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Análise de Obra de Arte - "Vênus e Marte"

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS – UFG
FACULDADE DE ARTES VISUAIS – FAV
CURSO DE ARTES VISUAIS – BACHARELADO
LEITURA DE OBRA DE ARTE
VÊNUS E MARTE – SANDRO BOTTICELLI
LIGIA MARINA DE MORAIS MONTAGNA
GOIÂNIA 
2017
UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS – UFG
FACULDADE DE ARTES VISUAIS – FAV
CURSO DE ARTES VISUAIS – BACHARELADO
LEITURA DE OBRA DE ARTE
VÊNUS E MARTE – SANDRO BOTTICELLI
Trabalho apresentado como requisito de avaliação da disciplina História da Arte ministrada pela professora Patrícia Bueno Godoy
LIGIA MARINA DE MORAIS MONTAGNA
GOIÂNIA 
2017
SUMÁRIO
Introdução____________________________________________________________02
Obra e Ficha técnica____________________________________________________03
Leitura Descritiva______________________________________________________04
Leitura Interpretativa___________________________________________________07
Contextualização da Obra________________________________________________10
Anexos______________________________________________________________14
Bibliografia___________________________________________________________16
2
INTRODUÇÃO
Este trabalho, proposto ao primeiro período do curso de Artes Visuais – bacharelado, na Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás, tem como objetivo entender a metodologia da leitura de uma obra de arte. 
Definido o período Renascentista para a eleição da obra a ser lida, escolhi o quadro “Vênus e Marte” pintado pelo florentino Sandro Botticelli (c.1445 - 1510), em c. 1485, pelo interesse sobre o tema miológico. O corpo do trabalho está dividido em imagem e ficha técnica, leitura descritiva, leitura interpretativa, contextualização da obra, anexos e referências bibliográficas.
Sandro Botticelli viveu em Florença a maior parte de sua vida. Apresenta em suas obras as principais características do Renascimento, conseguindo conciliar em seus quadros a teoria neoplatônica sobre a beleza de Marsílio Ficino (c. 1433-1499) e o caráter científico humanista de Leon Batista Alberti (c. 1404-1472), que buscava na geometria e na natureza sua teoria de belo (MENDONÇA, 2009; p.82).
A Obra Vênus e Marte é carregada de alegorias, temas pagãos que se fundem a temas cristãos em consonância com o neoplatonismo de Ficino. Pintada em têmpera sobre madeira, com dimensões de 69,2 x 173,4 cm, será o objeto de estudo neste trabalho e através dela iremos conhecer os passos de uma leitura de obra de arte. 
OBRA E FICHA TÉCNICA
Título completo: Vênus e Marte | Data de criação: Cerca de 1485
 Artista: Sandro Botticelli (Cerca de 1445 – 1510)
Material e suporte: Tempera e óleo em álamo | Dimensões: 69,2 x 173,4 cm
Crédito de aquisição: Comprado, 1874 | Número de inventário: NG915
Localização: National Gallery – Londres | Quarto 58
Gênero: Mitológico/ alegórico
Fonte da imagem e informações: National Gallery – Londres, disponível em:
https://www.nationalgallery.org.uk/paintings/sandro-botticelli-venus-and-mars 
LEITURA DESCRITIVA
O quadro Vênus e Marte de Sandro Botticelli, pintado com têmpera sobre madeira de álamo em cerca de 1485 é uma obra figurativa, harmônica, de tons suaves, com temática mitológica, equilibrada em todos os elementos. Produzida na segunda fase da carreira de Botticelli, época correspondente ao Pré-Renascimento / início do Renascimento na Itália, século XV.
A cena situada em um ambiente externo, apresenta, por trás das personagens, dois tipos distintos de vegetação em terceiro plano, uma de cada lado, ficando aparente apenas uma área central em que se observa uma paisagem atmosférica no espaço ao fundo. O que causa a sensação de um ambiente interno. Observamos seis personagens que são descritos a seguir.
No canto inferior esquerdo vemos uma figura feminina deitada de lado, virada em direção ao observador, com a cabeça para o lado oposto, mira o canto superior direito da imagem. A mulher sustenta o corpo com o braço direito sobre uma almofada na grama, enquanto o outro braço apoia-se sobre a perna esquerda.
 Veste uma túnica branca com ornamentos dourados, que cobre quase todo o corpo, deixando à mostra apenas as mãos, o colo e um pé. Seu pé está descalço e toca diretamente o chão. No decote do vestido aparece uma joia – com oito contas brancas e uma maior no centro de cor avermelhada, que prende duas tranças que descem de seu cabelo contornando o decote. 
O tecido do vestido é leve e na área das pernas possui certa transparência; trabalhado de maneira que, mesmo a personagem estando toda vestida, podemos observar facilmente o formato do corpo e as principais articulações. 
O cabelo está arranjado para trás, preso em uma espécie de coque com tranças. Duas mechas de cabelo estão soltas na parte da frente e descem em cachos contornando o rosto, até tocar o busto. A franja, segue o movimento das duas mechas, porém mais curta, forma pequenos cachos que vão até a altura dos olhos dos dois lados. 
O segundo personagem, é uma figura masculina. Seu corpo está deitado na lateral direita do quadro, oposto ao da mulher. Como vestes apresenta apenas um tecido branco que cobre a região púbica. Suas pernas estão direcionadas para o centro do quadro, por trás da mulher, uma esticada e a outra cruzada por cima e flexionada. Ele está deitado por cima de um tecido avermelhado que cobre seu pé esquerdo e o direito fica escondido atrás do corpo feminino.
Sua cabeça pende para trás, caída. Os olhos estão fechados como se estivesse dormindo e a boca encontra-se semiaberta. A mão direita apoia-se nas pernas e a esquerda sustenta o corpo sobre o peitoral de uma armadura no chão, posicionada por baixo do tecido, no canto inferior direito da tela. 
Os outros quatro personagens são criaturas antropomórficas aparentemente masculinas. Possuem a parte superior do corpo na forma humana, semelhante a uma criança, mas suas orelhas são pontudas e no topo da testa surge um par de cornos. A parte inferior apresenta patas, pelo e rabo como um cavalo ou bode. Estão dispostos da seguinte maneira a partir da esquerda para a direita do observador:
A primeira criatura está disposta em segundo plano, por trás da mulher deitada. Usa um elmo azul com ornamentos dourados na cabeça e se agarra a uma lança. Seu corpo aparece por trás do ombro da mulher e só possível visualizar pequena parte de uma das patas.
A segunda criatura encontra-se logo após a primeira, na área central do segundo plano. Tem a cabeça voltada para trás, olhando na direção da mulher deitada. Sua boca está semiaberta e apresenta um pequeno sorriso. É a única personagem do quadro que tem o corpo todo dentro da área de paisagem aberta, sem vegetação. Está posicionada por trás das pernas do homem e é possível observar suas patas e o rabo. Está inclinada para frente e também se agarra à mesma lança que a primeira criatura. 
A terceira criatura, última do segundo plano, está posicionada por trás da figura masculina e pela frente da lança que seguram os outros dois; de perfil para o observador. Inclina-se na direção do rosto do homem, leva uma concha à boca com as duas mãos e tem a bochecha inflada como se estivesse soprando.
A quarta e última criatura, apresenta-se em primeiro plano como o homem e a mulher. Ela está dentro do peitoral da armadura que está no chão servindo de apoio para o homem deitado. O tronco e o braço esquerdo saem pela abertura do decote, enquanto o braço direito sai pela abertura lateral e segura no cabo de uma espada que está disposta ao lado da armadura, por baixo das personagens. Seu rosto está virado para cima, a boca entreaberta e aparece um pouco da língua.
Atrás e acima da cabeça do homem, é possível observar um grupo de vespas voando.
A iluminação, em toda a obra, irradia da esquerda para direita de quem observa. A imagem é toda clara, de um ambiente externo durante um dia de céu limpo, como podemos observar na paisagem central em último plano. As sombras são bem sutis, iluminando alguns pontos e sendo mais visíveis no centro do quadro, como nas coxas e abdômen do homem e no rosto da segunda criatura. 
A paleta
de cores, contém tons de marrom, carne, verde, dourado, azul, vermelho e branco. A harmonia do quadro, os personagens eleitos e o tema do quadro nos remetem à vitória do amor puro sobre a guerra. É sobre isso que falaremos no próximo capítulo.
LEITURA INTERPRETATIVA
Na mitologia clássica, Vênus (Afrodite) a deusa do amor, é casada com Vulcano (Hefesto). No quadro Vênus e Marte, a deusa aparece em um relacionamento adúltero com Marte (Eros) deus da guerra. É de se estranhar que um quadro com tema pagão, retratando um amor extraconjugal, tenha sido feito para celebrar um casamento cristão. (BOTTON, 2010). Para entender isso é necessária a contextualização do momento em que a obra foi feita, assim como alguns elementos presentes nas obras de Botticelli. Esses detalhes serão apresentados no próximo capítulo. 
No momento, é importante saber que Botticelli conseguia unir as ideias do teórico florentino Leon Batista Alberti (c. 1404-1472) a respeito do conceito de “belo” com a filosofia neoplatonista do médico e estudioso Marsílio Ficino (c. 1433-1499), que se dedicava a traduzir textos como os de Platão e Plotino. Alberti dizia que a beleza está na harmonia e equilíbrio da imagem. A pintura deve contar uma história, representar as atividades dos homens e, ao compor a imagem com harmonia e com uma história dos homens chega-se à graça. Diz ainda que essa história terá mais valor se apresentar um tema ou menos se utilizar apenas figuras individuais. Alberti fala que a beleza é a graça que surge na composição da superfície. (MEDONÇA,2012)
Ficino, segundo Mendonça (2012), era um grande difusor da tentativa de unir os elementos platônicos e cristãos. Para ele o ideal de beleza impresso no espírito é o que irá ditar o que é belo, ou seja, o que estiver mais próximo à “ideia do belo”. A beleza vai além de uma simples ordem matemática, por mais harmônica que pareça, ou seja, o belo é a representação visual de uma ideia, a beleza incorpórea.
Botticelli utiliza a harmonia, insere uma história como sugere Alberti no tratado “Da pintura” e utiliza a filosofia neoplatonista de Ficino para resignificar as alegorias pagãs e carregar a cena de sentidos cristãos. 
Assim, a roupa branca de Vênus indica a pureza, os ornamentos dourados remetem ao ouro considerado o metal mais puro pelos cristãos. As pérolas que compõem o broche no decote do vestido representam “a luz que vence as trevas” ou a perfeição (Jesus Cristo – a pérola que se aloja no ventre - concha - de Maria). O número de pérolas e a disposição em círculo também tem forte simbologia cristã. (BOTTON, 2010).
O semblante da deusa é sério e ela olha para o alto, alheia ao que está acontecendo na cena, reforçando o tom divino da figura. Seu pé descalço toca diretamente o chão, demonstrando humildade. Seu corpo está quase todo coberto, como sinal de castidade. As tranças em seu cabelo remetem à repressão sexual, e as três mechas que a compõem nos conectam à Santíssima Trindade (BOTTON, 2010).
Atrás da Vênus encontra-se uma folhagem de mirta, planta símbolo do amor eterno e que o pintor insere em dois outros quadros onde aparece a Vênus, “O Nascimento de Vênus” (c. 1483) e “A Primavera” (c.1477-1482). 
As quatro figuras que fazem a transição entre Vênus e Marte são conhecidas na mitologia como Sátiros. Segundo Botton (2010), estão associados à terra, aos prazeres carnais, à luxuria e à sensualidade. São retratados geralmente perseguindo ninfas ou dançando e bebendo com Dionísio. A parte inferior do corpo, de características animais semelhantes a um cavalo ou bode, representam esses instintos e, sempre que tais sentimentos se manifestam, os Sátiros aparecem. São quatro deles, o que reforça sua posição terrena, referindo-se à organização do espaço físico e opondo-se ao celeste – os quatro pontos cardeais por exemplo. (BOTTON,2010).
Ao observarmos a composição dos elementos, percebemos que três dos sátiros estão posicionados na lateral em que aparece Marte. Vemos também que o único sátiro que está do lado da Vênus possui a cabeça e todo o rosto coberto por um elmo. O que reforça a pureza da deusa, já que a sensualidade (sátiro) está escondida. As cores azul e dourado são símbolo de nobreza para os cristãos (Botton,2010).
Os Sátiros brincam com as armas de Marte e tentam em vão despertá-lo com uma concha. A concha aqui aparece como elemento pagão da sexualidade e não com o sentido cristão do ventre de Maria. Sua lança, perde o sentido de poder, adquire o sentido fálico e, fora de seu controle, é manuseada pelos sátiros. O deus da guerra está rendido, despido de sua armadura, com a lassidão de seus membros em sinal de luxúria. A cabeça caída para trás mostra a vitória dos sentidos sobre a razão (Botton,2010), “[...] o estado de inconsciência que Vênus, ou o próprio amor, destinou para o deus da guerra. ” (MENDONÇA, 2012; p.75). 
Desta forma, concluímos que Vênus, o amor verdadeiro, vence a guerra, o ódio e a luxúria. Mas se contextualizarmos a obra em seu tempo, com os elementos históricos e filosóficos, e lembrarmos que foi feita para celebrar um casamento cristão, podemos dizer que a mensagem cristã apresentada, como ensinamento aos noivos, é de que existe a dualidade no homem, mas o amor puro e os ensinamentos cristãos devem ser a base da união. (Botton,2010). 
Em 1874 a obra foi comprada da coleção de Alexander Barker, pela National Gallery de Londres, onde encontra-se atualmente. Por ter ficado muito tempo em coleção particular, somente depois da aquisição do quadro pela National Gallery é que volta a emitir sinais. Portanto, não temos tantos estudos a respeito dela como tem as obras de Leonardo Da Vinci, pintor renascentista contemporâneo de Botticelli.
CONTEXTUALIZAÇÃO DA OBRA
A Obra Vênus e Marte foi pintada no período conhecido como Quattrocento, o século XV na Itália. É nesta época que se dá a transição do Pré-Renascimento para o Renascimento. 
Uma das principais características no Renascimento é a tentativa de voltar aos motivos da arte grega. Isso aconteceu primeiro na Itália do Norte, pois em Roma e Florença demorou um pouco para atrair a atenção dos aristocratas (MENDONÇA, 2009)
Por volta de 1400 o duque de Milão tenta conquistar toda a Itália e encontra em Florença a maior resistência, frustrando seus planos. Os florentinos passam então a celebrar a cidade como “[...] a “Nova Atenas”, protetora da liberdade e pátria das artes e das letras” (JANSON, 1996; p.186).
	Alessandro di Mariano Filippi (Sandro Botticelli) nasce por volta de 1445 e vive a maior parte de sua vida em Florença. Estuda no ateliê de Andrea del Verrochio (c.1435 – 1488) e por volta de 1470 abre seu próprio ateliê. Em 1481 viaja para Roma onde pinta três afrescos na Capela Sistina. O sucesso de Botticelli não vem apenas da pintura, mas também dos conhecimentos intelectuais que o artista desenvolvia. Interessado por todas as áreas do conhecimento, estudava, além da pintura, filosofia, geometria, perspectiva, entre outras. 
Sua carreira é dividida em três fases. Na primeira, sua fase jovem, apresenta forte influência de seus predecessores e mestres de ateliê, como Fra Angelico (1395-1455), Fra Filippo Lippi (1406-1469) e Masaccio (1401-1428). Seus temas são religiosos e os traços ainda não estão bem definidos. (MENDONÇA, 2009) 
Na segunda fase o pintor começa a adquirir características próprias, e apesar de continuar pintando retratos e temas religiosos exigidos pela sociedade cristã, alguns elementos originais aparecem gradativamente. Sua originalidade tem o ápice na década de 1480, onde conquista a admiração dos mecenas, principalmente dos Médici, família mais influente de Florença (MENDONÇA,2009). 
É na segunda fase que os motivos pagãos começam a aparecer e ganhar força em suas obras. O tema do naturalismo, presente em todas as esferas do Renascimento, também pode ser percebido neste período de sua carreira, unindo arte e filosofia fazendo o retorno à temática grega. Este naturalismo surge ao se voltar para a Antiguidade, “pois a natureza (physis) envolvia
vária dimensões da vida do homem: mitológica, científica, filosófica, cultural e política” (MENDONÇA, 2012; p.15).
Dessa maneira, Mendonça (2012) diz que os Renascentistas utilizavam o retorno à Antiguidade como referência para estabelecer novas relações entre os homens e a natureza. Figuras mitológicas que poderiam ser consideradas pagãs, eram na verdade utilizadas em todas as áreas para transmitir um conteúdo filosófico, que os artistas e intelectuais de Florença discutiam em encontros de reflexão.
Na terceira fase, posterior a década de 1490, as pinturas de Botticelli deixam de lado os motivos mitológicos, mas continuam carregadas de conceitos e reflexões. Nesta época, o florentino retorna ao começo do Renascimento, com influência dos afrescos de Giotto (1266-1377). Este regresso ao início do Renascimento pode ter sido influência do frei dominicano Girolamo Savonarolla (1452-1498), que teria censurado Botticelli. Isso resultaria na grande produção de temas religiosos no final de sua carreira (MENDONÇA,2012).
	Segundo Mendonça (2012) a filosofia neoplatonista, o humanismo e o naturalismo estavam muito presentes no Renascimento. Apesar de serem ideias opostas, Botticelli consegue utilizar tanto as ideias de Alberti quanto as de Ficino a respeito do ‘belo’, unindo em suas obras os conceitos de imitatio e eletio: 
“[…] o caminho encontrado por Botticelli para expressar a ambiguidade de sua época e, ao mesmo tempo, empregar a beleza e originalidade em suas obras consiste na alternância entre o modelo buscado na natureza e o modelo buscado nas ideias. O cumprimento das duas exigências (imitatio e eletio) resultou, então, em uma única: a imitação eletiva da natureza” (MENDONÇA, 2012; p.53-54)
O Renascimento possuía valores humanísticos que, além da temática grega, buscavam um regresso à natureza esquecida. Tanto as ideias aristotélicas quanto as neoplatônicas eram retomadas como valores antigos (MENDONÇA, 2012; p.16-17).
Segundo Mendonça (2012), Argan (1999) propõe que Botticelli foi o primeiro a “[...] atrelar a pesquisa artística a uma filosofia [...] que, por meio da arte, buscou realizar uma estética [...]” (ARGAN-1999 apud MENDONÇA, 2012; p.18). Sua orientação filosófica tinha a intenção de colocar em prática uma das vertentes – neoplatônica e aristotélica, sendo o primeiro também a afirmar “a unidade profunda entre arte, pensamento e poesia”, isolando o valor do ‘belo’ e indicando ser essa a finalidade da arte.
Na primeira obra de Botticelli em que aparece a Vênus, “O Nascimento da Vênus” (c.1483) fig.1, o pintor introduz o mito do nascimento da deusa, que remonta aos Hinos Homéricos, mas é no poeta florentino Ângelo Poliziano (1454-1494) que Botticelli se inspira, por ser este frequentador do círculo de intelectuais ao qual o pintor participava (BOTTON, 2010; p.169). 
Botton (2010) diz que este quadro remonta ao mito em que Cronos, revoltado com o pai Uranus, corta o pênis dele e atira ao mar. Da espuma do mar nasce Afrodite (Vênus para os romanos), e Zéfiro (o vento) a leva até Chipre com uma suave brisa. 
Na imagem podemos ver a deusa sendo trazido dentro de uma concha, nua, até a margem, sendo soprada por Zéfiro que carrega Flora nos braços. Ao chegar, é recebida pela Hora, que personifica a primavera, estação ideal para o nascimento da deusa do amor. A posição em que se encontra, remonta à estátua da Antiguidade Vênus Pudica (Figura 02), criando à associação com o pudor e recato. “O seu olhar, como que demonstrando seu recato, desvia-se do observador, pendendo a cabeça levemente para a esquerda” (BOTTON, 2010; p.170-171).
Inserindo a filosofia neoplatônica de Ficino, Botticelli cria associações com alto efeito religioso e sentido cristão. A chuva de rosas que cai sobre a deusa que nasce, é um símbolo da Virgem Maria para os cristãos. A escolha da posição da Vênus Pudica, associando a imagem ao pudor, também é uma escolha pensando no contexto cristão. A concha, na qual ela está em cima, é mais um símbolo associado à Mãe de Jesus (a pérola gerada em seu ventre). Assim como em Vênus e Marte, esta obra apresenta imagens mitológicas carregadas de sentimento religioso (BOTTON,2010).
O caráter humanista exigia que o artista, ou qualquer homem que se pretenda sábio, tenha conhecimento de várias áreas, que consiga captar o mundo em diversos domínios. Assim o caráter científico se torna outra exigência do humanismo pois, através dele, o homem consegue compreender o mundo, voltando-se à Antiguidade, onde existiria a verdade, a natureza e a beleza (MENDONÇA, 2009).
Essas exigências humanistas diziam mais ao fazer artístico do que às relações sujeito-objeto. O homem se afirma com segurança e confia nos métodos da razão. Por isso no Renascimento surgem inúmeros tratados, entre eles o Da Pintura (1436) de Leon Batista Albertti onde diz “que o artista não deve apenas reproduzir, como também acrescentar a beleza, além de estudar e exercitar o que for agradável ” (MENDONÇA, 2009).
Botticelli é o primeiro a unir o humanismo com o neoplatonismo e executa obras consideradas belas pelas duas correntes filosóficas. Ao não utilizar a anatomia para compor o corpo da Vênus, ele opta pela harmonia e equilíbrio de todos os elementos, mesmo eles não sendo miméticos. Mas a alegoria que a imagem carrega, dá o tom divino, que unido com as regras humanísticas de composição, criam uma obra de arte incrível, admirada até os dias de hoje. 
ANEXOS
Figura 1:
Título: A primavera
Autor: Sandro Botticelli
Ano: c.1482
Técnica: Têmpera sobre madeira
Dimensões: 203 x 314 cm
Localização: Galeria Uffizi - Sala n°: 10 - 14
Estilo: Renascimento
Fonte da imagem e informações: Galeria Uffizi. Dísponível em: http://www.uffizi.com/painting-primavera-uffizi-gallery.aspx
Figura 2:
“Vênus Dolphin” 
Autor: desconhecido
Data: c.140-150 d.C. cópia de original romano do séc. III a.C.
Técnica e material: cinzelamento em mármore carrara.
Dimensões: 200 x 50 x 47 cm 
Fonte da imagem e informações: Museu do Prado, disponível em: https://www.museodelprado.es/aprende/enciclopedia/voz/venus-del-delfin-anonimo-clasico/66738ff3-03a5-4696-9f0f-71c3e93a662e 
BIBLIOGRAFIA
ARGAN, Giulio C. História da Arte Italiana: De Giotto a Leonardo – v2. Tradução: Wilma de Katinszky. Editora: Cosac & Naify, 2003. 
BOTTON, Flávio. Vênus e marte: o triunfo da virtude renascentista. Revista Travessias – Unioeste – vol. 4, n.1. 2010. p. 164 a 177. Disponível em: http://e-revista.unioeste.br/index.php/travessias/article/viewFile/3588/2847 . Acesso em: 10/06/2017.
GOMBRICH, E. H. A história da arte. Tradução: Álvaro Cabral. LTC Editora, 2012 
JANSON, H. W. e JANSON, A. F. Iniciação à história da arte. Editora Martins Fontes, 1996.
MENDONÇA, Débora B. O embasamento histórico-filosófico de Sandro Botticelli na cidade de Florença do século XV. Revista Eletrônica de Pesquisa na Graduação em Filosofia; vol. 2, nº 1, 2009. Disponível em: www.marilia.unesp.br/filogenese. Acesso em: 06/2017.
MENDONÇA, Débora B. Botticelli: Pintura e Teoria. São Paulo, editora Cultura acadêmica, 2012. Disponível em: https://repositorio.unesp.br/handle/11449/93137 . Acesso em: 10/06/2017.

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