urn miudo pequeno, urn catraio; 
como e uso dizer-se entre n6s, profcssores, cntra para 
a cscola ate ao momentasolenc em que, feito ho-
mem, recebe o seu diploma de fim dos estudos se-
cundarios das maos do director e entra na vida de 
trabalho independente. E ncste perlodo que Ci indi-
vlduo se forma, mas para 0 professor e uma boa par-
te· da vida. Que e que foi essencial ' na minha vida? 
9 
Responderei sem pestanejar: o m e u a m o r p e-
1 a s c r i a n <;: a s. 
E natural, caros leitores, que nao concordem com 
certas coisas que aparecem neste livro. E possivel que 
alguma coisa lhes pare<;:a estranha, surpreendente. 
Pe<;:o-lhes, antes de mais, que nao vejam neste livro 
urn manual universal, uma receita acabada, que diz 
aos professores como devem ensinar as crian<;:as, os 
adolescentes, os jovens rapazes e raparigas. Para usar 
uma expressao da linguagem pedag6gica, direi que 
esta obra se destina a ac<;:ao educativa para-escolar 
( ao tra:balho educative no sen tido estricto do termo). 
Nao foi minha inten<;:ao abarcar urn curso no seu 
conjunto, todas as particularidades didacticas do pro-
cesso de estudo das bases das materias. Para usar 
uma expressao da linguagem das subtis rela<;:oes hu-
manas, direi que esta obra e dirigida ab cora<;:ao do 
pedagogo. 0 meu esfor<;:o tendeu no sentido de con-
tar como fazer entrar urn pequeno homem no mundo 
do conhecimento, do meio circundante como ensi-
na-lo a estudar, como facilitar a sua actividade in-
telectual, acordar e afirmar no seu espirito sentimen-
tos e emo<;:oes superiores, como educar nele o sen-
tide da dignidade, a fe na bondade intrinseca do 
homem, como transmitir-lhe o amor infinite da 
URSS, seu pais natal, fazer germinar na fina inteli-
gencia e no cora<;ao sensivel duma crian<;:a os primei· 
ros graos da fidelidade aos nobres ideais comunistas. 
0 livro que tendes nas vossas maos e consagrado 
ao trabalho de educa<;:ao nas classes menores. Ou, por 
outra, e consagrado ao mundo da infancia. Ora, a 
infancia, o mundo infantil e urn mundo a parte. As 
10 
crian<;as tern as suas ideias sabre o Bern e o Mal, a 
honra e a desonra, a dignidade humana. Tern crite-
rios pr6prios de beleza, do mesmo modo que tern a 
sua no<;ao de tempo: na infancia, urn dia parece urn 
ano, urn ano uma eternidade. Para ter acesso ao pa-
lacio mirabolante que da pelo nome de I n fa n c i a, 
sempre procurei tornar-me, ate certo ponto, uma 
crian<;a. S6 nesta condi<;ao as crian<tas deixam de ver 
em n6s urn intruso no seu mundo fabuloso ou urn 
guardiao que vigia esse mundo, urn guardiao a quem 
pouco importa o que se passa la dentro. 
Uma ressalva se impoe ainda a prop6sito do con-
teudo deste livro e do caracter da experiencia em ap-
re<tO. A escola primaria e sobretudo 0 trabalho cria-
dor dum s6 professor. Assim sendo, evitei proposi-
tadamente mostrar o trabalho do corpo docente e rlos 
pais. Se tivesse mostrado tudo isso no presente vo-
lume, ele teria engrossado desmesuradamente. 
Num livro consagrado a infancia, e impossivel nao 
falar das familias donde provem as crian<tas, dos pais. 
Se nao tivesse feito uma caracteriza<tao completa e 
fiel da ambiencia familiar, a finalidade do meu sis-
tema de eduCa<taO nao poderia Ser compreendida. 
Acredito firmemente na grande for<ta da educa<tao, 
como o fizeram, antes de mim, Nadejda Krupskaia, 
Anton Makarenko e outros eminentes pedagogos. 
A ESCOLA DA ALEGRIA 
Director de escola 
Depois de ter trabalhado durante dez anos como 
professor primario, fui nomeado director da escola 
de Pavlich, na Ucrania. Foi entao que as convic<;oes 
pedag6gicas que fui ganhando ao Iongo desses dez 
anos tomaram definitivamente forma. Foi entao que 
nasceu em mim a vontade de ver as minhas convic-
<;oes traduzidas numa 'obra de cria<;ao. 
Quanto mais tne empenhava em por em pnitica 
essas convicc;oes, mais evidente se tornava para mim 
que, para dirigir os estudos e a acc;ao educativa, 
era preciso saber encontrar a soluc;ao das tarefas 
ideol6gicas e organizacionais a escala de toda a es-
cola e mostrar urn exemplo pessoal no trabalho. A 
eficiencia do director de escola, enquanto coordena-
dor dum corpo docente, sera maior se OS professores 
virem nele urn born professor, alguem que participa 
directamente na educa<;ao das crianc;as. 
A educac;ao e, antes de mais, urn contacto per-
manente entre professor e aluno. 0 grande pedagogo 
russo C. Uchinski (1824-1870) 1 dizia que o director 
1 As Edi<;oes Progresso publicaram, em ingles, as suas 
Obras Escolhidas. 
12 
era o principal educador na escola. Mas em que con-
di<_;oes se cumpre esse papel de educaclor principal? 
Educar as crian<_;as por intermedio ·dos professores, 
ser o professor dos professores, ensinar-lhes a eiencia 
e a arte da educa<_;ao, e s6 uma componente por mui-
to importante que seja, do processo multiplo que e 
a direc <_;ao duma escola. Quando o educador prin-
cipal se limita a ensinar como formar, sem ter con-
tactos com as crian<_;as, deixa de ser urn educaclor. 
Os factos vieram convencer-me, logo desde as pri-
meiras seman as de trabalho como director· de escola, 
que a via que conduz aos cora<_;oes das crian<_;as me 
fic.ll'ia para sempre obstruida se nao partilhasse dos 
seus interesses, dos seus embara<_;os e das suas aspi-
ra<_;oes. Sem uma influencia educativa di·recta sobre 
as crian<_;as; arriscava-me, como director, a perder a 
qualidade essencia:l do professor-educador, a capaci-
dade de penetrar no mundo interior das crian<_;as. In-
vejava os titulares de classe porque eles estavam sem-
pre com as crian<_;as. 0 educador tern conversas in-
timas com OS seus alunos, vai com eles ate a floresta 
ou para as margens dum ribeiro ou ainda fazer tra-
balhos no campo. As crian<_;as esperam com impaci-
encia o dia de partir em expedi<_;ao, fazer a comida 
ao ar livre, pescar, acampar, ver as estrelas cintilar. 
0 director como que fica de fora. Esta la para orga-
nizar; dar conselhos, chamar a aten<_;ao para as. insu-
ficiencias, corrigi-las, encorajar 0 que e valido e proi-
bir o que e indesejavel. Certamente que nao se 
podera passar sem tudo isto, mas, isso. nao me sati-
sfazia. i 
Conhe<_;o muitos excelentes directores de escola 
13 
que tomam parte activa no trabalho de educac;ao. 
Sao pedagogos ex:perimentados, cu jos cursos sa~ mo-
delos para os professores. Tomam parte activa na 
vida, nas actividades da organiza_s:ao dos pioneiros e 
do Komsomol. Tern algo que oferecer aos professo-
res, aos titulares de classe, aos monitores dos pionei-
ros. Mas parecia-me, e esta impressao transformou-se 
em convicc;ao com o andar dos anos, que o director 
perfeito se forma como educador por uma partici-
pac;ao directa e prolongada na vida dum colectivo in-
fantil de base. 0 meu desejo era estar com as crian-
c;as, partilhar das suas alegrias e das suas amarguras, 
estar perto delas, 0 que e uma das grandes alegrias 
do professor que faz acto de criac;ao. De tempos a 
tempos, esforc;ava-me por me associar a vida deste 
ou daquele grupo de crianc;as; ia trabalhar com os 
alunos ou dar uns passeios ou fazer expedic;oes com 
eles, ajudava a criar essas alegrias incompara.veis, 
sem as quais nao sera possivel imaginar uma educa-
c;ao verdadeiramente valida. 
Mas tanto as crianc;as como eu eramos sensiveis 
ao !ado artificial destas relac;oes. Preocupava-me este 
aspecto «hastardo» da situac;ao: as crianc;as nao con-
seguiam esquecer-se de que a minha ;presenc;a entre 
elas era apenas temporaria. A comunidade autentica 
s6 nasce quando o professor se torna urn velho ami-
go, urn companhelro de ideias, urn camarada nos em-
preendimentos comuns. Sentia a necessidade desta 
comunidade nao apenas pela alegria da criatividade 
que ela procurava, mas ainda para poder ensinar aos 
meus colegas a arte e a ciencia da educac;ao. 0 tra-
to directo, quotidiano, com as crianc;as e uma fonte 
14 
de rdlexoes, de descobertas pedag6gkas, de aiegrias, 
de angustias, de decep~oes, em suma, de tudo aquila 
sem o qual e impassive! qualquer cria~ao no nosso 
trabalho. Cheguei a conclusao de que o educador 
principal deve ser educador dum pequeno colectivode miudos, seu amigo e camarada. Esta certeza ali-
cer~ava-se em convic~5es pedag6gicas que tinham 
ganho corpo muito antes da minha chegada a Pav-
lich. 
Desde os primeiros anos de ensinan~a que digo 
que uma verdadeira escola nao pode ser apenas urn 
sitio onde as criap.~as adquirem conhecimentos e de-
streza. 0 estudo e uma coisa certamente muito im-
portante, mas nao e tudo na vida espiritual duma 
crian~a. Quanta mais de perto acompanhava aquila 
a que chamamos o processo de estudo e de educa-
~ao, mais se enraizava em mim a ideia de que a ver-
dadeira escola e a vida espiritual multipla dum co-
lectivo de crian~as, em que professores e alunos estao 
unidos por uma multitude de interesses e de afini-
dades. Aquele que s6 ve os seus alunos nas aulas -
professor dum !ado da secretaria e alunos do outro -
nao conhece as crian~as por dentro. Ora quem nao 
conhece a alma das crian~as, os seus pensamentos, 
os seus sentimentos, as suas aspira~oes nao pode ser 
urn educador. A secretaria do professor torna-se mui-
tas vezes uma muralha de pedra por detras da qual 
lan~a «a ofensiva» contra «o Immigo», os alunos, 
mas na maioria dos casas esta secretaria torna-se 
uma fortaleza sitiada, que «O inimigo» toma de as-
salta, e o «general», que com ela se escuda, sente-se 
atado de pes e maos. 
15 
·Mesmo com professores profissionaimente compe-
tentes, a educa<;ao transforma-se, por \lezes, numa 
azeda embirra<;ao pela simples razao de nao existi-
rem la<;os espirituais a unir professor e alunos e de 
a alma da crian<;a, mortificada, nao se deixar desco-
brir. A razao principal destas rela<;oes inadmissiveis 
entre professor e aluno, que se verificam em algumas 
escolas, esta na desconfian<;a, na ~uspei<;ao mutua: 
0 professor nao e semivel aos impulsos intimas da 
alma infantil , nao sente as alegrias e as tristezas das 
crian<;as, nao faz esfor<;os para, mentalmente, se co-
locar no Iugar das crian<;as. 
0 grande pedagogo polaco Janusz Korczak ( 1878-
1942) insiste, numa das suas cartas, na necessidade 
de nos elevarmos ate ao mundo espiritual da crian<;a 
e nao de condescender a nele penetrar. Trata-se du-
ma ideia subtil que n6s, pedagogos, s6 temos a ga· 
nhar em compreender. Sem por a crian<;a nos pin-
caros, sem !he atribuir qualidades excepcionais; o 
verdadeiro pedagogo tern a obriga<;ao de saber que 
a percep<;ao infantil do mundo e as suas reac<;oes 
emocionais e morais a realidade que a rodeia estao 
marcadas por mna limpidez, uma precisao e uma 
espontaneidade particulares. 0 apelo de Janusz a 
elevarmo-nos ate ao mundo espiritual da crian<;a deve 
ser compreendido como o imperativo duma com• 
preensao subtil da percep<;ao infantil do mundo, dum 
conhecimento pela inteligencia e pelo cora<;ao. 
Estou firmemente persuadido de que ha qualida-
des sem as quais nao se conseguira ser urn verdadeiro 
educador e, entre essas qualidades, o primeiro Iugar 
cabe a faculclade de penetrar no mundo espiritual 
16 
da crian<;a. S6 pode ser urn born m estre quem nunca 
se esquecer de que tambem ja foi crian<;a. A desven-
tura de muitos professores (as crian<;as e sobretudo 
os adolescentes apelidam-nos de velhas carca<;as) e 
que eles se esquecem que 0 aluno e, acima de tudo, 
urn ser vivo, que faz a sua entrada no mundo, do 
conhecimento, da cria<;ao e das rela<;oes humanas. 
Na educa<;ao nao existem coisas disparatadas, 
que ajam isolaclamente sobre o ser humano. As au-
las sao uma forma organizacional essencial do pro-
cesso de conhecimento do mundo pelos alunos. Toda 
a estrutura da vida espiritual das crian<;as depende 
da maneira como elas aprendem a conhecer o mun-
do, das convic<;oes que nelas se cristalizam. Mas o 
conhecimento do mundo nao se confina a uma sim-
ples assimila<;ao de conhecimentos. A desventura de 
muitos professores e que eles medem e avaliam 0 
mundo espiritual da crian<;a pelas notas . e pelas 
classifica<;oes recebidas, e que eles dividem 0 con-
junto dos alunos em duas categorias: os que apren-
dem hem as li<;oes e os outros. 
Mas se esta e a situa<;ao pouco invejavel em que 
se encontra o professor que tern uma visao trunca-
da da multiplicidade e diversidade da vida espiri-
tual do aluno, que dizer entao do director cuja mis-
sao consiste tao-s6 em controlar o trabalho do corpo 
docente, em dar, em tempo oportuno, «indica<;oes 
gerais», em autorizar ou em recusar? A sua posi<;ao 
e ainda menos invejavel. Urn tal papel significava 
para mim urn fardo terrivel. Sentia-me infeliz quan-
do aco~tecia encontrar os almws profundamente 
embrenhados numa coisa qualquer, de concerto com 
2-1251 17 
6 seu educador. Por mai.s que tentasse dirigir-me a 
eles, nao davam por mim. As crian<;as partilham com 
o educador uma vida espiritual muito rica, terri • os 
seus segredos. Que necessidade ha, entao, dum direc~ 
tor deste tipo? Os metodos e formas de direc<;ao que 
vingaram nas escolas da Russia antes da Grande Re-
volu~ao Socialista de Outubro de ·1917, em que o 
director era de facto urn inspector, urn funcionario 
administrativo, de 'cujas fun«oes fazia parte velar ·se 
0 pedagogo expunha bern 0 programa, se nao tinha 
dito qualquer coisa a mais ou errada, sao hoje ' ana~ 
cr6nicos. 
A essencia da arte de dirigir uma escola moderna 
consiste ·em fazer de modo que na obra educativa, 
em toda a sua ·complexidadeJ garihe forma, amadu-
rec;a e se afirme aos olh~s dos professores a melhor 
experiencia, aquela que encarna as ideias pedag6gicas 
de vanguarda. Aquele que· cria semelhante experien-
cia e cujo trabalho se torna' urn exemplo para os ou-
tros educadores, esse devera 'ser 'o director da· escola. 
Muito dificilmente se podera imaginar uma escola 
dos nossos dias sem tim tal director, sem uma 'pes-
soa que seja urn excelente educador. A educa~ao e, 
antes de inais, o estudo do ser humano. Sem· urn co-
nhecimento da crian~a, do seu desenvolvirnento ih-
teleetual, do seu pensamento, dos seus interesses, das 
suas aJpetencias, das suas capacidades, das suas vir-
tualidades, das suas inclina~oes, nao ha . educa«ao. 
Tal · como o medico-chefe do hospital nao pode ser 
urn verdadeiro medico se nao ve doentes, tambem 0 
director de escola nao podera dirigir OS educadores 
se nao tiver os seus alunos. S e us, no sentido de 
18 
que, desde o tnomento etn que a crian~a e,ntra ha 
escola ate ao dia em. que obtem o seu diploma final, 
ele percorre com ela todos os escal5es, preocupando-
-se • directamente com o seu desenvolvimento mental, 
moral, estetico, emocional e fisico; o director deve 
ter tambem interesses comuns com a crian~a e trans-
mitir-lhe a sua riqueza espiritual. 
Quem e a figura central na escola? Em que esfera 
do processo de educa~ao o director deve ser urn mo-
delo a ser seguido pelos restantes educadores? A fi-
gura principal da escola e 0 educador do colectivo 
infantil de base, a turma. Ele e, a urn tempo, profes-
sor, amigo das crian~as e director da sua vida espi-
ritual multifacetada. 0 estudo e apenas uma das 
petalas da flor a que se chama educa~ao, no sentido 
lato do termo. Em educa~ao, nao ha. nada que seja 
essencial ou acess6rio, do mesmo modo que nao ha 
petala principal entre as varias petalas que fazem a 
beleza da flor. ,Em educa~ao, tudo e importante: as 
aulas, 0 desenvolvimento dos interesses multiplos das 
crian~as fora das aulas e as rela~5es entre os alunos 
no seio do colectivo. 
Ao fim de seis anos como director da escola, tomei 
a meu cargo uma tw-ma. E claro que esta nao e a 
unica via que propicia urn contacto espiritual directo 
entre director e alunos, mas era a que mais me con-
vinha na minha situa~ao. 0 trabalho como educa-
dor directo dum colectivo de crian~as e, para mim, 
uma experiencia duradoira levada a cabo em con-
di~5es naturais. 
Antes de contar o que foi feito ao longo de mais 
de dez anos, acho que devo deter-me numa questao 
i9 
importa:me que, em boa parte, determina o conteu-
do e o objectivo dum trabalho pnitico. Em te!'lllOS 
de forma~ao do individuo, cabe urn papel eminente-
mente importante a:osanos da inffincia, a idade pre-
-escolar e da escola primaria. 0 grande romancista 
e educador Leao Tolstoi (1828-1910) dizia que, des-
de o momenta em que nasce ate aos cinco anos de 
idade, a crian~a adquire muito mais em termos de 
razao, sentimentos, vontade e cara.cter que no resto 
da vida. Esta ideia foi retomada pelo pedagogo so-
vietico Anton Makarenko: urn individuo sera aquila 
que for antes dos cinco anos. 
Janusz Korczak, homem duma beleza moral pou-
co vulgar, escreveu no seu livro Quando eu for pe-
.queno que ninguem sabe se o aluno tira mais provei-
to quando olha para o quadro ou quando uma for~a 
irresistivel (a for~a do Sol que faz radar. o girassol) 
0 obriga a olhar pela janela. Que e para ele mais 
benefico, mais importan te, nesse preciso mom en to: 
o mundo 16gico circunscrito ao quadro negro da sala 
de aulas ou aquele que desfila para la do vidro? Nao 
violentem a alma duma criatura pequena, examinem 
com aten~ao as leis do desenvolvimento natural de 
cada crian~a, acompanhem as suas particularidades, 
as suas tendencias e as suas necessidades. 
Nunca me esquecerei das palavras lidas num pe-
queno livro de capas cinzentas que li em palaeo. 
Quando, pouco depois da guerra, figuei a saber qual 
tinha sido o gesto her6ico de Janusz Kor-czak, essas 
palavras passaram a ser urn mandamento da minha 
vida. Janusz Korczak era educador num orfanato 
duma «ilha» de Vars6via. Os hitlerianos condena-
20 
ram OS desafortunados mittdos a morrer nos fornos 
cremat6rios de Trebliinka. Quando foi dado a esco-
lher a Janusz Korczak continuar a viver sem as crian-
c;;as ou morrer com elas, nao hesitou urn instante. 
«Sabemos que e urn hom medico e nao ha. necessi-
dade de ir para Treblinka» •- disse-lhe urn agente 
da ·Gestapo. «A minha conscienci3: nao esta a ven-
da» - respondeu Janusz Korczak. 0 her6i partiu 
p3.1I'a a morte com as crianc;;as, esforc;;ando-se por re-
conforta-las, por mitigar o horror da espera da mor-
te. A vida de Janusz Korczak, o seu gesto duma forc;;a 
e duma pureza moral espantosas fizeram-me ·com-
preender que para ser urn verdadeiro educador d~ 
crianc;;as e preciso fazer-lhes dadiva do corac;;ao. 
C. Uchinski escreveu que podemos amar com mui-
ta forc;;a uma pessoa com a qual vivenios permanen-
temente sem disso nos da.rmos conta ate que, urn dia, 
uma infelicidade nos faz tomar consciencia de quao 
profunda e a nossa ligac;;ao. Pode-se viver toda uma 
vida sem se saber quanto se ama· a patria, ate que 
urn acontecimento, uma ausencia prolongada, por 
exemplo, venha revelar toda a veemencia desse 
amor. Estas palavras ocorrem-me a mente, sempre 
que fico rriuito tempo sem ver as minhas crianc;;as, 
sem sentir as suas alegrias e as suas penas. Com o 
tempo, ganhou forc;;a dentro de mim a seguinte con-
vicc;;ao: uma das coisas que distingue urn hom peda-
gogo e a sua afei«;ao pel as crian~as. · Mas se, confor-
me dizia Constantin Stanislavski (1863-1938), «OS 
seritimentos nao se encomendam», a educa«;ao dos 
sentimentos do professor, do educador, constitui a 
propria essencia duma elevada cultura pedag6gica. 
21 
1Sem uma· permuta espiritual constante entre pro-
fessor e aluno, sem uma penetrac;ao redproca no mun-
do dos pensamentos, dos sentimentos, das emoc;oes 
urn do outro nao podera haver «cultura dos senti-
mentos», que e a seiva da cultura pedag6gica. A prin-
cipal fonte da educac;ao sentimental do pedagogo 
situa-se ao nivel das relac;oes mU.ltiplas em termos de 
sentimentos e emoc;oes com as crianc;as no seio dum 
colectivo unido, coeso pela amizade, em que o pro-
fessor nao e apenas urn perceptor, mas tambem urn 
amigo, urn camarada. Sao impensaveis relac;oes emo-
cionais se o professor s6 se encontra com os alunos 
nas aulas e s6 ai se faz sentir a sua influencia. 
iNao se podera admitir sequer a ideia de que a 
instruc;ao obrigat6ria e uma violencia exercida sobre 
0 pequeno indivlduo, que 0 quadro negro e a submis-
sao das crianc;as, enquanto 0 mundo para la das ja-
nelas representa a liberdade autentica. 
Durante os anos cjue precederam a minha nomea-
c;ao para a escola de Pavlich, muitas foram as oportu-
nidades de me convencer do imenso papel desempe-
nhado pelo professOT primario na vida duma crian-
c;a. Ele deve tornar-se num ser tao querido, tao ne-
cessaria a crianc;a como a propria mae. A confianc;a 
que o pequeno aluno deposita no seu professor, a 
confianc;a mutua entre 0 educador e 0 aluno, 0 ideal 
de humanismo que a crian<_;a ve naquele que a instr6i, 
sao regras elementares e ao mesmo tempo muito 
complexas e sabias da educac;ao que 0 professor deve 
ter compreendido para se tornar urn verdadeiro tu-
tor -espiritual. Uma das virtudes mais preciosas do 
educador e 0 seu humanismo, 0 amor profunda que 
devota as crian«_;as, urn amor em que ~e combinem 
a ternura vinda do cora«_;ao, a firmeza sensata e a 
severipade duma mae ou dum pai. 
A infancia e urn periodo essencial na vida duma 
pessoa e nao apenas uma prepa:ra«_;ao para a vida fu~ 
tura, . mas sim uma existencia verdadeira, exultante, 
original e {mica. Da maneira como tenha decorrido 
a infancia, da quesGo de saber quem orierttou a 
crian«_;a ao Iongo destes anos, que e que do mundo 
envolvente penetrou no seu espirito, no seu cora«_;ao, 
de tudo isto depende, em grau determinante, aquilo 
em que se ha-de tornar; quando adulto, . o petiz de 
hoje. A forma«_;ao do canl.cter, do pensamento, da 
verve do individuo opera-se na idade pre-escolar e 
nos primeiros anos de escola. Quem sabe se tudo o 
que entra no espirito e cora«_;ao duma crian«_;a atraves 
dos livros, dos manuais. e das aulas nao entra por-
que, ao lado, ha o mundo envolvente em que o pe-
qJ.leno ensaia os seus primeiros passos, desde o nasci-
mento are ao momento em que ela possa folhear e 
ler urn livro. 
0 longo processo do conhecimento come«_;a na in-
fancia. Esta descoberta, pela razao e pelo cora«_;ao, 
dos valores morais que sao intrinsecos a moral comu-
nista: amor sem reservas a Pitria, que faz com que 
se esteja disposto dar a vida· para a sua felicidade, 
grandeza, poderio e firmeza face aos seus inimigos. 
Durante 33 anos, estudei o v0cabulario das crian-
«_;as das classes elementares, l:Ilkdias e superiores, bern 
como dos adultos. 0 quadro e surpreendente. Uma 
crian«_;a de 7 anos oriunda duma familia de kolkho-
sianos (pai e mae com educa«_;ao secundaria e urna 
23 
biblioteca com 300 a 400 livros) sa be, no mom en to 
de entrar para escola, de 3 mil a 3 mil e quinhentas 
palavras da sua Ilngua materna, e sens1vel a sua co-
lora~ao afectiva, e 1 500 dessas palavras fazem parte 
do vocabulario que utiliza regularmente. Urn opera-
rio ou urn kolkhosiano munidos de instruc;ao secun-
daria; com idades entre 45 e 50 anos, compreendem 
os matizes de 5 mil a 5 mil e quinhentas palavras da 
sua Hngua materna, das quais entre 2 mil e 2 mil 
e quinhentas fazem parte do seu vocabulario de to-
dos OS dias. Este e urn facto que prova a evidencia 
a importancia dos anos da infancia na vida dum in-
div1duo. 
A firme convicc;ao de que o periodo pre-escolar e 
o dos primeiros anos de escola predetermina, em boa 
medida, 0 futuro dum individuo nao equivale a ne-
gar as possibilidades duma reeducac;ao num periodo 
mais tardio. A. Makarenko demonstrou com brilhan-
tismo pelo seu proprio exemplo a forc;a da reeduca-
c;ao. Ele atribu1a uma importancia excepcional aos 
primeiros anos. A tarefa da educac;ao nao e corrigir 
os erros cometidos na primeira infancia, mas evitar 
esses erros, tornar desnecessaria uma reeducac;ao pos-
terior. 
Trabalhando como director de escola, tive ocasiao 
de · verificar, por infelicidade minha, quanta a exi-
stencia natural das crianc;as pode ser adulterada des-
de que, para urn professor, educar seja apenas en-
cher as· cabec;as com o maximo de conhecimentos. 
E imposs1vel, · sem sentir uma dor pungente, ver 
como e mutilada a vida natural das crianc;as, naQ s6 
durante as aulas, m as tambem nos grupos ditos de 
21 
permanencia prolongada1 • Existem, infelizmente,es-
colas, onde, depois de cinco ou seis horas de aulas, 
as crianc;as tern que ficar na escola mais quatro ou 
cinco horas e onde, em vez de se distrairem, de se 
descontrairem, de viverem em contacto com a natu-
reza, se enfronham de novo nos livros. 0 tempo que 
passam na escola transforma-se num periodo fati-
gante, que nao ha meio de passar. Isso nao pode 
ser! Os grupos e as escolas de permanencia ·prolan-
gada sao uma forma de educac;ao muito valida. E. 
ai que se criam coridic;oes favoraveis a uma permu-
ta espiritual continua entre o professor e o aluno, 
sem as quais e impensavel a educac;ao duma elevada 
cultura dos sentimentos. P01r infelicidade, uma ideia 
excelente pode muitas vezes ser subvertida: a fre-
quenca do grupo de permanencia prolongada trans-
forma-se em algo infindavel: a crianc;a continua cin-
gida a carteira e s6 lhe resta ver as horas passar. As-
sim se esvaem as suas energias. 
Porque e que isto acontece? 
Porque e mais facil continuar as aulas que levar 
as miudos a:te urn campo relvado, urn parque ou 
urn bosque. 
E lamentavel que a experiencia positiva das melho-
res escolas com permanencia prolongada; uma expe-
riencia suficientemente bern ilustrada nas ·publica-
c;oes da especialidade, nao erie raizes noutros !ados. 
A razao principal esta na debilidade geral da acc;ao 
educativa ( compreendida no sentido restrito da pa-
lavra). 
1 Grupos de estudos, corn vigiHlncia, depois das aulas. 
Vivemos num tempo, em que sem conhecimentos 
cientifkos, nem o trabalho, n~m as mais elementa-
res relac;;oes humanas, nem o cumprimento do clever 
dvico de cada urn sao possiveis. 0 estudo nao pode 
ser urn jogo facil, agradavel, que s6 nos reserva ale-
grias e satisfac;;ao. A vida dum cidadao de tenra ida-
de nfio sera urn simples passeio por urn caminho jun-
cado de rosas. E nosso clever educar homens alta-
mente instJruidos, trabalhadores tenazes, preparados 
para ultrapassarem dificuldades pelo · menos tao 
grandes como as .que · os seus pais, avos e antepassa• 
dos tiveram de veneer. 0 nivel . de conhecimentos 
dum jovem dos anos 70-90 sera muito mais eleva-
do que o dos jovens das decadas anteriores. Quanto 
mais o circulo de conhecimentos a ministrar se for 
alargando, mais e preciso ter em conta a natureza do 
organismo humano na epoca do. crescimento, a for-
mac;;ao impetuosa do individuo ' nos anos da sua in-
fancia. 0 homem sempre foi urn filho da natureza e 
continuara a se-lo, e 0 que ele tern de panintesco com 
a natureza deve ser utilizado no sentido de poder as-
similar as riquezas da. cultura es,piritual. 0 mundo 
que rodeia a crianc;;a e, antes de mais, 0 da natureza, 
com a infinita riqueza das suas manifestac;;oes e a 
sua inesgotavel beleza. :E a natureza que e a fonte 
eterna do intelecto infantil. Mas, simultaneamente, 
ve-se crescer, de ana para ana, o papel dos elementos 
do meio que se prendem com al' relac;;oes sociais entre 
as pessoas, com o trabalho. 
0 processo da descoberta das realidades e urn esti-
mulante emocional do pensamento que coisa nenhu-
ma pode substituir. Para a crianc;;a em idade pre-
escolar e das primeiras classes, este estimulante de-
sempenha urn papel muito importante. A verdade 
na qual se faz a generalizac;ao dos objectos, dos fen6-
menos do mundo circundante torna-se convicc;ao pes-
soal das orianc;as, desde que tenha sido espiritualiza-
da pelas representac;oes brilhantes que actuam sobre 
os sentimentos. E de grande importancia que a cri-
anc;a aprenda a conhecer . as primeiras verdades ci-
entHicas no mundo que a rodeia, que a fonte do seu 
pensamento seja a beJeza, a inesgotavel complexida-
de dos fen6menos naturais, que a crianc;a seja gra-
dualmente introduzida no mundo das relac;oes so-
dais e do trabalho. 
Desde a primeira hora das · minhas actividades na 
escola de Pavlich que me interessei pelas crianc;as das 
classes iniciais, especialmente pelas da primeira clas-
se. Com que emoc;ao as pequenas criaturas passam 
a porta da escola nos primeiros dias de aulas, com 
que confianc;a fixam o olhar do professor! Porque e 
que acontece, muito frequentemente, que alguns me-
ses ou mesmo semanas depois, essa pequena chama 
que brilha nos seus olhos se extingue? Porque e que, 
para certas crianc;as, o estudo se torna urn tormento? 
E, no entanto, e verdade que. todos OS professores 
estao sinceramente interessados que se mantenha esta 
espontaneidade infantil, a alegria da descoberta do 
mundo, todos querem que o estudo seja para as ori-
anc;as urn trabalho apaixonante, sustentado pela in-
spirac;ao. 
Isso nao acontece sobretudo porque o professor 
conhece muito pouco do mundo espiritual de cada 
uma das crianc;as antes da sua entrada na escola e 
27 
porque a vida dentro das paredes da escola, deter~ 
minada pelo estudo e pelos toques de sineta, conduz 
a urn nivelamento das crian~as em que todas sao me-
didas pela mesma bitola, o que impede que se reve-
le a riqueza do seu mundo individual. E verdade 
que fiz recomenda~oes aos professores prhmirios sobre 
o que era preciso fazer para desenvolver OS· interes-
ses, diversiJicar a :vida espiritual' das crian~asj mas s6 
conselhos nao chegam. Uma ideia pedag6gica im-
portante cuja essencia se desvenda nas rela~oes entre 
alunos e professores s6 se torna clara quando aos 
olhos do corpo docente ela aparece como urn edificio 
harmonioso, erguido aqui mesmo na escola. Esta a 
razao por que me empenhei numa ac~ao educativa 
escalonada para 10· anos com o colectivo duma clas-
se. 
A vida da classe, a que nos referiremos mais adi-
ante, nao esta desligada da . vida da escola no seu 
conjunto. Por isso, em muitos casos; tratei formas e 
rnetodos de eduea~ao utilizaveis no quadro de toda 
a escola. No entanto fi-lo Ztpenas para real~ar o co-
lectivo da dasse, pois o conteudo da ac~ao educati-
va levada a cabo em classe e que e a condi~ao maior 
do sucesso da educa~ao a nivel de toda a escola. 
· Primeiro ano 
estudo das crian~as 
No Outorro de 1951, · tres· semanas antes do co-
me<;o do ano ~ escolar, paralelamente a inscric;;ao dos 
68 
1uturos alunos da primeira\ a escola aceitou tomar 
conta dos meninos ·e meninas com 6 anos, quer dizer 
daqueles que, s6 no _ano seguinte, atingiam a idade 
de entrar para a escola. Foi com estas crian<;as ·que 
tvabalhei durante dez anos. 
Quando reuni todos os pais e respectivos filhos e 
propus que estes ultimos entrassem para a escola urn 
ano antes de oficialmente preciso, as opinioes dividi-
ram-se. Alguns pais aprovaram a minha inten<;ao, 
considerando que, dada a ausencia dum jardim de 
infancia aberto todo o ano ( o jardim de · infancia 
existente en tao na aldeia s6 funcionava no Verao), 
a pn!-escolariza<;ao dos filhos daria muito jeito a fa-
milia; outros disseram recear que esta frequencia 
antecipada dum estabelecimento escolar viesse, a ter 
efeit9s nefastos para a saude das criangas. «Tem 
muito tempo para se f.artarem de aulas - , disse a 
mae de Liuba. Infancia feliz e antes da escola». Afir~ 
ma<;oes destas levaram a que, uma vez mais, me de-
bru<;asse sobre o canicter nefasto da brusca pertur-
ba<;ao provocada na vida da crian<;a quando entra 
para a escola, dissesse para mim mesmo que o im-
portante e dar toda a latitude ao desenvolvimento 
das for<;as naturais da crian<;a. Disse en tao · aos pais 
que a frequencia da ·escola, urn ano antes, nao signi-
ficava ficar confinado as salas de aula. 
Tinha necessidade daquele ano pa'ra melhor co-
nhecer cada crian<;a, par.:1. estudar as particularidades 
. . 
' As classes, nurna escola de dez anos qa URSS, vao 
des de a Ja, ·aos 7 · imos, ate a I 0•, aos 16 anos aproxirnada-
mente. 
29 
indivicluais da sua percep~ao das coisas, do seu peh-
samento, do seu esfor~o -,mental. Antes de dar conhe-
cimentos, hi que ensinar a ·refletir, a perceber, a 
observar. Hi ainda que conhecer bern as particulari-
dades individuais da saude de cada aluno, sem 0 que 
nao e possivel ensinar normalmente. 
iEduca~o mental nao e 0 equivalente de aquisi-
c;ao de conhecimentos.Embora seja impossivel sem 
a instru~ao, da mesma maneira que nao hi folhas 
verdes sem raios de Sol, a educa~ao do intelecto nao 
se identifica mais com a instru~ao que as folhas ver-
des como Sol. 
0 educador ocupa-se da materia pensante, cuja 
faculdade de percep~ao e compreensao do mundo 
depende, em grande medida, da saude da crian~a. 
Esta correla($aO e inuito delicada e de dificil deter-
mina($aO. 0 estudo do mundo espiritual das crian~as, 
particularmente dos seus pensamentos, constitui uma 
das tarefas bisicas do professor. 
Os. pais dos meus alunos 
Para bern conhecer. as crian~as, e necessaria conhe-
cer a familia - pai, mae, irmaos, irmas, av6s. Na 
area da nossa escola, havia 31 crian~as com seis anos 
de idade, sendo ·16 mpazes e 15 raparigas. Todos os 
pais aceitaram enviar os seus filhos para a Escola da 
Alegria - foi assim que as maes e OS pai~ denomi-
naram, pouco tempo depois, o nosso grupo pre-esco-
lar. Destes 31 oatraios, 11 ~ao tinham pai e 2 eram 
6rfaos de pai e mae. A sorte destes dois menin~s, Vi-
30 
tia e Sacha, era tdgl.ca. 0 pal. de Vitia, guerriiheiro 
na Grande Guerra Patria (1941-194·5), fora morto 
pelos hitlerianos, depois de ter sido selvatic~cmte 
torturado na presen~a de sua mulher. A mae de Vi-
tia enlouqueceu. 0 pequeno nasceu seis meses depois 
deste tragico a-contecimento. A mae morreu no parto 
e a crian<;a foi salva por urn fio. 0 pai de Sacha mor-
n!u na frerite de combate e a mae durante a luta pela 
liberta~ao da aldeia da ocupa~ao nazi. 
1Semanas antes da abertura da Escola da Alegria, 
quis conhecer cada uma das familias. Preocupava-me 
o facto de em algumas nao existirem boas relaf$6es 
entre pais e filhos, entre pai e mae. Nalguns casos, 
nao existia sequer respeito mutuo, sem 0: que e im-
possivel uma crian~a ter vida feliz. 
Diante de mim esta o pequeno K6lia, olhos negros, 
rosto macilento, nariz arrebitado. Uma expressao de 
desconfian<;a no olhar. Sorrio-lhe, e ele fecha-se ain-
da mais. Penso no ambiente anormal que me foi 
dado observar na sua familia. 0 pai de K6lia tinha 
estado preso antes da Guerra Patria. Vivia entao a 
sua familia na bacia do Donetz. Durante a ocupa~o 
nazi, saiu da prisao e a sua familia mudou-se para 
a nossa aldeia. Mae e pai aproveitaram-se das desgra-
f$aS das pessoas para juntar dinheiro e dedicar-se a 
neg6cios escuros: especula<;ao, receptaf$aO das coisas 
roubadas pelos «poliiei» ao servif$o dos nazis. A mae 
roubava ~alinhas no aviario do kolkhose e ensinou 
K6lia e o irmao mais velho a · apanhar corvos. Os 
mi{tdos matavam as aves e a mae assava-as no chur-
rasco para os vender, como fningos, no mercado ... 
Olho para este rapazinho; desejoso de !he arrancar 
31 
urn sorriso, mas o que vejo no seu rosto e medo e 
alienac;ao. Como despertar no teu corac;ao, K6lia, 
bons sentimentos humanos? Que poderei opor ao 
odioso clima de maldacle e de desprezo pelos ho-
mens em que tens crescido? Procuro os olhos, que 
me parecem nada ver, da mae, e neles leio desdem, 
0 que me faz ficar pouco a-vontade. 
Pencei e repencei antes de me decidir revelar estes da-
dos aos leitores. Risquei dezenas de vezes o que tinha 
escrito, para o reescrever. Poderia ter-me contentado 
em dar uma caracterizac;ao de conjunto: pai e mae 
nao eram urn exemplo de honradez para o filho ... 
Isso, porbrn, seria deitar muita agua na fervura. Nao, 
nao se poderia iludir 0 facto de que a maldade e as 
torpezas ainda existem a nossa volta. Seria inutil que-
rer levantar uma muralha de pedra para proteger a 
escola disso. Para combater e veneer essa maldade, 
para limpar as jovens almas dos vicios herdados do 
velho mundo, ha que se encarar a verdade de frente. 
Macilento, cabelos de estopa e olhos dum azul d 
ceu primaveril, T6lia esta de pe, ao !ado da mae, 
estreitando-se contra ela, agarrado a sua mao, mas 
de olhos no chao, que s6 levanta a instantes, subrep-
ticiamente. 0 pai deste rapazinho teve uma morte 
her6ica nos Carpatos e por isso foram enviadas a 
mae varias condecorac;oes, conferidas a titulo o6s-
tumo. T6lia tern orgulho do pai, mas a mae goza de 
rna reputac;ao na aldeia: leva uma vida de deprava-
c;ao e praticamente nao quer saber do filho ... Que 
fazer para que tao grande infort{mio nao mutile 0 
corac;ao desta pequena criatura de seis anos? Que 
fazer para que a mae an·epie caminho e no seu co-
32 
ras;ao renass;a o • sentido das suas ' obrigac;oes · para 
como filho? 
A guerra · deixou marcas profundas, feridas 'que 
continuam . a sangrar. Tenho diante de mim crianc;as 
nascidas .em 1945, algumas mesmo em 1944, e varias 
sao 6rfas desde que vieram ao mundo. Por exemplo, 
Iura. 0 pai morreu no penultimo dia da guerra, na 
Checoslovaquia .. A mae adora o filho e procura sa-
-tisfazer todos os seus ,caprichos. 0 avo vive com eles 
e tambem ele quer que nada falte ao seli Iura. Esta 
crianc;a cle seis anos pode tornar-se · num pequeno 
tirano. 0 amor cego duma: mae . e tao pernicioso co-
mo a indiferenc;a. 
Petrik veio acompanhado da · mae e do avo. Eu 
tinha ouvido· falar hastlinte da vida dificil da mae 
.dele. ·0 seu primeiro marido tinha abandonado a fa-
milia antes da guerra. A mulher casou-se de novo, 
•illaS 0 Casamento nao foi feliz: Veio ··a saber-se que 
o pai de Petrik •tinha familia num sltio qualquer da 
Siberia e para Ia partiu, mal acabou a guerra. Por 
brio, a ' mae · deGidiu fazer crer ao filho que o. pai 
tinha morrido· na• frente. 0 mi{Jdo contava 'aos seus 
pequenos camaradas as fac;anhas imaginarias ·do pai, 
mas eles nao acreditavam e diziam-lhe que o pai os 
tinha engan·<icio. ·Petrik, · banhado em ' lagrimas, · corria 
para a mae. Pessoas sem coras;ao tinham semeado a 
desconfianc;a em relac;ao ao proximo, 6 -azedume na 
·alma do pequeno. Seria passive! fazer qualquer coisa 
para que esta crianc;a pudesse cr'er no bern? · · .. , 
K6stia ja · tinha sete anos tnas ainda: nao ia para a 
escola. Foi levado pelo pai, a madrasta· e o· avo. Tam-
bern ele tinha sido afectado pela guerra. Algumas se-
3-1251 S3 
manas depois cia liberta<;;ao cia aldeia, a mae de K6s-
tia, gravida dele ( estava no fim do tempo), encon-
trou uns objcctos metalicos que deu ao seu filho mais 
velho; de 7 .anos, para brincar. Entre esses trastes ha-
via um detonador de min a. Deu-se a explosao: o miu-
do ,tombou fulminado. A mae tentou.enf(i)rcar-se. Hou-
ve pe.ssoas que acorreram a tempo e conseguiram sol-
ta-la. Nos sobressaltos da agonia, a mulher deu a luz 
K6stia. 0 menino sobreviveu por milagre. Uma vi-
zinha que tinha uma crian<;;a de peito amamentou-o. 
0 pai voltou da £rente. Adorava o filho, protegia-o, 
cobria,p de carinhos; a madrasta excelente mulher, e 
o avo gostavam muito dele. Mas K6stia nao tinha 
ainda cinco anos quando outra desgrac;a aconteceu. 
Encontrou um objecto metalico brilhante no campo, 
comec;qu a bater com ele e. . . explosao. E levado 
c.heiQ de sangue para o hospital. K6stia iria oficar sem 
a . mao esquerda e sem o olho do mesmo lado para .o 
resto da v,ida: graos azulados de p6lvora ·marcaram 
pa ra sempre o seu rosto ... 
Quanta bondade, quanta ternura, nao sera preciso 
dar-te, K6stia, para que seja1> um homem feliz? Como 
£alar .com o teu pai, com a tua tao bondosa madrasta 
e . com o teu avo para: que o seu all,lm; seja razoavel 
e exigente? Como vais tu aprender?( Di:t;em os teus 
familiares que tens frequen~es dores de cabec;a. Co-
Il,lo facilitar-te OS estudos,. fortalecer a tua saude, dis-
sipar as, ideias tristes que te afligem? Contou-me o 
teu pai qu~ ha alturas em que corres a isolar-te para 
chorar e que os jogos dos teus pequ,~nos ·carriaradas 
~ao te dizem nada ... 
Este aqui e Slava, rapazinho . sisudo e de olhos 
34 
azuis, que veio pela mao da mae. Esta conhece a 
amarga sorte duma mulher s6. Anda na ·casa dos 
cinquenta. Quando jovem, sonhou certamente com 
a felicidade, mas a natureza nao a favoreceu e nin-
guem queria casar com ela. A juventude passou e a 
felicidade nao . veio, Ate que urn homem, como ela 
s6, regressou da guerra, cheio de cicatrizes.Acabaram 
por casar. Efemera, porem, foi a felicidade: o marido 
morreti. Todo o seu amor e transferido para o filho, 
mas nao o criava como era devido. Dizia-se que Sla-
va nao mostrava afeic;;ao por ninguem, que ficava 
dias inteiros em casa e bastava perguntar-lhe qualquer 
coisa para que, no seu olhar, se vislumbrasse, uma .ex-
pressao malevola. Acabo de fixar o miudo . nos olhos, 
que logo ganharam uma expressao ao mesmo tempo 
arrogante e plena de desconfianc;;a. 
Quanto m ais conhecia os meus futuros alunos, mais 
dizia para comigo que uma das tarefas essenciais que 
me iriam competir era a de restituir a infancia aque-
les que no seio das suas familias a nao conheciam. 
Em tres anos de trabalho na escola, conheci deze-
nas de crianc;;as como estas. A vida mostra que se nao 
se conseguir instilar no pequeno individuo fe na jus-
tic;;a, crenc;;a no bern, nunca mais ele conseguira sentir-
-se urn homem, experimentar o sentimento da sua 
propria dignidade. Chegado a adolescericia, urn tal 
aluno torna-se empedrenido, malevolo, para ele nao 
ha nada de sagrado, as palavras do professor nao 
!he chegam ao corac;;ao. 
Sarar a alma duma crianc;;a assim e uma das tare-
fas· mais diflceis do educador; e Jieste trabalho deli-
carlo, extremamente meticuloso, que se efectua, de 
35 
facto, 0 grande teste a arte de conhecer 0 ·ser burna-
no. Entregar-se ao seu estudo nao e s6 ver sentir como 
a crianc;a aprende a conhecer o Bern e o 1\tial. E 
tambein proteger do mal o fragil corac;ao infantil. 
Fixando os olhos negros, azuis ou cinzentos destas 
crianc;as, perguntava-me a mim mesmo se teria sufi-
ciente bondade para transmitir calor aos seus cora-
c;oes. Recordei as palavras de Nadejda Krupskaia: 
«Para a crianc;a, a ideia e insepa ravel do individuo. 
0 que diz 0 professor de que ela goste e percebido 
duma maneira: muito diferente do que . dito por urn 
individuo que despreze, que lhe seja estranho1». Ia eu, 
pois, educar com a palavra . e com o meu exemplo 
pessoal. As crianc;as deveriam ler bondade, verdade 
e beleza nas minhas palavras .e nos meus actos. Por 
detras de cada afirmac;ao . minha, deveria haver ca-
lor, cordialidade, sinceridade. 
Galia chegou com o pai. Ela e sua irma mais nova 
tiveram· urn grande desgosto. Morreu-lhes a mae. Urn 
ano depois, o pai casa-se de novo com uma mulher 
boa, honesta, sensivel. Esta compreendia o que se pas-
sava nos corac;oes das meninas e procurava mostrar-
-se cautelosa na expressao dos seus sentimentos, na 
esperan!(a de ganhar a sua afeic,;ao. Mas as semanas e 
os meses. passavam, e Galia e sua irma nem sequer 
queriam falar com a sua madrasta. Era como se niio 
existisse. A pobre da mulher chorava, pedia conselho 
.ao marido, aos familiares: que devia fazer? Chegou 
a pensar ir-se embora, mas urn filho nasceu e com ele 
a esperanc;a de que o hebe quebrasse o gelo no cora-
~iio das meninas. Nada disso. Estas (sobretudo Galia) 
' N. K. Krupskaia. Sobre o professor. M, p. 143-144. 
36 
faziam de conta que ele nao extst!a. Como dirigir-·se 
a este cora<;ao soberbo? Qtie conselho dar ao pai e a 
madrasta, que dizer-lhes, quando o pai ja tinha vindo 
a escola para me confiar a sua tristeza? Dissera-lhe 
que nao lhe poderia aconselhar fosse 0 que fosse, en-
quanta nao conhecesse melhor Galia. · 
Rechonochudinha, olhos cinzentos, sorridente, La-
rissa esta sentada junto a mae, de crisantemo na mao. 
Sei que a mae vive numa dor profunda. 0 marido 
abandonou-a. A menina nao se recorda do pai. E a 
i:nae dizia sempre: «0 papa ha-de voltar». Depois, 
casou-se com urn homem bondoso, operario do par-
que de maquinas e tractores. Conseguiu convenccr a 
menina que este hdme·m era seu pai. Larissa gosta 
muito do pai, mas a mae vive no medo de que urn 
deslize de quem quer que fosse acabe por fazer des-
cobrir a verdade. A menina e feliz, mas ha que estar 
vigilante para proteger o seu cora15ao das dolorosas fe-
ridas que possam ser abertas por palavras insensatas. 
Estaremos em condi156es de o conseguir juntamente 
com OS seus bons pais? Urn pai que s6 0 e de op-
~SaO . ... Oxala todas as crian15as tenham urn pai como 
o de Larissa, mesmo sendo apenas padrasto. Quanta 
mais eu aprendia a conhecer este homem, mais se 
consolidava em mim a convic15ao de que o verdadei-
ro pai e aquele que cuida duma crian15a. Visitava 
frequentemente esta familia, onde pude verificar urn 
fen6meno interessante: havia nos olhos da menina a 
mesma bondade, a mesma ternura, a mesma sensibi-
lidade que havia nos do pai adoptivo. Deles transpare-
cia a mesma admira~ao, o mesmo arrebatamento pe-
ra.nte a beleza que transpareciam dos do padrasto. 
37 
Deste tinha Larissa os gestos; a mimrca, a expressao 
de espanto, de su'rpresa, de seriedade. 
Fedia, .. Mais urn que nao tinha pai e que por di-
versas vezes tinha ouvido remoques, insinuac_<oes a pro-
p6sito da conduta pouco exemplar· da mae. A duvida 
mortificava a alma da crian<_<a: a mae tinha-lhe dito 
que o pai tinha morrido na £rente. Conheci a mae 
de Fedia ainda antes da guerra. Nao foi feliz a sua 
vida durante as hostilidades. Como introduzir o ·ra-
pazito no mundo complexo das relac_<oes humanas 
para que nao seja molestado por questoes dolorosas? 
N6s, educadores, esquecemo-nos a cada passo que 
para os mais pequenos o conhecimento do mundo 
come<_<a pelo conhecimento do homem. 0 bern e o 
mal sao revelados a crian<_<a no tom com que 0 pai 
se dirige a mae, nos sentimentos espelhados no seu 
olhar, nos seus gestos. Conheci · uma menina que se 
escondia nos sitios mais reconditos do pomar para 
chorar, quando via o pai chegar do trabalho de mau 
humor e sorumbatico, enquanto a mae fazia todos 
os possiveis para !he ser agradavel. 0 corac;ao da 
crian<_<a estava dilacerado pelo rancor ao pai e com-
paixao pela mae. . . ' 
Estes sao, porem, apenas OS primeiros trac_<os, epi-
dermicos, das rela<_<oes humanas que a crian<_<a apreen-
de. ·Ora, que se passa no seu corac_<ao quando uma 
palavra proferida ao acaso, uma zanga entre a mae 
e 0 pai lhe dizem que OS pais nao se amam e ter-se-
-iam divorciado se nao tivessem 0 filho ou a filha? ' 
Nina e Sacha sao gemeas e vieram ate a escola pela 
mao do pai. Esta grande familia Cquatro filhos para 
alem "das gemeas) nao escapa a infelicidade: desde 
38 
ha anos que a mae de familia esta retida no leito 
por causa duma doent;a grave. As irmas mais velhas 
encarregam-se dos trabalhos domesticos. 0 pai tern 
ralat;oes que cheguem. Nina e Sacha ja sabem o que 
e trabalhar. Poucas sao as alegrias que tern 'tido na 
vida. Quando estas duas meninas viram urn balao 
verde nas maos dum rapaz, os seus olhos iluminaram-
-se, mas logo se apagaram. Vi tanta amargura nesse 
olhar que fiquei com urn n6 na garganta. Como ac-
tuar para dar a estas meninas a alegria limpida e 
serena da crbnt;a? Serei capaz de o fazer? 0 pai avi-
sou-me de antemao que as filhas s6 ·virao a escola 
urn a bora por . dia, poi's tern de a judar em cas a. 
Estamos todos sentados na relva, a' sombra duma 
grande pereira. Digo aos 'pais e familiares o que deve 
ser a educat;ao das criant;as, ·explico-lhes o que · se po" 
de dizer na sua present;a, mas o espirito continua 
assoberbado pelas desgrat;as, pelos azares de 'todas 
estas familias . Cada uma tern o seu calvaria, mas re-
vela-lo diante de todos, dar conselhos na present;a 
de terceiras pessoas seria p0r a nu, expor a ·alma dou-
trem, mostrar 0 que e pessoal e profundamente inti-
mo. E meu clever conhecer tudo isto, mas ja nao pos~ 
so £alar disso diante de· todos os pais. Se for preciso 
ir ate aos recantos mais iritimos dos corat;oes dos pais, 
tenho que o fazer canl.-a-cara e pesando bern todas 
as minhas palavras. As feridas que carregam no cora-
t;ao, as infelicidades, os vexames, as dores, as angus-
tias, as inquietat;oes, os sofrimentos dos pais · e das 
maes de que falei (a maior parte dos pais dos meUSi 
alunos sao excelentes pessoas) sao tao individuais que 
de nada ad ian tara ten tar fazer · generalizat;oes. Quan-
39 
do se revelouem mim o entrcb,;aclo complexo entre 
o born e o mau nas pessoas sentadas a meu lado, com• 
preendi que nao existem pais que deliberadamente 
d,i~em mau exemplo aos fi)hos . 
. · Talvez o leitor ache que ha demasiadas misefias e 
infortunios no que acaba de s:er evocado - no fim 
de contas, trata-se apenas dum {mico colectivo de 
crian«;as. Nao n6s esque«;amos, porem, que tudo isto 
sao feridas deixadas pela guerra. Os primeiros anos 
do 'fi6s-guerra pertencem ja a urn passado distante. 
As graves chagas morais de entao ja -cicatrizaram e 
aqueles que soletravam .as .prin1eiras palavras quando 
estalaram nos ares ctS salvas de. fogo de · ~rtificio ·da 
vit6ria, em 1944-194·5, tornaram-se, por sua vez, maes 
e pais, os filhos dos nossos alunos .dos anos que -se se-
guiram a guerra frequentam ha bastante tempo a es-
cola, estando· a;lguns deles no limiar da adolesd~ncia. 
Nas . jovens familias de hoje tudo deve · raiar 'de feli-
cidade, pelo mcnos assirn pareceria ser, mas na vida 
as coisas seguem frequentemente outro 1·umo. Tam-
bem .hoje ha infortunios, desgra,;as, tragedias ... Que 
dizer, pois, dos anos que se seguiram ao fim das hos-
tilidades, Regozijava~me com o ·facto de 'que entre os 
pais; a maioria dos casais-se clavam bern, viviam em 
clima de born entendimento e cuidavam bern · dos 
filhos . 
, Vejamos o caso do. pai de Vania, rbbusto gaiato 
de 7 anos. E ;Urn born agricultor, apaixonado por tu-
do 0 que e da terra, qu.e trabalha generosamente seja 
pa ra quem for .. Todos os anos faz crescer,.·no seu lote 
individu.al, dezenas de pes de macieiras e de videiras 
que distribui. Sua mulher, chefe cluma ·equipa de se-
40 
ricultores; e uma especialista a valer, mulher de cora-
«ao grande c mac dedicada. Durante OS duros anos 
de 1933-1934, acolheu em casa quatro 6rfaos que sal-
von de morrerem ·a fome e criou como se fosse· seus 
filhos. Chamam-lhe· mae. 
0 pai de Lucia, uma menina ·com uma espantosa 
cabeleira negra. repartida por grossas trari~:;as, e . ho-
mem de grande probidade. E urn daqueles de quem 
se diz serem moralmente bonitos. Na maioria: dos ca-
sas, essas pessoas nao dao nas vistas. A beleza· ·moral 
manifesta-se nas rela<5oes com ·as seus semelhantes. 
E poLico provavel que 0 pai de Lucia alguma vez 
tcnha 'dito que e preciso scr sensivel, compreensivo. 
Ele ensina OS filhos a serem sensiveis, ternos, huma-
nos, pela .sua maneira de ser, pelas -rela~_;oes que man-
tern com a ·rnulher. A mae de L1tcia e cardiaca e tra-
balhou na· planta<;;ao de beterrabas do kolkhose. 0 pai 
encarrcgou-se. de todos os afazeres domesticos. 
0 pai e a mae de Katia transforma·ram ·o seU: po-
mar numa especie de dube para a pequenada: desde 
que desponta a :Primavera e ate bern dentro do Ou-
tono, as crian~_;as das casas vizinhas vern para ali brin-
car com os seus quatro filhos e deliciar-se debaixo do 
chuveiro ali mesm0 improvisado. 0 pai de Katia ar-
ran jou no patio ui:n espa~_;o para as crian~,;as fazerem 
desporto. Toda a fruta do pomar e para elas. 
Os pais· de S{mia, menina de olhos· azuis ·e sempre 
pensativos, sao pessoas cordiais 'e muito bondosas. To-
dos os anos, as sobrinhas do pai que vivem na cidade 
passam fer.ias em sua · casa. 0 pai de Sa.nia fez urn 
tanque para naclar. Esta a construir um barco com 
motor para da r novas alegrias as miudas. 
Lida e oriunda duma familia excelente. 0 pai, ope-
nirio na fabrica de carruagens, e musico, canta. En-
sina as crian<;as a cantar, a tocar rabeca, organiza es-
pectaculos improvisados: uns vinte petizes reunem-se 
regularmente no seu jardim, para ouvir musica e 
aprender can<;oes populares . 
. Pavel tern uma familia muito unida. A mae esteve 
de cama mais de quatro anos. 0 pai teve que a sub-
stituir: ao mesmo tempo que trabalhava, desempenha-
va todos os trabalhos domesticos. 
A familia de Seri6ja, rapazlto de tez morena e 
olhos negros, compoe-se de quatro pessoas: pai, mae 
e dois filhos, todos muito unidos. Sempre que ha urn 
dia livre, toda a: familia vai para a floresta. Planta-
ram quatro pequenas tilias numa clareira. Junto a 
casa, cada crian<;a plantou uma macieira para a ma-
ma,. par.a 0 papa, para 0 avo e para a av6. lnterro-· 
guei-me muitas vezes : porque e que as crian<;as desta 
familia gostam tanto do pai, . da mae e dos av6s? 
Provavelmente porque todo o bern introduzido no co-
ra<;ao das crian<;as volta a mae· e ao pai centuplicado, 
num amor ardente e puro . 
. Liuba chegou atompanhada de mae, pai, av6, irma 
mais velha e irmao mais novo. Tern cinco irmas e 
irmaos, duas av6s e urn avo. A obediencia absoluta 
aos mais velhos assenta nesta famHia na confian<;a e 
respeito reciprocos. Ouvi muitas vezes dizer que os 
mais velhos da. familia · sa bern respeitar as crian<;as, 
fazer caso dos seus sentimentos. 
Boas tradi<;oes populares mantem-se vivas na fa-
milia de Danko que e o benjamim dos rapazes. Sao 
tres, com seis, oito e nove anos respectivamente, e 
42 
ficam em casa quando a mae e 0 pai vao para o· tra-
balho. Farem o almoc;o e o jantar, tratarrt a vaca e 
cuidam da horta. Quando, no Verao, chegada a tar-
dinha, pai e mae voltam dos campos, · espera-os urn 
banho de chuveiro, uma muda de roupa interior; urn 
born jantar e ... urn vaso de flores colhidas no cam-
po sobre a mesa. 
0 respeito, o culto do trabalho~· poder-se-a dizer, 
reina na familia e, sendo assim, tudo se faz calma-
mente, · alegremente, sem pressas nem precipitac;oes. 
0 pai de v alia trabalha na empresa metalomeca-
nica de Krementchug e a mae no kolkhose. Todos, 
pais e tres filhos, estudam nesta familia onde ·reina 
a concordia. 0 respeito pelo saber, a escola e o pro-
fessor que e norma la em casa interessa-nos muito, 
a n6s que ensinamos, e muito nos alegra. Quando 
Valia entrou para: a Escola da Alegria, ficamos a sa-
ber que a velhota, que toda a gente perisava ser av6 
de Valia, nao era da familia, que tinha ficado serri 
ninguem. Os seus dois · filhos ' mon'eram na frente e 
a familia de Valia acolheu-a de born g6sto. Valia 
nao sabe nada disto. 
Os pais de Liuda, pequenita de olhos cinzentos, 
trabalham no kolkhose. Incutiram nos filhos o amor 
pelo trabalho no campo. Entre eles, ha o sentido da 
honra familiar. «Tudo o que fazemos para as pessoas 
deve ser bonito» - diz o pai aos filhos. Chegado o 
Verao, os filhos mais velhos trabalham com o pai 
nos campos. ·Liuda vai ve-los com a mae varias vezes 
ao mes e e urn a festa para ela. 
0 pai e a mae de Tania trabalharn na pecuaria do 
kolkhose . No Verao, as suas duas filhas estao fre-
quenteme~te junto deles. Tanto o pai como a mae 
souberam incutir no espirito cias crian~as o amor pelo 
trabalhp. Os , professores da nossa escola "tiveram par 
diversas vezes o prazer de ver o pai a levantar uma 
pequena cerca num canto cia agropecwl.ria para ali 
colocar urn cordeiro ·ou urn vitclo. E Tania e sua 
irma mais velha que cuidam deles. E seu divertimen-
to preferido e agrada-lhes mormente que 0 pai e mae 
brinquam com elas. 
Chura e urn rapaz de olhos negros, curiosos e 
afectuosos. -0 pai e ferroviario e s6 aparece em casa 
uma vez por semana. 0 regresso do pai e urn acon-
tecimento para Chura, seu irmao e sua irma. Espe-
ram-no cheios de impaciencia, pois volta sempre com 
presentes, cada -urn mais original que o anterior: ani-
mais, personagens, seres fantasticos habilidosarnente 
talhados em madeira. Todos recebem a sua figurinha. 
Gostarn muito do que o pai lhes conta. Este tern o 
dom de se encontrar e de se dar com gente boa. As 
hist6rias que conta sobre essas pessoas abrem aos 
mi(tdos uma janela para o mundo. 
0 pai de Vol6dia trabalha na constru~ao de pon-
tes e a mae no kolkhose. Ainda jovens, OS pais devo-
tam urn amor profunda ao seu prirnogenito. Jvlas este 
amor carece de born-sensa. Enchem o filho de pre-
sentes inuteis e fazem tudo para satisfazer os mini-
mas caprkhos seus. Vol6dia esta sentado ao !ado cia 
mae, segurando c:loi~ grandes haloes. Quer dizer qual-
quer coisa a mae, mas ela nao !he presta aten~ao. 
Faz logo beicinho e as lagrimas.saltam-lhe aos olhos. 
A ma.e de Varia, mocinha trigueira, clelgad a como 
uma cana, onws negros e cabelos apanhaclos, e em-
44 
pregada de limpeza na vizinha fabrica de manteiga. 
0 pai foi gravemente ferido na guerra; recebe cui-
dados de toda familia; mas o seu estado nao conhece 
mclhoras. Os trcs filhos apercebcm-se de que nao e 
h'tcil a existencia da mae e esfon;am-se por ajuda-la 
na medici a · das suas possibilidades. 0 salario da ·mae 
e baixo. A noite, borda blusas e guardanapos, o que 
assegura uma receita suplementar para cuidar dci ma-
rido. A irma ~ais velha de Varia ja aprendeu a bor-
dar para ajudar a mae. Tambem Varia se iniciou ja 
nos ·segredos dos bordados tipicos. 
A crianc;a e o espelho da conduta moral dos pais. 
Refleti muito tempo sabre o que ha de born e de mau 
em cada familia. 0 · trac;o moral mais precioso· dos 
bonl> pais, trac;o que se transmite aos filhos .'lem es-
forc;os especiais, e a bondade de alma da mae e do 
pai, o dom de fazerem bern aos outros. Nas familias 
em que 0 pai e a mae dao uma parte deles pr6prios 
aos outros; fazem suas as alegrias e as tristezas · dou-
trem, os filhos tornam-se . bans, sensiveis, compreensi-
vos. 0 mal m aior de alguns pais e 0 egoismo, 0 indi-
vidualismo. Este mal toma por vezes a forma dum 
amor cego, instintivo pelo filho, como e o caso dos 
pais de Vol6dia . Se o pai e a mae aplicam todas as 
suas forc;as, · todo o seu corac;ao em nome dos Jilhos, 
deixam de ver as outras pessoas, o qu·e existe e urn 
amor hipertrofiaclo que nada cia de born, ao fim e 
ao cabo. 
Tinha isto presente quando disse aos pais como 
imaginava a Escola da Alegria. Foi uma conversa 
dificil. Era preciso levar em linha de conta tudo ·o 
que havia de born e de mau nas familias . Enquanto 
45 
falava das tradi<.Cies de honestidade, de franqueza e 
de confian<_;a redproca que gostava de ver imperar na 
Escola da Alegria, nao havia meio de me ~air da· ca-
be<_;a o caso da familia de K6lia. Mas nao me podia 
permitir deixar entrever aos pais presentes os graves 
problemas que envenenavam a vida desta familia. A 
mae podia muito hem virar costas e quem sabe se 
algum dia voltaria. Tinha que fazer qualquer coisa, 
mas o que? Pensei e voltei a pensar sobre esta ques-
tao sem encontrar uma resposta satisfat6ria. 
Disse, em tra<_;os gerais, aos pais o que iria ser a 
educa~;ao d0s filhos .. Levavam-nos a escola aos seis 
anos e, d<:>ze anos mais tarde, estes mesmos miudos 
estariam feitos adultos, seriam os futuros pais e maes. 
A escola ia fazer o melhor que pudesse para que os 
filhos .se tornassem patriotas, homens e mulheres 
amanda . fervorosamente a sua terra natal, o povo 
trabalhador, pessoas honestas, francas, com sentido 
do clever, generosas, cordiais, sensiveis, intransigentes 
.com a maldade e a mentira, corajosas, perseverantes 
quando se .trata de veneer. dificuldades, modestas e 
moralmeQ.te qelas, sas e fisicamente fortes. Os filhos 
deviam fazer-se homens: de espirito transparente, co-
ra<_;ao . nobre, ·maos de oiro e sentimentos elevados. A 
crian<;a e o espelho da familia. Do m'esmo modo que 
0 sol se reflete na gota de agua, tambem a pureza 
moral do pai e da mae esta refletida nos filhos. Com-
pete a escola e aos pais dar a cada crian<_;a a felici-
dade, uma felicidade de facetas .multiplas. Esta feli-
cidade consiste em favorecer a explosao das faculda-
.de.s de cada individuo, ensinar"lhe a amar o trabalho 
e a ser empreendedor; a felicidade e gozar da beleza 
46 
do mundo circundante e criar beleza para os demais. 
·E tambem amar algtH~m, ser amado por esse alguem, 
fazer dos seus filhos homens venladeiros. S6 atraves 
dos esfon;os conjugados com os pais, pode o profes-
sor dar as crianc;as uma felicidade verdadeiramente 
grande. Crianc;as e familiares vao voltar a suas casas. 
A despedida, lembro-lhes: «Amanha, 31 de Agosto, 
comec;a a nossa Escola de Alegria». 
Que me reservara esse dia? Vejo os mit1dos agar'-
ra r-se as maos dos pais: amanha ja virao s6s. Cad a 
individuo tern as suas alegrias. Cada urn tern a sua 
manha radiosa, diante de cada urn se abre o Iongo 
caminho da vida. Na vespera desse dia, preocupei-ine 
sobretudo com a melhor maneira de conseguir que a 
escola nao tire aos miudos as alegrias da 'infancia. 
Pelo contrario, sera necessaria conduzi-los no mundo 
escolar de modo que alegrias sempre novas se abram 
diante deles, que a descoberta das coisas nao se trans-
forme num estudo fastidioso e que, ao mesmo tem-
po, a escola nao seja urn jogo interminavel e interes-
sante exteriormente, mas vao. Em cada dia _que pas·" 
se, deve enriquecer-se o espirito, os sentimentos e a 
vontade das crianc;as. 
Escola ao ar livre 
Espero as crianc;as cheio de emoc;ao: As oito horas 
da manha, estao. 29. Sacha nao veio (a mae estava 
mal, pela certa). Tambem nao vejo Vol6dia, que 
deve ter ficado a dormir e a mae nao tera querido 
acorda-lo. 
Quase todos estao vestidos como se fossem para 
uma festa, ,de sapatos novos. Fico alarmado com tsto: 
os miudos dos campos . sempre andaram descal<;os no 
Verao. E excelent~ para a saude e o melhor meio 
para _prevenir con;;tipa~6es. Mas por,que e que OS pais 
proct,ram proteger os pes dos ,filhos da terra, do or-
valho matinal e .do chao aquecido pelo sol? Fazem 
t~qo is to. na melhor das intent;6es, mas 0 resultado . e 
mau: ha cada vez mais gaiatos no meio rural que no 
lnyerno contraew gripe, . anginas e tosse convulsa. 
Ora, o que e. preciso ·e criar as criaw;;as de maneira: 
que nao1recejem nem o calor nem o frio. 
---: Ora, vamos para a, escola, meninos - digo . eu 
a ~Q<;;a assistencia, ao ,mesmo tempo que me encami-
nho para o Jardim. Os catraios olham para mim em-
basbacados. 
• ;-c-: ,Sim, meninos, vamos para a escola. A nossa es-
cola vai ser ao ar livre, sobre a relva verde, a som-
brCl; da pereira grande, no meio. da vii,Jha e dos ver-
des prados. Para come<;;ar, vamos tirar os sapatos e 
anc4I; descal<;;os, comp andavam antes, - Urn ale-
gre chilrear acolhe flS minhas, palavras; eles nao es-
tao habituados a an dar , cal<;;ados quando esta born 
tempo e sentem-se pouco a-vontade. - Arnanhaj ve-
nham descal<;;os. Isso sera a melhm· coisa para a nos-
sa escola. 
Enfiamos por baixo duma ra~ada de videiras. As 
cepas cresceram fulgurantemente num recanto escon-
dido pelas arvores. Suspensas em arames, .formavam 
urn tune!. No interior desta ramada de verdura, a 
terra .esta coberta de erva tenra. 0 silencio reina nes-
te local e, desta penumbra, 0 mundo parece todo 
verde. Sentamo-nos sobre a erva. 
48 
- Aqui comega a nossa escola. Daqui, vamos 
olhar para o ceu azul, o jardim, a aldeia e o Sol. 
As criangas calaram-se, presas pela beleza da natu-
reza. Cachos doirados espreitam por entre a folha-
gem. E visivel nas criangas o desejo de as saborea-
rem. La chegaremos, meninos. Primeiro admiremos 
esta beleza. As criangas olham a volta. 0 jardim pa-
rece mergulhado numa bruma esverdeada, como nurn 
feerico reino submarino. A superficie da terra, os 
campos, os prados e os caminhos parecem palpitar 
nesta bruma cor de malaquite e centelhas de Sol co-
brem as arvores de mil matizes. 
- 0 Sol espalha as suas faulhas - diz suavemen-
te Katia. 
As criangas nao conseguiam desligar-se deste rnun-
do que as cativava e comecei por lhes contar uma 
hist6ria a prop6sito do Sol. 
- E isso, meninos, a Katia disse bern: o Sol espa-
lha as suas faulhas. Ele mora la em cima, no ceu. Ha 
la dois Ferreiros muito grandes e uma forja de oiro. 
Antes do dia se erguer, os Ferreiros com as suas bar-
bas de fogo vao ter com o Sol que lhes da dois fei-
xes de fios de prata. Os F erreiros pegam nos marte-
los de ferro, colocam os fios de prata sobre a bigorna 
de oiro e comegam a bater, a bater, a bater. Estao a 
fazer uma grinalda de prata para o Sol e de baixo 
dos seus martelos saltam faulhas de prata que se es-
palham pelo mundo inteiro. Estas faulhas caem na 
terra, como os meninos veem. A noite, os Ferreiros, 
cansados, levam a grinalda ao Sol; o Sol coloca-a 
sobreos seus cabelos de oiro e vai para o seu jardim 
magico, que e muito bonito, para descansar. 
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:Enqmi.nto tonto esta hist6rl.a, vbu-a ciesenhando. 
Imagens fantasticas vao surgindo sobre a folha bran-
ca dum bloco, com dois Ferreiros enormes curvados 
sobre a sua bigorna de oiro e faulhas de prata· a sal-
tar de baixo dos martelos. 
As crians;as ouvem a historia como que enfeitis;a-
das por este mundo maravilhoso. Dir-se-ia que tern 
medo de quebrar o silencio, medo de desfazer este 
encanto; Em seguida, desatam ·a fazer perguntas to-
das ao mesmo tempo: Que fazem os Ferreiros quan-
do e nbite? Porque e que o Sol precisa duma grinalda 
nova? Que acontece as fawhas de prata? E mesmo 
verdade que elas caem na terra, todos os dias? 
Falarei disso tudo para outra vez. Temos muito 
tempo a nossa frente; meninos. Agora convido-vos a 
provar as uvas. As crians;as esperam ansiosamente que 
o cesto fique cheio. Distribuo por cada uma dois ca-
chos, urn para comer ali e outro para· levar para casa 
e oferecer a mae, Dao mostras duma grande pacien~ 
cia: embrulham bs cachos num papel. Pergunto-me, 
todavia, se esta paciencia bastara. ate entrarem em 
casa. Sera que Tolia e K6lia levarao as uvas a mae? 
Dou mais cachos a Nina: para· a mae enferma, para a 
irma e para a avo. Varia agarra em tres cachos, di-
zendo serem para o pai. Ocorre-me uma ideia: des-
de · que as crians;as sejam suficientemente vigorosas, 
cada uma devera plantar a sua propria vinha ... Sera 
preciso plantar uma dezena de cepas junto a casa de 
Varia para que deem uvas no proximo ano; o que 
sera urn born remedio para 0 pai. 
· Abandonamos a penumbra verde deste reino de . fa-
cias. Digo as crianc;as: 
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~ Amanhii, venham ao fim do dia, as seis horas. 
Nao se esquet;am. 
Reparo que as criant;as nao tern vontade de partir, 
mas la vao, a,pertando contra o peito os seus embru-
lhinhos brancos. Quanto eu nao daria para saber OS 
que nao chega ram a casa com as uvas. Claro que nao 
poder.ei perguntar-lhes, mas se forem eles pr6prios a 
dizer-me, tanto melhor. ' 
Eis, pois, terminado este primeiro dia de escola ao 
ar livre ... Nessa noite, sonhei com centelhas de .prata 
espalhadas pelo Sol, acordei cedinho e pensei demo-
radamente no que tinha de fazer dali para a £rente. 
Nao tracei urn plano detalhado do que iria dizer as 
criant;as em cada novo dia, nem para onde as iria 
levar. , A vida da nossa escola evoluia a partir duma 
ideia que me tinha inspirado: a criant;a e, por natu-
reza, urn investigador aturado, urn descobridor do 
mundo. 0 mundo maravilhoso s6 tern que se abrir 
perante ela nas suas cores mirificas, nos seus sons 
penetrantes e p alpitantes, nos contos, nos jogos, na 
sua propria criat;ao, na beleza que faz rejubilar o seu 
corat;ao, no desejo de fazer bern aos outros. Pelos 
contos, pela fantasia, pelos jogos, pela inigualavel cria-
t;ao infantil podemos estar certos de encontrar o ca-
minho do corat;ao da criant;a. Vou levar os pequenos 
para o mundo que os rodeia de modo a que todos 
os .dias nele descubram qualquer coisa de novo, que 
cada urn dos nossos passos seja uma vi age m as 
r a i z e s d 0 p e n s am en t 0 e d 0 v e i'b o, a 
deslumbrante beleza da natureza. Zelarei para que 
cada aluno meu se torne urn pen:sador pleno de sabe-
doria e urn investigador, para que cada passo no ca~ 
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minho da descoberta enobrec;a o corac;ao e tempere 
a vontade. 
No segundo dia, as crianc;as vieram ao cair da tar-
de. Ia ainda prolongar-se aquele calmo dia de Setem-
bro. Saimos da aldeia e subimos a urn morro. Diante 
dos nossos olhos, abriu-se uma vista . esplendida para 
os vastos campos relvados que pareciam abrasados 
pelo Sol, para os esbeltos choupos e para as colinas 
que tocavam o horizonte. Tinhamos chegado as rai-
zes do pensamento e do discurso. Os contos, a fanta-
sia, sao a chave que ajuda ·a chegar a essas raizes, e 
as palavras logo brotarao. A recordac;ao vern das pa-
lavras ditas por Katia ontem: «0 Sol espalha as suas 
faulhas ... » Deixem-me dizer-lhes que doze anos mais 
tarde, no seu exame de fim dos estudos secundarios, 
ela fez uma composic;ao consagrada a sua terra na-
tal, onde para exprimir o seu amor pela natureza re-
correu a mesma imagem. A este ponto se gravam nos 
espiritos infahtis as imagens poeticas dos contos! Tive 
ocasiao de me convencer, vezes sem conta, que, ao 
povoar o mundo circundante de representac;oes fan-
tasticas, tirando essas imagens da sua imaginac;ao, as 
crianc;as descobrem nao apenas a beleza mas tambem 
a verdade. A crianc;a nao pode viver sem o conto, sem 
fazer entrar em jogo a sua imaginac;ao. Sem o conto, 
o mundo envolvente e urn quadro bastante belo, mas 
que esta pintado numa tela. 0 conto empresta-lhe 
vida. 
0 conto e, em sentido figurado, uma fresca brisa 
que atic;a a pequena chama do pensamento, da pa-
lavra infantil. As crianc;as gostam de ouvir hist6rias, 
ma:s tambem de imagina-las. Na altura em que rnos-
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trava as crianc;a·s o mundo atraves da parede verde 
da folhagem da ramada, sabia que ia haver uma his-
t6ria, mas nao sabia 0 que lhes ia con tar. 0 . pontape 
de saida, como se diz, para a minha imaginac;ao foi 
dado pelas palavras de Katia: «0 Sol espalha as suas 
faulhas». As imagens que as crianc;as · vao buscar a 
sua imaginac;ao sao duma precisao, duma verdade, 
duma arte espantosas. E como e brilhante e colorida 
a sua linguagem! 
Era meu desejo que, antes de abrir~m os seus pri-
meiros livros para silabar a primeira palavra, elas ti-
vessem lido antes as paginas do mais marayilhoso 
dos livros, o da natureza . . 
No meio da natureza, impos-se-me com nitidez 
particular a ideia de que n6s, professores, estamos a 
lidar com uma coisa mais delicada, mais subtil 
e mais sens1vel que . existe na . natureza, o ce-
rebro da crianc;a. Quando se pensa em cerebro du-
ma crianc;a, imagina-se uma supve rosa sobre a qual 
tremulam goticolas . de orvalho . . Impoem-se precau-
c;oes, uma delicada manipulac;ao para colher esta flor 
sem que aquelas caiam. Devemos ter tais cuidados a 
todo o instante: lidamos com o que hi de mais deli-
cado, de mais sens1vel na natureza, a materia pen-
sante dum organismo em pleno desenvolvimento. 
0 pensamento da crianc;a e sempre feito por ima-
gens. Isto significa que ao ouvir, por exemplo, a des-
cric;ao do professor sobre a viagem que faz uma gota 
de agua, ela esta a ver as ondas prateadas de uma 
bruma matinal, as nuvens carregadas, o rugir dos 
trovoes e os aguaceiros primaveris. Quanto mais ex-
pressivos forem os quadros na sua mente, melhor ela 
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compreendera as leis da natureza. Os delicados neu-
ronios do seu cerebra nao estao ainda consolidados; 
ha que desenvolve-los, dar-lhes solidez. 
A crian~a pensa ... Isto quer dizer que grupos es-
pecificos 'de neuronios no cortex captam as imagens 
( quadros, objectos; fenomenos, palavras) do mtindo 
que a rodeia e os sinais chegam atraves dessas delica-
das celulas nervosas como que por canais de comu-
nica~ao. Os neuronios «tratam» esta informa~ao, sis-
tematizam, agrupam, comparam e seleccionam os da-
·dos, ao mesmo tempo que chegam · novas informa-
~oes ·que e necessaria perceber e «tratar». Para esta-
rem em condi<;oes de receber imagens e «tratar» a 
informa<;ao; a energia nervosa dos neuronios deve 
passar instantaneamente da percep<;ao das imagens 
ao· seu «tratamento». 
Esta comuta<;ao fantasticamente rapida da energia 
nervosa dos neuronios constitui o fenomeno a que 
chamarilos pensamento: a c r i an<; a pens a ... 
As celulas do cerebra infantil ·sao tao delicadas, rea-
gem tao subtilmente aos objectos da percep<;iio que nao 
podem funcionar normalmente senao quando 0 ob-
jecto da percep<;ao, da intelecc;ao, for uma imagem 
que se possa ver; ouvir, tocar. A comuta<;ao do pen-
samento; que e a propria essencia da reflexao, so e 
possivel quando houver diante da crian<;a uma ima-
gem tangivel, real, uma imagem verbal tao expres-
siva que a crian<;a pare<;a «ver; ouvir e tocar» aquila 
de que se trata. (Eis por que

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