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Pedido de Habilitação FELIPE DA SILVA FREITAS na ADPF 635

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EXCELENTÍSSIMO SR. MINISTRO EDSON FACHIN, RELATOR DA 
ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 635/RJ 
 
 
 
 
 
 
 
 
FELIPE DA SILVA FREITAS, brasileiro, solteiro, 
pesquisador na área de segurança pública e justiça criminal, portador do RG. N. 
097.060.46 10, inscrito no CPF sob o n. 027.583.955 92, residente e domiciliado 
à Rua H, I Travessa, 05, Feira de Santana, Bahia, CEP: 44034 202, venho, por 
meio da presente, requer a HABILITAÇÃO PARA AUDIÊNCIA PÚBLICA 
SOBRE LETALIDADE POLICIAL NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO com 
base nos fatos e fundamentos que passo a expor: 
I - DA TRAJETÓRIA PESSOAL E ACADÊMICA NO ESTUDO DA AÇÃO 
POLICIAL 
 
Ingressei na graduação em Direito na Universidade 
Estadual de Feira de Santana (UEFS) no ano de 2005 quando, por força da 
iniciativa política de organizações do movimento negro, debatia-se a adoção de 
política de ações afirmativas na universidade, fato que marcou profundamente a 
minha trajetória. Já nos primeiros meses de estudo engajei-me ao Núcleo de 
Estudantes Negros e Negras da Universidade (NENNUEFS) e passei a 
frequentar espaços de reflexão política e acadêmica acerca das relações raciais 
na sociedade brasileira. 
Paralelamente a tal engajamento também fortaleci meus 
vínculos com as Pastorais da Juventude, da qual fui dirigente nacional, e também 
passei a me relacionar com inúmeros movimentos e organizações sociais tendo 
atuado na Cáritas Arquidiocesana de Feira de Santana, na Pastoral Carcerária 
e na ONG Cipó Comunicação Interativa. 
Entre 2008 e 2010 atuei como coordenador nacional da 
Campanha contra o Extermínio de Jovens, promovida pelas Pastorais da 
Juventude. Nessa condição pude acompanhar iniciativas importantes de 
movimentos sociais no campo da prevenção à violência, debater no âmbito 
político estratégias para o enfrentamento ao problema da violência no Brasil e, o 
mais importante, pude conhecer diferentes realidades políticas e territoriais 
relacionadas à essa significativa temática. 
Também na esfera dessa Campanha coordenei 
seminários, fóruns, encontros e conferências articulando tanto a dimensão 
acadêmica, presente através das parcerias com a Rede Brasileira de Centros e 
Institutos de Juventude, quanto a dimensão política e institucional, assegurada 
pelas parcerias da Campanha com a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil 
e com outras organizações do campo da segurança pública e da justiça criminal. 
Também ao longo da graduação realizei intercâmbio de 
pesquisa com a Universidade Católica de Louvain – Bélgica, na área de 
Criminologia e Direitos Humanos (2009) participando de uma série de cursos, 
visitas técnicas e formações acerca de metodologia da pesquisa empírica, 
funcionamento do sistema de justiça criminal e segurança pública; bem como 
trabalhei junto a Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos do estado 
da Bahia, atuando no monitoramento do acesso aos direitos e benefícios de 
pessoas privadas de liberdade no Presídio Regional de Feira de Santana e no 
encaminhamento à corregedoria de denúncias de tortura, abusos e maus tratos. 
Nessas experiências acumulei diferentes tipos de 
abordagem em relação à temática da violência policial e pude acessar múltiplas 
leituras sobre como se organizações as polícias, sobre como as políticas de 
segurança pública impactam na formulação de modelos de projetos sociais no 
âmbito dos governos e, o mais importante, sobre como, no âmbito da gestão 
governamental a temática das políticas de segurança vinham sendo tematizadas 
em diferentes níveis. 
Como resultado dessas múltiplas reflexões realizei em meu 
trabalho de conclusão de curso uma investigação sobre a segurança pública no 
Brasil que resultou em monografia intitulada: “Tematizando a Segurança Pública 
no Brasil: Tendências, Programas e Conceitos (1988 – 2007)”1 onde discuto a 
noção de segurança pública, a partir das políticas públicas em nível federal, 
destacando tendências apontadas no campo da política criminal e as 
representações produzidas pela sociedade civil e pelo poder público na 
construção da ideia de segurança no país. 
Com base na pesquisa qualitativa, discuti em minha 
monografia de fim de curso o Plano Nacional de Segurança Pública (2000), 
Projeto Segurança Pública (2002) e o Programa Nacional de Segurança Pública 
com Cidadania (2007), identificando as categorias pelas quais estes programas 
interpretam, explicam e intervém na questão da violência. 
Após a graduação trabalhei na gestão pública federal e 
estadual com os temas da juventude, policiamento, enfrentamento ao racismo e 
com o sistema de justiça criminal; cursei mestrado em Direito na Universidade 
de Brasília, onde realizei estudo sobre políticas públicas e segurança, analisando 
a experiência do programa Pacto pela Vida no estado da Bahia produzindo a 
dissertação: Discursos e Práticas das políticas de controle de homicídios: uma 
análise do “Pacto pela Vida” do estado da Bahia (2011 – 2014)2. Neste trabalho 
busquei analisar os conceitos e estratégias adotados em relação ao controle de 
homicídios a partir da análise do Plano Estadual de Segurança Pública da Bahia 
e dos documentos do programa Pacto pela Vida instituído no estado no ano de 
2011. Na minha dissertação de mestrado amparei-me no referencial teórico da 
criminologia crítica e da análise cognitiva de políticas públicas e pude explorar a 
dimensão executiva de uma política criminal de controle de homicídios 
 
1 FREITAS, Felipe da Silva. Tematizando a segurança pública no Brasil: tendências, programas e 
conceitos (1988 - 2007). Monografia. Graduação em Direito, Universidade Estadual de Feira de Santana, 
2010. 
2 FREITAS, Felipe da Silva. Discursos e Práticas das políticas de controle de homicídios: uma análise do 
"Pacto pela Vida" do estado da Bahia. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em 
Direito, Universidade de Brasília, 2015. 
aprofundando temas que, na época, eram também meu objeto de trabalho em 
outras áreas profissionais 
No âmbito da gestão pública trabalhei como assessor da 
coordenação de juventude da Secretaria de Relações Institucionais e da 
coordenação de juventude da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial no 
estado da Bahia novamente implicado com o tema da segurança pública e do 
debate com as forças policiais. Neste período, integrei a Câmara de Prevenção 
Social do Programa Pacto pela Vida (programa estadual de prevenção a 
violência letal) acompanhando a implementação das Bases Comunitárias de 
Segurança (BCS’s), com destaque para o monitoramento dos dados sobre 
violência policial e para a realização de visitas técnicas e audiências públicas 
nas comunidades atendidas pelo programa para escuta sobre denúncias e 
relatos de violência institucional e tortura e seus encaminhamentos. 
Em face da minha experiência na articulação de políticas 
de segurança e construção de estratégias de controle da violência policial fui 
convidado a compor os quadros do governo federal onde pude assumir a função 
de coordenador nacional do Plano Juventude Viva – Plano de Enfrentamento à 
Violência contra Jovens Negros – (2012 – 2014) e, no período seguinte, de 
Secretário Executivo do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial 
da Presidência da República (2015 - 2016). Nestas experiências fui um dos 
responsáveis por: 
• Articular o Protocolo de intenções com o objetivo de reduzir as barreiras de 
acesso a Justiça para a juventude negra em situação de violência firmado 
entre a União; Conselho Nacional de Justiça; Conselho Nacional de 
Defensores Públicos Gerais; Conselho Nacional do Ministério Público e 
Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil 
• Negociar com governos de 6 unidades da federação a adesão ao Plano 
Juventude Viva e pactuar com os governadores a adoção de medidas 
específicas para o enfrentamento à violência policial nos territórios 
especialmente impactados pelo problema,e, 
• Apoiar tecnicamente a a Secretaria Nacional de Segurança Pública do 
Ministério da Justiça, SENASP, na elaboração de condicionantes contratuais 
para vinculação do financiamento estadual das políticas de prevenção à 
violência ao atingimento de metas relativas ao controle de letalidade na ação 
policial e a uma maior transparência na gestão da informação relativa às 
operações da polícia. 
Parte dessas experiências foram objeto da minha reflexão 
durante o curso de doutorado em direito realizado entre 2016 e 2020, também 
pela Universidade de Brasília. Nesse trabalho, investiguei a relação entre polícia 
e racismo a partir da análise do debate teórico acerca do conceito de mandato 
policial3. Nesse estudo pude investigar a produção acadêmica brasileira no 
campo dos estudos policiais entre 1987 e 2017 e discutir os limites e 
possibilidades das abordagens hegemônicas acerca do tema do racismo na 
atuação policial. 
O principal achado desse trabalho foi a constatação da 
presença das reações raciais como uma rede de signos e significados na qual o 
mandato policial é formulado e exercido e a verificação da prevalência das 
noções de desumanização e de descartabilidade do corpo negro como matriz 
cognitiva das abordagens e das intervenções logísticas realizadas pelas polícias. 
Tais aspectos são especialmente decisivos na compreensão do tema da 
letalidade policial – objeto da presente ADPF – e na compreensão dos arranjos 
policiais e modelos de policiamento. 
Além desse dos elementos contidos nesse relato biográfico 
tenho também me dedicado a atividades de pesquisa, consultoria e formação 
junto a organismos internacionais, governos, universidades, movimentos sociais 
e organizações não governamentais com foco nos estudos sobre segurança 
pública, polícia e justiça criminal como se pode constatar no curto rol abaixo 
apresentado: 
 
- Atividades de Pesquisa e Consultorias 
 
 
3 FREITAS, Felipe da Silva. Polícia e Racismo: um estudo sobre mandato policial. Tese de Doutorado, 
Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade de Brasília, 2020. 
No campo da pesquisa e da consultoria atuei junto Pontifícia 
Universidade Católica do Rio de Janeiro (2016 – 2017); ao United Nations 
Development Programme – UNDP Brasil (2016 – 2017) e UNDP Moçambique 
(2019 – 2020) e ao Escritório das Nações Unidas sobre Crimes e Drogas (2019 
– 2020) quando desenvolvi as seguintes atividades e publicações: 
 
 Elaboração do Revisão da Curricular da Escola Nacional de Serviços 
Penais (2016) publicado pelo Ministério da Justiça, 
 
 Organização, em parceria com Thula Pires, do livro Vozes do Cárcere: 
ecos da resistência política (2018) publicado pela editora Kitabu; 
 
 Sistematização do Manual de Formação sobre Penas Alternativas à Pena 
de Prisão (2020) publicado pelo Centro de Formação Jurídico e Judiciário 
do Ministério da Justiça e Assuntos Constitucionais de Moçambique; 
 
 Participação da equipe de elaboração do Manual de Prevenção e 
Combate à Tortura e Maus-Tratos na Audiência de Custódia, publicado 
pelas Nações Unidas e pelo Conselho Nacional de Justiça (2020). 
 
Nesse período também publiquei inúmeros artigos científicos, artigos 
de opinião e capítulos de livro sobre controle da atividade policial, funcionamento 
das corregedorias de polícia e controle judicial do trabalho policial, com destaque 
para: 
 
- Artigos publicados em periódicos 
 
VALENÇA, Manuela Abath ; FREITAS, Felipe da Silva . O direito à vida e o ideal 
de defesa social em decisões do STJ no contexto da pandemia de COVID-19. 
Revista Direito Público, v. 17, p. 570-595, 2020. 
 
ZACKSESKI, Cristina ; OLIVEIRA NETO, Edi Alves de ; FREITAS, Felipe da 
Silva . O controle interno da atividade policial no Nordeste: Uma análise das 
representações sociais dos corregedores e dos policiais que trabalham em 
Corregedorias sobre seu próprio trabalho. DILEMAS: REVISTA DE ESTUDOS 
DE CONFLITO E CONTROLE SOCIAL, v. 12, p. 381-400, 2019. 
 
ZACKSESKI, Cristina ; OLIVEIRA NETO, Edi Alves de ; FREITAS, Felipe da 
Silva . Controle interno da atividade policial: um estudo qualitativo sobre as 
Corregedorias Civis e Militares do Nordeste brasileiro. REVISTA BRASILEIRA 
DE SEGURANÇA PÚBLICA, v. 12, p. 66-90, 2019. 
 
MUNIZ, Jacqueline; CARUSO, Haydée ; FREITAS, Felipe da Silva . Os estudos 
policiais nas ciências sociais: um balanço sobre a produção brasileira a partir dos 
anos 2000. REVISTA BRASILEIRA DE INFORMAÇÃO BIBLIOGRÁFICA EM 
CIÊNCIAS SOCIAIS - BIB, p. 148-187, 2018. 
 
FLAUZINA, Ana Luiza P. ; FREITAS, Felipe da Silva . Do paradoxal privilégio de 
ser vítima: terror de Estado e a negação do sofrimento negro no Brasil. REVISTA 
BRASILEIRA DE CIÊNCIAS CRIMINAIS, v. 135, p. 15-32, 2017. 
 
FREITAS, Felipe da Silva. Pelo Direito à vida segura: um estudo sobre a 
mobilização negra pela aprovação do Estatuto da Juventude no Congresso 
Nacional. REVISTA DIREITO E PRÁXIS, v. 10, p. 1335-1355, 2019. 
 
FREITAS, Felipe da Silva. Novas perguntas para criminologia brasileira: Poder, 
Racismo e Direito no centro da roda. Cadernos do CEAS, v. 1, p. 489-499, 2016. 
 
- Capítulos de livros 
 
FREITAS, Felipe da Silva. O que a gente quer que a polícia faça? Ódio e racismo 
como mandato policial no Brasil. In: Ana Flauzina; Thula Pires. (Org.). Rebelião. 
1ed.Brasília: Brado Negro, 2020, v. 1, p. 84-86. 
 
DUARTE, Evandro Piza ; FREITAS, Felipe da Silva . Racism and Drug Policy: 
Criminal Control and the Management of Black Bodies by the Brazilian State. In: 
Kojo Koram. (Org.). The War on Drugs and the Global Colour Line. 1ed.London: 
Pluto Press, 2019, v. 1, p. 100-134. 
 
FREITAS, Felipe da Silva. A violência real e as ciladas do punitivismo: Reflexões 
sobre atividade policial e a Lei 13.142, de 6 de julho de 2015. In: Ana Flauzina; 
Felipe Freitas. (Org.). Discursos Negros: legislação penal, política criminal e 
racismo. 1ed.Brasília: Brado Negro, 2015, v. , p. 10-40. 
 
FREITAS, Felipe da Silva. Juventude Negra: qual é mesmo a diferença?. In: 
Regina Novaes; Eliane Ribeiro; Gustavo Venturi; Diógenes Pinheiro. (Org.). 
Agenda juventude Brasil: leituras sobre uma década de mudanças. 1ed.Rio de 
Janeiro: Unirio, 2016, v. 1, p. 103-128 
 
- Artigos em jornais e revistas 
 
Intervenção federal é cortina de fumaça para reais problemas da segurança 
pública. Justificando (ISSN 25270435), São Paulo, p. 1 - 1, 17 fev. 2018. 
 
As UPP’s e o descaso com o tema da segurança públicam o tema da 
segurança pública. Justificando (ISSN 25270435), 13 mar. 2017 
 
Slogans vazios e práticas autoritárias: precisamos debater a questão da 
polícia no Brasil. Justificando (ISSN 25270435), 14 fev. 2017. 
 
O que é a “PEC da Polícia Penal” e porque ela não melhorará em nada o 
sistema prisional?. Justificando (ISSN 25270435), São Paulo, 09 ago. 2017. 
 
Outras perguntas sobre a violência policial. Brado Negro, Brasília, 29 dez. 
2015. 
 
Mais recentemente, em ano de 2020, atuei como consultor 
do Observatório Direitos Humanos e Crise Covid-19, formado por mais de quinze 
organizações nacionais do campo dos direitos humanos, para elaboração de um 
informe acerca dos impactos da pandemia na vida das populações 
historicamente excluídas. O documento foi publicado em setembro de 2020 sob 
o título “Serviços Públicos e Direitos Humanos no contexto da pandemia no 
Brasil”. 
Como ativista político, docente e pesquisador, participei ao 
longo dos últimos anos de dezenas de palestras, cursos, oficinas e formações 
acerca das políticas públicas, direitos humanos e enfrentamento ao racismo 
entres os quais destaco: 
 
 Palestrante no painel “A seletividade do sistema: da abordagem à 
condenação” promovido pela Associação de Magistrados Brasileiros, em 
parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Embaixada dos 
EUA, U.S Bureau of Economic Analysis (BEA), International Visitor 
Leadership Program- Havard University, 2020. 
 
 Aula sobre Mandato Policial, Genocídioe Hiperencarceramento durante 
o XIV Curso de Teoria Política das Questões da Diáspora África, 
realizado por Criola, Núcleo Interdisciplinar de Reflexão e Memória 
Afrodescendente da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e 
Departamento de Antropologia da Universidade da Califórnia, 2020. 
 
 Palestrante no Painel Racismo e Polícia durante o 14º Encontro do Fórum 
Brasileiro de Segurança Pública, 2020. 
 
 Minicurso Direitos Fundamentais, Processo Penal e Polícias ministrado 
junto com a professora Manuela Abath Valença para estudantes dos 
cursos de Pós Graduação em Direito (mestrado e doutorado) da 
Universidade Federal de Pernambuco, agosto/2020. 
 
 Aula Magna Narrativas da violência no Brasil: segurança pública e 
racismo em debate no Course Racial and Gender Inequalities in Latin 
America in Center for Latin American Studies, Stanford University, 2019. 
 
 Participação na audiência pública: Segurança pública e violações de 
direitos: impactos da Intervenção Federal do Rio de Janeiro para o Brasil 
durante o Seminário Internacional do Instituto Brasileiro de Ciências 
Criminais (IBCCRIM), 2018. 
 
 Conferência “O Controle da Polícia e os Desafios da Democracia no 
Brasil” durante o VII Seminário Nacional do Instituto Baiano de Direito 
Processual Penal, 2018. 
 
 participação no painel “Juventude e vulnerabilidade à tortura: marcadores 
de exclusão de raça, de gênero e de classe” durante o III Encontro 
Nacional de Comitês e Mecanismos de Prevenção e Combate a Tortura, 
em julho/2018. 
 
 palestra sobre Indicadores sociais de violência na América Latina durante 
o Deutschen Katholikentag promovido pela ONG alemã Adveniat, em abril 
de 2012. 
 
 conferência sobre Lutas antirracistas no Brasil realizada em setembro de 
2010 na cidade de Los Teques, na Venezuela, durante o III Congresso 
Latino Americano de Jovens. 
 
- Atividades atuais 
 
Atualmente mantenho vínculo com o Grupo de Pesquisa em 
Criminologia da Universidade Estadual de Feira de Santana, do qual sou co-
fundador e pesquisador voluntário e trabalho junto a várias organizações como 
consultor na área de segurança pública, direitos humanos e relações raciais. No 
âmbito da docência sou professor do Instituto Brasiliense de Direito Público e 
professor colaborador do Curso de Mestrado em Segurança Pública da 
Universidade Federal da Bahia. 
Além disso, sou colunista do site Justificando e da Seção 
Justiça do site da Revista Carta Capital; membro do Conselho Consultivo da 
Plataforma Brasileira sobre Política de Drogas; membro do Conselho 
Deliberativo da Associação Brasileira de Sociologia do Direito (ABraSD) biênio 
2020 - 2021; sócio da Associação Brasileira de Pesquisadores Negras e Negros 
(ABPN), desde 2020; coordenador de pesquisa no Núcleo de Justiça Racial da 
Fundação Getúlio Vargas (FGV) e membro do Conselho Deliberativo do Fundo 
Baobá 2020 - 2021. 
- Interesses de pesquisa 
 
Interessam-me especialmente os estudos sobre direito e política, com 
destaque para a relação entre teoria do Estado, polícia, relações raciais e 
processo penal. O objetivo atual das minhas investigações é compreender, no 
campo das discussões sobre direito e segurança pública, as interrelações entre 
instituições democráticas, espaço público, desigualdade e violência no contexto 
brasileiro onde tenho investigado: 
• Estado Democrático de Direito e suas tensões com práticas extra-legais 
no âmbito do sistema de justiça criminal e de segurança pública, 
• Peso dos saberes e práticas policiais na conformação dos modelos 
brasileiros de direito e processo penal, 
• As conexões entre a doutrina constitucional brasileira em matérias 
processual penal e as práticas jurisprudenciais no que se refere à 
validação do trabalho da atividade policial, analisando, em específico, 
precedentes brasileiros e internacionais atinentes a controle da 
abordagem policial, 
• Impacto das hierarquias raciais e sociais na condução do processo penal 
e na conceituação dos institutos jurídicos referentes às práticas policiais, 
 
Passo à exposição de linhas gerais do que pretendo apresentar, caso 
habilitado, como contribuição a este Tribunal para o debate da ADPF 635. 
II – CONTRIBUIÇÃO AO DEBATE SOBRE LETALIDADE POLICIAL 
 
O que fazer diante da constatação do colapso total do modelo de 
policiamento ostensivo? O que fazer diante dos altos custos, alta letalidade, 
baixa eficácia em termos de controle da criminalidade e baixa legalidade das 
ações policiais realizadas no Brasil? Essas questões povoam a atuação e a 
reflexão política de intelectuais, ativistas políticos de direitos humanos, militantes 
do movimento negro e juristas e são objeto da ADPF 635 tanto a partir da 
discussão sobre os protocolos de atuação, internos e externos, das forças 
policiais quanto no debate sobre a relação entre racismo e ação policial - aspecto 
que me parece central na agenda dos estudos policiais e na compreensão das 
dinâmicas de letalidade no Brasil. 
Assim, penso considero central para responder a essas questões a 
reflexão sobre o modelo de policiamento brasileiro e sobre o tipo de baliza 
jurídica – constitucional e processual penal – necessária para a preservação dos 
direitos fundamentais e garantia da ordem democrática tanto em relação a ação 
dos governos no controle das polícias como também no papel do poder judiciário 
na recepção (ou não) do produto do trabalho das polícias na esfera da atuação 
judicial. 
Nessa intervenção, pretendo oferecer a E. Corte algumas questões, a 
partir dos dados disponíveis no Brasil acerca da questão da ação policial, sobre 
o padrão brasileiro de policiamento indicando alguns desafios nos seguintes 
aspectos: 
(i) crítica ao modelo brasileiro de policiamento e discussão sobre os 
custos da ação policial em especial às ações policiais estratégicas 
em comunidades pobres e em territórios de maioria negra, 
(ii) necessidade de uma intervenção judicial ativa no que tange à 
apreciação das ações policiais e da legalidade dos resultados do 
trabalho das polícias, 
(iii) limites e métricas para a intervenção policial, em especial no que 
tange ao uso da força, instrumentos e táticas empregadas, 
(iv) revisão crítica dos parâmetros raciais de formação da suspeição 
com bases raciais, com ênfase para os critérios de legalidade, 
igualdade e proporcionalidade previstos na Constituição e nas 
recentes diretrizes das Cortes Internacionais quanto a abordagem, 
suspeição e transparência da ação policial (em especial das 
manifestações das Nações Unidas sobre racial profiling e das 
decisões da Corte Interamericana no caso Tumbeiro e Pietro vs. 
Argentina e no caso Favela Nova Brasília vs. Brasil). 
Uma reflexão sobre o modelo brasileiro de policiamento ostensivo 
 
O tema segurança pública fora tratado na Constituição de 19884 em um 
brevíssimo capítulo em que se definem quais são as instituições públicas 
encarregadas de prover segurança e em que se fixa o modelo bipartido de 
organização policial (civil e militar), herdados de períodos anteriores. Na 
Constituição Federal de 88 é resgatado o conceito da CF de 1937 repetindo-se 
um capítulo específico sobre o tema, contudo sem definir o seu significado e sem 
precisar os seus limites5: 
 
4 “O termo segurança ‘pública’ parece ter sido usado pela primeira vez na Constituição Federal (CF) de 
1937. Em outras Constituições, como a de 1934, aparece o termo segurança ‘interna’ para tratar com 
matérias atinentes ao controle da ordem, fato que irá gerar vários dilemas organizacionais no país e em 
seu pacto federativo. É interessante constatar que, na CF de 1937, cabia exclusivamente à União a 
competência de regular a matéria e garantir ‘o bem-estar, a ordem, a tranquilidade e a segurança públicas, 
quando o exigir a necessidade de uma regulamentação uniforme’ (artigo 16, inciso V)”. LIMA, Renato 
Sérgio de; BUENO, Samira; MINGARDI, Guaracy.Estado, polícias e segurança pública no Brasil. Revista de 
Direito GV, São Paulo , v. 12, n. 1, p. 49-85. 
5 Idem. 
A Carta Constitucional de 1988 prevê duas polícias estaduais – uma civil, 
voltada para a investigação criminal e uma militar, vocacionada à preservação 
da ordem pública – todavia, mantêm-se os ruídos no pacto federativo e criam-se 
novas situações de fricção por meio da introdução dos municípios na formulação 
e execução de políticas de prevenção e combate à violência. A CF de 1988 
avançou na construção de um novo conceito de segurança “pública”, mas, ao 
que tudo indica, apenas em oposição ao de segurança “nacional”, na tentativa 
instrumental de fornecer ao Estado condições e requisitos democráticos de 
acesso à justiça e garantia de direitos6. 
Persistiu portanto, no âmbito da relação entre PM e PC, uma 
sobreposição perigosa em matéria de atividade de investigação7, ao tempo que 
também persistiram hierarquias institucionais injustificadas dentro das estruturas 
militarizadas. No interior de cada policial militar mantiveram-se duplas cadeias 
de comando – uma relacionada ao Comando da própria Polícia e outra vinculada 
ao comandante do Exército e ao ministro da Defesa.8 
Em outras palavras, o modelo policial de 1988 não estabeleceu qual 
exatamente seria o papel e a função da Polícia Militar em termos de atribuições 
na coordenação, planejamento das políticas de administração da violência e de 
combate à criminalidade. Ou seja, relegou-se o maior contingente policial do país 
(o dos policiais militares) a um “não lugar” do ponto de vista político e da 
representação institucional, de modo que o cotidiano do fazer dessas polícias 
resta violentamente pressionado por demandas insistentes por produção e 
resultado versus a constatação de que o modelo não funciona. 
 
6 LIMA, Renato Sérgio de. Entre palavras e números: violência, democracia e segurança pública no Brasil. 
São Paulo: Alameda, 2011. 
7 A despeito da configuração legal, persiste nas organizações policiais militares setores de inteligência que 
muitas vezes conflitam com as atribuições normativas previstas para a Polícia Civil (ou mesmo para o 
Ministério Público). É o que os próprios policiais chamam, enquanto categoria nativa, de P2. Segundo 
Maria Gorette Jesus: “Os policiais do P2 têm como uma de suas atividades principais desempenhar um 
serviço de inteligência dessa organização. Esses policiais não usam uniformes e podem andar 
‘descaracterizados’, tanto que não é possível identificá-los como policiais militares justamente pela 
atuação que desenvolvem”. (JESUS, Maria Gorete Marques de. “O que está no mundo não está nos 
autos”: a construção da verdade jurídica nos processos criminais de tráfico de drogas. Tese de Doutorado. 
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 2016, p. 90). 
8 SOARES, Luiz Eduardo. Política Militar e Justiça Criminal como promotoras de desigualdades. In: SOARES, 
Luiz Eduardo. Desmilitarizar: segurança pública e direitos humanos. São Paulo: Boitempo, 2019, p. 33. 
É como descreve Luiz Eduardo Soares: proibidas de investigar as polícias 
militares - mais numerosas e as que se encontram nas ruas 24 horas - têm sobre 
seus ombros imensas responsabilidades e, por isso, são pressionadas por todos 
– mídia, opinião pública, políticos, autoridades. Contudo, pressionadas a quê? 
Cobradas a produzir, a fazer atos de visibilidade, a transpor a arena 
silenciosa da prevenção e a ocuparem o palco da cena pública com medidas de 
força, confronto e combate. Assim, produzir é visto com frequência pelas polícias 
como sinônimo de prender. E, não podendo investigar, só lhes cabe prender em 
flagrante. Eis aí a razão do fenômeno: a imensa maioria da população carcerária 
foi presa em flagrante delito9. 
Tal modelo de policiamento (marcado por disfuncionalidades e focado na 
prisão em flagrante) resulta em sérios problemas em termos de alto grau de 
discricionariedade policial e judicial e baixo grau de legitimidade democrática. O 
modo impreciso e autoritário com que o sistema judicial assimila o resultado do 
trabalho policial e o valida, enquanto lastro probatório de suas decisões, 
representa o mais grave problema de violação de direitos constitucionais e de 
erosão do sentido democrático do modelo de polícia, segurança pública e justiça 
criminal. 
A questão pode ser dividida em pelo menos três pontos: (i) a centralidade 
dos flagrantes para a movimentação da máquina criminal, (ii) a imprecisão ao 
definir os limites da investigação e da abordagem pelas polícias, e, (iii) a 
seletividade contra negras e negros que corrói a legitimidade do sistema e que 
põe em risco toda narrativa de igualdade e justiça que se tenta construir. 
Flagrantes 
 
A prisão em flagrante está prevista no Código de Processo Penal entre os 
artigos 301 e 310 e consiste na hipótese de prender quem esteja cometendo 
uma infração penal, quem acabe de cometê-la, quem é perseguido em situação 
que faça presumir ser autor da infração ou que é encontrado, logo depois da 
infração. Ou seja, trata-se de um tipo de prisão muito excepcional que deve 
 
9 Idem, p. 34 – 35. 
ocorrer apenas em contextos específicos para fazer cessar os efeitos do delito 
ou para pôr o agente à disposição do Poder Judiciário que deve, rapidamente, 
avaliar a legalidade do flagrante e a hipótese de autorizar (ou não) a continuidade 
da investigação policial.10 
Entretanto, a prisão em flagrante vulgarizou-se no direito brasileiro. Pelos 
motivos que expus antes, o flagrante passou a centralizar muito do trabalho da 
polícia e “perseguir o flagrante” passou a funcionar como um resultado desejado, 
mais do que como um fato específico resultante de uma situação própria de 
ocorrência criminal. Promoções profissionais, reconhecimentos e títulos, 
estímulos informais e benefícios de lotação passaram a ser, cada vez mais, 
obtidos por meio da central e decisiva “correria pelo flagrante”, que passou ao 
posto de eixo em torno do qual se prende e se condena no Brasil. 
O grande problema dessa centralidade da prisão em flagrante como 
indicador de sucesso do trabalho da polícia é que se desloca para a autoridade 
policial militar a atribuição de julgar (com os mecanismos de que dispõe para 
atuação na rua) quem é suspeito da prática de crimes e qual a tipificação 
inicialmente definida para o caso, por conseguinte, abre-se um largo espaço para 
abusos e para arbitrariedades de toda sorte11 e fragiliza-se o papel do Juiz e do 
Promotor que, ao fim e ao cabo, pegam carona naquilo que faz a polícia e 
encurtam caminho para impulsionar sua própria produtividade naquilo que 
Manuela Abath denominou como “caso de soberania policial”12. 
Na prática, o policial passa a produzir, ele mesmo, um juízo de suspeição 
que nada tem a ver com o que está descrito na lei e que, quase sempre, é apenas 
a repetição de estigmas, estereótipos, clichês e discriminações e um ethos em 
busca de reconhecimento, produtividade e estabilidade profissional. Como 
 
10 Sobre o processo de decisão judicial no âmbito da audiência de custódia, ver o material produzido pelo 
Conselho Nacional de Justiça sob coordenação da professora Maíra Machado: CNJ, Conselho Nacional de 
Justiça. Manual sobre Tomada de Decisão na Audiência de Custódia: Parâmetros Gerais. Série Justiça 
Presente: Coleção Fortalecimento da audiência de custódia. Brasília: 2020. 
11 MELLO, Marília Montenegro Pessoa de; ARAUJO, Higor Alexandre Alves de. Presunção de culpa: o 
Tribunal de Justiça de Pernambuco e o flagrante forjado. Revista Direito Público, Porto Alegre, vol. 16, n. 
2019, 133 – 155, set./out. 2019. 
12 VALENÇA, Manuela Abath. Soberania policial no Recife do início do século XX. Tese de Doutorado, 
Faculdade de Direito, Universidade de Brasília, 2018. 
destacam Laís Avelar e Bruna Novais ao analisarem o controle do espaço 
público na cidade de Salvador: 
O que fica evidenciadoé que a autoridade policial cria, na sua 
prática, um léxico do que é ordem e desordem, sem respaldo 
normativo. A polícia, uma agência “executiva”, retroalimenta o 
seu poder à medida em que decide autonomamente os 
contornos de sua atuação. Em outras palavras, é a polícia quem 
define o que é “caso de polícia”. A criação de um léxico entre 
ordem e desordem, ou seja, entre o que deve ou não ser 
perseguido não parece aqui outra lógica que não a do 
multifacetado genocídio.13 
Limites da investigação e da abordagem: busca e fundada suspeita 
 
Outro aspecto relevante na atuação policial refere-se aos critérios 
utilizados pelas forças de segurança para realizar (ou não) a busca (pessoal ou 
domiciliar). Segundo o Código de Processo Penal, está autorizado que se 
proceda a busca pessoal quando “houver fundada suspeita” de que alguém 
oculte consigo arma proibida ou para apreender coisas achadas ou obtidas por 
meios criminosos; apreender instrumentos de falsificação ou de contrafação e 
objetos falsificados ou contrafeitos; apreender armas e munições, instrumentos 
utilizados na prática de crime ou destinados a fim delituoso; descobrir objetos 
necessários à prova de infração ou à defesa do réu; apreender cartas, abertas 
ou não, destinadas ao acusado ou em seu poder, quando haja suspeita de que 
o conhecimento do seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato; colher 
qualquer elemento de convicção. 
Como se vê, trata-se de uma descrição ampla e genérica que já oferece 
à autoridade policial um campo interpretativo bastante amplo para definir o modo 
e o espectro da sua atuação. É importante, aqui, que entre na análise sobre a 
fundada suspeita o sopesamento de princípios e normas da Constituição – com 
destaque para a inviolabilidade do domicílio, a dignidade da pessoa humana, a 
intimidade e a vida privada e a incolumidade física e moral do indivíduo – e a 
necessária atuação do Ministério Público e do Poder Judiciário que, no momento 
 
13 AVELAR, Laís da Silva; NOVAIS, Bruna Portella. Há mortes anteriores à morte: politizando o genocídio 
negro dos meios através do controle urbano racializado. Revista Brasileira de Ciências Criminais, vol. 135, 
ano 25, São Paulo: Ed. RT, set. 2017. 
da audiência de custódia, deverão apreciar ponto a ponto cada item da 
justificativa apresentada pelo policial para ancorar sua atuação. 
Todavia, uma vez que a polícia tem como seu principal indicador de 
sucesso o ato de “prender em flagrante”, o que acaba funcionando são os 
repertórios técnicos e políticos disponíveis para que as polícias façam a aferição 
de qual situação justifica, ou não, uma abordagem policial e não há, da parte do 
sistema judicial, qualquer reexame ou censura acerca daquilo que é produzido 
em fase pré-processual pela autoridade da polícia. Pelo contrário, o MP e o 
Poder Judiciário estimulam e legitimam as atuações policiais - mesmo que 
abusivas ou letais - consagrando o que Orlando Zaccone chama de “legalidade 
autoritária” para se referir ao processo de validação judicial de práticas policiais 
violentas e abusivas: 
As chamadas “falhas” dos inquéritos policiais instaurados 
para apurar as mortes praticadas por policiais em serviço 
nada mais são do que a racionalidade do descaso 
sistêmico do poder político-jurídico manifesta em relação 
aos altos índices de letalidade do nosso sistema penal. O 
que seria uma ineficiência da Justiça é na verdade a sua 
própria lógica.14 
Na prática, o policial aciona nessa atividade o saber-experiência adquirido 
e transmitido entre os colegas caracterizando um saber-poder do chão da fábrica 
com o que ele decide, atua e julga a ação dos seus colegas e parceiros de 
trabalho. A atuação do Poder Judiciário e do Ministério Público é, 
majoritariamente, a de corroborar com o modo dessas decisões policiais ou 
mesmo de “legalizá-las” por meio de movimentações processuais que 
superlativizam o peso do depoimento policial e subdimensiona o valor da 
narrativa das vítimas e de todo o restante do conjunto probatório. 
Na literatura sobre o tema fala-se dos critérios de construção da 
suspeição, ou, do papel do tirocínio na definição dos padrões de abordagem 
 
14 ZACCONE, Orlando. Indignos de vida: a forma jurídica política de extermínio de inimigos na cidade do 
Rio de janeiro. Rio de Janeiro: Revan, 2015. 
policial.15 Tais elementos caracterizam-se como um “modo de fazer” de geração 
em geração dentro das polícias informando um saber-prático, que organiza a 
ação e que legitima e retroalimenta os resultados. É como relata um policial 
brasiliense com mais de 14 anos de serviço entrevistado por Gilvan Silva em sua 
pesquisa de mestrado: 
O policial olha pro cidadão, se a pessoa tiver alguma coisa 
errada ele vai demonstrar em algum momento 
insegurança, é o que vai motivar o policial a abordar. Então 
o policial tem que estar atento, quando for abordar o 
cidadão, tem que olhar no olho e realmente estudar, fazer 
um estudo psicológico daquela pessoa, porque o visual 
conta muito, porque às vezes a pessoa tá com alguma 
coisa errada e quando ver a polícia ela treme no sentido 
figurado e no sentido literal às vezes também. Então o 
policial tem como perceber a situação.16 
Ou seja, trata-se de um juízo formado, completamente, com base na 
experiência e que se beneficia da imprecisão e vagueza da lei para instituir um 
outro modo de ação policial, que se centra na atividade de abordagem, paradas 
e busca pessoal e que relativiza o papel da inteligência, da investigação e da 
previsibilidade na definição de seus meios e planos de ação. Na prática, o 
modelo de policiamento deixa os policiais à própria sorte e pressiona-lhes a “dar 
resultado” em termos de produtividade confundida com prisões realizadas pelos 
meios disponíveis, no caso, os flagrantes.17 
 
 
15 RAMOS, Silvia; MUSUMECI, Leonarda. "Elemento suspeito". Abordagem policial e discriminação na 
cidade do Rio de Janeiro. Boletim Segurança e Cidadania, n. 8, novembro de 2004; SILVA, Gilvan Gomes da. 
A lógica da Polícia Militar do Distrito Federal na Construção do Suspeito. Dissertação Mestrado em 
Sociologia UnB; ALBERNAZ, Elizabete. “Faro Policial”: um estudo de caso acerca dos critérios de construção 
e operação de padrões de suspeição e seletividade na ação policial. 39º Encontro Anual da Anpocs, 
Caxambu, 2015. 
16 SILVA, Gilvan Gomes da. A lógica da Polícia Militar do Distrito Federal na Construção do Suspeito. 
Dissertação Mestrado em Sociologia UnB. 
17 SOARES, Op. Cit. 
Seletividade racial e violência policial 
 
Assim, o ato de policiar transforma-se em uma profecia que se auto 
cumpre: o policial vai à caça do socialmente vulnerável, que teme, o temor inspira 
o juízo de estranheza (“a suspeição”), dá-se a abordagem (fraudulenta ou não) 
que gera estatística e que faz a roda do sistema punitivista girar. É um ciclo de 
performances de violência e terror de Estado que encontra na política de drogas 
seu palco de execução e na eliminação e encarceramento de negros, seu fim 
último não declarado. 
A atuação policial baseada em abordagens em massa e em flagrantes 
como indicador de eficiência policial é um convite às práticas de discriminação e 
violência, que se traduzem em mortes, em abusos, em genocídio. 
De um lado, a lei aparece como suficientemente “aberta” em 
suas hipóteses para criar o espaço de “discricionariedade” do 
policial, de outro, a cultura jurídica é suficientemente formalista 
para negar a possibilidade de observar os padrões cotidianos de 
violência. Por fim, haverá aqueles casos em que os juízes e 
tribunais “descobrem”, “surpresos”, a violência dos agentes 
policiais. Esse modelo de “convivência” entre “padrões jurídicos” 
ambíguos (liberais e autoritários) decorre de uma historicidade 
concreta do controle social em que o racismo institucional é um 
elemento central das políticas públicas empreendidas pelo 
Estado. A convivência entre escravidão e instituiçõesliberais durante quase um século propõe tal explicação.18 
 
Os dados não deixam dúvidas quanto aos resultados dessa política e 
quanto aos seus efeitos dirigidos à população negra de modo absolutamente 
particular. Pesquisa coordenada pelo Grupo de Estudos sobre violência e 
administração de conflitos da Universidade Federal de São Carlos, em parceria 
com pesquisadoras/es da UnB, FJP e PUC-RS, conforma o que já vinha sendo 
assinalado por outros estudos19 e evidencia que: negros têm mais chances de 
 
18 DUARTE, Evandro et alli. Quem é o suspeito do crime de tráfico de drogas? Anotações sobre a dinâmica 
de preconceitos raciais e sociais na definição das condutas de usuário e traficante pelos policiais militares 
nas cidades de Brasília, Curitiba e Salvador. Col. Pensando a Segurança Pública. Vol. 5, Brasília: Ministério 
da Justiça/Senasp, 2014, p. 90. 
19 REIS, Dyane Brito. O Racismo na Determinação da Suspeição. Mestrado em Ciências Sociais, 
Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, 2001; BARROS, Geová da S. 
Filtragem racial: a cor na seleção do suspeito. Revista Brasileira de Segurança Pública, ano 2, edição 3, 
jul./ago. 2008, p. 134-155.; SCHLITTLER, Maria Carolina. “MATAR MUITO, PRENDER MAL”: a produção da 
serem presos que uma pessoa branca e mais chance de serem mortos pelas 
forças policiais.20 
De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2019, 6.357 
pessoas foram vítimas de mortes por intervenções policiais (13,3% das mortes 
violentas intencionais ocorridas no período). Nesse universo,79,1% das vítimas 
eram negros, (enquanto os negros são pouco mais de 50% da população); 
74,3% era de jovens até 29 anos e 99,2% era de homens. 
Ainda que, entre as polícias (e no conjunto das instituições do sistema de 
justiça e de segurança pública), predomine a leitura de que o racismo existe na 
sociedade brasileira, mas que não orienta as ações policiais, sabe-se que o 
racismo funciona como um amálgama que articula, sustenta e organiza a ação 
policial e o funcionamento de todo o sistema de justiça criminal. 21 
 
Pontos importantes para a formatação de critérios técnicos para o controle 
de legalidade na ação policial, contrução de protocolos de atuação e 
ampliação da transparência nas atividades das polícias 
 
Como alterar as representações sobre o modelo de policiamento 
brasileiro e gestar outras formas de controle da violência em nossa sociedade? 
De que modo é possível construir outros sentidos do que é “fazer policial” e de 
que maneira esse “outro fazer” pode se tornar viável ante a incomensurabilidade 
 
desigualdade racial como efeito do policiamento ostensivo militarizado em SP. Tese de doutorado. 
Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFSCar, 2016. 
20 De acordo com pesquisa do GEVAC, UFSCar: a razão de chance de ser preso em flagrante em Minas 
Gerais segundo cor/raça entre 2013/2018 é de 3 e 2,3 vezes mais chances de uma pessoa negra ser presa 
do que uma pessoa branca e 4 e 5 vezes mais chances de pessoa negra ser vítima de letalidade policial 
do que uma pessoa branca. Segundo a mesma pesquisa no município de São Paulo a taxa de negros 
mortos em ações policiais chega a 3 a 7 vezes maior do que a de não negros (entre 2014 – 2018). 
SINHORETTO, Jacqueline (coord.). Policiamento e relações raciais: estudo comparado sobre formas 
contemporâneas de controle do crime. Relatório de Pesquisa. CNPq / MCT 01/2016. Universidade Federal 
de São Carlos, Grupo de Estudos sobre Violência e Administração de Conflitos, 2020. 
21 FREITAS, Felipe da Silva. Política e Racismo: um estudo sobre mandato policial. Tese de Doutorado, 
Programa de Pós-Graduação em Direito, Faculdade de Direito, Universidade de Brasília, 2020. 
do racismo e do seu papel desconstituinte da subjetividade de mulheres e 
homens negros? 
A iniciativa dos movimentos sociais ao consorciarem-se para propor a 
ADPF 635 representa uma virtuosa possibilidade de como explorar as tensões 
do próprio sistema e fazer brotar medidas que restrinjam a violência e explicitem 
contradições do próprio modelo, conforme já reconheceram os próprios Ministros 
no julgamento da medida cautelar concedida por V. Excia. 
A questão é como se amplia o controle público sobre a ação policial 
discutindo não apenas a responsabilização penal dos agentes policiais após os 
atos abusivos mas, sobretudo, agindo preventivamente a partir do debate sobre 
as técnicas e sobre os modelos de formação e de estratégia de policiamento. 
Sobre esse assunto emergem as seguintes propostas apresentadas na peça 
inicial da Ação e que podem ser aprofundadas na Audiência a partir do debate 
sobre suas formas de operacionalização. 
A este respeito destaco: 
• A necessidade de reconhecimento da dimensão estruturalmente 
violenta do modelo de policiamento baseado em mega operações e o 
combate às práticas de seletividade racial das ações de busca e 
abordagem policial, 
• A importância da divulgação dos custos das operações policiais 
realizadas no estado do Rio de Janeiro, com destaque para o gasto de 
armas e munições; 
• Possibilidade de discussão técnica sobre os meios de força 
empregados e sobre a pertinência tática das estratégias abordadas 
pelas polícias, inclusive com necessidade de fundamentação nos 
relatórios de operação policial para: número de disparos, tipo de 
armamento e de veículos utilizados, bem como necessidade de 
disposição dos planos técnicos operacionais para fiscalização do MP 
e apuração da justificação logística da distribuição de efetivos de 
policiais e de veículos nas diferentes regiões da cidade; 
• A necessidade de observação das diretrizes apresentadas pelo 
Conselho Nacional de Justiça no Manual sobre Tomada de Decisão 
na Audiência de Custódia e no Manual de Prevenção e Combate à 
Tortura e Maus-Tratos na Audiência de Custódia, ambos publicados 
em parceria com o Programa das Nações Unidas para o 
Desenvolvimento e Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e 
Crime, 
• Construção de um plano de estruturação de perícias com apuração 
técnica sobre os padrões balísticos para formação da prova técnico 
processual e reafirmação da indispensabilidade da realização imediata 
de perícia de local quando da ocorrência de lesão ou morte por armas 
de fogo em operações policiais, 
• Discussão sobre o peso das representações raciais na formação da 
suspeição policial e sobre os padrões de distribuição dos efetivos 
policiais, padrões de abordagem e resultado racial das ações. 
 
Sobre esse assunto importante discutir os apontamentos do Manual 
sobre Tomada de Decisão na Audiência de Custódia do CNJ no que 
tange a (i) a justificativa da abordagem policial indicada no APF e (ii) 
os elementos que indicam a “presunção” de autoria da infração que 
autoriza o flagrante no art. 302, III e IV do CPP. Tais aspectos podem 
servir como referência para pensar o enfrentamento ao racial profiling 
em todas as operações policiais, inclusive no que diz respeito à 
apreciação de legalidade da própria fundamentação da mobilização de 
efetivo apresentada pelo comando policial. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
III – REQUERIMENTO 
 
Nesta perspectiva, submeto o PEDIDO DE HABILITAÇÃO À 
AUDIÊNCIA PÚBLICA DA ADPF 635 RJ com o objetivo de aprofundar algumas 
das impressões e hipóteses aventadas no bojo da minha trajetória política e 
acadêmica e colaborar com a consolidação de saberes e práticas públicas sobre 
esta importante área temática tão fundamental para a vida, a liberdade e 
cidadania de milhões de brasileiras e brasileiros. 
 
Nestes Termos, 
Pede Deferimento. 
 
 
Feira de Santana – BA, 29 de janeiro de 2021. 
 
 
Felipe da Silva Freitas 
Pesquisador Voluntário do Grupo de Pesquisa em Criminologia da 
Universidade Estadual de Feira de Santana – GPCRIM UEFS

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