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z INTRODUÇÃO O Curso de Negociação e Conflitos é fundamental para o nosso dia a dia, seja pessoal ou profissional. Os conflitos são inevitáveis e impõem às partes significativos custos físicos, financeiros ou emocionais. Os conflitos, na grande maioria das vezes, instalam-se por força das divergências entre pontos de vista, da não percepção sobre o outro, os seus desejos e interesses, pressuposições, competição, jogos de poder e padrões, entre vários outros fatores. Buscaremos, neste curso, compreender a dinâmica do processo de negociação, os seus conceitos e elementos envolvidos. A era digital e da transparência, na qual atualmente vivemos, exige de cada um de nós uma capacidade de inovação e de rapidez nas decisões. Um novo estilo de negociação baseado na confiança e na eficácia se impõe, sobre o qual repousam a elegância moral, a governança colaborativa, o compartilhamento de informações, o prazer pelo debate, a franqueza amigável, a habilidade de comunicação entre as partes, a busca pelo bem comum e a obtenção de ganhos mútuos, elementos que formam a identidade de um negociador moderno. No Módulo I, trataremos da questão do conflito, das posições de competição versus cooperação. Introduziremos o conceito de coopetição, que significa cooperar e competir simultaneamente, conduzindo ao problema da assimetria de informações, exemplificado pelo Dilema do Prisioneiro. Finalizando o módulo, introduziremos o entendimento da empatia, fundamental para aceitarmos o outro com as suas diferenças, reduzindo uma das barreiras que dificultam a resolução dos conflitos. O Módulo II trata da influência da razão e da emoção na Tomada de Decisão. Cada vez mais, pesquisadores estudam o comportamento humano e o impacto das suas emoções sobre as ações. Discutiremos as emoções, a razão com as suas limitações e os seus “atalhos” na tomada de decisão e apresentaremos a escalada simétrica irracional que, equivocadamente, achamos ser, razoavelmente, controlada por nós. Nos Módulos III, IV e V, trataremos dos conceitos básicos como Batna, Zopa, Preço Reserva e Ancoragem, bem como da metodologia que facilitará o processo de negociação, tendo como objetivo obter e maximizar os ganhos mútuos. Essa metodologia está fundamentada na Matriz de Negociações Complexas, que associa 10 elementos – cognição, contexto, interesses, opções, padrão, tempo, relacionamento, conformidade legal, poder e concessões – com as quatro etapas do processo de negociação: preparação, criação de valor, distribuição de valor e implementação/monitoramento. Discutiremos também os princípios da persuasão: reciprocidade, comportamento social, gostar, autoridade, escassez, compromisso/consistência e, pré-suasão, para melhorar o relacionamento e gerarmos confiança. No Módulo VI, destacaremos as questões de ética, táticas e técnicas de negociação. Sobre todo e qualquer conteúdo, seja financeiro, seja de negociação ou qualquer outro, é importante destacar as questões de ética que importam fundamentalmente nas nossas ações, oferecendo uma garantia sobre a confiabilidade e sobre o desenvolvimento das relações saudáveis, de longo prazo. No módulo VII, apresentaremos a importância de destacarmos as diferenças culturais para que saibamos, com segurança, compreender, respeitar e negociar com outros povos, sejam do nosso País ou de outros países e outras culturas. Finalizando o módulo, apresentaremos as 10 formas de negociação que determinarão as diferenças no trato com a(s) outra(s) parte(s), podendo ser baseadas nos interesses ou nas leis. Encerrando o curso, com o módulo VIII, apresentaremos questões associadas à resolução de disputas públicas, com as suas especificidades, mais notadamente no exemplo dos Conflitos Ambientais. Concluindo, consolidaremos as questões apresentando diferentes tensões que devem ser enfrentadas nos processos de negociação, quais sejam: cooperação vs. competição; mandante vs. mandatário; assertividade vs. empatia; e sigilo vs. transparência. O assunto “Negociação e Conflitos” não se esgota nesses oito módulos. Esperamos que aproveitem bastante a leitura, que despertem o interesse para as discussões propostas ao longo do curso e que melhorem as suas negociações no dia a dia das suas vidas, pessoal e profissional. SUMÁRIO MÓDULO I – COMPETIR OU COOPERAR .............................................................................................. 9 CONFLITOS .......................................................................................................................................... 9 COMPETIÇÃO VERSUS COOPERAÇÃO ............................................................................................ 10 BARGANHAS INTEGRATIVA E DISTRIBUTIVA ................................................................................. 12 COOPETIÇÃO .................................................................................................................................... 13 ASSIMETRIA DE INFORMAÇÕES...................................................................................................... 15 DILEMA DOS PRISIONEIROS ........................................................................................................... 17 EMPATIA ............................................................................................................................................ 19 MÓDULO II – TOMADA DE DECISÃO: RAZÃO E EMOÇÃO ................................................................ 21 ESCALADA SIMÉTRICA IRRACIONAL (ESI) ...................................................................................... 21 EMOÇÕES .......................................................................................................................................... 23 REAÇÃO-PADRÃO DAS EMOÇÕES A MUDANÇAS ........................................................................ 27 RAZÃO ................................................................................................................................................ 28 Sistema 1 − intuição................................................................................................................. 28 Sistema 2 − razão ..................................................................................................................... 28 RACIONALIDADE LIMITADA ............................................................................................................ 29 HEURÍSTICAS ..................................................................................................................................... 30 Heurística da disponibilidade ................................................................................................. 30 Heurística da representatividade .......................................................................................... 32 Heurística da ancoragem ........................................................................................................ 33 MÓDULO III – ESTRUTURA DO PROCESSO DE NEGOCIAÇÃO .......................................................... 35 NEGOCIAÇÃO .................................................................................................................................... 35 Negociação posicional (barganha posicional ou distributiva) ........................................... 37 Negociação por interesses (barganha por interesse) ......................................................... 37 CONCEITOS BÁSICOS ....................................................................................................................... 39 MATRIZ DE NEGOCIAÇÕES COMPLEXAS ....................................................................................... 42 ETAPAS DO PROCESSO DE NEGOCIAÇÃO .....................................................................................44 Preparação ................................................................................................................................ 44 Criação de valor ....................................................................................................................... 46 Distribuição de valor ............................................................................................................... 47 Implementação, monitoramento ou controle ..................................................................... 48 BUSCA POR ACORDOS PÓS-ACORDOS ......................................................................................... 49 DILEMA DO NEGOCIADOR .............................................................................................................. 49 MÓDULO IV – ELEMENTOS: EM BUSCA DA ABORDAGEM POR INTERESSES .................................. 51 COGNIÇÃO ........................................................................................................................................ 52 CONTEXTO ........................................................................................................................................ 55 INTERESSES ....................................................................................................................................... 56 OPÇÕES ............................................................................................................................................. 58 PADRÃO OU CRITÉRIOS ................................................................................................................... 59 TEMPO ............................................................................................................................................... 59 CONCESSÃO ...................................................................................................................................... 61 MÓDULO V – RELACIONAR, CONFIAR E PERSUADIR ........................................................................ 65 RELACIONAMENTO .......................................................................................................................... 65 PODER ............................................................................................................................................... 68 CONFORMIDADE LEGAL .................................................................................................................. 69 PRINCÍPIOS DA PERSUASÃO ........................................................................................................... 70 Princípio da reciprocidade ...................................................................................................... 71 Princípio do compromisso e da consistência....................................................................... 71 Princípio do comportamento social ...................................................................................... 71 Princípio do gostar ................................................................................................................... 72 Princípio da autoridade ........................................................................................................... 72 Princípio da escassez ............................................................................................................... 72 Princípio da pré-suasão .......................................................................................................... 73 MÓDULO VI – NO FIO DA NAVALHA: ÉTICA E TÁTICAS ................................................................... 75 ÉTICA .................................................................................................................................................. 75 TÁTICAS DE NEGOCIAÇÕES............................................................................................................. 78 TÉCNICAS DE NEGOCIAÇÃO ........................................................................................................... 81 MÓDULO VII – CONHECENDO AS DIFERENÇAS E FORMAS ............................................................. 83 CROSS CULTURAL ............................................................................................................................. 83 Como a cultura afeta a negociação? ..................................................................................... 84 Diversidade cultural ................................................................................................................. 84 Cultura corporativa .................................................................................................................. 85 Variáveis culturais .................................................................................................................... 85 Contato visual ........................................................................................................................... 87 Balançando a cabeça ............................................................................................................... 87 Tocar na outra pessoa ............................................................................................................. 88 Linguagens não verbais .......................................................................................................... 88 Tempo linear ou elástico......................................................................................................... 88 ETIQUETA GLOBAL ........................................................................................................................... 89 CLICHÊS EM UMA MESA DE NEGOCIAÇÃO ................................................................................... 92 ÁREAS DE DESENTENDIMENTOS ................................................................................................... 94 FORMAS DE NEGOCIAÇÃO .............................................................................................................. 97 Negociações por interesses (ganha-ganha) ......................................................................... 98 Negociações diretas ........................................................................................................... 98 Negociação com a utilização de agentes ........................................................................ 99 Negociação via facilitação ................................................................................................. 99 Negociação via mediação ............................................................................................... 100 Metamediação ................................................................................................................. 100 Negociações Informais Paralelas (PIN) ......................................................................... 101 Diálogo multipartite (MSD) ............................................................................................. 102 Construção de consenso ........................................................................................... 102 Arbitragem........................................................................................................................ 103 Juiz: utilização do poder legal ........................................................................................ 103 Polícia e força militar ....................................................................................................... 103 MÓDULO VIII – DISPUTAS PÚBLICAS E TENSÕES ........................................................................... 105 CONFLITOS AMBIENTAIS .............................................................................................................. 105 TRAGÉDIA DOS COMUNS E CONFLITO AMBIENTAL .................................................................107 POLUIDOR PAGADOR ................................................................................................................... 108 DISPUTAS PÚBLICAS ..................................................................................................................... 108 ADMINISTRAR A TENSÃO ENTRE SIGILO E TRANSPARÊNCIA .................................................. 109 BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................................... 112 PROFESSORA-AUTORA ...................................................................................................................... 116 Seja bem-vindo ao curso de Negociação e Conflitos! Neste primeiro módulo, apresentaremos e discutiremos as primeiras questões de que tratam o tema negociação. Negocia-se a partir de posições conflituosas que podem ser tratadas para se alcançarem resultados que sejam bons para todas as partes envolvidas no conflito. Daí a pergunta: negociação é um jogo de forças? Somos cooperativos ou competitivos? Este módulo tem por objetivos: 1. Definir conflito. 2. Conhecer o nosso perfil – competidores ou colaboradores? 3. Apresentar as diferentes barganhas – integrativa e distributiva. 4. Apresentar o conceito de coopetição. 5. Trabalhar o conceito de assimetria de informações, associado ao dilema dos prisioneiros. 6. Discutir o conceito de empatia e os seus impactos sobre um processo de negociação. Conflitos As interações sociais geram conflitos, frequentemente, em todos os níveis da sociedade. Os conflitos fazem parte da natureza humana e da nossa vida, e são estressantes, uma vez que colocam em jogo o nosso capital social. Basta que haja uma diferença de interesses, de opinião, de interpretação ou de entendimento nos relacionamentos entre pessoas – de uma mesma família, de vizinhos, de grupos religiosos, de esportistas, de organizações, do governo, dos cidadãos, entre outros – para que o conflito se instale. A escolha entre diferentes alternativas, mesmo que pessoalmente, geram conflitos para a tomada de decisão. Qual é a alternativa a ser escolhida? Desse modo, estabelece-se um conflito para avaliar a escolha a ser feita. MÓDULO I – COMPETIR OU COOPERAR 10 Frequentemente, em situações de conflito e no próprio processo de negociação, mais do que a razão, as emoções interferem no desenvolvimento e na resolução do conflito. Buscar a compreensão e a empatia, bem como reconhecer e minimizar as diferenças, bem como estar com a mente aberta a novas e diferentes ideias para atender aos interesses das partes envolvidas são elementos fundamentais para a resolução do conflito. Essas ações minimizam os desgastes físico, emocional e financeiro, e os custos desnecessários, tornando a solução mais efetiva e satisfatória para ambas as partes. Com isso, depreende-se que os conflitos são diferenças entre duas ou mais pessoas ou grupos, caracterizadas por tensão, emoção, discordância e polarização, em que a afinidade é quebrada. De acordo com Dubrin (2003), “as relações conflituosas geram desconforto e estresse. Conforme o autor, os gerentes alegam que gastam, pelo menos, 20% de suas atividades no trabalho resolvendo, diretamente ou indiretamente, os conflitos e que estes têm conteúdo emocional suficiente para levar as pessoas envolvidas ao estresse”. Por outro lado, o conflito é um processo de construção e de sustentação de diferentes percepções e interpretações da realidade. Dependendo da ótica pela qual enxergamos uma questão, podemos interpretar e depreender resultados diferentes. Se duas ou mais pessoas vivenciam a mesma situação, quando indagadas posteriormente, oferecerão diferentes respostas, discorrendo sobre diferentes emoções e razões. Quando levado a extremos, o conflito produz um perdedor e um ganhador. Tanto o perdedor quanto o ganhador acabarão perdendo. Tipicamente, o perdedor se sente injustiçado, o que o leva a ficar com raiva e a buscar uma retaliação – revanche – no futuro. Dessa forma, o conflito não está encerrado, foi somente postergado, já que o perdedor buscará uma nova oportunidade para devolver a suposta injustiça cometida contra ele. O perdedor tentará buscar uma compensação no futuro, e o ganhador obterá a vantagem no curto prazo. Se não levado a extremos, o conflito com o respeito às diferenças pode ser uma fonte de ideias novas e discussões abertas. Dessa forma, o conflito pode permitir e facilitar a expressão e a exploração de diferentes pontos de vista, interesses e valores. Competição versus cooperação A negociação é um jogo de forças? Como respondemos aos conflitos? Podemos iniciar essa questão a partir de dois perfis: o indivíduo colaborador (cooperativo) e o indivíduo competitivo. A essa polarização, acrescentamos a possibilidade de sermos colaboradores (cooperadores) e competitivos ao mesmo tempo, ou seja, o indivíduo é cooperador e competitivo por natureza. Ser competitivo não é demérito, uma vez que a competição é necessária para criar novas coisas, para desenvolver novas técnicas, ter motivação para superar o oponente, enfim, para evoluir. 11 Os indivíduos competitivos: � maximizam os seus resultados; � veem a outra parte como adversários; � fazem uso do poder para impor soluções que lhe sejam vantajosas; � recorrem a ameaças; � realizam ofertas irrealistas; � não são abertos; � são desconfiados e manipuladores; � minimizam a partilha de informações; � minimizam as possibilidades de concessões; � tendem a apresentar menores padrões éticos que os cooperativos e � não reconhecem as diferenças. Os indivíduos cooperativos: � têm uma solução razoável como objetivo; � maximizam resultados conjuntos; � possuem comportamento afável e sincero; � confiam em parâmetros objetivos; � têm atitude aberta e de confiança; � raramente ameaçam; � fazem concessões unilaterais; � exploram alternativas; � criam valor para ambas as partes e � maximizam a partilha de informações relevantes. Como você negocia? Você tem um perfil mais ou menos competitivo? Com o exercício que foi realizado em sala de aula, você percebeu que é mais competitivo em determinadas situações e mais cooperativos em outras. Na verdade, possuímos os dois perfis. A seguir, apresentamos um comentário do jogador de futebol Diego – meia do Flamengo – sobre conflitos entre torcidas. Ele diz: “Temos que aprender que precisamos de nossos adversários para competir, evoluir. A rivalidade tem limites”. Nesses termos, a competição é saudável e deveria ser sempre assim. Vamos imaginar que não há diferenças ou adversários à altura para que possamos aprender com eles, ter desafios, motivação, interesse, etc. 12 Barganhas integrativa e distributiva Há dois tipos de barganha: a integrativa e a distributiva. A barganha integrativa ocorre quando as partes tentam tirar algo mais da negociação. As partes trabalham em conjunto para aumentar o bolo, dessa forma, havendo o suficiente para que todos tenham o que desejam. A barganha distributiva tende a ser mais competitiva. Nesse caso, as partes buscam o melhor para si mesmas, sem pensar no outro. Os jogos cooperativos geram resultados ganha-ganha, que são superiores aos jogos competitivos. Um jogo ganha-ganha é aquele em que o melhor resultado obtido é aquele que é bom para todas as partes, ou seja, quando todas as partes se sentem ganhando e ficam satisfeitas com o resultado. Quando as partes assumem um perfil cooperativo, as negociações são muito mais ricas, envolvem interesses, criam valores e distribuem melhor os valores identificados. Nesses jogos cooperativos, a comunicação prévia e a busca conjunta de dados são recomendáveis. Em contraposição, a barganha distributiva acontece em jogos competitivos, que são os jogos ganha-perde, também denominadosjogos de soma zero. Por que soma zero? Porque, quando uma das partes ganha, a outra parte perde. Desse modo, como um todo, o resultado teve um ganho para um dos lados que correspondeu a uma perda da outra parte. Na figura 1, abaixo, depreendemos que os resultados de uma negociação competitiva ficam restritos à área próxima ao eixo do gráfico, que corresponde aos resultados (0 x 0; 1 x 0; 1 x 1, etc.). Observe que são resultados bastante tímidos quando comparados com possíveis resultados de uma negociação cooperativa ou integrativa. Resultados também de 10 x 0; 12 x 1 são resultados ganha-perde, insatisfatórios para uma das partes pelo menos. Na negociação cooperativa, gradativamente, cada jogador vai cedendo posições, que vão sendo conquistadas pelas outras partes. Dessa forma, em vez de um resultado 10 x 0, é possível ter resultados mais equitativos, da ordem de 5 x 5 ou 6 x 5. Figura 1 − Negociação cooperativa e competitiva 13 Coopetição Cunhado por Adam M. Brandenburger e Barry J. Nalebuf, o termo coopetição foi criado para representar uma forma de colaborar para competir. Trata-se de um modelo no qual os agentes cooperam para criar valor e competem para dividir valor, ao mesmo tempo em que essa dualidade facilita a maximização do valor. Coopera-se sem ser um santo e compete-se sem matar a outra parte, o que é feito por meio de relacionamentos, da partilha de informações, bem como da integração e da racionalização dos processos. A competição é saudável para pressionar o desenvolvimento de novos produtos e de mercados. No mundo empresarial, a adoção do conceito de coopetição permite maximizar o negócio. De que forma? Com base na competição e na cooperação, as empresas podem obter vantagens da cooperação sem perder as vantagens da competição: repartição justa do valor e do incentivo à inovação e à diferenciação. O sucesso de grande parte das empresas está dependente do sucesso de outras. Em ambientes altamente competitivos, em que podem surgir novos rivais fortes, a dinâmica das empresas valoriza a colaboração em coopetição. Cooperar para competir pode-se caracterizar como um movimento ao encontro de alianças estratégicas entre as empresas. Em resumo, um produto se torna mais valorizado quando está associado a outro produto. Por exemplo, o seguro do automóvel pode gerar valor para incentivar a venda do automóvel. Também podemos citar a venda casada do pires com uma xícara, do terno com a gravata, etc. Quando se trata de competição, não há valor gerado pela associação de um produto a outro. Na verdade, o que há é uma divisão de valor. Por exemplo, a Pepsi compete com a Coca-Cola, já que a competição não agrega valor uma à outra. São produtos concorrentes que dividem o mercado. No mundo dos negócios, como pode haver coopetição? Uma aliança estratégica pode reforçar ambos os parceiros contra outros parceiros externos. Dessa forma, a coopetição entre empresas é formalizada por meio de acordos cooperativos, em um ou vários pontos da cadeia logística1. Ao lado da concorrência no negócio, pode-se considerar obter ganhos comuns, por exemplo, na criação de polos comerciais de mesmo setor econômico, tais como: � polo comercial de tecidos; � polo comercial de malhas; � polo comercial de móveis; � polo de artigos de decoração e casa e � polo de informática. 1 Sugestão de leitura: BENGTSSON, M.; KOCK, S. Coopetition in business networks: to cooperate and compete simultaneously. Industrial Marketing Management, n. 29, p. 411-426, 2000. 14 Como a coopetição, a cooperação e a competição poderiam funcionar simultaneamente e, ainda, trazer ganho para todos os envolvidos? Em cada um desses polos, poderia haver: a) Compra conjunta de matérias-primas. Quanto maior a quantidade comprada, podem-se negociar melhor as vantagens de preços, as formas de pagamento, os custos de entregas, etc. b) Propaganda conjunta. Realização de campanhas para atrair clientes para o polo – campanhas de Natal, de carnaval, de Dia das Mães. O custo da campanha seria dividido entre todos os lojistas. c) Atração de clientes. A constituição de um polo traz sinergia entre os comerciantes. Os clientes se dispõem a visitar um polo de determinado produto, já que terá mais facilidade para encontrar o produto desejado a melhores preços. Se o lojista ficar isolado, no meio de um comércio diverso, perderá a oportunidade de receber clientes, uma vez que será mais difícil que o cliente opte por se deslocar para uma região a fim de procurar o produto desejado em uma única loja. Caso não encontre o produto desejado, o cliente deverá deslocar-se para outra região em busca do produto, o que cria mais dificuldade. d) Compartilhamento de economias externas. Uma vez constituído um polo comercial, outros negócios complementares vão instalar- se nele, oferecendo alimentação, estacionamento, bancos, etc. Tudo isso facilitará a vida dos clientes que visitarem aquela região. e) Parceria na pesquisa e no desenvolvimento. Compartilhamento de custos, ideias, equipamentos no desenvolvimento de pesquisas conjuntas. Ganha-se sinergia. f) Racionalização de transporte, compras conjuntas, entre outros. g) Coprodução e joint venture. Permite que empresas com produção complementar à sua se instalem dentro do seu negócio. Por exemplo, em uma fábrica de automóveis, permitir que a fornecedora de tintas se instale no chão de fábrica, trazendo o fornecedor para dentro do seu negócio. Com isso, tanto o fornecedor quanto a fábrica ganham em qualidade e produtividade. h) Compartilhamento de espaço físico. Caso a área física disponível para estoque seja muito grande, é possível compartilhar essa área com outros comerciantes. 15 Em resumo, a coopetição é um conceito relativo ao comportamento de cooperação competitiva entre empresas que cooperam, para atingir determinado objetivo, e competem, na hora de dividir os ganhos. Um concorrente próspero é menos perigoso do que um concorrente desesperado. As empresas devem: � buscar uma concorrência que não seja destrutiva; � deixar que os seus concorrentes sejam bem-sucedidos como concorrentes e � obter ganhos mútuos com os seus concorrentes. No filme O poderoso chefão II, Michael Corleone afirma: “Mantenha os seus amigos perto e os seus inimigos mais perto ainda.” Assimetria de informações Não há como conhecer todas as atividades de uma empresa, nem a intenção e o conhecimento de todas as pessoas. Cada indivíduo possui um conjunto de informações que difere na sua maioria do conjunto de informações dos outros indivíduos. A informação é um aspecto fundamental dentro das relações econômicas, ainda mais quando consideramos um processo concorrencial. Na tomada de decisões estratégicas das empresas, a informação possui um papel prioritário, já que as estratégias serão tomadas a partir das informações que uma firma tenha sobre si mesma e sobre as suas competidoras. Há uma tensão na negociação que diz respeito à transparência e ao sigilo. O que deve ser exposto e o que deve ser mantido em sigilo, estrategicamente, ou melhor, o que deve ser, gradativamente, tornado transparente. As empresas e os indivíduos têm um interesse estratégico em ocultar as informações a seu respeito, de forma que as suas concorrentes ou os seus interlocutores não se beneficiem dessas informações. O custo de obtenção das informações relevantes é muito elevado. A introdução da assimetria de informações em modelos nos quais os agentes se comportam estrategicamente torna necessário considerar não apenas o que os agentes sabem. Também é fundamental considerar o que eles acham que os seus concorrentes sabem, o que eles imaginam que os seus concorrentes saibam a seu respeito e o que eles pensam que os outros agentes sabem com relação às informações que elesdetêm. Em resumo, toda negociação inicia com uma enorme assimetria de informações. No capítulo referente ao processo de negociação, veremos que uma das habilidades que temos de desenvolver é saber, estrategicamente, minimizar a assimetria de informações, o que pode ser feito com a busca conjunta de dados. Em uma negociação, quanto maior o número de negociadores ou atores, maior será a assimetria de informação, que é acentuada com uma comunicação deficiente entre as partes. 16 A seguir, vejamos um exemplo de assimetria de informações. Em uma cena do filme Estrada da perdição, dois assaltantes de banco travaram um diálogo, próximo aos termos abaixo: – Quanto vou receber pelo assalto ao banco? – Quanto deseja receber? – US$ 200. – Combinado, pagarei os US$ 200 a você. O assaltante que pediu os US$ 200 ficou intrigado com a pronta concordância do comparsa e perguntou, em seguida: – Se eu lhe pedisse US$ 300, você me pagaria? Ah! Isso você nunca saberá. A partir do diálogo, pode-se depreender que há uma assimetria de informações. A mesma informação não é conhecida pelas mesmas pessoas. Cada uma detém uma parte da informação. Desse modo, pode-se afirmar que: Cada parte tem informações limitadas sobre os verdadeiros objetivos e interesses da outra parte. Não é óbvio saber o que se deve oferecer, como oferecer ou como encontrar o que mais poderá ser oferecido. Destacamos a importância de focar o outro e nos colocar no seu lugar, além de tentar perceber todas as nossas possíveis reações e as dos outros, o mais que pudermos. Desse modo, devemos antecipar-nos às reações dos outros a partir das nossas próprias ações. Essa perspectiva nos permite descobrir que as chances de sucesso são maiores na posição ganha-ganha do que na posição ganha-perde. Ao se preparar para uma negociação, deve-se mapear o jogo ou o conflito. Seguem algumas perguntas importantes para esse mapeamento: � Quem são os jogadores e como eles poderão maximizar valor? � Quais relacionamentos são complementares e o que pode ser oferecido? � Quais jogadores são competidores? Existiria alguma forma de se beneficiar com a criação de valor? � O que podemos fazer para alavancar o relacionamento entre fornecedores e consumidores? 17 Dilema dos prisioneiros O dilema dos prisioneiros representa o dilema entre cooperação e não cooperação – traição – entre as partes. Desse modo, tal dilema é uma aplicação da assimetria de informações. De forma resumida, o dilema dos prisioneiros é representado pela seguinte situação: dois suspeitos – A e B – são presos pela polícia, que não tem provas suficientes para condená-los. Os dois suspeitos são separados em diferentes salas, e a polícia oferece a ambos o mesmo acordo. É pressuposto que os suspeitos fiquem incomunicáveis, ou seja, não houve nem poderá haver qualquer diálogo entre eles. Propostas: I. Se um dos suspeitos confessar (trair o outro) e o outro permanecer em silêncio, o que confessou sai livre, enquanto o cúmplice silencioso cumpre 10 anos. II. Se ambos ficarem em silêncio (colaborarem um com ou outro), a polícia só pode condená-los a um ano cada um. III. Se ambos confessarem (traírem o comparsa), cada um é condenado a cinco anos de cadeia. A seguir, a figura 2 é a representação gráfica do dilema do prisioneiro. A partir dela, podemos visualizar o cenário de forma completa, bem como entender as opções e as implicações para cada jogador. Figura 2 − Matriz Dilema dos Prisioneiros Como cada suspeito decidirá sem conhecer a decisão do outro? Eles estão incomunicáveis. A reação de cada um dos suspeitos não é conhecida, e a decisão será tomada simultaneamente. Como o suspeito vai reagir? Existe alguma decisão racional a ser tomada? Qual seria suspeito A suspeito B colaborar (silêncio) colaborar (silêncio) trair (confissão) trair (confissão) 1 ano 1 ano 10 anos livre livre 10 anos 5 anos 5 anos 18 a sua decisão?2 No caso de condenação, cada suspeito deseja ficar preso o menor tempo possível, ou seja, cada um deseja maximizar o seu resultado individual. Qual é a melhor decisão a ser tomada? Existe uma única decisão racional a tomar: trair. Por quê? Em qualquer hipótese, a escolha da alternativa trair – para qualquer um deles ou para ambos – levará os suspeitos a receber a menor penalidade. A atratividade de se verem livres os faria decidir pela traição, já que os dois cumpririam apenas cinco anos ao adotarem a posição de traição. Dessa forma, trair é a melhor opção. Dependendo da posição da outra parte, o risco de colaborar poderá trazer como consequência a prisão por 10 anos, o que ambos evitarão. A assimetria de informações é muito bem representada pelo dilema dos prisioneiros e nos leva a pensar sobre o dilema do negociador. Dilema do negociador Para criar valor, é necessário oferecer informações sobre os seus interesses. No entanto, revelar os seus interesses pode criar desvantagem. O que significa o dilema do negociador? Há uma assimetria de informações entre as partes que negociam. Ao iniciar uma negociação, teríamos as seguintes alternativas: � Alternativa 1 – Imediatamente, disponibilizar todas as informações de que se dispõe a todas as partes. Deixar tudo às claras logo de início. Se essa alternativa for adotada, a parte que informou ficará vulnerável. Desde o início, as suas intenções, as suas possibilidades e as suas informações ficarão expostas e poderão ser utilizadas contra ela. � Alternativa 2 – Não divulgar todas as informações durante a negociação. Se essa alternativa for adotada, uma das partes não permitirá que a outra parte conheça as suas demandas e os seus interesses. Uma vez que não foram oferecidas quaisquer informações à outra parte, a negociação será mais difícil, já que não haverá possibilidade de trocas (barganhas). � Alternativa 3 – Disponibilizar as informações de forma estratégica. Essa alternativa reflete o melhor posicionamento, que consiste em oferecer e disponibilizar as informações estrategicamente, à medida que a(s) outra(s) parte(s) também oferece(m) as suas informações. É uma conquista gradativa de informações que contribui para o estabelecimento de um nível de confiança e credibilidade entre as partes, favorecendo a barganha. 2 Disponível em: <http://www.cienciadaestrategia.com.br/teoriadosjogos/capitulo.asp?cap=m6>. Acesso em: nov. 2016. 19 Disponibilizar a informação estrategicamente significa poder definir a prioridade da oferta das informações a serem disponibilizadas. Por exemplo, podemos ordenar as informações por prioridade (estratégia), definindo as que serão oferecidas em primeiro lugar, as que serão oferecidas em segundo lugar, e assim sucessivamente, dependendo sempre da estratégia de liberação de informação da(s) outra(s) parte(s). Devemos ter a capacidade de ver o jogo sob a perspectiva do outro, de modo a entender os reais motivos, os interesses e as crenças envolvidos. A capacidade comum de perceber o sentimento dos outros é denominada empatia. Empatia Temos empatia quando demonstramos uma compreensão acerca das necessidades, dos interesses e das perspectivas do outro lado, sem concordar com o outro necessariamente. Negociadores irritados são menos precisos em defender os seus próprios interesses e em julgar prioridades da outra parte, podendo prejudicar ou retaliar os seus interlocutores. Os indivíduos que se deparam com interlocutores irritados estão mais predispostos a abandonar a negociação, deixando que o processo termine em impasse. Ter empatia evita a raiva, reduzindo a irritação durante o processo de negociação. Atuar com empatia significa observar uma ação e buscar a compreensão, colocando-se no lugar do outro. Nesse sentido, ter empatia facilita o mapeamento das ações da outra parte,com base na predição da ação que poderá ser adotada pelo outro. A habilidade de empatizar é útil sob o ponto de vista do seu interesse pessoal. Ainda para conhecermos um pouco da natureza humana, este módulo tratará destas duas forças que mobilizam as nossas ações: razão e emoção. Podemos dizer que somos mais ou menos racionais, ou mais ou menos emocionais, mas não podemos tomar qualquer decisão se essas duas forças não estiverem prontas para atuar. Dessa forma, apresentaremos neste módulo: I. conceito de escalada simétrica irracional; II. impacto das emoções sobre o processo de tomada de decisão; III. “tobogã” de emoções que vivemos em face das mudanças e IV. conceito de racionalidade limitada e “atalhos” – heurísticas – adotados nos processos de tomada de decisão. Escalada Simétrica Irracional (ESI) A Escalada Simétrica Irracional (ESI) tem uma forte relação com o poder. O melhor exemplo para a ESI é o que ocorre em um leilão. Vejamos: em um leilão, o leiloeiro oferece um bem aos participantes ou interessados, por um valor inicial – valor de abertura do leilão. Os interessados no bem iniciam as suas ofertas. Em geral, no início do leilão, há uma grande competição entre os vários interessados. À medida que o valor das ofertas aumenta, o número de participantes interessados diminui, em função dos altos valores ofertados. Ao final, restam apenas uns dois ou três interessados em pagar valores mais altos. A partir desse momento, a competição se acirra entre os dois últimos participantes. Na maioria das vezes, a competição extrapola o racional, passando a ser uma competição de poder. Quem pagará mais pelo bem? Muitas vezes, os valores ofertados nos lances são tão altos MÓDULO II – TOMADA DE DECISÃO: RAZÃO E EMOÇÃO 22 que descolam do valor real do bem. A competição dos interessados reflete a demonstração de poder financeiro, representado pelo poder de compra de um bem por um valor muito alto, em um processo de competição irracional, movido apenas pela emoção e pelo poder. Desse modo, o ganho potencial, acoplado à possibilidade de vencer e, principalmente, de vencer o outro, é razão suficiente para que os interessados se mantenham no leilão. Os competidores só abandonarão o leilão quando tiverem a crença de que o resultado poderá ser catastrófico: valores oferecidos fora da realidade. Em negociação, os tomadores de decisão devem aprender a identificar armadilhas, mobilizações emocionais que os envolvam em escaladas de competição de poder. Além disso, devem desenvolver estratégias que desencorajem um comportamento de escalada pelos seus competidores. Exemplo 1 – Indústria O exemplo da ESI na indústria é o dumping, quando uma empresa resolve oferecer produtos a preços abaixo dos preços de mercado, inclusive abaixo do seu custo. Nesse caso, a indústria opta por trabalhar com prejuízo somente para ganhar market share ou competir com empresas concorrentes de forma desleal. A Lei Antidumping evita a escalação irracional. Exemplo 2 – Batalha pela pensão dos filhos, greves trabalhistas e disputas internacionais por território Em cada uma das situações citadas, as partes fazem exigências extremas. No caso da batalha pela pensão dos filhos, se perguntado aos pais, eles declaram que jamais desejariam prejudicar os seus filhos e que os amam muito. Nesse sentido, por que a briga? Na verdade, a briga está associada à discórdia pessoal entre os pais, tendo mais a ver com dor de cotovelo do que com a intenção de gerar prejuízo aos filhos. Essa disputa se torna irracional. Greves trabalhistas também acontecem trazendo prejuízos à sociedade em um dado momento, deixando de prover determinados serviços, como segurança, atendimento médico e transporte. Por isso, não é permitida a greve em determinadas atividades econômicas. Para concluir, as decisões irracionais refletem uma confiança em vieses intuitivos que desprezam as possíveis consequências. Quanto mais importante a negociação, mais o negociador pode tornar-se irracional. Quanto mais irracional for a atitude, maior a quantidade de emoções envolvidas, maiores são os bloqueios físicos para ouvir e compreender qualquer argumentação ou ponderação, e mais difícil de serem persuadidos. Nesse momento da irracionalidade, a emoção toma conta, e as palavras se tornam inúteis. 23 Emoções De modo geral, negociadores focam estratégia, táticas, ofertas e contraofertas, e não dão atenção suficiente a como as emoções os afetam em uma negociação (BROOKS, HBR, Dec. 2015). Pesquisas mostram que podemos controlar a ansiedade, a raiva, a excitação, o desapontamento e o arrependimento no decorrer de um processo de negociação, o que poderá trazer melhores resultados. Por outro lado, há uma preocupação de que as emoções não podem ser demonstradas, uma vez que significariam fraqueza e fragilizariam o poder de barganha. Emoções têm o poder de influenciar o processo e o resultado da negociação. As emoções são obstáculos ao raciocínio claro e racional, mas fazem parte da negociação. No livro Inteligência emocional, o professor Daniel Goleman pesquisou cerca de 181 modelos de competência em 121 organizações. Com isso, identificou que 67% das habilidades consideradas essenciais para um desempenho eficaz estavam ligadas às competências emocionais. Qualidades que caracterizam a inteligência emocional: a consciência das nossas emoções e de como elas afetam os outros, a capacidade de regular o nosso ânimo e o nosso comportamento, a empatia, a motivação para atingir metas pessoais significativas e fortes habilidades sociais, que nos ajudam a obter o que desejamos dos outros e a encontrar interesses comuns. Na experiência humana, é comum utilizarmos o termo emoção para descrever um estado de sentimentos. No entanto, a emoção é muito mais complexa. A comunicação emocional beira o conflito. A comunicação não verbal representa cerca de 70% das reações dos indivíduos e é representada por: entonação e intensidade da voz, comunicação facial, gestos e posturas. Podemos observar as emoções expressas na comunicação facial. O professor Paul Ekman3 vem pesquisando sobre esse assunto, tendo sido, inclusive, consultor da série Lie to me e autor do livro Linguagem das emoções4. 3 Disponível em: <http://www.paulekman.com>. Acesso em: maio 2017. 4 Paul Ekman – Autor do livro A Linguagem das emoções. Professor de psicologia no departamento de Psiquiatria da University of California Medical School, em San Francisco, USA. Consultor da Série para TV Lie to me. 24 Figura 3 − Expressões faciais: emoções Quais são as emoções? A seguir, distinguiremos algumas emoções positivas e negativas. emoções positivas emoções negativas emoção neutra felicidade; amor e orgulho. raiva e medo; ansiedade e vergonha; tristeza e depressão; desgosto, desprezo e inveja. surpresa. No dia a dia, buscamos maximizar a experiência das emoções positivas e minimizar a experiência das emoções negativas. 25 O professor Robert Plutchik (1927-2006), psicólogo americano, desenvolveu a teoria psicoevolucionária da emoção, criando a roda das emoções. Nessa roda, o professor distingue oito emoções primárias: raiva, medo tristeza, nojo, surpresa, curiosidade, aceitação e alegria. Tais emoções dão origem a diversas outras emoções secundárias, com variadas intensidades, como podemos observar na figura 4, a seguir. Figura 4 – Roda das emoções de Plutchik 26 A seguir, para uma melhor compreensão, estão relacionadas algumas emoções associadas às situações em que as sentimos. Devemos notar que alguns sentimentos das emoções estão associados ao passado, e outros, ao futuro (ao porvir). � Felicidade: algo de bom aconteceu, pede comemoração. � Tristeza: algo de ruim aconteceu, pede lamentação.� Medo: algo de ruim poderá acontecer, pede preparação para o enfrentamento e proteção contra esse medo. � Entusiasmo: algo de bom poderá acontecer, pede esforço para atingir o que deseja. � Gratidão: ocorre quando acreditamos que alguém deixou de cuidar dos seus próprios interesses para fazer algo de bom para nós, pede agradecimento. � Raiva: ocorre quando acreditamos que alguém nos tenha prejudicado de forma inapropriada, pede reclamação. Exige um esforço para restabelecer limites que foram violados. � Culpa: ocorre quando acreditamos que fizemos algo inconsistente com os nossos valores. A culpa é representada pela raiva dirigida a si próprio. Exige um pedido de desculpas e um esforço para corrigir. É importante que possamos fazer uma leitura sobre o estado emocional e circunstancial dos indivíduos que estão à mesa de negociação, mesmo que conheçamos todos muito bem. Como eles estão-se sentindo? Em que estão pensando? Como estão vendo as coisas no momento da discussão? Para reconhecer que estamos em conflito, precisamos reconhecer que fomos mobilizados emocionalmente. A intensidade das emoções varia ao longo do processo. Por exemplo, pesquisas do professor Allred Keith5, da Faculdade Kennedy de Administração Pública de Harvard, indicam: a) A raiva influencia a percepção de risco e a preferência das pessoas. A raiva nos conduz a comportamentos de risco e competição, na maioria das vezes, predatória; reduz ganhos agregados; diminui a colaboração; intensifica o comportamento competitivo e aumenta a taxa de rejeição das propostas. b) A irritação demonstrada pelo outro nos ameaça, aparentemente, uma vez que tendemos a achar que eles são mais poderosos e fortes do que nós. A irritação prejudica o processo de negociação, exacerbando o conflito, enviesando as percepções e aumentando a predisposição para o impasse. Os negociadores irritados são menos precisos do que os neutros, podendo prejudicar ou retaliar as outras partes. 5 Allred Keith, ex-membro da Faculdade Kennedy de Administração Pública de Harvard. Mente e cérebro, maio 2016. p. 37. 27 Devemos estar atentos a algumas habilidades básicas associadas às emoções: � consciência do momento em que estamos ficando emocionado, antes de falar ou agir; � avaliação do nosso comportamento quando nos emocionamos, de modo a atingir os nossos objetivos sem prejudicar outras pessoas; � capacidade de nos tornarmos mais sensíveis em relação a como os outros se sentem; � uso cuidadoso das informações adquiridas a respeito do sentimento dos outros e � padrão único de sensações geradas no nosso corpo por cada emoção, principalmente, na fisionomia e na voz. Reação-padrão das emoções a mudanças Quando somos tocados emocionalmente, reagimos de modos diferentes. Por exemplo, vejamos uma representação das nossas emoções quando recebemos uma notícia sobre a demissão do trabalho (anúncio de mudança). Figura 5 − Tobogã das emoções A partir dessa informação, que nos impacta tremendamente e que significará uma mudança, reagimos emocionalmente. Inicialmente, ficamos imobilizados com a notícia, sem acreditar no que está acontecendo. Em seguida, tendemos a negar o ocorrido: “Não acredito! Não é possível! Por quê? Logo eu?”. Passados a indignação e os questionamentos, ficamos com raiva: “Foi injusto! Eu sempre me dediquei! Eles não reconheceram o meu esforço!”. A posição de oposição se refere a, primeiramente, imaginarmo-nos fora da situação, com raiva, e não colaboradores. Em seguida, sentimo-nos em depressão, refletindo: “É verdade! O que vou fazer agora? Como vou me virar? O ativo re aç õ es e m o ci o n ai s imobilismo negação passivo tempo depressão testes aceitação oposição raiva anúncio de mudança 28 que vou dizer para minha família?”. Na próxima etapa, realizamos testes, checagem sobre o que ocorreu, já com a emoção reduzida e podendo pensar um pouco mais racionalmente, até o momento em que percebemos que não há volta e “só nos resta aceitar e pensar que a vida segue”. Desse modo, os conflitos são definidos emocionalmente, e a intensidade das emoções varia ao longo do processo. Ameaças de identidade produzem emoções – por exemplo, vergonha, orgulho, culpa e raiva –, que são fortemente associadas à escalada do conflito. Acontecimentos que provocam emoção são os mesmos que desencadeiam e definem o conflito. Para reconhecer que estamos em conflito, precisamos reconhecer que fomos mobilizados emocionalmente. Nesse sentido, emoção e conflito resultam da percepção de que algo importante e pessoal está em jogo. Razão No livro Rápido e devagar, o professor Daniel Kahneman – prêmio Nobel de Economia, em 2002 –, apresentou estudos que indicam que as pessoas tomam decisões baseadas em questões objetivas e são igualmente influenciadas pelas suas emoções, crenças e intuições. Nesse contexto, o professor Kahneman distinguiu dois sistemas que definem princípios que norteiam o nosso comportamento na tomada de decisão: sistema 1 e sistema 2. Sistema 1 − intuição Quando acionado o sistema 1, as decisões são tomadas rapidamente, as ações são mais automáticas, intuitivas e sem esforço, mais difíceis de controlar, de modificar e são baseadas na nossa memória associativa (sistema rápido). A maioria das escolhas e dos julgamentos é feita intuitivamente. Podemos citar como exemplo: dirigir um carro, jogar futebol, fazer previsões ou tirar conclusões exageradas sem ter evidências suficientes para isso. Não precisamos ficar, a cada minuto, raciocinando sobre como devemos dirigir, por exemplo. Nesse sistema, tendemos a superestimar a nossa compreensão do mundo e subestimar o papel do acaso. Sistema 2 − razão O sistema 2 é responsável por reflexão, racionalização e solução de problemas complexos. Desse modo, esse sistema é mais lento, serial, deliberadamente controlado e regulamentado, e acionado quando nos encontramos em uma situação que exija concentração (sistema devagar). Quanto mais informações o indivíduo tiver, mais habilitado estará para tomar a decisão. As informações e os fatos ajudam a criar alternativas, argumentos e estratégias para convencer a outra parte. A dúvida – representada pela consciência da existência de pensamentos diferentes sobre uma mesma coisa – é um fenômeno próprio do sistema 2. 29 Figura 6 – Características dos Sistemas 1 e 2 Fonte: Kahneman (2012). Racionalidade limitada A racionalidade limitada é um modelo comportamental proposto por Herbert Simon6 para analisar o processo de tomada de decisão. Segundo o autor, tal processo está limitado a três dimensões: a informação disponível, a limitação cognitiva da mente individual e o tempo disponível para a tomada de decisão. Dessa forma, as pessoas criam modelos simplificados para a resolução dos seus problemas, de acordo o seu modus operandi. Premissas já definidas, como o pensar dentro da caixa, constituem barreiras mais críticas às decisões criativas. Os indivíduos fazem premissas falsas sobre problemas para poder encaixar os problemas nos seus processos de decisão, previamente estabelecidos. As decisões de cada indivíduo exercem um impacto sobre os outros. Cada indivíduo deve considerar as respostas prováveis dos outros às suas próprias decisões. Os indivíduos cometem erros – muitas vezes, erros sistemáticos e previsíveis – e desenvolvem regras práticas (heurísticas) para reduzir a exigência de processamento de informações para a tomada de decisões. A tomada de decisão é influenciada por alguns fatores cognitivos, entre os quais: a facilidade de lembrar os eventos disponibilizados pela mídia maciçamente, a recuperabilidade de informações a partir de estruturas de memória, por exemplo, procurar postos de gasolina mais próximos a entroncamentos de ruas, bem como as associações pressupostasque fazemos, 6 Herbert Simon (1916-2001). Prêmio de Ciências Econômicas em Memória de Alfred Nobel de 1978. As regras que regem a intuição são similares às regras que regem a percepção. percepção intuição (sistema 1) razão (sistema 2) rápido; em paralelo; automático; sem esforço; associativo; aprendizado lento e emocional governado por hábi- tos difíceis de controlar e de modificar. devagar; serial; deliberadamente controlado; com esforço; regulamentado; flexível e neutro. mais frequente p ro ce ss o 30 associando dois eventos e buscando reproduzir essas condições em outras situações semelhantes, por exemplo, faz mal comer manga depois de tomar leite (BAZERMAN, 2004, p. 6-28). Podemos depreender que a racionalidade limitada leva à adoção de premissas que dificultam a obtenção de um resultado ótimo e limitam a tomada de decisão com base na intuição. A tomada de decisão com base na intuição conduz ao desenvolvimento de regras práticas, heurísticas, que otimizam etapas do processo de decisão. Heurísticas São regras simplificadoras ou regras práticas que facilitam a tomada de decisão, mas podem conduzir a erros sistemáticos que afetam a qualidade e a ética das decisões. As heurísticas respondem algumas perguntas, tais como: Somos tendenciosos na tomada de decisão? Podemos ser manipulados, inconscientemente, por terceiros? O que poderá influenciar a tomada de decisão? Em um processo de negociação, podemos relacionar três heurísticas que impactam, diretamente, a tomada de decisão e o comportamento das partes: heurística da disponibilidade, heurística da representatividade e heurística da ancoragem. Heurística da disponibilidade A heurística da disponibilidade leva o indivíduo a avaliar um assunto em função da disponibilidade desse assunto na sua memória. Os assuntos frequentes e mais recentes são lembrados de maneira mais representativa e imediata. Os temas que evocam emoções, que são fáceis de imaginar ou que se destacam pela sua especificidade estarão mais disponíveis na nossa memória e serão lembrados com mais facilidade. Já os temas não emocionais são mais difíceis de ficarem registrados na nossa memória, são mais difíceis de imaginar e são mais dispersos. De acordo com a heurística da disponibilidade, o tomador de decisão analisará e decidirá com base na similaridade do caso às situações vividas por ele e às situações disponíveis na sua memória, principalmente, na sua memória recente. Exemplo 1: Suponha que você é secretária estadual de saúde e tem de decidir a distribuição do orçamento para a sua área em função das doenças que causam mortes com maior frequência. Quais doenças, a seguir, você privilegiaria com investimentos? (Colocar em ordem da maior para a menor causa mortis) I. doenças cerebrovasculares; II. homicídios por armas de fogo; III. infarto agudo do miocárdio; IV. acidentes de transporte terrestres e V. pneumonia. 31 Resposta do exemplo 1: Podemos verificar que as doenças que supúnhamos ser mais frequentes não o são. A disponibilização de relatos de determinadas doenças na mídia faz com que tenhamos uma ideia distorcida das doenças que, efetivamente, causam mais mortes. Vejamos: Quadro 1 − Causa mortis: doenças mais frequentes # causa mortis incidência (1000) 1 doenças cerebrovasculares 100,0 2 infarto agudo do miocárdio 85,9 3 pneumonia 68,3 4 diabetes 58,0 5 homicídios por armas de fogo 50,0 6 doenças hipertensivas 46,8 7 bronquite, enfisema e asma 43,5 8 acidentes de transporte terrestres 41,7 9 insuficiência cardíaca 27,3 10 câncer de pulmão 24,4 Fonte: Sistema de informações sobre mortalidade do Ministério da Saúde. Disponível em: <http://exame.abril.com.br>. Acesso em: set. 2016. Exemplo 2: Gerentes que fazem avaliação de desempenho dos seus colaboradores são vítimas da heurística da disponibilidade. Os gerentes tendem a avaliar o desempenho – positivo ou negativo – do colaborador a partir das informações mais recentes, por exemplo, dos últimos três meses anteriores à avaliação. É muito difícil que eles se lembrem de situações mais remotas, como dos últimos nove meses anteriores ao período de avaliação (disponibilidade da informação na memória). Pesquisas mostraram que é mais fácil vender seguro de desastre natural para pessoas que já experimentaram esse tipo de acidente do que para pessoas que nunca sofreram qualquer desastre natural e que poderiam comprá-lo apenas preventivamente. Em resumo, as nossas memórias e experiências recentes têm um forte impacto sobre as nossas decisões. 32 Heurística da representatividade A heurística da representatividade tem como característica a comparação entre os assuntos em análise, considerando as referências e as ideias pré-estabelecidas de pessoas, objetos ou eventos relacionados aos indivíduos. É usual que essa heurística esteja presente quando um gestor participa de um processo de seleção de pessoal. Nesse processo, o gestor tende a comparar um perfil de candidato a uma categoria pré-estabelecida por ele. Outro exemplo da heurística da representatividade pode ser observado quando um consumidor, em face do lançamento de um novo produto, compara-o com produtos similares já existentes. Exemplo 3: Um indivíduo é introvertido, gosta de quebra-cabeças e se interessa por Matemática. É mais provável que ele seja um engenheiro (civil + produção) ou um advogado? Resposta do exemplo 3: A maioria das pessoas interpreta e responde que a formação desse indivíduo é Engenharia. Nesse caso, as avaliações realizadas não consideraram as diferenças possíveis nos índices de concluintes nos cursos. Vejamos alguns dados. Em 2015, cerca de 40.000 pessoas concluíram o curso de Engenharia. Nesse mesmo ano, cerca de 105 mil advogados se formaram. Desse modo, a probabilidade de o indivíduo ser advogado seria muito maior do que a de ser engenheiro. No exemplo acima, podemos observar que os indivíduos não são sensíveis à dimensão da amostra ao avaliar uma informação. Há uma tendência de generalizar a informação a partir de um número reduzido de exemplos. No exemplo, o perfil introvertido, amante do quebra-cabeça e da Matemática influenciou a decisão ao considerar que o indivíduo seria engenheiro, apesar de a quantidade de engenheiros ser inferior à quantidade de advogados no mercado de trabalho. Exemplo 4: Se três candidatos de uma universidade forem mal em uma entrevista do processo seletivo para estagiário, a tendência é generalizar e achar que todos os candidatos daquela universidade também se sairão mal na entrevista. Desse modo, vemos que os gerentes avaliam a probabilidade de ocorrência de um evento a partir da semelhança dos acontecimentos. A seguir, vamos apresentar outros dois exemplos, que ajudarão a compreender melhor a heurística da representatividade (MOORE; OESCH; ZIETSMA, 2004). � Falácia do jogador (KAHNEMAN; TVERSKY, 1982, p. 161-173): De modo geral, a chance é vista como um processo autocorretivo, no qual um desvio em uma direção leva a um desvio na direção oposta, para restaurar o equilíbrio. a) Depois de 10 rodadas de carta ruins no jogo de pôquer, o jogador acha que está na hora de receber uma mão boa. Temos uma falsa noção de conectividade, quando o que 33 ocorre, na verdade, é a aleatoriedade. Tendemos nos afastar da aleatoriedade, já que a incerteza nos oferece a sensação de insegurança. b) A crença de existir a mão quente tem implicações na forma de competir. Passar a oportunidade para um jogador mão quente é uma boa estratégia. O time adversário se preocupa em marcar aquele que tem mão quente. c) Depois de ganhar R$ 1.000 na loteria, uma senhora muda o número que sempre apostou. Afinal, qual é a probabilidade de um mesmo número ser sorteado duas vezes?O desempenho nos lances imediatamente anteriores não mudaria a probabilidade de sucesso nos lances posteriores. � Armadilha da confirmação Tal armadilha se refere à forma como procuramos informações. A nossa atenção e o nosso processo cognitivo são limitados, por isso, procuramos informações seletivamente e damos créditos às informações que nos permitam chegar à conclusão daquilo que desejamos alcançar (KUNDA, 1990). Por exemplo, você comprou um carro novo. No dia seguinte, o caderno de automóveis do jornal lança uma reportagem com uma relação que classifica os carros de acordo com o seu desempenho: economia de combustível e resultados de testes de estabilidade do veículo. Em qual informação você prestaria mais atenção? Resposta mais frequente: A maioria das pessoas prestaria mais atenção à informação que confirmasse uma boa compra. Desejamos confirmar as nossas ações, principalmente, buscando que elas sejam boas. Talvez, fosse mais produtivo e vantajoso analisar as informações negativas. Heurística da ancoragem A âncora é representada pela primeira oferta em uma negociação, seja a oferta do comprador ou a do vendedor. Há uma tendência de nos fixarmos em uma informação como ponto de partida. Essa informação define as bases e os parâmetros da negociação. Como a âncora é informativa, deve ser utilizada estrategicamente, atendendo aos interesses da parte que a lançou. As primeiras informações – ou seja, a ancoragem – têm um significado muito forte, uma vez que há uma dificuldade de fazer ajustes com novas informações. A informação oferecida em uma âncora será o ponto de partida, e todos saberão o real interesse da parte que ancorou, a partir dessa informação. As ancoras afetam as nossas decisões. Se a âncora disponibilizada por uma das partes for extrema ou irracional, ela vai tornar-se uma medida que poderá impedir um acordo. Nesse sentido, as partes percebem que a oferta é 34 irracional e abandonam a negociação. Se a âncora irracional vier seguida de outra proposta, reduzindo ou modificando significativamente essa ancora, a mudança intempestiva promoverá uma desconfiança da oferta, impactando a credibilidade do processo. Uma ação dessa natureza põe em risco todo o trabalho desenvolvido entre as partes, de criação de relacionamento e confiança. Exemplo: efeito da ancoragem em negociações salariais. Você acabou de concluir um MBA e deseja renegociar o seu salário. a) Âncora: salário atual sem o MBA. Essa é uma âncora (ponto de partida na negociação) que pode ser fraca, já que qualquer aumento percentual a partir dessa base (âncora) refletiria em um valor de salário com MBA, com valor inferior ao valor de mercado. b) Âncora: salário que o mercado está pagando para profissionais com MBA. Essa âncora seria mais vantajosa, já que você estaria negociando valores compatíveis com os valores de mercado para profissionais de mesma especialização, independentemente do seu salário atual. Essa âncora poderia ser muito mais poderosa em uma negociação salarial na sua empresa atual. Uma vez que tenhamos discutido os aspectos comportamentais e identificado os perfis de cooperadores ou colaboradores, neste módulo, apresentaremos a metodologia desenvolvida – Matriz de Negociações Complexas – para orientar os melhores resultados possíveis de um processo de negociação. Introduziremos, neste módulo: I. definição de negociação; II. conceitos fundamentais: Batna – melhor alternativa a um acordo negociado; Preço Reserva; Zopa – zona de possíveis acordos e ancoragem; III. etapas do processo de negociação: preparação; criação de valor; distribuição de valor; e implementação/monitoramento e IV. Dilema do Negociador e os seus impactos sobre o processo. Negociação A seguir, a figura 7 representa, esquematicamente, uma negociação multipartite (múltiplas partes). Imaginemos uma reunião na Secretaria de Transportes do estado ou do município para discutir um orçamento limitado, sabendo que o orçamento deverá atender aos diferentes órgãos que tratam de transporte: ferroviário, rodoviário, metrô, etc. MÓDULO III – ESTRUTURA DO PROCESSO DE NEGOCIAÇÃO 36 Figura 7 – Torre de Babel: assimetria de informações Fonte: Disponível em: <http://www.asmetro.org.br/portal/gestao/mesa-de-negociacao/6639-mesa-de-negociacao- especifica-dos-servidores-do-inmetro-e-hoje>. Acesso em: fev. 2017. � Interesse comum: todos desejam investir e melhorar o serviço de transporte, seja de qual modalidade for. � Interesses conflitantes: cada uma das partes deseja a maior parcela possível do orçamento disponível. Como sabemos, o orçamento é limitado. Desse modo, há uma dificuldade de alcançar um acordo que satisfaça todas as partes (ganha-ganha). “Negociações ocorrem como modelo de tomada de decisões, quando não existem regras nem autoridade para reger a decisão, ou preço determinado para a troca de bens e serviços” (ZARTMAN). A partir da definição acima, podemos concluir que negociamos a partir de situações de incerteza: quando não existem regras, autoridade e preços definidos. Qualquer que seja o jogo, precisamos de regras para jogar. Popularmente, dizemos que o que é combinado não sai caro. Também podemos entender que a negociação é um processo de revisão, atualização e realização de perguntas relevantes, que proporcionam um aprendizado conjunto, com o objetivo de minimizar as diferenças na definição de valor. A base de uma negociação ganha-ganha é a confiança entre as partes, que pode ser alcançada a partir do relacionamento desenvolvido por meio de conversas preliminares de cunho geral. Nessas conversas, as partes verificam a identificação de interesses comuns, realizam a busca conjunta de dados, oferecem a oportunidade de mostrarem umas às outras que somente vão identificar informações legítimas e críveis, que garanta confiabilidade à outra parte. 37 A negociação acontece quando existem alternativas a serem escolhidas. As alternativas apresentam interesses comuns e interesses conflitantes, significando a complexidade das relações. Os interesses comuns não causam quaisquer problemas, uma vez que todos concordam unanimemente. As negociações decorrem somente quando há interesses conflitantes. “Bons negociadores obtêm grandes acordos para si, mas fazem com que seus oponentes acreditem que também fizeram um bom negócio, mesmo que a verdade seja outra; os melhores, porém, são os que sabem dividir as vantagens para que, de fato, todos lucrem” (Revista Mente e Cérebro, maio 2016, p. 37). Negociação posicional (barganha posicional ou distributiva) Na barganha posicional, as partes buscam o melhor para si mesmas sem pensar no outro. A barganha posicional tende a ser mais competitiva. Na barganha posicional, as partes ficam rígidas nas suas posições originais. Não há qualquer ponderação, mas há a firmeza de dizer o não pelo não, independentemente dos interesses das partes. O interesse que prevalece é o interesse da parte mais forte. Desse modo, uma das partes cede à outra ou não haverá negociação. Trata-se do jogo denominado ganha-perde. Para que uma parte ganhe, a outra parte perderá necessariamente. É um jogo bastante traiçoeiro, já que o conflito não é eliminado, muito pelo contrário, ele se perpetua e até amplifica. A parte perdedora fica em uma posição desvantajosa, sentindo-se injustiçada e humilhada. Nesse contexto, único pensamento da parte perdedora será o de buscar uma revanche, outra situação em que lutará muito para derrotar o oponente que saiu ganhando no passado. Negociação por interesses (barganha por interesse) A negociação por interesse ocorre quando as partes tentam tirar algo mais da negociação. As partes trabalham em conjunto para aumentar a torta, de forma que haja o suficiente para que todos tenham o que desejam. Nesse caso, busca-se o efetivo interessede cada uma das partes na negociação. Focar os interesses motiva as partes a escutarem, cuidadosamente, umas às outras, percebendo do que a outra, realmente, necessita ou o que sente como o mais importante. Os interesses definem o problema, de modo a promover a colaboração e a criatividade para gerar soluções inovadoras. O desafio se torna encontrar a solução de um problema de forma conjunta, em vez de fazê-lo pelo enfrentamento competitivo. Busca-se um resultado que seja de ganhos mútuos, de um resultado ganha-ganha, que ocorre quando as duas partes saem satisfeitas da negociação, sentindo-se ganhando. Desse modo, encerram a negociação sem qualquer sentimento de injustiça. 38 Figura 8 – Barganha posicional e negociação por interesses Algumas considerações: � Lembre-se de que ganhos de curto prazo podem tornar-se perdas de longo prazo. � Tenha em mente que não é do seu interesse que as outras partes sintam necessidade de se recuperar de perdas anteriores, proporcionadas por você. � Negocie com percepção e intuição, não só com palavras. � Busque reciprocidade. � Construa uma coalizão positiva. � Destaque a sua reputação e a deles. � Crie mecanismos de confiança, se necessário. � Faça de você uma pessoa confiável. � Quais são as qualidades de um negociador? Ouvir, ouvir e ouvir. 39 Conceitos básicos Existem conceitos básicos sobre os quais está alicerçado o processo de negociação: Batna, Zopa, preço reserva e ancoragem. a) Batna (best alternative to a negotiation agreement) ou Maana (melhor alternativa a um acordo negociado) Trata-se de um plano B para a negociação. Nesse sentido, o negociador deve ter sempre uma alternativa – denominada plano B ou Batna – que o atraia, caso a negociação em que está envolvido não dê certo. Essa Batna é uma alternativa fora da negociação que o indivíduo está empreendendo. Seria outra oportunidade à negociação corrente. A Batna corresponde à alternativa que será adotada caso não se alcance um acordo na negociação e deve ser definida antes do início de qualquer negociação. Ter uma Batna faz com que o negociador tenha uma posição vantajosa em relação à outra parte, ou seja, faz com que ao tê-la esteja em uma situação de poder. Por quê? A Batna é um instrumento de poder porque o negociador que a possui não fica refém das condições apresentadas pelo outro negociador. Além disso, o negociador não fica à mercê de aceitar inúmeras concessões por não possuir alternativa a não ser aceitá-las. Se o negociador tiver uma Batna, ele poderá impor-se na negociação e terá a segurança de outra oportunidade, caso a negociação não alcance um acordo. A Batna poderá não ser ótima, mas será uma opção. Exemplo: você encaminhou um currículo para uma empresa multinacional e foi chamado para uma entrevista de emprego. Negociação: você vai a uma entrevista em busca de um novo emprego. Nessa entrevista, em primeiro lugar, você mostrará ao entrevistador o seu valor como profissional. Uma vez aprovado na entrevista, o empregador inicia a negociação de salário, benefícios, plano de carreira, etc. (Essa é a negociação propriamente dita). Batna 1: o seu emprego atual (você está empregado). Enquanto você enfrenta uma rodada de entrevistas, o fato de estar empregado lhe oferece uma segurança de que não há o que perder (você está empregado, e isso não está em jogo). A entrevista lhe oferece a possibilidade de outra oportunidade de trabalho, que você poderá aceitar ou não. Essa Batna lhe oferece poder e margem para barganha na negociação. Você vai negociar com mais tranquilidade, sabendo que continuará no seu emprego atual se as condições oferecidas não forem interessantes. Nesse sentido, você tem o seu emprego como um plano B, é a sua segurança, é o seu poder. Você negociará as condições de trabalho com muito menos ansiedade, conseguirá ponderar e explorar interesses com muito profissionalismo, criando valor, inclusive. 40 Batna 2: estar desempregado. O entrevistado que não tiver uma Batna ou que tiver uma Batna frágil (estar desempregado), está muito mais frágil para negociar, está com menos poder e está mais sujeito a aceitar qualquer proposta. O nível de concessões unilaterais (somente do lado do empregado) será altíssimo, uma vez que, se não aceitar as condições impostas, não terá alternativa a permanecer desempregado. Desse modo, aquele que possuir uma Batna poderá avaliar melhor as propostas decorrentes do processo, poderá dizer não a uma proposta desfavorável e não se tornar refém do processo. b) Preço reserva: Representado pelo valor máximo que o comprador está disposto a pagar e pelo valor mínimo que o vendedor está disposto a vender o produto. Esse valor – que não é, necessariamente, financeiro – não é divulgado pelas partes sob pena de prejudicar a negociação, já que deixa claros os seus limites (fica reservado). Pode ser entendido também como o limite máximo possível de concessões a serem aceitas em um acordo. Exemplo: a empresa na qual você trabalha o indicou como líder de um novo projeto. Você vai a uma reunião com o diretor de projetos para conhecer a sua nova atividade. Você conhece bem o projeto, já que participou da elaboração da proposta. Você sabe que o projeto foi dimensionado com a participação de 35 técnicos. Considerando a necessidade de redução de custos e de aumento de produtividade, o diretor autorizou a contratação de 27 novos técnicos. Por outro lado, conhecendo a proposta e com base na autorização anunciada pelo diretor, você contrapropôs a contratação de 38 técnicos. Preço ou valor reserva: o diretor guardou a informação de que, se for necessário, ele concordará com a contratação de 35 técnicos no total. No entanto, se ele anunciar esse número, a negociação iniciaria não só com 27 técnicos, mas com 35 técnicos. Por isso, essa informação não é divulgada. O mesmo acontece com você que, ao indicar a necessidade de contratação de 38 técnicos, sabendo que o projeto havia definido 35 técnicos, poderia ter como preço ou valor reserva a contratação de 33 técnicos. No entanto, se você anunciasse, inicialmente, que poderia desenvolver o projeto com 33 técnicos, a negociação iniciaria no limite máximo da contratação de 33 técnicos. Dessa forma: diretor 27 35(PR) 33(PR) 38 líder projeto 41 c) Ancoragem: refere-se à oferta inicial, ou seja, à primeira divulgação de preço ou valor, ou das condições anunciada por qualquer uma das partes. Quem der a informação de preço ou das condições primeiramente ancora. Quem ancora informa e assume riscos. A âncora deve ser utilizada pelas partes estrategicamente, uma vez que as condições da negociação vão ocorrer no entorno da ancoragem. Quem deve ancorar primeiro? Depende da estratégia, depende da necessidade sobre o resultado, depende da Batna forte ou fraca que você tiver, depende do interesse em pontuar valores. Em outras palavras, depende de muitas variáveis. Não há uma regra. Se a outra parte ancorar, será preciso analisar a qualidade da âncora. Se você ancorar, formule objetivos ousados como âncoras. Por exemplo: você vai negociar a compra de uma máquina, sabendo que a média de preço da máquina no mercado é de R$ 5.000,00. O vendedor oferece a máquina por R$ 9.000,00 (âncora) – valor bastante acima da média do mercado. Esse valor ancorado pelo vendedor faz com que você fique desconfiado e contraproponha um valor muito abaixo, de R$ 3.000,00. Em seguida, diante da sua contraproposta, o vendedor reduz o preço de venda da máquina para R$ 5.500,00. A redução de preço, de R$ 9.000 para R$ 5.500, faz com que você fique desconfiado. Qual é a razão de tamanha redução de preço? Por que o vendedor não teria ancorado nesse valor (R$ 5.500) desde o início? Se o vendedor estivesse propondo um preço próximo ao preço de mercado, ele não teria ancorado em R$ 9.000,00,
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