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APOSENTADORIA RURAL

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA 
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO - CAMPUS XIII 
LICENCIATURA EM HISTÓRIA 
 
 
 
 
NO IMAGINÁRIO DOS VELHOS: 
Aposentadoria e processos de aposentação em Santa Quitéria, Itaberaba-Ba, 1971-1988 
 
 
 
 
MARCELO OLIVEIRA DOS SANTOS 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ITABERABA-BA 
2017 
 
 
 
 
MARCELO OLIVEIRA DOS SANTOS 
 
 
 
 
NO IMAGINÁRIO DOS VELHOS: 
Aposentadoria e processos de aposentação em Santa Quitéria, Itaberaba-Ba, 1971-1988 
 
 
 
 
 
Monografia apresentada ao Colegiado de História da 
Universidade do Estado da Bahia, Campus XIII, como 
requisito parcial para obtenção do grau de Licenciado em 
História. 
 
Orientador: Prof. Me. Rodrigo Lopes 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ITABERABA-BA 
2017 
 
 
 
 
MARCELO OLIVEIRA DOS SANTOS 
 
 
 
 
 
NO IMAGINÁRIO DOS VELHOS: 
Aposentadoria e processos de aposentação em Santa Quitéria, Itaberaba-Ba, 1971-1988 
 
 
Monografia apresentada ao Colegiado de História da 
Universidade do Estado da Bahia, Campus XIII, como 
requisito parcial para obtenção do grau de Licenciado em 
História. 
 
 
 
 
 
 
BANCA EXAMINADORA 
 
 
_________________________________________________________________ 
Prof. Orientador Me. Rodrigo Lopes 
Universidade do Estado da Bahia (UNEB) 
 
 
 
_________________________________________________________________ 
Profa. Me. Izabel de Fátima Cruz Melo 
Universidade do Estado da Bahia (UNEB) 
 
 
 
_________________________________________________________________ 
Me. Izac Santos Evangelista 
 
 
 
 
Itaberaba, 14 de fevereiro de 2017. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Aos velhos trabalhadores rurais de Santa Quitéria. 
 
 
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
Agradeço, primeiramente, a minha família por sempre acreditarem em mim. Sei que 
são muito felizes pelo primeiro universitário da família. 
Aos amigos e colegas da faculdade (transitei por diversas turmas, uma verdadeira 
colcha de retalhos): Luciene, Lucy, Claudiane (ops! Cláudia), Cristiane, Joel Alves, Thaíse 
Alves, Liliane, Jucimara Alves (Jucy), dentre outros. Também, não poderia esquecer aos 
amigos Alessandro Prazeres e Juracy Queiroz Filho, companheiros de estudos e longas 
conversas. 
À todos os professores do curso de Licenciatura em História da Uneb, Campus XIII. 
Esta pesquisa não seria possível sem as aulas de vocês. Aos professores da banca de 
qualificação do primeiro capítulo (mudei tudo!), professora Cristiane Batista e professor 
Felipe Watarai. Levei em consideração cada dica que vocês deram. Aos professores Hamilton 
Rodrigues e Márcia Cury pelas contribuições durante a II Semana de História do Campus 
XIII. 
Agradecimento a professora Izabel Melo, por ter aceitado me orientar no começo desta 
monografia (um assunto tão chato e complexo de ser estudado). Sei do tanto que deve ter sido 
difícil trabalhar com a temática que escolhi. Muito sucesso com seu doutorado na terra da 
garoa! 
Ao professor Rodrigo Lopes, por ter encarado esta empreitada de ser meu segundo 
orientador. Deve ter sido complicado orientar um trabalho em andamento. Agradeço por cada 
contribuição, dicas e vírgulas (muitas vírgulas!). 
À equipe do NHL, na época, sobre a coordenação da professora Lígia. Aos monitores 
Alcione e Jander. 
Agradeço a Dona Helena, Sr. Justino, Sr. Rafael, Dona Floraci, Sr. José Bispo. 
Agradecimento especial a família do senhor José Oliveira e Dona Valdomira, ambos falecidos 
durante o período que a pesquisa estava em andamento (suas memórias estão cravadas em 
cada linha deste trabalho, não poderão ser apagadas). 
Enfim, a todos aqueles que contribuíram direta ou indiretamente para a efetivação 
deste trabalho. 
 
 
 
 
RESUMO 
 
A aposentadoria foi uma das grandes conquistas dos trabalhadores. Porém, este benefício foi 
alcançado em momentos diferentes no Brasil, a partir de 1923, para algumas categorias de 
trabalhadores urbanos e, apenas em 1971, para os trabalhadores rurais. O objetivo principal 
deste trabalho é analisar os impactos trazidos pelas obtenções de direitos previdenciários e 
assistenciais para os idosos do povoado de Santa Quitéria município de Itaberaba, Bahia, bem 
como as estratégias desenvolvidas por estes trabalhadores no intuito de conquistar estes 
benefícios, no período de 1971 a 1988. Por meio da análise de um dos periódicos locais, O 
Paraguaçu, foi possível notar que após a criação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais 
(STR) de Itaberaba, em 1975, atenuou-se os conflitos entre os patrões e empregados, 
principalmente, no que concerne a aposentadoria e ao atendimento médico. Antes desta data 
ambas as classes eram representadas pelo Sindicato Rural de Itaberaba, também chamado de 
Sindicato Patronal. Através de algumas entrevistas, foi possível notar, também, que existia, no 
âmbito local, uma significativa concepção de direito sobre aqueles benefícios, mesmo entre os 
trabalhadores que não tiveram contato direto e frequente com o STR e, foi através da posse 
deste conhecimento que eles, utilizaram de vários meios para alcançá-los. Nota-se nisso, um 
significativo grau de consciência de classe. A luz das concepções de classe de E. P. 
Thompson, mostramos que os trabalhadores rurais se solidarizavam uns com os outros e 
percebiam, que esta solidariedade era necessária para a resistência e luta contra os fazendeiros 
da região. Este ato era, também, uma questão de sobrevivência. O processo de “aposentação” 
era marcado por meios, muitas vezes, diversos do caminho normal – através da comprovação 
de idade e do exercício de atividade rural. Apontarei, indícios que nem todos seguiram este 
percurso. Alguns se aproximaram dos grandes proprietários de terra, políticos e até mesmo os 
pequenos proprietários de terra para conquistar os benefícios previdenciários e assistenciais. 
Palavras-chave: Experiência; aposentadoria rural; Sindicalismo; classe social; 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ABSTRACT 
Retirement was one of the great achievements of the workers. However, this benefit was 
reached at different times in Brazil, starting in 1923, for some categories of urban workers 
and, only in 1971, for rural workers. The main objective of this study is to analyze the impacts 
of the social security and welfare rights obtained for the elderly in the town of Santa Quitéria, 
Itaberaba, Bahia, as well as the strategies developed by these workers to obtain these benefits 
in the period of 1971 To 1988. Through the analysis of one of the local periodicals, O 
Paraguaçu, it was possible to note that after the creation of the Union of Rural Workers (STR) 
in Itaberaba in 1975, the conflicts between employers and employees were attenuated, In what 
concerns retirement and medical care. Prior to this date both classes were represented by the 
Itaberaba Rural Union, also called the Employers' Union. Through some interviews, it was 
possible to notice, also, that there was a significant conception of law on those benefits, even 
among workers who did not have direct and frequent contact with STR, and it was through 
the possession of this knowledge that They used various means to achieve them. It is 
noteworthy a significant degree of class consciousness. In the light of E. Thompson's class 
conceptions, we showed that rural workers sympathized with each other and realized that this 
solidarity was necessary for resistance and struggle against the region's farmers. This act was 
also a matter of survival. The process of "retirement" was marked by means, often different 
from the normal path - through proof of age and the exercise of rural activity. I will point out, 
indications that not all have followed this course. Some have approached large landowners, 
politicians and even small landowners to secure social security and welfare benefits. 
 
Keywords: Experience; Rural retirement;Syndicalism; social class. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
INTRODUÇÃO........................................................................................................................9 
 
CAPÍTULO I 
1 Da velhice à aposentadoria: estudo de caso em Santa Quitéria 
1.1 Algumas abordagens sobre o trabalho................................................................................14 
1.2 A velhice.............................................................................................................................20 
1.3 Homens e mulheres de Santa Quitéria: experiências na roça.............................................25 
 
CAPÍTULO II 
2 Legislação previdenciária social no Brasil: bases para a formação sindical rural 
2.1 Breve histórico da previdência social no Brasil..................................................................31 
2.2 As leis 4.214/1963, LC 11/1971 e a Constituição Brasileira de 1988................................33 
2.3 Previdência e Assistência social em Itaberaba....................................................................43 
2.4 A legalização do STR de Itaberaba.....................................................................................51 
 
CAPÍTULO III 
3 De volta a Santa Quitéria: entre personagens e estratégias de aposentação 
3.1 Aposentadorias e “aposentações”.......................................................................................61 
3.2 Funrural: Assistencialismo ou não?....................................................................................66 
 
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................74 
 
FONTES...................................................................................................................................76 
 
REFERÊNCIAS......................................................................................................................78 
 
 
 
 
 
 
 
9 
 
 
 
INTRODUÇÃO 
 
Devemos alertar ao leitor, que não objetivamos nesta pesquisa uma escrita da História 
do Trabalho (os processos produtivos, os conflitos de classes e as lutas dos trabalhadores). 
Sobre os processos produtivos na zona rural de Itaberaba, temos uma ótima produção de 
Silvio Santos Cerqueira da Cruz, intitulada Experiências camponesas no município de 
Itaberaba-Bahia (1993-2004)1. Neste trabalho, ele propõe descrever as atividades dos 
abacaxicultores de Itaberaba e suas experiências na roça, mostrando, principalmente, a 
ascensão da monocultura do abacaxi e o declínio na plantação de outros produtos (feijão, 
mandioca, mamona e outros) naquele período. Outro trabalho muito interessante na região 
sobre os trabalhadores é Vassouras paradas, lixo nas ruas, trabalhadores em movimento: o 
“novo sindicalismo” em perspectiva, de Izac Santos Evangelista2. Nesta obra, o autor – 
seguidor das teorias de experiência histórica de E. P. THOMPSON –, traz com muito 
esclarecimento, o movimento grevista dos garis de Itaberaba no ano de 1989, além de fazer 
uma análise da conjuntura sindical na década de 1980. 
Na contramão destas obras citadas, queremos estudar o trabalhador, mas não em seu 
período mais produtivo. Há uma inclinação historiográfica no estudo do trabalhador ativo 
durante o período de maior vigor de sua força de trabalho para a produção, do que aqueles que 
não podem, ou não querem (os aposentados), vender sua mão-de-obra, ficando à margem da 
sociedade e da história. Desta forma, nossa preocupação está muito mais ligada a experiência 
do trabalhador (velho) como aposentado, do que suas experiências na roça. 
Este desinteresse dos historiadores pelo trabalhador velho estava ligado “a 
representação social negativa da velhice ao longo dos séculos XIX e XX” e o “fato dos 
documentos que fazem referência às diversas épocas, integrarem os velhos no grupo dos 
adultos”3. Este cenário começa a mudar com o aumento da perspectiva de vida da população e 
o idoso passa a ser um problema social. Ainda assim, não há uma produção grande, na área de 
 
1 CRUZ, Silvio Cerqueira da. Experiências camponesas no município de Itaberaba-Bahia (1993-2004). 
Monografia de conclusão de curso em Licenciatura em História – Universidade do Estado da Bahia (UNEB), 
Campus XIII, Itaberaba, 2012. 
2 EVANGELISTA, Izac Santos. Vassouras paradas, lixo nas ruas, trabalhadores em movimento: o “novo 
sindicalismo” em perspectiva. Monografia de conclusão de curso em Licenciatura em História – Universidade 
do Estado da Bahia (UNEB), Campus XIII, Itaberaba, 2012. 
3 MINOIS, Georges. História da velhice no ocidente: da Antiguidade ao Renascimento. Lisboa: Teorema, 1999. 
Apud BERNARDO, Kátia Jane Chaves. Envelhecer em salvador: uma página da história (1850-1900). Tese 
(doutorado) - Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, 2010, p.40. 
10 
 
 
 
história, sobre a condição do idoso nas sociedades, este trabalho é muito mais desenvolvido 
por sociólogos e profissionais da área de psicologia e saúde. 
Podemos apontar, também, que esta mudança só foi possível graças a renovação 
historiográfica, a partir da Escola do Annales e, mais fortemente, na década de 1970 com a 
Nova História. Novas perspectivas e paradigmas de abordagem foram e são inventadas e 
reinventadas neste curto espaço de tempo. Sai de cena a história dos grandes personagens, 
para a entrada dos indivíduos comuns, das micro-histórias. Agora, podemos escrever sobre os 
negros, as mulheres, os camponeses, lavadeiras, vaqueiros, parteiras, os idosos, enfim, a 
diversidade é imensa. Não mudaram apenas os personagens destas histórias, mas também os 
espaços e os tempos. A história do tempo presente é um exemplo desta mudança de modelo 
do que é história. 
Marc Bloch4, define a História como a ciência que estuda o homem no tempo. Sendo 
assim, o tempo presente, também é um recorte a ser estudado5. Consequente a isso, há uma 
mudança, também, nas fontes utilizadas. O historiador começou a recorrer a fonte oral. Esta 
história é comumente chamada de História oral: 
Ela consiste na realização de entrevistas gravadas com indivíduos que 
participaram de, ou testemunharam, acontecimentos e conjunturas do 
passado e do presente. Tais entrevistas são produzidas no contexto de 
projetos de pesquisa, que determinam quantas e quais pessoas entrevistar, o 
que e como perguntar, bem como que destino será dado ao material 
produzido.6 
 
O diferencial da história oral são seus personagens, na maioria das vezes indivíduos 
comuns da sociedade, os que sofrem opressão social, os explorados e excluídos. O cotidiano, 
a vida privada e a história local, também são características desta história.7 Para a escrita 
destas histórias, a memória individual e coletiva são a matéria-prima. 
Maurice Halbwachs, é um dos expoentes do estudo da memória. É ele, que vai afirmar 
que nossas lembranças, mesmo as mais particulares, estão ligadas ao coletivo, “porque jamais 
 
4 BLOCH, Marc. Apologia da história ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Zahar, 2002, p.55. 
5 CHAUVEAU, Agnes e TETART, Philippe. Questões para a história do tempo presente. In. CHAUVEAU, 
Agnes e TETART, Philippe (Org.). Questões para a história do tempo presente. Traducão Ilka Stern Cohen. 
Bauru, SP: EDUSC, 1999, pp. 07-36. 
6 ALBERTI, Verena. Fontes orais: Histórias dentro da História. In. PÍNSKY, Carla Bassanezí (organizadora). 
Fontes históricas. 2.ed., 1ªa reimpressão. — São Paulo: Contexto, 2008, 155. 
7 FRANÇOIS, Etienne. A fecundidade da história oral. In. AMADO, Janaína e FERREIRA, Marieta de Moraes 
(Orgs.). Usos e abusos da história oral. 8ª ed. – Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006; ALBERTI, Verena, Op. 
Cit. 
11 
 
 
 
estamos sós”8. Estamos sempre cercados decoisas exteriores a nós, pois somos seres sociais. 
Ele mostra, que é muito mais fácil lembrar de acontecimentos quando outros indivíduos 
estavam inseridos no momento do fato. Porém, nem sempre os testemunhos de outros 
personagens serão suficientes para o indivíduo lembrar9. Por isso, “cada memória individual é 
um ponto de vista sobre a memória coletiva, que este ponto de vista muda segundo o lugar 
que ali ocupo e que esse mesmo lugar muda segundo as relações que mantenho com outros 
ambientes”10. 
Não podemos esquecer que trabalhar com a fonte oral requer cuidados, pois, assim 
como as outras fontes tradicionais, existem jogos de interesses, coisas ditas e não ditas. Cada 
indivíduo, escolhe aquilo que quer transmitir para seu entrevistador, como se fosse um “jogo 
de esconde-esconde”11. Sem contar que: 
[...] não se trata de propor interpretações da mensagem que lhe comunicada, 
mas de saber que o não dito, a hesitação, o silêncio, a repetição 
desnecessária, o lapso, a divagação e a associação são elementos integrantes 
e até estruturais do discurso e do relato.12 
 
Não buscamos neste trabalho trazer a “verdade”. Por isso, tratamos nossos 
entrevistados como “narradores” de histórias e não como depoentes. Em uma palestra13, o 
professor Dr. Luiz Blume, expõe que ao nos referirmos aos narradores como depoentes 
assumimos a postura de interrogadores e julgadores da verdade e, concordamos com esta 
afirmação. Ao invés de impormos uma verdade, queremos mostrar as variantes nas ideias e 
nas formas de se fazer presente na história. 
Sendo assim, escolhemos como problemática o imaginário dos idosos aposentados da 
zona rural de Itaberaba sobre o “estar aposentado” e o contexto que se deram estas 
aposentadorias. Como não seria possível estudar toda a zona rural do munícipio, optamos pelo 
povoado de Santa Quitéria, a aproximadamente 40 km, seguindo pela BA 233, sentido Ipirá. 
A escolha deste povoado foi motivada por diversos fatores, dentre eles, destacamos o tempo 
de existência do local – mais de cem anos –, a facilidade de acesso e, também, pela grandiosa 
 
8 HALBAWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Centauro, 2003, p. 30. 
9 Idem, p. 39. 
10 Idem, p. 69. 
11 VOLDMAN, Danièle. Definições e usos. In. AMADO, Janaína e FERREIRA, Marieta de Moraes (Orgs.). 
Usos e abusos da história oral. 8ª ed. – Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006, p. 37. 
12 Idem, p. 38. 
13 BLUME, Henrique dos Santos Luiz. Encontro “A História Oral e Pesquisa: metodologia e ética”. 
Universidade do Estado da Bahia – UNEB, Campus XIII, Itaberaba, 30 de setembro de 2016 (Comunicação 
oral). 
12 
 
 
 
ajuda do Sr. Deusdete Bispo, irmão do Sr. José Bispo – um dos entrevistados –, que nos 
indicou os idosos mais velhos do povoado e nos levou até a casa deles, facilitando o primeiro 
contato. 
Utilizamos neste trabalho a narrativa de sete personagens, são eles: Helena Aniceta 
Ramos, José Oliveira Fraga, Justino Costa Souza, Rafael Oliveira Fraga, Valdomira Fraga de 
Oliveira, Floraci Rosa de Oliveira e José Bispo Oliveira. Destes, apenas Dona Floraci e Sr. 
José Bispo não residem em Santa Quitéria. 
A fonte oral é a nossa principal fonte, mas utilizamos, também, algumas edições do 
jornal local O Paraguaçu do final da década de 1970 até final dos anos 1988. Outra fonte que 
utilizamos é a Ata de Fundação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Itaberaba. Além 
destas fontes, analisamos as leis 4.214/1963 (cria o Estatuto do Trabalhador Rural), Lei 
Complementar 11/1971 (cria o Programa de Amparo ao Trabalhador Rural - PRORURAL) e 
a Constituição Brasileira de 1988. 
Nosso trabalho ficou dividido em três capítulos: Capítulo I - Da velhice à 
aposentadoria: estudo de caso em Santa Quitéria; Capítulo II - Legislação previdenciária e 
social no Brasil: bases para a formação sindical rural; Capítulo III - De volta a Santa Quitéria: 
entre estratégias e personagens de aposentação. 
No Primeiro capítulo, o nosso objetivo é conceituar os termos trabalho, velhice e 
problematizar com o imaginário dos idosos entrevistados de Santa Quitéria sobre estes 
conceitos. As experiências destes aposentados na roça, também, são analisadas. Nossa atenção 
se voltou para o período que eles já estavam próximo da velhice e, principalmente, pós a 
aposentadoria. 
A legislação previdenciária rural é muito recente e a sindicalização também. São 
nestes dois pontos que dialogamos no Segundo capítulo. Fizemos um breve panorama das leis 
previdenciárias no Brasil e o caminho que elas percorreram até alcançar os trabalhadores 
rurais. Em seguida, destacamos o impacto da nova legislação, a partir da década de 1970, no 
munícipio de Itaberaba e, consequentemente, como se deu a relação entre o Sindicato Rural 
(Patronal) e o Sindicato dos Trabalhadores Rurais – surge em 1975. 
Por fim, no último capítulo, voltamos ao povoado de Santa Quitéria para analisarmos 
os processos de aposentação. Mostramos indícios de que a aposentadoria era conquistada de 
diversas formas: A) o tradicional, quando o trabalhador se aposenta por sua própria terra, ou 
quando presta serviço a algum fazendeiro pelo tempo necessário para se aposentar; 15 anos de 
atividade rural e mais 55 anos de idade (mulher) ou 60 anos de idade (homem); B) outra 
13 
 
 
 
forma de se aposentar (“ilegalmente”) é por meio da “solidariedade” entre os próprios 
trabalhadores, ou seja, um trabalhador emprestava o número do INCRA (Instituto Nacional de 
Colonização e Reforma Agrária) para outro trabalhador solicitar a aposentadoria, como se 
tivesse trabalhado naquela propriedade; C) esta modalidade também era praticada por um 
fazendeiro, em que declarava que o idoso trabalhou em suas terras; outra forma que 
detectamos foi o apadrinhamento político. Neste último caso, o trabalhador se aproximava de 
algum político e este “ajeitava” a documentação comprobatória de atividade rural, e o 
trabalhador era aposentado. 
Estas formas de se aposentar foram extraídas das entrevistas com os personagens que 
ajudaram a construir esta pesquisa. São narrativas que estão no dia a dia da comunidade. 
Expressam uma parte da solidariedade que existe no meio das relações entre trabalhadores e 
trabalhadores, entre trabalhadores e patrões. Sem esquecer do papel do Estado ou das 
instituições de representação sindical na mediação de direitos. É o que muitos chamam de 
assistencialismo – também abordamos esta temática no Capítulo 3. 
A concepção de classe, trazida por E. P. Thompson14, é a que utilizamos neste 
trabalho: A classe enquanto experiência dos indivíduos, sua cultura, seu meio de convívio e 
suas relações com os meios de produção. Por meio disso, podemos entender as 
especificidades de cada grupo social e a consciência de classe que se forma entre eles. O que 
vale, segundo esta interpretação de Thompson, são as experiências de cada indivíduo, de cada 
grupo. A consciência de classe não é posta, ela é construída, se modifica e se adequa a cada 
espaço cultural. É isso que propomos neste trabalho. Mostrar as variedades de se fazer classe, 
de lutar por direitos e, principalmente, transmitir as experiências dos trabalhadores 
aposentados do povoado de Santa Quitéria. 
 
 
 
 
 
 
 
 
14 THOMPSON, E. P. Algumas observações sobre classe e “falsa consciência”. In: As peculiaridades dos 
ingleses e outros artigos. Campinas: Editora da Unicamp, 2001. 
14 
 
 
 
CAPÍTULO I 
 DA VELHICE À APOSENTADORIA: ESTUDO DE CASO EM SANTA 
QUITÉRIA 
 
 
 
1.1 Algumas abordagens sobre o trabalho 
Só não trabaio agora porque não guento mais. Diz porque eu tenho o 
dinheiro do amanhã que não ia ficar hoje, esperano por aquele dinheiro 
chegar não, não senhor! Até guentar, agora que dueci de tudo, que não 
guento mais nada. Eu fui um aposentado trabalhador.15 
 
O trabalho exerce sobre nossa sociedade,além do caráter econômico, um papel social 
e psicológico. Trabalhar equivale a ter a condição de prover as suas necessidades e de sua 
família e, também, produzir e vender o excedente para o restante da população. Não seguir 
esta lógica social poderá implicar em dificuldades em se inserir na sociedade, por um lado 
devido ao próprio caráter de subsistência do trabalho, por outro devido à alta valorização do 
trabalho. “A economia é baseada no lucro; é a este, na prática, o que toda a civilização está 
subordinada: o material humano só interessa enquanto produz. Depois, é jogado fora”.16 Ou 
seja, na nossa sociedade ocidental, capitalista, trabalhar não é uma opção, é uma obrigação17. 
E quando o indivíduo perde parte de sua força de trabalho é aos poucos deixado de lado, 
marginalizado. 
Isto acontece com o aposentado, que “não mais” trabalhará, recebendo mensalmente 
uma quantia em dinheiro para se alimentar, comprar remédios e pagar outras despesas básicas. 
Este salário será custeado pela Previdência Social, a partir do momento que o trabalhador 
 
15 José Oliveira Fraga, 89 anos. Trabalhador rural do povoado de Santa Quitéria, Itaberaba – Ba. Entrevista 
concedida ao autor em 15 de maio de 2013. 
16 BEAUVOIR, Simone de. A velhice. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990, p. 13. 
17 Na obra A ética protestante, Max Weber, vai identificar que este posicionamento social contrário ao ócio e a 
supervalorização do trabalho está ligado aos desejos de Deus. Algo contrário a isto estará ferindo aos 
mandamentos divinos. WEBER, Max. A Ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Editora 
Martin Claret, 2005. 
15 
 
 
 
tiver idade para solicitar o benefício e, também, atender aos critérios básicos para solicitar o 
direito.18 
No livro O futuro do Trabalho, Domenico de Masi19, afirma que nem sempre o 
trabalho foi tão valorizado, assim como nós observamos hoje. Muito pelo contrário, esta 
valorização foi percebida com a ascensão do cristianismo20 e, consequentemente, suas idéias 
sobre a condição humana. Assim, escreve De Masi: 
É portanto com o cristianismo que o trabalho é resgatado e o ócio assume 
uma conotação negativa, pecaminosa, reprovável. Jesus era um artesão, os 
seus apóstolos eram pescadores, são Paulo chegará a sustentar que “quem 
não trabalha não tem direito de comer”, são Benedito escreve textualmente 
que os monges “agora são verdadeiros monges, pois vivem do trabalho das 
suas mãos, como os nossos pais e os apóstolos”. A atividade manual, 
herdada da Grécia como degradação servil, atinge assim os umbrais do 
Renascimento como sublime antídoto ao ócio, inimigo da alma: “otiositas 
animae est inimica”[ociosidade é o inimigo da alma – TRADUÇÃO 
NOSSA].21 
 
 “Fui um aposentado trabalhador”, afirma Sr. José Fraga. Esta exclamação é reflexo 
de uma sociedade que valoriza muito o trabalho, não é por menos que ele tenta negar o 
pertencimento ao grupo dos excluídos e ociosos. Tanto Sr. José Fraga e outros personagens 
que surgirão nesta pesquisa têm a mesma interpretação do trabalho, com exceção da Dona 
Valdomira22, como veremos mais a seguir. 
Dos sete entrevistados, cinco residem no povoado de Santa Quitéria23, munícipio de 
Itaberaba, Bahia. Por tanto, será neste espaço que se passarão os objetivos desta pesquisa. É 
neste ambiente que tentaremos perceber as concepções de trabalho e velhice, bem como seus 
desdobramentos, pois neste é conjunto que estes indivíduos se afirmam e reafirmam sua 
identidade como trabalhador. A escolha deste povoado foi motivada por diversos fatores, 
 
18 Para que a pessoa possa se aposentar é necessária uma contribuição mensal para a Previdência Social, se for da 
zona urbana. Se o trabalhador for da zona rural é necessário que o indivíduo comprove atividade rural por no 
mínimo 15 anos. Explicaremos mais sobre o sistema de previdência no Capítulo 2 deste trabalho. 
19 DE MASI, Domenico. O futuro do trabalho: fadiga e ócio na sociedade pós-industrial. Rio de janeiro: José 
Olímpio; Brasília, DF: Ed. Da UnB, 1999. 
20 Esta afirmação também está presente em WEBER, Max. A Ética protestante e o espírito do capitalismo. 
São Paulo: Editora Martin Claret, 2005. Nesta obra, Weber vai afirmar que o “espírito capitalista” está mais 
presente nos protestantes do que nos católicos, e será este espírito capitalista que irá doutrinar a relação do 
trabalhador com o trabalho e a acumulação de riqueza, ou melhor, acumulação de capital. 
21 DE MASI, Domenico.Op. Cit., p. 99. 
22 Valdomira Fraga de Oliveira, 103 anos. Dona de casa, povoado de Santa Quitéria, Itaberaba – Ba. Entrevista 
concedida ao autor em 15 de maio de 2013 
23 O povoado de santa Quitéria pertence ao munícipio de Itaberaba. Faz fronteira entre Itaberaba e Ipirá, pela BA 
233, a aproximadamente 43 km. 
16 
 
 
 
dentre eles, destacamos o tempo de existência do local24 a facilidade de acesso e, também, 
pela grandiosa ajuda do Sr. Deusdete Bispo, irmão do Sr. José Bispo, que nos indicou os 
idosos mais velhos do povoado e nos levou até a casa deles, facilitando o primeiro contato. 
Para nós, que trabalhamos com fonte oral, sabemos que a “primeira impressão” é a que fica. 
Principalmente, para nós que estudamos as questões econômicas destes indivíduos. Há uma 
desconfiança muito grande para com os “estranhos”. Enfim, entrar no universo do outro é 
sempre carregado de problemáticas. 
Em relação a quantidade de narradores do povoado, a lógica utilizada foi apenas a 
idade, os mais velhos. Há uma população de idosos no povoado muito expressiva, porém 
achamos por bem limitarmos a quantidade de entrevistados, pois talvez, não déssemos conta 
de tanto material a ser analisado. No fim, vimos que a quantidade de narradores foi suficiente 
para alcançarmos os objetivos propostos. Os outros dois entrevistados, que não são de Santa 
Quitéria e, sim do município de Itaberaba, serão apresentados nos Capítulos 2 e 3. Eles foram 
peças chaves para compreendermos outras problemáticas que estavam se desenrolando no 
movimento sindical e nas questões de assistência social. 
Buscamos na redução da escala suporte teórico daquilo que chamam de micro-história. 
A redução da escala de observação é interessante ao estudarmos a classe trabalhadora, pois 
abrem-se possibilidades de discussões que talvez uma abordagem espacial maior não 
conseguisse detectar, principalmente devido à variedade das formas de relação de trabalho no 
campo e também, por causa da especificidade de cada região, cada cidade ou povoado, 
mesmo porque o movimento camponês não foi igual em todos os cantos do país – uns mais 
fortes, outros mais fracos. 
 
24 A existência do Povoado se confunde com o tempo da primeira Igreja do local, isso a aproximadamente 136 e 
150 anos. “Contam os seus moradores que Santa Quitéria nasceu de uma rancharia no final do século XIX por 
conta de uma cheia. Disseram que o Rio Capivari, que corta a cidade e divide os munícipios de Ipirá e Itaberaba, 
estava cheio e, como na época não havia pontes, era impossível fazer travessia para a outra margem, mesmo na 
passagem natural do Gurungão, lugar mais espraiado, raso e cheio de pedras, que, em épocas de seca tão comum 
na região, ainda hoje passa-se à pé. [...] os tropeiros que vinham de Itaberaba e Castro Alves com destino a Feira 
de Santana esbarraram com a cheia do rio Capivari e se arrancharam debaixo de uma enorme gameleira, em 
frente à vendinha de um senhor de nome Pedro Mandacaru – ali estabelecido desde muito, que nem se sabe o 
tempo preciso. [...] Parados ali, observaram e foram tomando gosto pelo lugar. De outras vindas, aqueles e outros 
tropeiros se habituaram a pernoitar no mesmo lugar para descansa, comer e contar histórias. Assim, foram 
criando laços, ficando, se apropriando,adquirindo terras. Um deles, de nome Felizardo, decidiu formar uma 
fazenda, criar cabras e gado. Para cumprir com as obrigações com Deus, construiu a igrejinha que até hoje existe 
no povoado. Dizem que, na igreja, colocou uma imagem de Santa Quitéria em homenagem à sua esposa, que 
tinha o nome da santa.” Texto extraído do livro A estrada e o sonho. Memória de Roque Ramos de 
Oliveira/Ramos Transportes, de NEVES, Osias Ribeiro e FONSECA, Luciana Amormino, 2006, p.23. 
17 
 
 
 
Esta compreensão se afirma em Giovanni Levi25, no artigo Sobre a micro-história. 
Naquele trabalho ele aponta as lacunas deixadas pela história tradicional e nos provoca a 
buscar outras possibilidades historiográficas. Ele esclarece que: 
[...] a ideia de se considerarem os indivíduos da historia tradicional em uma 
de suas variações localizadas é análoga à ideia de se ler nas entrelinhas de 
um determinado documento, ou entre as figuras de um quadro, para discernir 
significados que previamente escaparam da explicação; ou a verdadeira 
importância daquilo que antes parecia ter surgido meramente por 
circunstâncias ou necessidade; ou o papel ativo do individuo que antes 
parecia simplesmente passivo ou indiferente. [GRIFO NOSSO]26 
 
A potencialidade de observação que a micro-história proporciona é bastante 
expressiva. Por isto, o seu uso se tornou indispensável para este trabalho. Os aposentados do 
povoado de Santa Quitéria fizeram e fazem parte da história do trabalho do município de 
Itaberaba. Eles também roçaram, plantaram, colheram, venderam seus produtos e sua força de 
trabalho, resistiram... se aposentaram; enfim, todos participaram do sistema social em 
vigência, e também contribuíram, cada um ao seu modo, para movimentar as engrenagens 
daquele sistema – um foi vaqueiro, outra não quis ou não pôde mais trabalhar quando se 
aposentou, o outro foi obrigado a abandonar o trabalho diário na lavoura devido a um 
problema de pele, há o que não pôde casar, mas todos têm algo em comum: foram lavradores. 
Estas informações sugerem que seria muito difícil, e até mesmo imprudente, generalizarmos 
as diferenças que existiam entre os camponeses. Feita estas observações, prossigamos. 
A interpretação do Sr. José Fraga sobre o que seria “trabalho” está intimamente ligada 
às atividades na roça, por isso dizer que “Só não trabaio agora porque não guento mais”. 
Trabalho, para ele, seriam as atividades que são comercializadas e vendidas. Os afazeres da 
casa, do cotidiano, não remunerados, não se encaixariam nesta concepção. 
 A aposentadoria por idade não impossibilita o trabalhador rural de manter suas 
atividades no campo: o que lhe dá direito a aposentadoria é a sua idade, e não a incapacidade 
física. A aposentadoria é baseada na média de vida da população, logo, aqueles que têm idade 
igual ou superior a 60 anos, passam a ser considerados velhos. 
Em sua obra A Condição Humana, Hannah Arendt analisa que o processo do trabalho 
finaliza logo de imediato em que seu produto está acabado, mas o processo do labor só 
 
25 LEVI, Giovanni. Sobre a micro-história. In. BURKE, Peter (Org.). A escrita da história: novas perspectivas. 
São Paulo: UNESP, 1992, pp. 133-161. 
26 Idem, p. 160. 
18 
 
 
 
termina com a morte. Sendo assim, o aposentado por velhice não se encontra longe do 
trabalho (labor), mesmo por que seu corpo ainda permanece em constante atividade biológica, 
seguindo assim, o “movimento cíclico da natureza”27. 
O que Arendt pretendia com essa discussão era fazer uma crítica a interpretação do 
conceito de trabalho feita por Karl Marx. Ao contrário de Marx, que não faz distinção entre o 
trabalho e labor, Arendt contrapõe outro discurso, afirmando que o trabalho é aquela atividade 
que se destina à produção de um objeto para a “durabilidade do mundo”, ou seja aquele objeto 
de uso ou de arte. “O que Marx chamou de força de trabalho é, para Arendt, força do labor: a 
força que todo homem possui por pertencer à espécie humana – uma capacidade que não 
exige qualificações especiais”28. 
Na língua portuguesa, como mostra Suzana Albornoz, trabalhar e laborar significam, 
na maioria das vezes, a mesma coisa. Pode ser uma ação que “dê reconhecimento social e 
permaneça além da tua vida; e a de esforço rotineiro e repetitivo, sem liberdade, de resultado 
consumível e incômodo inevitável”29. 
Neste trabalho não faremos distinção de trabalho e labor. Para nós, trabalhar significa 
toda atividade realizada pelo corpo, independentemente de ser remunerada ou não, requerer 
esforço físico ou não. Mesmo porque no senso comum, não há divergências entre o termo 
trabalho e labor, ambos são a mesma coisa. Além do mais, nossa pesquisa foi feita por meio 
das lembranças dos velhos trabalhadores, nas suas atividades diárias na roça e a subsequente 
aposentadoria, não é objetivo de nosso trabalho aprofundar-se no conceito do verbo trabalhar. 
Destarte, o abandono do trabalhador de suas atividades laborais remuneradas, devido à 
idade avançada, significou – em diversos casos – um momento de grande dor, porque o 
trabalho representa para o homem a própria “existência humana”30 e, a aposentadoria de certa 
forma, outorga “o estatuto de inativo e simboliza ‘a perda de um papel social fundamental – o 
 
27 ARENDT, Hannah. A condição humana. 10 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007, p.109. 
28 WAGNER, Eugênia Sales. Hannah Arendt e Karl Marx: O mundo do trabalho. 2ª edição, São Paulo: 
Ateliê Editorial, 2002, p. 96. 
29 ALBORNOZ, Suzana. O que é trabalho. São Paulo: Brasiliense, 2002, p. 09. Coleção primeiros passos. 
30 Fazemos referência a interpretação de Karl Marx sobre o significado do trabalho para a existência humana. Cf. 
JOST, Araci e SCHLESENER, Anita Helena. Trabalho e formação humana: observações acerca dos escritos 
de Marx. 6º Colóquio Internacional Marx e Engels. Disponível em: 
http://www.ifch.unicamp.br/formulario_cemarx/selecao/2009/trabalhos/trabalho-e-formacao-humana.pdf. 
Acessado em 27/11/2013. 
19 
 
 
 
de individuo produtivo –, passando a ser sintoma social de envelhecimento’”31. Por isso, 
muitos trabalhadores refutam em parar. O excesso de tempo livre tem um significado 
negativo32, principalmente na sociedade moderna33. 
Esta interpretação negativa para com a redução da produtividade do indivíduo ao 
chegar a velhice, também, está presente em Beauvoir. Os idosos têm prazer de lembrar de sua 
juventude, de sua infância, mas não do seu tempo atual, da velhice. É como se eles vivessem 
do passado.34 Ecléa Bosi35 vê esta visão de Beauvoir muito pessimista e, afirma que esta 
concepção de tempo “não se aplica a todas as pessoas”. Concordamos com Bosi de que não 
uma regra para se aplicar a todos os idosos, porém este pessimismo e o desejo pelo passado 
esteve presente em todos os nossos entrevistados. 
Além do Sr. José Fraga, percebemos o apego ao trabalho e sua representação social36 
por alguns de nossos entrevistados. Quando questionados se continuaram trabalhando na 
lavoura ou em outras atividades do campo após a aposentadoria, a resposta quase sempre era a 
mesma, em tom afirmativo e enfático: 
Trabalhava, trabalhava. Eu assim não fico quieto, fico não. Quando der faço 
uma coisa, faço outra. 37 
Trabaiano, trabaiano. Lavrador: mandioca, feijão, milho, tudo isso. (E de 
vaqueiro?) Foi muitos tempo, e fiquei lutando do mesmo jeito, não tô 
lutando hoje porque não aguento, se aguentasse tava na luta. 38 
Trabalhei foi muito, mas depois que me aposentê não trabalhei mais não. Fui 
ficando véa, ficando véa [...]39 
 
 
31 PEIXOTO, 2003, p.74 apud BERNARDO, Kátia Jane Chaves. Envelhecer em salvador: uma página da 
história (1850-1900). Tese (doutorado) - Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofiae Ciências 
Humanas, 2010, p. 122. 
32 Max Weber, identifica esta ideia negativa do ócio, como uma das bases do “espírito capitalista”. Assim como, 
o apego ao trabalho como uma necessidade humana, que o edifica perante Deus. Essa concepção de trabalho está 
mais presente na doutrina Protestante. WEBER, Max. Op. Cit. 
33 DE MASI, Domenico. O futuro do trabalho: fadiga e ócio na sociedade pós-industrial. Tradução de Yadyr 
A. Figueiredo. - Rio de janeiro: José Olímpio; Brasília, DF: Ed. Da UnB, 1999. 
34 BEAUVOIR, Simone de. Op. Cit, pp. 453-466. 
35 BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: lembranças de velhos. 16. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2010, 
p.421. 
36 Esta representação social do trabalho que nos referimos é todo aparato cultural dos idosos sobre as atividades 
laborais do dia a dia. Representação esta que está posta a eles desde sua criação (tradição dos pais, avós, da 
comunidade) até a integração no mundo do trabalho: O trabalho edifica o “homem”; tudo que vem sem esforço 
não é bom. A representação social do trabalho sempre é positiva. 
37 Rafael Oliveira Fraga, 97 anos. Trabalhador rural do povoado de Santa Quitéria, Itaberaba – Ba. Entrevista 
concedida ao autor em 10 de maio de 2013. 
38 Justino Costa Souza, 80 anos. Trabalhador rural do povoado de Santa Quitéria, Itaberaba – Ba. Entrevista 
concedida ao autor em 11 de maio de 2013. 
39 Helena Aniceta Ramos, 85 anos. Trabalhadora rural do povoado de Santa Quitéria, Itaberaba – Ba. Entrevista 
concedida ao autor em 11 de maio de 2013. 
20 
 
 
 
As narrativas dos Srs. Rafael e Justino servem para ilustrar o imaginário negativo dos 
trabalhadores em relação ao ócio que a aposentadoria proporcionaria. Mesmo após a 
aposentadoria, os entrevistados demonstraram que ainda continuaram trabalhando, e a 
“inatividade” posterior, é um reflexo dos desgastes biológicos do envelhecimento: “se 
aguentasse tava na luta”, enfatiza Sr. Justino. No caso da Dona Helena, assim como nas 
narrativas anteriores, percebemos que a sua inatividade nos serviços do campo após a 
aposentadoria, foi reflexo da idade avançada e suas inevitáveis conseqüências, e não por causa 
do benefício previdenciário. Todos os entrevistados diferenciam o trabalhar no campo – 
remunerado – e as atividades da casa no dia-a-dia – não remuneradas. Este foi um dos 
motivos das mulheres não terem alcançado o direito ao benefício previdenciário, na mesma 
data dos homens, como veremos no próximo capítulo. Antes de entrarmos nas discussões 
previdenciárias faremos uma breve análise sobre a velhice. 
 
1.2 A velhice 
O “ser velho” conota, quase sempre, àquele que se tornou improdutivo no trabalho, o 
que guarda as memórias e a história de sua comunidade, ou aquele que receberá uma 
aposentadoria – em uma interpretação mais recente. Existem poucos estudos dos historiadores 
sobre a velhice, como aponta Kátia Jane C. Bernardo40. 
Para a autora, citando Georges Minois, existiriam duas explicações possíveis para este 
pouco interesse: “a primeira seria a representação social negativa da velhice ao longo dos 
séculos XIX e XX e, a segunda, está relacionada ao fato dos documentos que fazem referência 
às diversas épocas, integrarem os velhos no grupo dos adultos”41. Porém, este cenário 
começou a mudar, principalmente pelo aumento da população idosa no mundo e, 
conseqüentemente, o impacto disto nas relações sociais, na economia, na política e na cultura. 
 Em determinadas sociedades, eram os velhos que comandavam os ritos das 
cerimônias religiosas e festivas. Simone de Beauvoir42, ao analisar os costumes de diversas 
sociedades, pôde notar que a influência do velho variava de acordo com o grau de importância 
dada aos “conhecimentos, experiências, capacidades” que eles detinham. Beauvoir nota 
também que esta consideração perante os mais velhos, aumentava ou diminuía segundo o 
 
40 BERNARDO, Kátia Jane Chaves. Op., Cit. 
41 MINOIS, Georges. História da velhice no ocidente: da Antiguidade ao Renascimento. Lisboa: Teorema, 
1999.BERNARDO Apud Kátia Jane Chaves. Op., cit., p.40. 
42 BEAUVOIR, Simone de. Op. Cit. 
21 
 
 
 
estilo de vida adotado por certa região: nas sociedades nômades, era bem menos visto do que 
nas sedentárias. Nas sociedades baseadas na tradição oral, o idoso gozava de mais poder 
social do que nas comunidades onde a escrita já havia se desenvolvido; nas localidades onde a 
magia e o medo dos “quase mortos”, mais do que onde a ciência havia se desenvolvido; para 
o velho que conseguia acumular fortuna, seu prestígio era maior do que velhos pobres; onde 
as leis tinham se institucionalizado, mais do que nas sociedades que onde a lei era “cada um 
por si”. 
Portanto, a condição do velho sempre foi determinada pela sociedade em que viveu (e 
vive). “Além de ser um destino do indivíduo, a velhice é uma categoria social”, diria Ecléa 
Bosi43, concordando com Beauvoir, quando esta afirma que “a velhice não poderia ser 
compreendida senão em sua totalidade; ela não é somente um fato biológico, mas também um 
fato cultural”, assim “definir o que é para o homem progresso ou regressão supõe que se tome 
como referência um determinado fim; mas nenhum é dado a priori, no absoluto”44. 
Em suas pesquisas, Ramos45, nota que existem várias formas de velhice: cronológica 
ou censitária, burocrática, fisiológica, psicológica ou subjetiva. Além destas, ele acrescenta a 
velhice excluída, a pseudo-velhice e a velhice precoce. Sendo que cada um destes conceitos, 
pertence a um grupo ou contexto específico, variando entre o biológico, o psicológico e o 
social. 
A velhice cronológica tem uma conotação de mera formalidade. É através desta que 
seguimos o calendário do tempo: infância, adolescência, maturidade, idoso. A velhice 
burocrática é aquela idade determinada pelo governo para a concessão de aposentadoria. Esta 
idade varia de país para país. No Brasil, segundo a legislação vigente, a pessoa que vive na 
zona urbana e tenha a idade de 65 anos (homem) e 60 anos (mulher) tem o direito à 
aposentadoria. Para os trabalhadores da zona rural estas idades decaem 5 anos, para cada 
gênero, 55 anos se for mulher e 60 anos se for homem.46 
A velhice fisiológica segue a lógica biológica humana (nasce, cresce, reproduz e 
morre). Esta fase é inevitável e irreversível. Aqui o ser humano demonstra os sinais mais 
 
43 BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: lembranças de velhos. 16. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2010, 
p.77. 
44 Idem, p. 20. 
45 RAMOS, Paulo Roberto Barbosa. Fundamentos Constitucionais do direito à velhice. 2002 
46 Desde que haja a devida comprovação de contribuição de 180 meses com a previdência social, no caso do 
trabalhador urbano. E comprovação 180 meses de atividades rurais, para os trabalhadores rurais, para este 
segurado a comprovação se dará através de documentos de terra, comprovantes compra de mercadorias e 
utensílios de trabalho, entre outros. Ver Aposentadoria Por Idade, em 
http://www.previdencia.gov.br/conteudoDinamico.php?id=15. Acessado em: 11/12/2012. 
http://www.previdencia.gov.br/conteudoDinamico.php?id=15
22 
 
 
 
acentuados de desgaste físico e mental, tornando-se desta forma, menos produtivo em suas 
atividades laborais. Os efeitos do processo do envelhecimento biológico são evidentes. 
Através dos estudos de Beauvoir, podemos citar entre os mais diversos impactos desta fase da 
vida: o embranquecimento e queda dos cabelos; diminuição da resistência física; perda de 
elasticidade do tecido dérmico subjacente, fazendo com que a pele se enrugue; o coração 
perde a sua capacidade de adaptação, fazendo com que o indivíduo reduza suas atividades; os 
músculos atrofiam-se prejudicando a locomoção; diminuem os desejos sexuais; entre outros. 
Ao contrário da velhice fisiológica, a velhice subjetiva pode ser determinadapor 
aquele período, como o próprio nome diz, onde a pessoa se autoclassifica ou é rotulada como 
velha, “seus comportamentos e valores não são mais compatíveis com os que predominam na 
sociedade”47. Neste sentido, Norberto Bobbio, em O tempo da memória, coloca: 
Biologicamente, considero que minha velhice começou no limiar dos oitenta 
anos. No entanto, psicologicamente, sempre me considerei um pouco velho, 
mesmo quando jovem. Fui velho quando era jovem e quando ainda me 
considerava jovem até há poucos anos. Agora penso ser mesmo um velho-
velho.48 
 
Na velhice excluída, estariam “aqueles velhos que sobrevivem nos meios rurais, 
suburbanos ou urbanos após o êxodo, as migrações, depois da exaustão de sua capacidade 
produtiva.”49. A pseudovelhice é compreendida por aquela idade onde o profissional não 
encontra mais emprego, geralmente a partir dos 40 anos, motivado pela pequena quantidade 
de vagas disponíveis ou pela pouca qualificação profissional. Esta pseudovelhice está 
relacionada à auto rotulação do indivíduo, como um “ser velho”. Ele não foi acometido pela 
velhice (desgaste físico e psicológico), mas devido às imposições da sociedade capitalista que 
visa o lucro, ele talvez não tenha a mesma força de trabalho, que alguém mais jovem tenha. 
Ou seja, ao mesmo tempo que está relacionado a uma interpretação pessoal, também está 
ligada às regras do mercado de trabalho, do empregador. 
Outra categoria de velhice é a velhice precoce. Nesta sim, há o desgaste físico e 
mental prematuro da pessoa, devido às péssimas condições de trabalho e econômicas, ou 
devido ao ambiente em que vive. 
 
47 RAMOS, Paulo Roberto Barbosa. Op., Cit., 24. 
48 BOBBIO, Noberto. O tempo da memória: De senectute e outros escritos autobiográficos. Rio de Janeiro: 
Campus, 1997, p. 18. 
49 RAMOS, Paulo Roberto Barbosa. Op., Cit., p.25. 
23 
 
 
 
Como podemos perceber, existem várias formas de conceituar a velhice, pois esta 
depende de uma série de fatores internos e externos ao indivíduo. Apesar de ser uma etapa 
natural do homem, pode ser também compreendida como algo socialmente imposto (idade da 
aposentadoria, por exemplo), uma identificação individual de cada ser humano ou uma 
construção cultural, em que se determinam os fatores necessários para que os indivíduos 
sejam classificados como velhos. Os fatores biológicos e culturais estão intimamente 
interligados. Nota-se ainda que, o processo de envelhecimento direciona o indivíduo a uma 
perda da capacidade de se adaptar ao meio ambiente, ou seja, a dificuldade cada vez maior 
deste indivíduo se adaptar ao meio onde ele vive. É como se a velhice fosse um conjunto de 
perdas sociais, psicológicas, motoras e afetivas.50 
Todos os indivíduos estão vulneráveis aos efeitos do envelhecimento e a velhice. 
Portanto tornou-se indispensável o amparo dos governos a este grupo social51. Neste trabalho 
demos atenção aquela velhice classificada como burocrática, onde o trabalhador passa a ter o 
direito à aposentadoria, com ênfase nos trabalhadores rurais. Veremos, mais adiante, os 
efeitos desta aposentadoria no imaginário dos nossos entrevistados. 
Acreditamos que, aquela diferença de idade de se aposentar dos trabalhadores urbanos 
e rurais, é muito significativa devido à própria natureza penosa do trabalho camponês52, as 
condições insalubres aos quais estão expostos estes trabalhadores, a falta da prestação de 
serviços de saneamento básico, serviços médicos, entre outros agravantes. 
As expectativas de vida nas sociedades variam de acordo com as condições do 
ambiente aos quais aquelas populações estão expostas. Salgado53, em seus estudos, aponta 
que os seres humanos em condições favoráveis de sobrevivência, teriam possibilidade de 
viver por pelo menos cento e vinte anos de idade. É possível notar esta evolução da 
expectativa de vida mundial, nos seguintes dados históricos apontados por Simone de 
Beauvoir: 
 
50 NETTO, Papaléo, Apud RODRIGUES, Lizete de Souza; SOARES Geraldo Antonio. Velho, idoso e terceira 
idade na sociedade contemporânea. Revista Ágora, Vitória, n.4, 2006, p.2. 
51 Cf. RAMOS, Paulo Roberto Barbosa. Op., Cit., pp.14-35. 
52 O trabalho penoso é interpretado por “aquele que pode ser definido como inadequado às condições físicas e 
psicológicas dos trabalhadores, provocando um incômodo, sofrimento ou desgaste à saúde do trabalhador no 
ambiente de trabalho, este por sua vez, superior ao decorrente do trabalho normal, não se confundindo com o 
perigoso e nem o insalubre, mas podendo somar-se a estes por ter um reflexo maior na vida do trabalhador, 
carecendo de regulamentação em nosso ordenamento jurídico”. Cf. MARCUS, Douglas. A Tutela Jurídica no 
Meio Ambiente do Trabalho Penoso e a Necessidade de Regulamentação do adicional Previsto no Artigo 
7.º, inciso XXIII da Constituição Federal. Disponível em: 
http://professordouglasmarcus.blogspot.com.br/2010/02/tutela-juridica-no-meio-ambiente-do.html. Acessado em 
11/06/2013. 
53 SALGADO, Marcelo Antonio. Velhice, uma nova questão social. 2.ªed. São Paulo: SESC-CETI, 1982. 
24 
 
 
 
[...] era de 18 anos entre os romanos; de 25 anos no século XVII. [...] Em 
cem crianças, vinte e cinco morriam antes de um ano, outras vinte e cinco 
antes dos 20, e vinte e cinco entre 20 e 45 anos. Uma dezena apenas atingia 
60 anos. [...] No século XVIII, a expectativa de vida na França era de 30 
anos. Durante longos séculos, a proporção dos indivíduos de mais de 60 anos 
variou muito pouco: em torno de 8,8%. O envelhecimento da população 
começou, na França, no fim do século XVIII, e, um pouco mais tarde, o 
mesmo fenômeno produziu-se em outros países. Em 1851, havia na França 
10% de pessoas idosas de mais de 60 anos; há agora perto de 18%, ou seja, 
9.400.000, das quais a metade pertence à população rural. [...] Acima de 65 
anos, contavam-se na França, em outubro de 1969, 6.300.000 pessoas... [...] 
Segundo um relatório feito em setembro de 1967, a proporção de pessoas de 
mais de 65 anos passou, entre 1930 e 1962, de 7,6% a 10,6%, nos seis países 
do Mercado Comum; e de 7,8% a 11,5% no conjunto constituído pelos 
países escandinavos, a Grã-Bretanha e a Irlanda. Nos EUA, contam-se 16 
milhões de pessoas de mais de 65 anos, o que representa 9% da população, 
enquanto a taxa era de 2,5% em 1850, e de 4,1% em 1900. [...] Os países 
subdesenvolvidos são, ao contrário, países jovens. Em muitos deles, a taxa 
de mortalidade infantil permanece muito elevada; [...] Em certos países, a 
metade da população tem menos de 18 anos de idade. Nas Índias, há 3,6% de 
velhos; mais ou menos 2,45% no Brasil; 1,46% no Togo.54 
 
Estes resultados são reflexos dos avanços tecnológicos e científicos, principalmente na 
área da medicina ao longo dos anos. O que se percebe, é um constante aumento na 
longevidade dos indivíduos em países desenvolvidos, e também em países em 
desenvolvimento. No caso do Brasil, que na análise de Beauvoir, provavelmente tomando 
como referência os dados censitários do final da década de 1960, a população de idosos girava 
em torno dos 2,45%, merecendo, ainda, um título de país de jovens. Quatro décadas depois, 
esta realidade brasileira é totalmente diferente, pois o país possuía “mais de 8% de sua 
população com mais de 60 anos”55, tornando-se um país de velhos.56 
Apesar do valor dado ao trabalho, não esqueçamos que a aposentadoria também 
provocou na sociedade um impacto bastante expressivo, sendo um dos benefícios mais 
aguardados pelos trabalhadores na ativa e, tornando-se uma das maiores conquistas histórico-
trabalhistas. Nesse sentido, buscaremos compreender como se deu a estruturação dos 
processos de aposentadoria no Brasil, focando no caso dos trabalhadores rurais. Tentaremos, 
no capítulo 2, mostrar uma síntese da organização da Previdência Socialno país. Mas, antes 
disso, veremos qual a interpretação dos idosos entrevistados sobre o trabalho e a velhice. 
 
54 BEAUVOIR, Simone de. Op., cit., 271-273. 
55 RAMOS, Paulo Roberto Barbosa. Op., Cit. 
56 Para um país ser considerado país de velhos é necessário ter uma população com 60 anos de idade acima dos 
7% da população total. RAMOS, Paulo Roberto Barbosa. Fundamentos Constitucionais do direito à velhice. 
2002. 
25 
 
 
 
1.3 Homens e mulheres de Santa Quitéria: experiências na roça 
Como bem nos esclarece Ecléa Bosi, “a velhice não existe para si mas somente para o 
outro. E este outro é opressor”57. De acordo com esta afirmação, podemos compreender que a 
velhice está ligada diretamente ao que a sociedade impõe aos indivíduos que fazem parte dela. 
No caso dos nossos idosos entrevistados, eles se vêem como velhos - Fui ficando véa, ficando 
véa, afirmou Dona Helena -, com base naquilo que é imposto a eles. É uma construção. E o 
indicativo maior da velhice é a fadiga e as dificuldades para realização dos trabalhos. O 
indivíduo sai de uma vida ativa, para uma vida contemplativa58. Quando não podiam mais ir à 
roça, restaram aos velhos os afazeres da casa. Para a idosa que, acostumada com os cuidados 
do lar, além das atividades na roça, não sentira o peso deste afastamento. 
O homem idoso, porém, devido a própria cultura patriarcal ao qual vivemos, se sentiu 
deslocado, excluído e, porque não, humilhado. Tanto pelo fato de não poder trabalhar mais na 
roça, quanto pela obrigação de ficar em casa. “O velho sente-se um indivíduo diminuído, que 
luta para continuar sendo um homem”, reforça Ecléa Bosi59. 
As “vantagens” de estar aposentado, na concepção dos entrevistados, não estavam 
ligadas ao ócio. Muito pelo contrário. A idade avançada obrigava-os a parar. E o valor 
recebido como aposentadoria nem era tão expressivo assim: 
O valor nesse tempo era barato. Nesse tempo nós tirava era 100, cento e 
pouco. Agora foi que melhoro, né não. Quando a gente se aposento era 
barato. [...] Não dava mais era o jêto. E era a valença, era a valença. Tinha 
que trabalhar porque não dava, não dava. Hoje o salário aumentô, a gente 
tem que trabalhar, quem não trabalha é eu, que não aguento mais.60 
 
Era bestera, era bestera, negócio de 20 ou 30 reais, naquele tempo era isso, 
era quanto eu recebia. Naquele eu acho que era cruzeiro. Não dava não, de 
jeito nenhum. Era bestera mesmo que a gente recebia.61 
 
Era pouco, era pouco. Não dava não. Agora que é agora não tá dano.62 
 
57 BOSI, Ecléa. Op., Cit., p. 19. 
58 O ato de lembrar é mais difícil para o idoso ativo, do que para aquele que não está no mundo do trabalho. A 
vida ativa, parece limitar a evocação do passado, o indivíduo está mais preso ao presente. Os idosos que não 
trabalham mais tem uma facilidade maior de narrar o passado. BOSI, Ecléa. Op. Cit., p. 479. 
59 BOSI, Ecléa. Op. Cit., p. 79. 
60 Justino Costa Souza, 80 anos. Trabalhador rural do povoado de Santa Quitéria, Itaberaba – Ba. Entrevista 
concedida ao autor em 11 de maio de 2013. 
61 Rafael Oliveira Fraga, 97 anos. Trabalhador rural do povoado de Santa Quitéria, Itaberaba – Ba. Entrevista 
concedida ao autor em 10 de maio de 2013. 
62 Helena Aniceta Ramos, 85 anos. Trabalhadora rural do povoado de Santa Quitéria, Itaberaba – Ba. Entrevista 
concedida ao autor em 11 de maio de 2013. 
26 
 
 
 
Não. Era um (risos), nessa data era um salariozinho fraco, nem lembro 
quanto era. Era um salário... quando me encoste era um salário e meio. 
Agora quando passou pro... pra aposentadoria inda levei uns tempo 
ganhando um salário e meio, depois cortaro o meio salário.63 
 
O valor era pequeno, insuficiente para manter as despesas de casa e, “Tinha que 
trabalhar porque não dava, como afirma Sr. Justino. Mas era um benefício indispensável e 
necessário naquela idade. O Sr. José recebeu inicialmente um salário e meio como benefício. 
O motivo para isso foi que ele recebia por auxílio doença, e só depois recebeu a aposentadoria 
de fato. Acometido por uma doença de pele, não pode mais trabalhar na roça, atividade que 
requer uma grande exposição ao sol. 
Um ponto que diferimos de alguns trabalhos analisados sobre a aposentadoria na roça, 
é a aproximação dos parentes aos velhos aposentados. Em nossa pesquisa, essa aproximação 
não foi notada, tanto na atualidade, quanto durante os primeiros anos da aposentadoria. Eles 
relatam uma vida solitária, tendo companhia apenas o seu cônjuge64. Por outro lado, diminuiu 
o êxodo rural – uma das principais propostas da criação dos benefícios sociais na zona rural. 
Todos os idosos entrevistados revelaram nunca ter querido sair da zona rural, porém com 
outra justificativa, que não estava ligada ao fator econômico: a cultura65. 
Os nossos entrevistados argumentaram ter vivido toda a vida na roça, no povoado de 
Santa Quitéria, “nasci e me criei aqui”, afirmam eles. A representação que estes indivíduos 
têm do espaço em que vivem, tem uma significação maior que as dificuldades encontradas por 
eles no dia-a-dia, como por exemplo, a necessidade de deslocamento para a cidade para 
realização de procedimentos médicos, ou para sacar a aposentadoria mensalmente. A 
resistência à saída do campo, não somente está ligada a cultura destes idosos, ao seu 
pertencimento no grupo, as práticas camponesas, mas também representa a própria existência 
do ser: as suas lembranças. “O que seria desse ‘eu’, se não fizesse parte de uma ‘comunidade 
 
63 José Oliveira Fraga, 89 anos. Trabalhador rural do povoado de Santa Quitéria, Itaberaba – Ba. Entrevista 
concedida ao autor em 15 de maio de 2013. 
64 Há trabalhos que mostram o inverso como por exemplo: ALBUQUERQUE, Francisco José B, et al., 1999, 
Universidade Federal do Rio Grande do Sul; RODRIGUES, Lizete de Souza; SOARES, Geraldo Antonio. 
Velho, idoso e terceira idade na sociedade contemporânea. Revista Ágora, Vitória, n.4, 2006, p. 1-29. Nestas 
pesquisas os autores afirmam que quando o idoso é aposentado a família fica mais próxima a ele, devido a 
estabilidade financeira que a aposentadoria proporciona. 
65 Embora a aposentadoria tenha incentivado os idosos a permanecerem na zona rural, nem todos seguiram este 
padrão, este vínculo incondicional com a terra não foi unânime. Para alguns a saída da zona rural foi crucial para 
sua sobrevivência e na melhoria de vida (SANTANA, 1998). 
27 
 
 
 
afetiva’ de um ‘meio efervescente’ – do qual tenta se livrar no momento em que ‘lembra’?”66. 
Neste mesmo sentido Pereira, acrescenta: 
Os seres humanos se constroem como sujeitos a partir dessa capacidade de 
fabular suas histórias e narrá-las. Assim, cada um vai tecendo sua história e 
se construindo simbolicamente. Ao contar nossas histórias de vida, 
metaforizamos e nos recriamos através das lembranças das imagens que vão 
se formando do nosso eu e das experiências vividas nos diversos contextos e 
situações.67 
 
Isto se confirma nos momentos das entrevistas, onde os narradores são indagados 
sobre “o porquê” de viver na roça. Assim Sr. Justino responde: 
Não, eu gosto muito da roça, eu gosto muito da roça. Eu tô aqui, mas é 
porque não aguento, mas, se não, eu tava na fazenda, mexendo lá com o que 
é meu, lutano: rancando pé de mato; lutano com a rês; lutano com isso, 
lutano com aquilo. Agora do comércio nunca gostê não. Sempre o lugar, 
gostava da roça, de minha luta. Mas a roça é superior. Gosto de cidade 
quando vou comprar coisa. Comprê, voltei pra trás.68 
 
O Sr. José, com a mesma ênfase coloca: 
Não. Porque toda vida nasci e me criei na roça. Só entendo serviço do 
campo, a cidade pra mim era pra eu fazer a feira e voltar. Não é a mesma 
coisa daqui. Não, eu não tinha cabeça pra isso, não tinha condição pra isso, e 
eutoda vida fui um homem nascido e criado dentro do mato, só o que eu 
sabia entender era trabalhar roça, era criar, era ser vaqueiro, era essas coisa, 
o serviço que eu sei da fazenda.69 
 
Vemos nestas falas o grande sentimento de pertença ao lugar, que eles tinham pela 
roça. Fica mais evidente ainda, que esta afetividade estava ligada diretamente ao trabalho, 
“[...] tô aqui, mas é porque não aguento, mas, se não, eu tava na fazenda, [...] rancando pé de 
mato; lutano; lutano com a rês; lutano com isso, lutano com aquilo.”, como esclarece Sr. 
Justino. De forma igual Sr. José acrescenta, “[...] fui um homem nascido e criado dentro do 
mato, só o que eu sabia entender era trabalhar roça, era criar, era ser vaqueiro, era essas 
coisa, o serviço que eu sei da fazenda”. Isto representa o valor dado, pelas sociedades rurais 
ao trabalho, embora o cotidiano da comunidade seja composto de uma série de hábitos e 
 
66 DUVIGNAUD, Jean. Prefácio. In. HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Centauro, 
2003, Prefácio, p.12 
67 PEREIRA, Áurea da Silva. Narrativas de vida de idosos: memórias, tradição oral e letramento. Salvador: 
EDUNEB, 2013, p. 97. 
68 Justino Costa Souza, 80 anos. Trabalhador rural do povoado de Santa Quitéria, Itaberaba – Ba. Entrevista 
concedida ao autor em 11 de maio de 2013. 
69 José Oliveira Fraga, 89 anos. Trabalhador rural do povoado de Santa Quitéria, Itaberaba – Ba. Entrevista 
concedida ao autor em 15 de maio de 2013. 
28 
 
 
 
costumes familiares, religiosos, festivos, e outros fatores, os quais são determinantes para a 
construção de uma idéia de pertencimento social. 
Este “assumir-se” como pertencente a um espaço e grupo “‘é uma referência 
necessária na construção da idéia de pertencimento do sujeito às suas pré-condições de vida, 
ou seja, a nossa auto-compreensão humana como co-existentes em um cosmos e em um 
eikos’”70. Observamos então que, “[...] naquele espaço se criou laços pessoais de sentimento 
mútuo que fazem com que as pessoas se sintam participantes de um espaço-tempo comum.”71. 
Lembrar-se do tempo em que se dedicavam àquelas atividades rurais, provoca nos 
idosos uma nostalgia da sua juventude, mesmo com todo o sofrimento do labor diário no 
campo. Para alguns deles, as lembranças que se destacam ao rememorarem, são aquelas 
ligadas “àquilo que perderam”: sua força de trabalho. Como bem coloca Ecléa Bosi, “o 
passado pode ocupar todo o espaço mental do sujeito, como no caso dos velhos, enfermos e 
aposentados72. 
 Porém, este “prazer” pelo trabalho não foi unânime entre os entrevistados. 
Percebemos que este sentimento era maior, entre os entrevistados do sexo masculino. As 
mulheres aposentadas, pelo contrário, expressaram a labuta diária como algo que causava dor 
muito intensa, como é o caso da Dona Helena: 
Minha mãos meu fí andava cheia de calo, era de enxada, enxadeta. Nosso 
trabai, trabaiava, saía sete hora da manhã e vinha chegar cinco hora da tarde. 
Chegava, tinha dia que não guentava nem cassar o que comer, de cansada... 
pra criar fio, mas depois que me aposente, graças a Deus!, aí meiorê mais um 
pouco, também não melhorê mais não porque a idade foi chegano, foi 
chegano, até quando a véa descaiu mermo.73 
 
Na fala da Dona Helena explicitam-se as dificuldades passadas por estes trabalhadores 
na roça. As mãos calejadas, reflexos do duro trabalho das atividades do campo, uma rotina de 
dez horas diárias de trabalho, eram consequências necessárias para que ela pudesse criar seus 
filhos. A lembrança feliz da Dona Helena, não estava no trabalho, mas sim no momento que 
se aposentou, “mas d’epois que me aposentê, graças a Deus! Aí meiorê mais um pouco”, 
como enfatiza. Porém, a sua infelicidade retornou junto com chegada da idade avançada, 
 
70 MOURÃO, 2005 apud PEREIRA, Áurea da Silva. Op., Cit., p. 102. 
71 PEREIRA, Áurea da Silva. Op., Cit., Idem. 
72 BOSI, Ecléa. Op., Cit., p. 68. 
73 Helena Aniceta Ramos, 85 anos. Trabalhadora rural do povoado de Santa Quitéria, Itaberaba – Ba. Entrevista 
concedida ao autor em 11 de maio de 2013. 
29 
 
 
 
“não melhorê mais não porque a idade foi chegano, foi chegano, até quando a véa descaiu 
mermo.” 
Diferente da Dona Helena, a Dona Valdomira disse nunca ter trabalhado na lavoura, 
apenas nas tarefas domésticas, na casa dos pais. Assim ela argumenta: 
Não, só... só trabalhei dentro da casa dos meus pai, dos meu pai, e tô até hoje 
no verso. Graças a Deus! Ele sozinho trabaiava. Por que ele nunca me botou 
na enxada, não.... Meus pai, nunca me criou pro... me criar, mas não... ne 
enxada. Meu pai trabaiava, muntava brabo, animá brabo, tudo, tudo ele fazia, 
agora eu não, nem fazia e nunca me tiro de dentro de casa, Pra dizer... vá 
trabalhar pra ganhar...o dia não, graças a Deus!74 
 
Sobre a vida de casada, Dona Valdomira, esclarece que seu marido não a forçava a 
trabalhar: “Agora, eu é que ele nunca me boto pra botar, nem uma agulha. Você bota a 
agulha aqui... morreu vigi... nem a mim e nem meu filho”. 
O exemplo da Dona Valdomira expressa uma realidade muito diferente da Dona 
Helena, apesar da situação desta última ter sido dificultada – assim acreditamos – devido a 
sua separação do seu marido75, sendo obrigada a cuidar dos filhos sozinha. Provavelmente, o 
marido da Dona Valdomira entendia que os trabalhos do campo eram para os homens, e não 
para as mulheres. A alusão que ela usa “ele nunca me boto pra botar, nem uma agulha”, 
talvez signifique a não imposição dos afazeres fora de casa. 
A situação da mulher na roça era diversa, mas na maioria das vezes o seu trabalho era 
visto como inferior ou como atividade de apoio. Esta interpretação se expressa na seguinte 
fala do Sr. José: 
A mulé de casa, não trabalhô ne roça. Minha roça era pouca, o que tinha 
mais era criatório, assim, dentro do currá, quando não tinha uma pessoa pra 
mim ajudar, ela me ajudava, sigurava a corda de uma vaca, e me ajudava dá 
cabrito pras cabras, fazia essas coisa, servicinho de dentro de casa. Agora 
nunca foi mulé de levar pra roça não. Quando eu fazia uma roça, sempre 
eu... Deus sempre ajudava que eu tinha condição de pagar quem me 
ajudasse. 
 
Observemos a pouca importância dada pelo Sr. José ao trabalho da mulher, definindo 
sua atividade doméstica como “servicinho de dentro de casa”. Por outro lado, um outro 
 
74 Valdomira Fraga de Oliveira, 103 anos. Dona de casa, povoado de Santa Quitéria, Itaberaba – Ba. Entrevista 
concedida ao autor em 15 de maio de 2013. 
75 A D. Helena Aniceta não culpou as dificuldades que passou devido a sua separação do marido, além do mais 
ela não trouxe na entrevista as datas que estes eventos aconteceram, mas durante o depoimento a mesma deixou 
transparecer que a separação se deu muito antes de sua aposentadoria. 
30 
 
 
 
exemplo, desta vez do Sr. Justino, coloca a sua esposa e filhas como mãos de obra úteis, e 
necessárias, na labuta na lavoura. Desta forma relata o Sr. Justino: “Trabaiava na lavoura, na 
roça, todas elas. Elas trabaiava pra mim, e eu me virava. Elas morava tudo dentro de casa, 
eu é tinha que dá o sustento nera”. 
O Sr. Justino achava importante a participação da esposa e filhas na lavoura, mas com 
um detalhe, “Elas trabaiava pra mim, e eu me virava.”, ou seja, elas deveriam trabalhar, mas 
dentro do ambiente familiar, submetidas às ordens e à supervisão dele. Estes são sinais de 
uma sociedade patriarcal, em que a mulher tinha pouca ou nenhuma independência na tomada 
de decisões. Porém, a força de trabalho feminina esteve presente no desempenho das tarefas 
da roça, ora no preparo dos alimentos, ora na plantação, na colheita e no cuidado dos animais 
de criação. E isto se deu não apenas no espaço privado familiar – na sua própria roça –, mas 
também naprestação de serviços para terceiros: “Eu trabaiava uma semana ne minha roça, 
uma semana fora, era assim, mais mais era ne minha roça mermo”, como expôs a Sr. Helena. 
Os idosos estavam habituados ao trabalho, a perda da capacidade laborativa os 
privaram daquilo que mais valorizavam: O trabalho. O lembrar dos momentos de trabalho na 
lavoura ou na criação de animais são ao mesmo tempo prazerosos e dolorosos. Prazerosos, 
porque quando lembram eles não apenas visualizam o trabalho na roça, mas, também, a sua 
juventude, a mocidade, as festas, as brincadeiras e tudo aquilo que está ligado ao seu 
“passado”, que não volta mais. Por outro lado, lembrar é doloroso exatamente pelo fato de 
não terem o mesmo vigor que tinham quando jovens e isso traz uma carga negativa muito 
grande, muito sofrimento. O lembrar, enfatiza Bosi, “não é reviver, mas re-fazer”76 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
76 BOSI, Ecléa. Op., Cit., p. 20. 
31 
 
 
 
CAPÍTULO II 
LEGISLAÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOCIAL NO BRASIL: BASES PARA 
A FORMAÇÃO SINDICAL RURAL 
 
 
2.1 Breve histórico da previdência social no Brasil 
Vimos no Capítulo I a representação do trabalho e da velhice para os nossos cinco 
trabalhadores rurais do povoado de Santa Quitéria, frente ao momento do gozo da 
aposentadoria. Nesta sessão, abordaremos o processo que passou a previdência social no 
Brasil até chegar ao momento em que objetivamos neste trabalho, que são os reflexos da 
criação do Estatuto do Trabalhador rural (ETR), pela Lei 4.214/1963 e da aprovação da Lei 
Complementar número 11/1971, que criou Programa de Assistência ao Trabalhador Rural 
(PRORURAL). Nosso limite é o ano de 1988, com a promulgação da Constituição Brasileira, 
em que solidificará todos os direitos conquistados até aquele momento e criou outros. 
O início da Previdência Social no Brasil tem como marco a Lei Eloy Chaves, em 
1923, pelo decreto lei 4.682.77 Existiram projetos anteriores, porém, todos destinados a 
categorias de profissionais do governo, militares ou da elite brasileira.78Foi a partir do decreto 
lei 4.682/1923 que outras categorias profissionais, não elitizadas, passaram a ser assistidas 
pelos benefícios assistenciais e previdenciários. Este decreto, criava Caixas de Aposentadoria 
e Pensões (CAPs) por categoria profissional ou empresa, a nível nacional. 
A primeira Caixa de Aposentadoria foi a dos ferroviários. Depois foram criadas as 
Caixas de Aposentadoria e Pensões dos portuários, em 1926; dos serviços telegráficos e 
radiográficos, em 1928; a dos serviços de força, luz e bondes, em 1930; a dos demais serviços 
 
77 HADDAD, Eneida Gonçalves de Macedo. O direito à velhice: os aposentados e a previdência social. – São 
Paulo: Cortez, 1993. (Coleção questões da nossa época; v.10); RAMOS, Paulo Roberto Barbosa. Op., Cit. 
78 N’O Panorama da Previdência Social Brasileira há registros sobre tais iniciativas, como por exemplo o plano 
de proteção aos oficiais da Marinha e seus dependentes de 1793; um decreto do Príncipe Regente Pedro de 
Alcântara, do ano de 1821, onde tratava o tema Previdência Social; o MONGERAL, que era um programa 
destinado aos funcionários do Ministério da Economia. Cf. Panorama da Previdência Social brasileira — 3. 
ed. — Brasília: MPS, SPS, SPC, ACS, 2007. 80p. Disponível em: 
http://www.previdencia.gov.br/arquivos/office/3_090126-092058-729.pdf. Acesso em: 18 ago. 2012. 11:06; 
KRETER, Ana Cecília de Medeiros. Avaliação da eficácia e da equidade das aposentadorias no meio rural. 
Piracicaba, 2004. 85 p. Dissertação (Mestrado) – Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, 2004, pp. 28-
29 
 
32 
 
 
 
públicos explorados ou concedidos pelo poder público, em 1931; dos anos de 1932 a 1934 
foram criados também as Caixas dos trabalhadores das empresas de mineração e transporte 
aéreo. Haddad79, Kreter80 e Ramos81 notam que chegou a existir 183 Caixas de 
Aposentadorias e Pensões implantadas no Brasil. 
Nos últimos anos da década de 1930, foram criados os Institutos de Aposentadoria e 
Pensões (IAPs). A partir dos IAPs as categorias que outrora eram representadas 
separadamente começam a se unificar. Cada IAP representava uma categoria profissional. 
Haddad82 chama a atenção que o esquema de funcionamento dos CAPs se diferenciavam dos 
IAPs, pois com a criação destes, a cobertura previdenciária se estendia às categorias urbanas e 
não mais por empresas. Além disso, as CAPs eram geridas pela sociedade civil, já os IAPs 
constituíram-se como autarquias, isto é, instituições geridas pelo Estado, através do Ministério 
do Trabalho, Indústria e Comércio. 
Segundo Haddad, em 1938, além de 98 CAPs existiam 5 IAPs, eram eles: o Instituto 
de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos – IAPM (1933), o Instituto de Aposentadoria e 
Pensões dos Bancários - IAPB (1934), o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos 
Comerciários – IAPC (1934), o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários – IAPI 
(do ano de 1936, mas em operação de 1938) e o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos 
Empregados em Transportes e Carga – IAPETEC (1938). Este último Instituto cobria também 
os empregados de petróleo e os condutores de veículos. Haddad acrescenta que os 
funcionários do Estado e os militares eram cobertos por sistemas separados. 
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) de 194383, apesar de ser reconhecida 
como umas das maiores conquistas para os trabalhadores do Brasil, não discutiu o tema 
previdência social rural, e também pouco satisfez as demandas e peculiaridades dos 
trabalhadores rurais84. 
Em 1960 foi sancionada a Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS), que estabelecia 
normas para a sustentabilidade dos benefícios previdenciários daqueles trabalhadores que 
 
79 HADDAD, Eneida Gonçalves de Macedo. Op. Cit. 
80 KRETER, Ana Cecília de Medeiros. Op. Cit. 
81 RAMOS, Paulo Roberto Barbosa. Op. Cit. 
82 HADDAD, Eneida Gonçalves de Macedo. Op. Cit. 
83 Decreto-lei Nº 5.452, de 1º de maio de 1943. 
84 Cf. WELCH, Clifford Andrew. A semente foi plantada: as raízes paulistas do movimento sindical 
camponês no Brasil, 1924-1964. 1ºed. São Paulo: Expressão Popular, 2010. Ver principalmente o capítulo 2. 
Preparando o solo: Tornando-se um problema burocrático, pp. 91-128. 
33 
 
 
 
exerciam atividade remunerada. Aquela lei uniformizou os direitos de todos os segurados, 
tendo como referência o padrão dos melhores IAPs. 
A unificação definitiva do sistema previdenciário brasileiro ocorreu com 
aprovação, em 1960, da Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS), 
unificando a legislação referente aos Institutos de Aposentadoria e Pensões e 
ampliando os benefícios [...]. Segundo a Lei Orgânica, os trabalhadores 
autônomos e os profissionais liberais passaram a participar do sistema 
previdenciário. Os empregadores eram, também, obrigatoriamente incluídos, 
ou seja, todos que exercessem atividade remunerada passaram a ser 
segurados.85 
 
Em 1963, foi criado o Estatuto do Trabalhador Rural, através da lei 4.214. Este 
Estatuto foi muito importante para a regulamentação do trabalho rural, mas no que tange à 
previdência social rural esta lei não surtiu efeito, tendo como principal justificativa problemas 
financeiros, nas palavras de Ferrante virou uma “carta de intenção, sem qualquer aplicação 
prática”86. Apenas em 1971, com a lei complementar nº 11, que criou o PRORURAL, os 
direitos previdenciários rurais foram colocados em prática. 
Em 1988 foi sancionada a 8ª Constituição do Brasil. O texto desta nova Constituição 
pretendia universalizar os direitos, sem distinções ou privilégios à determinada camada social. 
Não pretendemos neste trabalho, tecer considerações acerca da implementação da equidade de 
direitos prescrita pela Carta Magna, mas ainda assim podemos

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