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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO - CAMPUS XIII LICENCIATURA EM HISTÓRIA NO IMAGINÁRIO DOS VELHOS: Aposentadoria e processos de aposentação em Santa Quitéria, Itaberaba-Ba, 1971-1988 MARCELO OLIVEIRA DOS SANTOS ITABERABA-BA 2017 MARCELO OLIVEIRA DOS SANTOS NO IMAGINÁRIO DOS VELHOS: Aposentadoria e processos de aposentação em Santa Quitéria, Itaberaba-Ba, 1971-1988 Monografia apresentada ao Colegiado de História da Universidade do Estado da Bahia, Campus XIII, como requisito parcial para obtenção do grau de Licenciado em História. Orientador: Prof. Me. Rodrigo Lopes ITABERABA-BA 2017 MARCELO OLIVEIRA DOS SANTOS NO IMAGINÁRIO DOS VELHOS: Aposentadoria e processos de aposentação em Santa Quitéria, Itaberaba-Ba, 1971-1988 Monografia apresentada ao Colegiado de História da Universidade do Estado da Bahia, Campus XIII, como requisito parcial para obtenção do grau de Licenciado em História. BANCA EXAMINADORA _________________________________________________________________ Prof. Orientador Me. Rodrigo Lopes Universidade do Estado da Bahia (UNEB) _________________________________________________________________ Profa. Me. Izabel de Fátima Cruz Melo Universidade do Estado da Bahia (UNEB) _________________________________________________________________ Me. Izac Santos Evangelista Itaberaba, 14 de fevereiro de 2017. Aos velhos trabalhadores rurais de Santa Quitéria. AGRADECIMENTOS Agradeço, primeiramente, a minha família por sempre acreditarem em mim. Sei que são muito felizes pelo primeiro universitário da família. Aos amigos e colegas da faculdade (transitei por diversas turmas, uma verdadeira colcha de retalhos): Luciene, Lucy, Claudiane (ops! Cláudia), Cristiane, Joel Alves, Thaíse Alves, Liliane, Jucimara Alves (Jucy), dentre outros. Também, não poderia esquecer aos amigos Alessandro Prazeres e Juracy Queiroz Filho, companheiros de estudos e longas conversas. À todos os professores do curso de Licenciatura em História da Uneb, Campus XIII. Esta pesquisa não seria possível sem as aulas de vocês. Aos professores da banca de qualificação do primeiro capítulo (mudei tudo!), professora Cristiane Batista e professor Felipe Watarai. Levei em consideração cada dica que vocês deram. Aos professores Hamilton Rodrigues e Márcia Cury pelas contribuições durante a II Semana de História do Campus XIII. Agradecimento a professora Izabel Melo, por ter aceitado me orientar no começo desta monografia (um assunto tão chato e complexo de ser estudado). Sei do tanto que deve ter sido difícil trabalhar com a temática que escolhi. Muito sucesso com seu doutorado na terra da garoa! Ao professor Rodrigo Lopes, por ter encarado esta empreitada de ser meu segundo orientador. Deve ter sido complicado orientar um trabalho em andamento. Agradeço por cada contribuição, dicas e vírgulas (muitas vírgulas!). À equipe do NHL, na época, sobre a coordenação da professora Lígia. Aos monitores Alcione e Jander. Agradeço a Dona Helena, Sr. Justino, Sr. Rafael, Dona Floraci, Sr. José Bispo. Agradecimento especial a família do senhor José Oliveira e Dona Valdomira, ambos falecidos durante o período que a pesquisa estava em andamento (suas memórias estão cravadas em cada linha deste trabalho, não poderão ser apagadas). Enfim, a todos aqueles que contribuíram direta ou indiretamente para a efetivação deste trabalho. RESUMO A aposentadoria foi uma das grandes conquistas dos trabalhadores. Porém, este benefício foi alcançado em momentos diferentes no Brasil, a partir de 1923, para algumas categorias de trabalhadores urbanos e, apenas em 1971, para os trabalhadores rurais. O objetivo principal deste trabalho é analisar os impactos trazidos pelas obtenções de direitos previdenciários e assistenciais para os idosos do povoado de Santa Quitéria município de Itaberaba, Bahia, bem como as estratégias desenvolvidas por estes trabalhadores no intuito de conquistar estes benefícios, no período de 1971 a 1988. Por meio da análise de um dos periódicos locais, O Paraguaçu, foi possível notar que após a criação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) de Itaberaba, em 1975, atenuou-se os conflitos entre os patrões e empregados, principalmente, no que concerne a aposentadoria e ao atendimento médico. Antes desta data ambas as classes eram representadas pelo Sindicato Rural de Itaberaba, também chamado de Sindicato Patronal. Através de algumas entrevistas, foi possível notar, também, que existia, no âmbito local, uma significativa concepção de direito sobre aqueles benefícios, mesmo entre os trabalhadores que não tiveram contato direto e frequente com o STR e, foi através da posse deste conhecimento que eles, utilizaram de vários meios para alcançá-los. Nota-se nisso, um significativo grau de consciência de classe. A luz das concepções de classe de E. P. Thompson, mostramos que os trabalhadores rurais se solidarizavam uns com os outros e percebiam, que esta solidariedade era necessária para a resistência e luta contra os fazendeiros da região. Este ato era, também, uma questão de sobrevivência. O processo de “aposentação” era marcado por meios, muitas vezes, diversos do caminho normal – através da comprovação de idade e do exercício de atividade rural. Apontarei, indícios que nem todos seguiram este percurso. Alguns se aproximaram dos grandes proprietários de terra, políticos e até mesmo os pequenos proprietários de terra para conquistar os benefícios previdenciários e assistenciais. Palavras-chave: Experiência; aposentadoria rural; Sindicalismo; classe social; ABSTRACT Retirement was one of the great achievements of the workers. However, this benefit was reached at different times in Brazil, starting in 1923, for some categories of urban workers and, only in 1971, for rural workers. The main objective of this study is to analyze the impacts of the social security and welfare rights obtained for the elderly in the town of Santa Quitéria, Itaberaba, Bahia, as well as the strategies developed by these workers to obtain these benefits in the period of 1971 To 1988. Through the analysis of one of the local periodicals, O Paraguaçu, it was possible to note that after the creation of the Union of Rural Workers (STR) in Itaberaba in 1975, the conflicts between employers and employees were attenuated, In what concerns retirement and medical care. Prior to this date both classes were represented by the Itaberaba Rural Union, also called the Employers' Union. Through some interviews, it was possible to notice, also, that there was a significant conception of law on those benefits, even among workers who did not have direct and frequent contact with STR, and it was through the possession of this knowledge that They used various means to achieve them. It is noteworthy a significant degree of class consciousness. In the light of E. Thompson's class conceptions, we showed that rural workers sympathized with each other and realized that this solidarity was necessary for resistance and struggle against the region's farmers. This act was also a matter of survival. The process of "retirement" was marked by means, often different from the normal path - through proof of age and the exercise of rural activity. I will point out, indications that not all have followed this course. Some have approached large landowners, politicians and even small landowners to secure social security and welfare benefits. Keywords: Experience; Rural retirement;Syndicalism; social class. SUMÁRIO INTRODUÇÃO........................................................................................................................9 CAPÍTULO I 1 Da velhice à aposentadoria: estudo de caso em Santa Quitéria 1.1 Algumas abordagens sobre o trabalho................................................................................14 1.2 A velhice.............................................................................................................................20 1.3 Homens e mulheres de Santa Quitéria: experiências na roça.............................................25 CAPÍTULO II 2 Legislação previdenciária social no Brasil: bases para a formação sindical rural 2.1 Breve histórico da previdência social no Brasil..................................................................31 2.2 As leis 4.214/1963, LC 11/1971 e a Constituição Brasileira de 1988................................33 2.3 Previdência e Assistência social em Itaberaba....................................................................43 2.4 A legalização do STR de Itaberaba.....................................................................................51 CAPÍTULO III 3 De volta a Santa Quitéria: entre personagens e estratégias de aposentação 3.1 Aposentadorias e “aposentações”.......................................................................................61 3.2 Funrural: Assistencialismo ou não?....................................................................................66 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................74 FONTES...................................................................................................................................76 REFERÊNCIAS......................................................................................................................78 9 INTRODUÇÃO Devemos alertar ao leitor, que não objetivamos nesta pesquisa uma escrita da História do Trabalho (os processos produtivos, os conflitos de classes e as lutas dos trabalhadores). Sobre os processos produtivos na zona rural de Itaberaba, temos uma ótima produção de Silvio Santos Cerqueira da Cruz, intitulada Experiências camponesas no município de Itaberaba-Bahia (1993-2004)1. Neste trabalho, ele propõe descrever as atividades dos abacaxicultores de Itaberaba e suas experiências na roça, mostrando, principalmente, a ascensão da monocultura do abacaxi e o declínio na plantação de outros produtos (feijão, mandioca, mamona e outros) naquele período. Outro trabalho muito interessante na região sobre os trabalhadores é Vassouras paradas, lixo nas ruas, trabalhadores em movimento: o “novo sindicalismo” em perspectiva, de Izac Santos Evangelista2. Nesta obra, o autor – seguidor das teorias de experiência histórica de E. P. THOMPSON –, traz com muito esclarecimento, o movimento grevista dos garis de Itaberaba no ano de 1989, além de fazer uma análise da conjuntura sindical na década de 1980. Na contramão destas obras citadas, queremos estudar o trabalhador, mas não em seu período mais produtivo. Há uma inclinação historiográfica no estudo do trabalhador ativo durante o período de maior vigor de sua força de trabalho para a produção, do que aqueles que não podem, ou não querem (os aposentados), vender sua mão-de-obra, ficando à margem da sociedade e da história. Desta forma, nossa preocupação está muito mais ligada a experiência do trabalhador (velho) como aposentado, do que suas experiências na roça. Este desinteresse dos historiadores pelo trabalhador velho estava ligado “a representação social negativa da velhice ao longo dos séculos XIX e XX” e o “fato dos documentos que fazem referência às diversas épocas, integrarem os velhos no grupo dos adultos”3. Este cenário começa a mudar com o aumento da perspectiva de vida da população e o idoso passa a ser um problema social. Ainda assim, não há uma produção grande, na área de 1 CRUZ, Silvio Cerqueira da. Experiências camponesas no município de Itaberaba-Bahia (1993-2004). Monografia de conclusão de curso em Licenciatura em História – Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Campus XIII, Itaberaba, 2012. 2 EVANGELISTA, Izac Santos. Vassouras paradas, lixo nas ruas, trabalhadores em movimento: o “novo sindicalismo” em perspectiva. Monografia de conclusão de curso em Licenciatura em História – Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Campus XIII, Itaberaba, 2012. 3 MINOIS, Georges. História da velhice no ocidente: da Antiguidade ao Renascimento. Lisboa: Teorema, 1999. Apud BERNARDO, Kátia Jane Chaves. Envelhecer em salvador: uma página da história (1850-1900). Tese (doutorado) - Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, 2010, p.40. 10 história, sobre a condição do idoso nas sociedades, este trabalho é muito mais desenvolvido por sociólogos e profissionais da área de psicologia e saúde. Podemos apontar, também, que esta mudança só foi possível graças a renovação historiográfica, a partir da Escola do Annales e, mais fortemente, na década de 1970 com a Nova História. Novas perspectivas e paradigmas de abordagem foram e são inventadas e reinventadas neste curto espaço de tempo. Sai de cena a história dos grandes personagens, para a entrada dos indivíduos comuns, das micro-histórias. Agora, podemos escrever sobre os negros, as mulheres, os camponeses, lavadeiras, vaqueiros, parteiras, os idosos, enfim, a diversidade é imensa. Não mudaram apenas os personagens destas histórias, mas também os espaços e os tempos. A história do tempo presente é um exemplo desta mudança de modelo do que é história. Marc Bloch4, define a História como a ciência que estuda o homem no tempo. Sendo assim, o tempo presente, também é um recorte a ser estudado5. Consequente a isso, há uma mudança, também, nas fontes utilizadas. O historiador começou a recorrer a fonte oral. Esta história é comumente chamada de História oral: Ela consiste na realização de entrevistas gravadas com indivíduos que participaram de, ou testemunharam, acontecimentos e conjunturas do passado e do presente. Tais entrevistas são produzidas no contexto de projetos de pesquisa, que determinam quantas e quais pessoas entrevistar, o que e como perguntar, bem como que destino será dado ao material produzido.6 O diferencial da história oral são seus personagens, na maioria das vezes indivíduos comuns da sociedade, os que sofrem opressão social, os explorados e excluídos. O cotidiano, a vida privada e a história local, também são características desta história.7 Para a escrita destas histórias, a memória individual e coletiva são a matéria-prima. Maurice Halbwachs, é um dos expoentes do estudo da memória. É ele, que vai afirmar que nossas lembranças, mesmo as mais particulares, estão ligadas ao coletivo, “porque jamais 4 BLOCH, Marc. Apologia da história ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Zahar, 2002, p.55. 5 CHAUVEAU, Agnes e TETART, Philippe. Questões para a história do tempo presente. In. CHAUVEAU, Agnes e TETART, Philippe (Org.). Questões para a história do tempo presente. Traducão Ilka Stern Cohen. Bauru, SP: EDUSC, 1999, pp. 07-36. 6 ALBERTI, Verena. Fontes orais: Histórias dentro da História. In. PÍNSKY, Carla Bassanezí (organizadora). Fontes históricas. 2.ed., 1ªa reimpressão. — São Paulo: Contexto, 2008, 155. 7 FRANÇOIS, Etienne. A fecundidade da história oral. In. AMADO, Janaína e FERREIRA, Marieta de Moraes (Orgs.). Usos e abusos da história oral. 8ª ed. – Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006; ALBERTI, Verena, Op. Cit. 11 estamos sós”8. Estamos sempre cercados decoisas exteriores a nós, pois somos seres sociais. Ele mostra, que é muito mais fácil lembrar de acontecimentos quando outros indivíduos estavam inseridos no momento do fato. Porém, nem sempre os testemunhos de outros personagens serão suficientes para o indivíduo lembrar9. Por isso, “cada memória individual é um ponto de vista sobre a memória coletiva, que este ponto de vista muda segundo o lugar que ali ocupo e que esse mesmo lugar muda segundo as relações que mantenho com outros ambientes”10. Não podemos esquecer que trabalhar com a fonte oral requer cuidados, pois, assim como as outras fontes tradicionais, existem jogos de interesses, coisas ditas e não ditas. Cada indivíduo, escolhe aquilo que quer transmitir para seu entrevistador, como se fosse um “jogo de esconde-esconde”11. Sem contar que: [...] não se trata de propor interpretações da mensagem que lhe comunicada, mas de saber que o não dito, a hesitação, o silêncio, a repetição desnecessária, o lapso, a divagação e a associação são elementos integrantes e até estruturais do discurso e do relato.12 Não buscamos neste trabalho trazer a “verdade”. Por isso, tratamos nossos entrevistados como “narradores” de histórias e não como depoentes. Em uma palestra13, o professor Dr. Luiz Blume, expõe que ao nos referirmos aos narradores como depoentes assumimos a postura de interrogadores e julgadores da verdade e, concordamos com esta afirmação. Ao invés de impormos uma verdade, queremos mostrar as variantes nas ideias e nas formas de se fazer presente na história. Sendo assim, escolhemos como problemática o imaginário dos idosos aposentados da zona rural de Itaberaba sobre o “estar aposentado” e o contexto que se deram estas aposentadorias. Como não seria possível estudar toda a zona rural do munícipio, optamos pelo povoado de Santa Quitéria, a aproximadamente 40 km, seguindo pela BA 233, sentido Ipirá. A escolha deste povoado foi motivada por diversos fatores, dentre eles, destacamos o tempo de existência do local – mais de cem anos –, a facilidade de acesso e, também, pela grandiosa 8 HALBAWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Centauro, 2003, p. 30. 9 Idem, p. 39. 10 Idem, p. 69. 11 VOLDMAN, Danièle. Definições e usos. In. AMADO, Janaína e FERREIRA, Marieta de Moraes (Orgs.). Usos e abusos da história oral. 8ª ed. – Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006, p. 37. 12 Idem, p. 38. 13 BLUME, Henrique dos Santos Luiz. Encontro “A História Oral e Pesquisa: metodologia e ética”. Universidade do Estado da Bahia – UNEB, Campus XIII, Itaberaba, 30 de setembro de 2016 (Comunicação oral). 12 ajuda do Sr. Deusdete Bispo, irmão do Sr. José Bispo – um dos entrevistados –, que nos indicou os idosos mais velhos do povoado e nos levou até a casa deles, facilitando o primeiro contato. Utilizamos neste trabalho a narrativa de sete personagens, são eles: Helena Aniceta Ramos, José Oliveira Fraga, Justino Costa Souza, Rafael Oliveira Fraga, Valdomira Fraga de Oliveira, Floraci Rosa de Oliveira e José Bispo Oliveira. Destes, apenas Dona Floraci e Sr. José Bispo não residem em Santa Quitéria. A fonte oral é a nossa principal fonte, mas utilizamos, também, algumas edições do jornal local O Paraguaçu do final da década de 1970 até final dos anos 1988. Outra fonte que utilizamos é a Ata de Fundação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Itaberaba. Além destas fontes, analisamos as leis 4.214/1963 (cria o Estatuto do Trabalhador Rural), Lei Complementar 11/1971 (cria o Programa de Amparo ao Trabalhador Rural - PRORURAL) e a Constituição Brasileira de 1988. Nosso trabalho ficou dividido em três capítulos: Capítulo I - Da velhice à aposentadoria: estudo de caso em Santa Quitéria; Capítulo II - Legislação previdenciária e social no Brasil: bases para a formação sindical rural; Capítulo III - De volta a Santa Quitéria: entre estratégias e personagens de aposentação. No Primeiro capítulo, o nosso objetivo é conceituar os termos trabalho, velhice e problematizar com o imaginário dos idosos entrevistados de Santa Quitéria sobre estes conceitos. As experiências destes aposentados na roça, também, são analisadas. Nossa atenção se voltou para o período que eles já estavam próximo da velhice e, principalmente, pós a aposentadoria. A legislação previdenciária rural é muito recente e a sindicalização também. São nestes dois pontos que dialogamos no Segundo capítulo. Fizemos um breve panorama das leis previdenciárias no Brasil e o caminho que elas percorreram até alcançar os trabalhadores rurais. Em seguida, destacamos o impacto da nova legislação, a partir da década de 1970, no munícipio de Itaberaba e, consequentemente, como se deu a relação entre o Sindicato Rural (Patronal) e o Sindicato dos Trabalhadores Rurais – surge em 1975. Por fim, no último capítulo, voltamos ao povoado de Santa Quitéria para analisarmos os processos de aposentação. Mostramos indícios de que a aposentadoria era conquistada de diversas formas: A) o tradicional, quando o trabalhador se aposenta por sua própria terra, ou quando presta serviço a algum fazendeiro pelo tempo necessário para se aposentar; 15 anos de atividade rural e mais 55 anos de idade (mulher) ou 60 anos de idade (homem); B) outra 13 forma de se aposentar (“ilegalmente”) é por meio da “solidariedade” entre os próprios trabalhadores, ou seja, um trabalhador emprestava o número do INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) para outro trabalhador solicitar a aposentadoria, como se tivesse trabalhado naquela propriedade; C) esta modalidade também era praticada por um fazendeiro, em que declarava que o idoso trabalhou em suas terras; outra forma que detectamos foi o apadrinhamento político. Neste último caso, o trabalhador se aproximava de algum político e este “ajeitava” a documentação comprobatória de atividade rural, e o trabalhador era aposentado. Estas formas de se aposentar foram extraídas das entrevistas com os personagens que ajudaram a construir esta pesquisa. São narrativas que estão no dia a dia da comunidade. Expressam uma parte da solidariedade que existe no meio das relações entre trabalhadores e trabalhadores, entre trabalhadores e patrões. Sem esquecer do papel do Estado ou das instituições de representação sindical na mediação de direitos. É o que muitos chamam de assistencialismo – também abordamos esta temática no Capítulo 3. A concepção de classe, trazida por E. P. Thompson14, é a que utilizamos neste trabalho: A classe enquanto experiência dos indivíduos, sua cultura, seu meio de convívio e suas relações com os meios de produção. Por meio disso, podemos entender as especificidades de cada grupo social e a consciência de classe que se forma entre eles. O que vale, segundo esta interpretação de Thompson, são as experiências de cada indivíduo, de cada grupo. A consciência de classe não é posta, ela é construída, se modifica e se adequa a cada espaço cultural. É isso que propomos neste trabalho. Mostrar as variedades de se fazer classe, de lutar por direitos e, principalmente, transmitir as experiências dos trabalhadores aposentados do povoado de Santa Quitéria. 14 THOMPSON, E. P. Algumas observações sobre classe e “falsa consciência”. In: As peculiaridades dos ingleses e outros artigos. Campinas: Editora da Unicamp, 2001. 14 CAPÍTULO I DA VELHICE À APOSENTADORIA: ESTUDO DE CASO EM SANTA QUITÉRIA 1.1 Algumas abordagens sobre o trabalho Só não trabaio agora porque não guento mais. Diz porque eu tenho o dinheiro do amanhã que não ia ficar hoje, esperano por aquele dinheiro chegar não, não senhor! Até guentar, agora que dueci de tudo, que não guento mais nada. Eu fui um aposentado trabalhador.15 O trabalho exerce sobre nossa sociedade,além do caráter econômico, um papel social e psicológico. Trabalhar equivale a ter a condição de prover as suas necessidades e de sua família e, também, produzir e vender o excedente para o restante da população. Não seguir esta lógica social poderá implicar em dificuldades em se inserir na sociedade, por um lado devido ao próprio caráter de subsistência do trabalho, por outro devido à alta valorização do trabalho. “A economia é baseada no lucro; é a este, na prática, o que toda a civilização está subordinada: o material humano só interessa enquanto produz. Depois, é jogado fora”.16 Ou seja, na nossa sociedade ocidental, capitalista, trabalhar não é uma opção, é uma obrigação17. E quando o indivíduo perde parte de sua força de trabalho é aos poucos deixado de lado, marginalizado. Isto acontece com o aposentado, que “não mais” trabalhará, recebendo mensalmente uma quantia em dinheiro para se alimentar, comprar remédios e pagar outras despesas básicas. Este salário será custeado pela Previdência Social, a partir do momento que o trabalhador 15 José Oliveira Fraga, 89 anos. Trabalhador rural do povoado de Santa Quitéria, Itaberaba – Ba. Entrevista concedida ao autor em 15 de maio de 2013. 16 BEAUVOIR, Simone de. A velhice. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990, p. 13. 17 Na obra A ética protestante, Max Weber, vai identificar que este posicionamento social contrário ao ócio e a supervalorização do trabalho está ligado aos desejos de Deus. Algo contrário a isto estará ferindo aos mandamentos divinos. WEBER, Max. A Ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Editora Martin Claret, 2005. 15 tiver idade para solicitar o benefício e, também, atender aos critérios básicos para solicitar o direito.18 No livro O futuro do Trabalho, Domenico de Masi19, afirma que nem sempre o trabalho foi tão valorizado, assim como nós observamos hoje. Muito pelo contrário, esta valorização foi percebida com a ascensão do cristianismo20 e, consequentemente, suas idéias sobre a condição humana. Assim, escreve De Masi: É portanto com o cristianismo que o trabalho é resgatado e o ócio assume uma conotação negativa, pecaminosa, reprovável. Jesus era um artesão, os seus apóstolos eram pescadores, são Paulo chegará a sustentar que “quem não trabalha não tem direito de comer”, são Benedito escreve textualmente que os monges “agora são verdadeiros monges, pois vivem do trabalho das suas mãos, como os nossos pais e os apóstolos”. A atividade manual, herdada da Grécia como degradação servil, atinge assim os umbrais do Renascimento como sublime antídoto ao ócio, inimigo da alma: “otiositas animae est inimica”[ociosidade é o inimigo da alma – TRADUÇÃO NOSSA].21 “Fui um aposentado trabalhador”, afirma Sr. José Fraga. Esta exclamação é reflexo de uma sociedade que valoriza muito o trabalho, não é por menos que ele tenta negar o pertencimento ao grupo dos excluídos e ociosos. Tanto Sr. José Fraga e outros personagens que surgirão nesta pesquisa têm a mesma interpretação do trabalho, com exceção da Dona Valdomira22, como veremos mais a seguir. Dos sete entrevistados, cinco residem no povoado de Santa Quitéria23, munícipio de Itaberaba, Bahia. Por tanto, será neste espaço que se passarão os objetivos desta pesquisa. É neste ambiente que tentaremos perceber as concepções de trabalho e velhice, bem como seus desdobramentos, pois neste é conjunto que estes indivíduos se afirmam e reafirmam sua identidade como trabalhador. A escolha deste povoado foi motivada por diversos fatores, 18 Para que a pessoa possa se aposentar é necessária uma contribuição mensal para a Previdência Social, se for da zona urbana. Se o trabalhador for da zona rural é necessário que o indivíduo comprove atividade rural por no mínimo 15 anos. Explicaremos mais sobre o sistema de previdência no Capítulo 2 deste trabalho. 19 DE MASI, Domenico. O futuro do trabalho: fadiga e ócio na sociedade pós-industrial. Rio de janeiro: José Olímpio; Brasília, DF: Ed. Da UnB, 1999. 20 Esta afirmação também está presente em WEBER, Max. A Ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Editora Martin Claret, 2005. Nesta obra, Weber vai afirmar que o “espírito capitalista” está mais presente nos protestantes do que nos católicos, e será este espírito capitalista que irá doutrinar a relação do trabalhador com o trabalho e a acumulação de riqueza, ou melhor, acumulação de capital. 21 DE MASI, Domenico.Op. Cit., p. 99. 22 Valdomira Fraga de Oliveira, 103 anos. Dona de casa, povoado de Santa Quitéria, Itaberaba – Ba. Entrevista concedida ao autor em 15 de maio de 2013 23 O povoado de santa Quitéria pertence ao munícipio de Itaberaba. Faz fronteira entre Itaberaba e Ipirá, pela BA 233, a aproximadamente 43 km. 16 dentre eles, destacamos o tempo de existência do local24 a facilidade de acesso e, também, pela grandiosa ajuda do Sr. Deusdete Bispo, irmão do Sr. José Bispo, que nos indicou os idosos mais velhos do povoado e nos levou até a casa deles, facilitando o primeiro contato. Para nós, que trabalhamos com fonte oral, sabemos que a “primeira impressão” é a que fica. Principalmente, para nós que estudamos as questões econômicas destes indivíduos. Há uma desconfiança muito grande para com os “estranhos”. Enfim, entrar no universo do outro é sempre carregado de problemáticas. Em relação a quantidade de narradores do povoado, a lógica utilizada foi apenas a idade, os mais velhos. Há uma população de idosos no povoado muito expressiva, porém achamos por bem limitarmos a quantidade de entrevistados, pois talvez, não déssemos conta de tanto material a ser analisado. No fim, vimos que a quantidade de narradores foi suficiente para alcançarmos os objetivos propostos. Os outros dois entrevistados, que não são de Santa Quitéria e, sim do município de Itaberaba, serão apresentados nos Capítulos 2 e 3. Eles foram peças chaves para compreendermos outras problemáticas que estavam se desenrolando no movimento sindical e nas questões de assistência social. Buscamos na redução da escala suporte teórico daquilo que chamam de micro-história. A redução da escala de observação é interessante ao estudarmos a classe trabalhadora, pois abrem-se possibilidades de discussões que talvez uma abordagem espacial maior não conseguisse detectar, principalmente devido à variedade das formas de relação de trabalho no campo e também, por causa da especificidade de cada região, cada cidade ou povoado, mesmo porque o movimento camponês não foi igual em todos os cantos do país – uns mais fortes, outros mais fracos. 24 A existência do Povoado se confunde com o tempo da primeira Igreja do local, isso a aproximadamente 136 e 150 anos. “Contam os seus moradores que Santa Quitéria nasceu de uma rancharia no final do século XIX por conta de uma cheia. Disseram que o Rio Capivari, que corta a cidade e divide os munícipios de Ipirá e Itaberaba, estava cheio e, como na época não havia pontes, era impossível fazer travessia para a outra margem, mesmo na passagem natural do Gurungão, lugar mais espraiado, raso e cheio de pedras, que, em épocas de seca tão comum na região, ainda hoje passa-se à pé. [...] os tropeiros que vinham de Itaberaba e Castro Alves com destino a Feira de Santana esbarraram com a cheia do rio Capivari e se arrancharam debaixo de uma enorme gameleira, em frente à vendinha de um senhor de nome Pedro Mandacaru – ali estabelecido desde muito, que nem se sabe o tempo preciso. [...] Parados ali, observaram e foram tomando gosto pelo lugar. De outras vindas, aqueles e outros tropeiros se habituaram a pernoitar no mesmo lugar para descansa, comer e contar histórias. Assim, foram criando laços, ficando, se apropriando,adquirindo terras. Um deles, de nome Felizardo, decidiu formar uma fazenda, criar cabras e gado. Para cumprir com as obrigações com Deus, construiu a igrejinha que até hoje existe no povoado. Dizem que, na igreja, colocou uma imagem de Santa Quitéria em homenagem à sua esposa, que tinha o nome da santa.” Texto extraído do livro A estrada e o sonho. Memória de Roque Ramos de Oliveira/Ramos Transportes, de NEVES, Osias Ribeiro e FONSECA, Luciana Amormino, 2006, p.23. 17 Esta compreensão se afirma em Giovanni Levi25, no artigo Sobre a micro-história. Naquele trabalho ele aponta as lacunas deixadas pela história tradicional e nos provoca a buscar outras possibilidades historiográficas. Ele esclarece que: [...] a ideia de se considerarem os indivíduos da historia tradicional em uma de suas variações localizadas é análoga à ideia de se ler nas entrelinhas de um determinado documento, ou entre as figuras de um quadro, para discernir significados que previamente escaparam da explicação; ou a verdadeira importância daquilo que antes parecia ter surgido meramente por circunstâncias ou necessidade; ou o papel ativo do individuo que antes parecia simplesmente passivo ou indiferente. [GRIFO NOSSO]26 A potencialidade de observação que a micro-história proporciona é bastante expressiva. Por isto, o seu uso se tornou indispensável para este trabalho. Os aposentados do povoado de Santa Quitéria fizeram e fazem parte da história do trabalho do município de Itaberaba. Eles também roçaram, plantaram, colheram, venderam seus produtos e sua força de trabalho, resistiram... se aposentaram; enfim, todos participaram do sistema social em vigência, e também contribuíram, cada um ao seu modo, para movimentar as engrenagens daquele sistema – um foi vaqueiro, outra não quis ou não pôde mais trabalhar quando se aposentou, o outro foi obrigado a abandonar o trabalho diário na lavoura devido a um problema de pele, há o que não pôde casar, mas todos têm algo em comum: foram lavradores. Estas informações sugerem que seria muito difícil, e até mesmo imprudente, generalizarmos as diferenças que existiam entre os camponeses. Feita estas observações, prossigamos. A interpretação do Sr. José Fraga sobre o que seria “trabalho” está intimamente ligada às atividades na roça, por isso dizer que “Só não trabaio agora porque não guento mais”. Trabalho, para ele, seriam as atividades que são comercializadas e vendidas. Os afazeres da casa, do cotidiano, não remunerados, não se encaixariam nesta concepção. A aposentadoria por idade não impossibilita o trabalhador rural de manter suas atividades no campo: o que lhe dá direito a aposentadoria é a sua idade, e não a incapacidade física. A aposentadoria é baseada na média de vida da população, logo, aqueles que têm idade igual ou superior a 60 anos, passam a ser considerados velhos. Em sua obra A Condição Humana, Hannah Arendt analisa que o processo do trabalho finaliza logo de imediato em que seu produto está acabado, mas o processo do labor só 25 LEVI, Giovanni. Sobre a micro-história. In. BURKE, Peter (Org.). A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: UNESP, 1992, pp. 133-161. 26 Idem, p. 160. 18 termina com a morte. Sendo assim, o aposentado por velhice não se encontra longe do trabalho (labor), mesmo por que seu corpo ainda permanece em constante atividade biológica, seguindo assim, o “movimento cíclico da natureza”27. O que Arendt pretendia com essa discussão era fazer uma crítica a interpretação do conceito de trabalho feita por Karl Marx. Ao contrário de Marx, que não faz distinção entre o trabalho e labor, Arendt contrapõe outro discurso, afirmando que o trabalho é aquela atividade que se destina à produção de um objeto para a “durabilidade do mundo”, ou seja aquele objeto de uso ou de arte. “O que Marx chamou de força de trabalho é, para Arendt, força do labor: a força que todo homem possui por pertencer à espécie humana – uma capacidade que não exige qualificações especiais”28. Na língua portuguesa, como mostra Suzana Albornoz, trabalhar e laborar significam, na maioria das vezes, a mesma coisa. Pode ser uma ação que “dê reconhecimento social e permaneça além da tua vida; e a de esforço rotineiro e repetitivo, sem liberdade, de resultado consumível e incômodo inevitável”29. Neste trabalho não faremos distinção de trabalho e labor. Para nós, trabalhar significa toda atividade realizada pelo corpo, independentemente de ser remunerada ou não, requerer esforço físico ou não. Mesmo porque no senso comum, não há divergências entre o termo trabalho e labor, ambos são a mesma coisa. Além do mais, nossa pesquisa foi feita por meio das lembranças dos velhos trabalhadores, nas suas atividades diárias na roça e a subsequente aposentadoria, não é objetivo de nosso trabalho aprofundar-se no conceito do verbo trabalhar. Destarte, o abandono do trabalhador de suas atividades laborais remuneradas, devido à idade avançada, significou – em diversos casos – um momento de grande dor, porque o trabalho representa para o homem a própria “existência humana”30 e, a aposentadoria de certa forma, outorga “o estatuto de inativo e simboliza ‘a perda de um papel social fundamental – o 27 ARENDT, Hannah. A condição humana. 10 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007, p.109. 28 WAGNER, Eugênia Sales. Hannah Arendt e Karl Marx: O mundo do trabalho. 2ª edição, São Paulo: Ateliê Editorial, 2002, p. 96. 29 ALBORNOZ, Suzana. O que é trabalho. São Paulo: Brasiliense, 2002, p. 09. Coleção primeiros passos. 30 Fazemos referência a interpretação de Karl Marx sobre o significado do trabalho para a existência humana. Cf. JOST, Araci e SCHLESENER, Anita Helena. Trabalho e formação humana: observações acerca dos escritos de Marx. 6º Colóquio Internacional Marx e Engels. Disponível em: http://www.ifch.unicamp.br/formulario_cemarx/selecao/2009/trabalhos/trabalho-e-formacao-humana.pdf. Acessado em 27/11/2013. 19 de individuo produtivo –, passando a ser sintoma social de envelhecimento’”31. Por isso, muitos trabalhadores refutam em parar. O excesso de tempo livre tem um significado negativo32, principalmente na sociedade moderna33. Esta interpretação negativa para com a redução da produtividade do indivíduo ao chegar a velhice, também, está presente em Beauvoir. Os idosos têm prazer de lembrar de sua juventude, de sua infância, mas não do seu tempo atual, da velhice. É como se eles vivessem do passado.34 Ecléa Bosi35 vê esta visão de Beauvoir muito pessimista e, afirma que esta concepção de tempo “não se aplica a todas as pessoas”. Concordamos com Bosi de que não uma regra para se aplicar a todos os idosos, porém este pessimismo e o desejo pelo passado esteve presente em todos os nossos entrevistados. Além do Sr. José Fraga, percebemos o apego ao trabalho e sua representação social36 por alguns de nossos entrevistados. Quando questionados se continuaram trabalhando na lavoura ou em outras atividades do campo após a aposentadoria, a resposta quase sempre era a mesma, em tom afirmativo e enfático: Trabalhava, trabalhava. Eu assim não fico quieto, fico não. Quando der faço uma coisa, faço outra. 37 Trabaiano, trabaiano. Lavrador: mandioca, feijão, milho, tudo isso. (E de vaqueiro?) Foi muitos tempo, e fiquei lutando do mesmo jeito, não tô lutando hoje porque não aguento, se aguentasse tava na luta. 38 Trabalhei foi muito, mas depois que me aposentê não trabalhei mais não. Fui ficando véa, ficando véa [...]39 31 PEIXOTO, 2003, p.74 apud BERNARDO, Kátia Jane Chaves. Envelhecer em salvador: uma página da história (1850-1900). Tese (doutorado) - Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofiae Ciências Humanas, 2010, p. 122. 32 Max Weber, identifica esta ideia negativa do ócio, como uma das bases do “espírito capitalista”. Assim como, o apego ao trabalho como uma necessidade humana, que o edifica perante Deus. Essa concepção de trabalho está mais presente na doutrina Protestante. WEBER, Max. Op. Cit. 33 DE MASI, Domenico. O futuro do trabalho: fadiga e ócio na sociedade pós-industrial. Tradução de Yadyr A. Figueiredo. - Rio de janeiro: José Olímpio; Brasília, DF: Ed. Da UnB, 1999. 34 BEAUVOIR, Simone de. Op. Cit, pp. 453-466. 35 BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: lembranças de velhos. 16. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2010, p.421. 36 Esta representação social do trabalho que nos referimos é todo aparato cultural dos idosos sobre as atividades laborais do dia a dia. Representação esta que está posta a eles desde sua criação (tradição dos pais, avós, da comunidade) até a integração no mundo do trabalho: O trabalho edifica o “homem”; tudo que vem sem esforço não é bom. A representação social do trabalho sempre é positiva. 37 Rafael Oliveira Fraga, 97 anos. Trabalhador rural do povoado de Santa Quitéria, Itaberaba – Ba. Entrevista concedida ao autor em 10 de maio de 2013. 38 Justino Costa Souza, 80 anos. Trabalhador rural do povoado de Santa Quitéria, Itaberaba – Ba. Entrevista concedida ao autor em 11 de maio de 2013. 39 Helena Aniceta Ramos, 85 anos. Trabalhadora rural do povoado de Santa Quitéria, Itaberaba – Ba. Entrevista concedida ao autor em 11 de maio de 2013. 20 As narrativas dos Srs. Rafael e Justino servem para ilustrar o imaginário negativo dos trabalhadores em relação ao ócio que a aposentadoria proporcionaria. Mesmo após a aposentadoria, os entrevistados demonstraram que ainda continuaram trabalhando, e a “inatividade” posterior, é um reflexo dos desgastes biológicos do envelhecimento: “se aguentasse tava na luta”, enfatiza Sr. Justino. No caso da Dona Helena, assim como nas narrativas anteriores, percebemos que a sua inatividade nos serviços do campo após a aposentadoria, foi reflexo da idade avançada e suas inevitáveis conseqüências, e não por causa do benefício previdenciário. Todos os entrevistados diferenciam o trabalhar no campo – remunerado – e as atividades da casa no dia-a-dia – não remuneradas. Este foi um dos motivos das mulheres não terem alcançado o direito ao benefício previdenciário, na mesma data dos homens, como veremos no próximo capítulo. Antes de entrarmos nas discussões previdenciárias faremos uma breve análise sobre a velhice. 1.2 A velhice O “ser velho” conota, quase sempre, àquele que se tornou improdutivo no trabalho, o que guarda as memórias e a história de sua comunidade, ou aquele que receberá uma aposentadoria – em uma interpretação mais recente. Existem poucos estudos dos historiadores sobre a velhice, como aponta Kátia Jane C. Bernardo40. Para a autora, citando Georges Minois, existiriam duas explicações possíveis para este pouco interesse: “a primeira seria a representação social negativa da velhice ao longo dos séculos XIX e XX e, a segunda, está relacionada ao fato dos documentos que fazem referência às diversas épocas, integrarem os velhos no grupo dos adultos”41. Porém, este cenário começou a mudar, principalmente pelo aumento da população idosa no mundo e, conseqüentemente, o impacto disto nas relações sociais, na economia, na política e na cultura. Em determinadas sociedades, eram os velhos que comandavam os ritos das cerimônias religiosas e festivas. Simone de Beauvoir42, ao analisar os costumes de diversas sociedades, pôde notar que a influência do velho variava de acordo com o grau de importância dada aos “conhecimentos, experiências, capacidades” que eles detinham. Beauvoir nota também que esta consideração perante os mais velhos, aumentava ou diminuía segundo o 40 BERNARDO, Kátia Jane Chaves. Op., Cit. 41 MINOIS, Georges. História da velhice no ocidente: da Antiguidade ao Renascimento. Lisboa: Teorema, 1999.BERNARDO Apud Kátia Jane Chaves. Op., cit., p.40. 42 BEAUVOIR, Simone de. Op. Cit. 21 estilo de vida adotado por certa região: nas sociedades nômades, era bem menos visto do que nas sedentárias. Nas sociedades baseadas na tradição oral, o idoso gozava de mais poder social do que nas comunidades onde a escrita já havia se desenvolvido; nas localidades onde a magia e o medo dos “quase mortos”, mais do que onde a ciência havia se desenvolvido; para o velho que conseguia acumular fortuna, seu prestígio era maior do que velhos pobres; onde as leis tinham se institucionalizado, mais do que nas sociedades que onde a lei era “cada um por si”. Portanto, a condição do velho sempre foi determinada pela sociedade em que viveu (e vive). “Além de ser um destino do indivíduo, a velhice é uma categoria social”, diria Ecléa Bosi43, concordando com Beauvoir, quando esta afirma que “a velhice não poderia ser compreendida senão em sua totalidade; ela não é somente um fato biológico, mas também um fato cultural”, assim “definir o que é para o homem progresso ou regressão supõe que se tome como referência um determinado fim; mas nenhum é dado a priori, no absoluto”44. Em suas pesquisas, Ramos45, nota que existem várias formas de velhice: cronológica ou censitária, burocrática, fisiológica, psicológica ou subjetiva. Além destas, ele acrescenta a velhice excluída, a pseudo-velhice e a velhice precoce. Sendo que cada um destes conceitos, pertence a um grupo ou contexto específico, variando entre o biológico, o psicológico e o social. A velhice cronológica tem uma conotação de mera formalidade. É através desta que seguimos o calendário do tempo: infância, adolescência, maturidade, idoso. A velhice burocrática é aquela idade determinada pelo governo para a concessão de aposentadoria. Esta idade varia de país para país. No Brasil, segundo a legislação vigente, a pessoa que vive na zona urbana e tenha a idade de 65 anos (homem) e 60 anos (mulher) tem o direito à aposentadoria. Para os trabalhadores da zona rural estas idades decaem 5 anos, para cada gênero, 55 anos se for mulher e 60 anos se for homem.46 A velhice fisiológica segue a lógica biológica humana (nasce, cresce, reproduz e morre). Esta fase é inevitável e irreversível. Aqui o ser humano demonstra os sinais mais 43 BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: lembranças de velhos. 16. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2010, p.77. 44 Idem, p. 20. 45 RAMOS, Paulo Roberto Barbosa. Fundamentos Constitucionais do direito à velhice. 2002 46 Desde que haja a devida comprovação de contribuição de 180 meses com a previdência social, no caso do trabalhador urbano. E comprovação 180 meses de atividades rurais, para os trabalhadores rurais, para este segurado a comprovação se dará através de documentos de terra, comprovantes compra de mercadorias e utensílios de trabalho, entre outros. Ver Aposentadoria Por Idade, em http://www.previdencia.gov.br/conteudoDinamico.php?id=15. Acessado em: 11/12/2012. http://www.previdencia.gov.br/conteudoDinamico.php?id=15 22 acentuados de desgaste físico e mental, tornando-se desta forma, menos produtivo em suas atividades laborais. Os efeitos do processo do envelhecimento biológico são evidentes. Através dos estudos de Beauvoir, podemos citar entre os mais diversos impactos desta fase da vida: o embranquecimento e queda dos cabelos; diminuição da resistência física; perda de elasticidade do tecido dérmico subjacente, fazendo com que a pele se enrugue; o coração perde a sua capacidade de adaptação, fazendo com que o indivíduo reduza suas atividades; os músculos atrofiam-se prejudicando a locomoção; diminuem os desejos sexuais; entre outros. Ao contrário da velhice fisiológica, a velhice subjetiva pode ser determinadapor aquele período, como o próprio nome diz, onde a pessoa se autoclassifica ou é rotulada como velha, “seus comportamentos e valores não são mais compatíveis com os que predominam na sociedade”47. Neste sentido, Norberto Bobbio, em O tempo da memória, coloca: Biologicamente, considero que minha velhice começou no limiar dos oitenta anos. No entanto, psicologicamente, sempre me considerei um pouco velho, mesmo quando jovem. Fui velho quando era jovem e quando ainda me considerava jovem até há poucos anos. Agora penso ser mesmo um velho- velho.48 Na velhice excluída, estariam “aqueles velhos que sobrevivem nos meios rurais, suburbanos ou urbanos após o êxodo, as migrações, depois da exaustão de sua capacidade produtiva.”49. A pseudovelhice é compreendida por aquela idade onde o profissional não encontra mais emprego, geralmente a partir dos 40 anos, motivado pela pequena quantidade de vagas disponíveis ou pela pouca qualificação profissional. Esta pseudovelhice está relacionada à auto rotulação do indivíduo, como um “ser velho”. Ele não foi acometido pela velhice (desgaste físico e psicológico), mas devido às imposições da sociedade capitalista que visa o lucro, ele talvez não tenha a mesma força de trabalho, que alguém mais jovem tenha. Ou seja, ao mesmo tempo que está relacionado a uma interpretação pessoal, também está ligada às regras do mercado de trabalho, do empregador. Outra categoria de velhice é a velhice precoce. Nesta sim, há o desgaste físico e mental prematuro da pessoa, devido às péssimas condições de trabalho e econômicas, ou devido ao ambiente em que vive. 47 RAMOS, Paulo Roberto Barbosa. Op., Cit., 24. 48 BOBBIO, Noberto. O tempo da memória: De senectute e outros escritos autobiográficos. Rio de Janeiro: Campus, 1997, p. 18. 49 RAMOS, Paulo Roberto Barbosa. Op., Cit., p.25. 23 Como podemos perceber, existem várias formas de conceituar a velhice, pois esta depende de uma série de fatores internos e externos ao indivíduo. Apesar de ser uma etapa natural do homem, pode ser também compreendida como algo socialmente imposto (idade da aposentadoria, por exemplo), uma identificação individual de cada ser humano ou uma construção cultural, em que se determinam os fatores necessários para que os indivíduos sejam classificados como velhos. Os fatores biológicos e culturais estão intimamente interligados. Nota-se ainda que, o processo de envelhecimento direciona o indivíduo a uma perda da capacidade de se adaptar ao meio ambiente, ou seja, a dificuldade cada vez maior deste indivíduo se adaptar ao meio onde ele vive. É como se a velhice fosse um conjunto de perdas sociais, psicológicas, motoras e afetivas.50 Todos os indivíduos estão vulneráveis aos efeitos do envelhecimento e a velhice. Portanto tornou-se indispensável o amparo dos governos a este grupo social51. Neste trabalho demos atenção aquela velhice classificada como burocrática, onde o trabalhador passa a ter o direito à aposentadoria, com ênfase nos trabalhadores rurais. Veremos, mais adiante, os efeitos desta aposentadoria no imaginário dos nossos entrevistados. Acreditamos que, aquela diferença de idade de se aposentar dos trabalhadores urbanos e rurais, é muito significativa devido à própria natureza penosa do trabalho camponês52, as condições insalubres aos quais estão expostos estes trabalhadores, a falta da prestação de serviços de saneamento básico, serviços médicos, entre outros agravantes. As expectativas de vida nas sociedades variam de acordo com as condições do ambiente aos quais aquelas populações estão expostas. Salgado53, em seus estudos, aponta que os seres humanos em condições favoráveis de sobrevivência, teriam possibilidade de viver por pelo menos cento e vinte anos de idade. É possível notar esta evolução da expectativa de vida mundial, nos seguintes dados históricos apontados por Simone de Beauvoir: 50 NETTO, Papaléo, Apud RODRIGUES, Lizete de Souza; SOARES Geraldo Antonio. Velho, idoso e terceira idade na sociedade contemporânea. Revista Ágora, Vitória, n.4, 2006, p.2. 51 Cf. RAMOS, Paulo Roberto Barbosa. Op., Cit., pp.14-35. 52 O trabalho penoso é interpretado por “aquele que pode ser definido como inadequado às condições físicas e psicológicas dos trabalhadores, provocando um incômodo, sofrimento ou desgaste à saúde do trabalhador no ambiente de trabalho, este por sua vez, superior ao decorrente do trabalho normal, não se confundindo com o perigoso e nem o insalubre, mas podendo somar-se a estes por ter um reflexo maior na vida do trabalhador, carecendo de regulamentação em nosso ordenamento jurídico”. Cf. MARCUS, Douglas. A Tutela Jurídica no Meio Ambiente do Trabalho Penoso e a Necessidade de Regulamentação do adicional Previsto no Artigo 7.º, inciso XXIII da Constituição Federal. Disponível em: http://professordouglasmarcus.blogspot.com.br/2010/02/tutela-juridica-no-meio-ambiente-do.html. Acessado em 11/06/2013. 53 SALGADO, Marcelo Antonio. Velhice, uma nova questão social. 2.ªed. São Paulo: SESC-CETI, 1982. 24 [...] era de 18 anos entre os romanos; de 25 anos no século XVII. [...] Em cem crianças, vinte e cinco morriam antes de um ano, outras vinte e cinco antes dos 20, e vinte e cinco entre 20 e 45 anos. Uma dezena apenas atingia 60 anos. [...] No século XVIII, a expectativa de vida na França era de 30 anos. Durante longos séculos, a proporção dos indivíduos de mais de 60 anos variou muito pouco: em torno de 8,8%. O envelhecimento da população começou, na França, no fim do século XVIII, e, um pouco mais tarde, o mesmo fenômeno produziu-se em outros países. Em 1851, havia na França 10% de pessoas idosas de mais de 60 anos; há agora perto de 18%, ou seja, 9.400.000, das quais a metade pertence à população rural. [...] Acima de 65 anos, contavam-se na França, em outubro de 1969, 6.300.000 pessoas... [...] Segundo um relatório feito em setembro de 1967, a proporção de pessoas de mais de 65 anos passou, entre 1930 e 1962, de 7,6% a 10,6%, nos seis países do Mercado Comum; e de 7,8% a 11,5% no conjunto constituído pelos países escandinavos, a Grã-Bretanha e a Irlanda. Nos EUA, contam-se 16 milhões de pessoas de mais de 65 anos, o que representa 9% da população, enquanto a taxa era de 2,5% em 1850, e de 4,1% em 1900. [...] Os países subdesenvolvidos são, ao contrário, países jovens. Em muitos deles, a taxa de mortalidade infantil permanece muito elevada; [...] Em certos países, a metade da população tem menos de 18 anos de idade. Nas Índias, há 3,6% de velhos; mais ou menos 2,45% no Brasil; 1,46% no Togo.54 Estes resultados são reflexos dos avanços tecnológicos e científicos, principalmente na área da medicina ao longo dos anos. O que se percebe, é um constante aumento na longevidade dos indivíduos em países desenvolvidos, e também em países em desenvolvimento. No caso do Brasil, que na análise de Beauvoir, provavelmente tomando como referência os dados censitários do final da década de 1960, a população de idosos girava em torno dos 2,45%, merecendo, ainda, um título de país de jovens. Quatro décadas depois, esta realidade brasileira é totalmente diferente, pois o país possuía “mais de 8% de sua população com mais de 60 anos”55, tornando-se um país de velhos.56 Apesar do valor dado ao trabalho, não esqueçamos que a aposentadoria também provocou na sociedade um impacto bastante expressivo, sendo um dos benefícios mais aguardados pelos trabalhadores na ativa e, tornando-se uma das maiores conquistas histórico- trabalhistas. Nesse sentido, buscaremos compreender como se deu a estruturação dos processos de aposentadoria no Brasil, focando no caso dos trabalhadores rurais. Tentaremos, no capítulo 2, mostrar uma síntese da organização da Previdência Socialno país. Mas, antes disso, veremos qual a interpretação dos idosos entrevistados sobre o trabalho e a velhice. 54 BEAUVOIR, Simone de. Op., cit., 271-273. 55 RAMOS, Paulo Roberto Barbosa. Op., Cit. 56 Para um país ser considerado país de velhos é necessário ter uma população com 60 anos de idade acima dos 7% da população total. RAMOS, Paulo Roberto Barbosa. Fundamentos Constitucionais do direito à velhice. 2002. 25 1.3 Homens e mulheres de Santa Quitéria: experiências na roça Como bem nos esclarece Ecléa Bosi, “a velhice não existe para si mas somente para o outro. E este outro é opressor”57. De acordo com esta afirmação, podemos compreender que a velhice está ligada diretamente ao que a sociedade impõe aos indivíduos que fazem parte dela. No caso dos nossos idosos entrevistados, eles se vêem como velhos - Fui ficando véa, ficando véa, afirmou Dona Helena -, com base naquilo que é imposto a eles. É uma construção. E o indicativo maior da velhice é a fadiga e as dificuldades para realização dos trabalhos. O indivíduo sai de uma vida ativa, para uma vida contemplativa58. Quando não podiam mais ir à roça, restaram aos velhos os afazeres da casa. Para a idosa que, acostumada com os cuidados do lar, além das atividades na roça, não sentira o peso deste afastamento. O homem idoso, porém, devido a própria cultura patriarcal ao qual vivemos, se sentiu deslocado, excluído e, porque não, humilhado. Tanto pelo fato de não poder trabalhar mais na roça, quanto pela obrigação de ficar em casa. “O velho sente-se um indivíduo diminuído, que luta para continuar sendo um homem”, reforça Ecléa Bosi59. As “vantagens” de estar aposentado, na concepção dos entrevistados, não estavam ligadas ao ócio. Muito pelo contrário. A idade avançada obrigava-os a parar. E o valor recebido como aposentadoria nem era tão expressivo assim: O valor nesse tempo era barato. Nesse tempo nós tirava era 100, cento e pouco. Agora foi que melhoro, né não. Quando a gente se aposento era barato. [...] Não dava mais era o jêto. E era a valença, era a valença. Tinha que trabalhar porque não dava, não dava. Hoje o salário aumentô, a gente tem que trabalhar, quem não trabalha é eu, que não aguento mais.60 Era bestera, era bestera, negócio de 20 ou 30 reais, naquele tempo era isso, era quanto eu recebia. Naquele eu acho que era cruzeiro. Não dava não, de jeito nenhum. Era bestera mesmo que a gente recebia.61 Era pouco, era pouco. Não dava não. Agora que é agora não tá dano.62 57 BOSI, Ecléa. Op., Cit., p. 19. 58 O ato de lembrar é mais difícil para o idoso ativo, do que para aquele que não está no mundo do trabalho. A vida ativa, parece limitar a evocação do passado, o indivíduo está mais preso ao presente. Os idosos que não trabalham mais tem uma facilidade maior de narrar o passado. BOSI, Ecléa. Op. Cit., p. 479. 59 BOSI, Ecléa. Op. Cit., p. 79. 60 Justino Costa Souza, 80 anos. Trabalhador rural do povoado de Santa Quitéria, Itaberaba – Ba. Entrevista concedida ao autor em 11 de maio de 2013. 61 Rafael Oliveira Fraga, 97 anos. Trabalhador rural do povoado de Santa Quitéria, Itaberaba – Ba. Entrevista concedida ao autor em 10 de maio de 2013. 62 Helena Aniceta Ramos, 85 anos. Trabalhadora rural do povoado de Santa Quitéria, Itaberaba – Ba. Entrevista concedida ao autor em 11 de maio de 2013. 26 Não. Era um (risos), nessa data era um salariozinho fraco, nem lembro quanto era. Era um salário... quando me encoste era um salário e meio. Agora quando passou pro... pra aposentadoria inda levei uns tempo ganhando um salário e meio, depois cortaro o meio salário.63 O valor era pequeno, insuficiente para manter as despesas de casa e, “Tinha que trabalhar porque não dava, como afirma Sr. Justino. Mas era um benefício indispensável e necessário naquela idade. O Sr. José recebeu inicialmente um salário e meio como benefício. O motivo para isso foi que ele recebia por auxílio doença, e só depois recebeu a aposentadoria de fato. Acometido por uma doença de pele, não pode mais trabalhar na roça, atividade que requer uma grande exposição ao sol. Um ponto que diferimos de alguns trabalhos analisados sobre a aposentadoria na roça, é a aproximação dos parentes aos velhos aposentados. Em nossa pesquisa, essa aproximação não foi notada, tanto na atualidade, quanto durante os primeiros anos da aposentadoria. Eles relatam uma vida solitária, tendo companhia apenas o seu cônjuge64. Por outro lado, diminuiu o êxodo rural – uma das principais propostas da criação dos benefícios sociais na zona rural. Todos os idosos entrevistados revelaram nunca ter querido sair da zona rural, porém com outra justificativa, que não estava ligada ao fator econômico: a cultura65. Os nossos entrevistados argumentaram ter vivido toda a vida na roça, no povoado de Santa Quitéria, “nasci e me criei aqui”, afirmam eles. A representação que estes indivíduos têm do espaço em que vivem, tem uma significação maior que as dificuldades encontradas por eles no dia-a-dia, como por exemplo, a necessidade de deslocamento para a cidade para realização de procedimentos médicos, ou para sacar a aposentadoria mensalmente. A resistência à saída do campo, não somente está ligada a cultura destes idosos, ao seu pertencimento no grupo, as práticas camponesas, mas também representa a própria existência do ser: as suas lembranças. “O que seria desse ‘eu’, se não fizesse parte de uma ‘comunidade 63 José Oliveira Fraga, 89 anos. Trabalhador rural do povoado de Santa Quitéria, Itaberaba – Ba. Entrevista concedida ao autor em 15 de maio de 2013. 64 Há trabalhos que mostram o inverso como por exemplo: ALBUQUERQUE, Francisco José B, et al., 1999, Universidade Federal do Rio Grande do Sul; RODRIGUES, Lizete de Souza; SOARES, Geraldo Antonio. Velho, idoso e terceira idade na sociedade contemporânea. Revista Ágora, Vitória, n.4, 2006, p. 1-29. Nestas pesquisas os autores afirmam que quando o idoso é aposentado a família fica mais próxima a ele, devido a estabilidade financeira que a aposentadoria proporciona. 65 Embora a aposentadoria tenha incentivado os idosos a permanecerem na zona rural, nem todos seguiram este padrão, este vínculo incondicional com a terra não foi unânime. Para alguns a saída da zona rural foi crucial para sua sobrevivência e na melhoria de vida (SANTANA, 1998). 27 afetiva’ de um ‘meio efervescente’ – do qual tenta se livrar no momento em que ‘lembra’?”66. Neste mesmo sentido Pereira, acrescenta: Os seres humanos se constroem como sujeitos a partir dessa capacidade de fabular suas histórias e narrá-las. Assim, cada um vai tecendo sua história e se construindo simbolicamente. Ao contar nossas histórias de vida, metaforizamos e nos recriamos através das lembranças das imagens que vão se formando do nosso eu e das experiências vividas nos diversos contextos e situações.67 Isto se confirma nos momentos das entrevistas, onde os narradores são indagados sobre “o porquê” de viver na roça. Assim Sr. Justino responde: Não, eu gosto muito da roça, eu gosto muito da roça. Eu tô aqui, mas é porque não aguento, mas, se não, eu tava na fazenda, mexendo lá com o que é meu, lutano: rancando pé de mato; lutano com a rês; lutano com isso, lutano com aquilo. Agora do comércio nunca gostê não. Sempre o lugar, gostava da roça, de minha luta. Mas a roça é superior. Gosto de cidade quando vou comprar coisa. Comprê, voltei pra trás.68 O Sr. José, com a mesma ênfase coloca: Não. Porque toda vida nasci e me criei na roça. Só entendo serviço do campo, a cidade pra mim era pra eu fazer a feira e voltar. Não é a mesma coisa daqui. Não, eu não tinha cabeça pra isso, não tinha condição pra isso, e eutoda vida fui um homem nascido e criado dentro do mato, só o que eu sabia entender era trabalhar roça, era criar, era ser vaqueiro, era essas coisa, o serviço que eu sei da fazenda.69 Vemos nestas falas o grande sentimento de pertença ao lugar, que eles tinham pela roça. Fica mais evidente ainda, que esta afetividade estava ligada diretamente ao trabalho, “[...] tô aqui, mas é porque não aguento, mas, se não, eu tava na fazenda, [...] rancando pé de mato; lutano; lutano com a rês; lutano com isso, lutano com aquilo.”, como esclarece Sr. Justino. De forma igual Sr. José acrescenta, “[...] fui um homem nascido e criado dentro do mato, só o que eu sabia entender era trabalhar roça, era criar, era ser vaqueiro, era essas coisa, o serviço que eu sei da fazenda”. Isto representa o valor dado, pelas sociedades rurais ao trabalho, embora o cotidiano da comunidade seja composto de uma série de hábitos e 66 DUVIGNAUD, Jean. Prefácio. In. HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Centauro, 2003, Prefácio, p.12 67 PEREIRA, Áurea da Silva. Narrativas de vida de idosos: memórias, tradição oral e letramento. Salvador: EDUNEB, 2013, p. 97. 68 Justino Costa Souza, 80 anos. Trabalhador rural do povoado de Santa Quitéria, Itaberaba – Ba. Entrevista concedida ao autor em 11 de maio de 2013. 69 José Oliveira Fraga, 89 anos. Trabalhador rural do povoado de Santa Quitéria, Itaberaba – Ba. Entrevista concedida ao autor em 15 de maio de 2013. 28 costumes familiares, religiosos, festivos, e outros fatores, os quais são determinantes para a construção de uma idéia de pertencimento social. Este “assumir-se” como pertencente a um espaço e grupo “‘é uma referência necessária na construção da idéia de pertencimento do sujeito às suas pré-condições de vida, ou seja, a nossa auto-compreensão humana como co-existentes em um cosmos e em um eikos’”70. Observamos então que, “[...] naquele espaço se criou laços pessoais de sentimento mútuo que fazem com que as pessoas se sintam participantes de um espaço-tempo comum.”71. Lembrar-se do tempo em que se dedicavam àquelas atividades rurais, provoca nos idosos uma nostalgia da sua juventude, mesmo com todo o sofrimento do labor diário no campo. Para alguns deles, as lembranças que se destacam ao rememorarem, são aquelas ligadas “àquilo que perderam”: sua força de trabalho. Como bem coloca Ecléa Bosi, “o passado pode ocupar todo o espaço mental do sujeito, como no caso dos velhos, enfermos e aposentados72. Porém, este “prazer” pelo trabalho não foi unânime entre os entrevistados. Percebemos que este sentimento era maior, entre os entrevistados do sexo masculino. As mulheres aposentadas, pelo contrário, expressaram a labuta diária como algo que causava dor muito intensa, como é o caso da Dona Helena: Minha mãos meu fí andava cheia de calo, era de enxada, enxadeta. Nosso trabai, trabaiava, saía sete hora da manhã e vinha chegar cinco hora da tarde. Chegava, tinha dia que não guentava nem cassar o que comer, de cansada... pra criar fio, mas depois que me aposente, graças a Deus!, aí meiorê mais um pouco, também não melhorê mais não porque a idade foi chegano, foi chegano, até quando a véa descaiu mermo.73 Na fala da Dona Helena explicitam-se as dificuldades passadas por estes trabalhadores na roça. As mãos calejadas, reflexos do duro trabalho das atividades do campo, uma rotina de dez horas diárias de trabalho, eram consequências necessárias para que ela pudesse criar seus filhos. A lembrança feliz da Dona Helena, não estava no trabalho, mas sim no momento que se aposentou, “mas d’epois que me aposentê, graças a Deus! Aí meiorê mais um pouco”, como enfatiza. Porém, a sua infelicidade retornou junto com chegada da idade avançada, 70 MOURÃO, 2005 apud PEREIRA, Áurea da Silva. Op., Cit., p. 102. 71 PEREIRA, Áurea da Silva. Op., Cit., Idem. 72 BOSI, Ecléa. Op., Cit., p. 68. 73 Helena Aniceta Ramos, 85 anos. Trabalhadora rural do povoado de Santa Quitéria, Itaberaba – Ba. Entrevista concedida ao autor em 11 de maio de 2013. 29 “não melhorê mais não porque a idade foi chegano, foi chegano, até quando a véa descaiu mermo.” Diferente da Dona Helena, a Dona Valdomira disse nunca ter trabalhado na lavoura, apenas nas tarefas domésticas, na casa dos pais. Assim ela argumenta: Não, só... só trabalhei dentro da casa dos meus pai, dos meu pai, e tô até hoje no verso. Graças a Deus! Ele sozinho trabaiava. Por que ele nunca me botou na enxada, não.... Meus pai, nunca me criou pro... me criar, mas não... ne enxada. Meu pai trabaiava, muntava brabo, animá brabo, tudo, tudo ele fazia, agora eu não, nem fazia e nunca me tiro de dentro de casa, Pra dizer... vá trabalhar pra ganhar...o dia não, graças a Deus!74 Sobre a vida de casada, Dona Valdomira, esclarece que seu marido não a forçava a trabalhar: “Agora, eu é que ele nunca me boto pra botar, nem uma agulha. Você bota a agulha aqui... morreu vigi... nem a mim e nem meu filho”. O exemplo da Dona Valdomira expressa uma realidade muito diferente da Dona Helena, apesar da situação desta última ter sido dificultada – assim acreditamos – devido a sua separação do seu marido75, sendo obrigada a cuidar dos filhos sozinha. Provavelmente, o marido da Dona Valdomira entendia que os trabalhos do campo eram para os homens, e não para as mulheres. A alusão que ela usa “ele nunca me boto pra botar, nem uma agulha”, talvez signifique a não imposição dos afazeres fora de casa. A situação da mulher na roça era diversa, mas na maioria das vezes o seu trabalho era visto como inferior ou como atividade de apoio. Esta interpretação se expressa na seguinte fala do Sr. José: A mulé de casa, não trabalhô ne roça. Minha roça era pouca, o que tinha mais era criatório, assim, dentro do currá, quando não tinha uma pessoa pra mim ajudar, ela me ajudava, sigurava a corda de uma vaca, e me ajudava dá cabrito pras cabras, fazia essas coisa, servicinho de dentro de casa. Agora nunca foi mulé de levar pra roça não. Quando eu fazia uma roça, sempre eu... Deus sempre ajudava que eu tinha condição de pagar quem me ajudasse. Observemos a pouca importância dada pelo Sr. José ao trabalho da mulher, definindo sua atividade doméstica como “servicinho de dentro de casa”. Por outro lado, um outro 74 Valdomira Fraga de Oliveira, 103 anos. Dona de casa, povoado de Santa Quitéria, Itaberaba – Ba. Entrevista concedida ao autor em 15 de maio de 2013. 75 A D. Helena Aniceta não culpou as dificuldades que passou devido a sua separação do marido, além do mais ela não trouxe na entrevista as datas que estes eventos aconteceram, mas durante o depoimento a mesma deixou transparecer que a separação se deu muito antes de sua aposentadoria. 30 exemplo, desta vez do Sr. Justino, coloca a sua esposa e filhas como mãos de obra úteis, e necessárias, na labuta na lavoura. Desta forma relata o Sr. Justino: “Trabaiava na lavoura, na roça, todas elas. Elas trabaiava pra mim, e eu me virava. Elas morava tudo dentro de casa, eu é tinha que dá o sustento nera”. O Sr. Justino achava importante a participação da esposa e filhas na lavoura, mas com um detalhe, “Elas trabaiava pra mim, e eu me virava.”, ou seja, elas deveriam trabalhar, mas dentro do ambiente familiar, submetidas às ordens e à supervisão dele. Estes são sinais de uma sociedade patriarcal, em que a mulher tinha pouca ou nenhuma independência na tomada de decisões. Porém, a força de trabalho feminina esteve presente no desempenho das tarefas da roça, ora no preparo dos alimentos, ora na plantação, na colheita e no cuidado dos animais de criação. E isto se deu não apenas no espaço privado familiar – na sua própria roça –, mas também naprestação de serviços para terceiros: “Eu trabaiava uma semana ne minha roça, uma semana fora, era assim, mais mais era ne minha roça mermo”, como expôs a Sr. Helena. Os idosos estavam habituados ao trabalho, a perda da capacidade laborativa os privaram daquilo que mais valorizavam: O trabalho. O lembrar dos momentos de trabalho na lavoura ou na criação de animais são ao mesmo tempo prazerosos e dolorosos. Prazerosos, porque quando lembram eles não apenas visualizam o trabalho na roça, mas, também, a sua juventude, a mocidade, as festas, as brincadeiras e tudo aquilo que está ligado ao seu “passado”, que não volta mais. Por outro lado, lembrar é doloroso exatamente pelo fato de não terem o mesmo vigor que tinham quando jovens e isso traz uma carga negativa muito grande, muito sofrimento. O lembrar, enfatiza Bosi, “não é reviver, mas re-fazer”76 76 BOSI, Ecléa. Op., Cit., p. 20. 31 CAPÍTULO II LEGISLAÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOCIAL NO BRASIL: BASES PARA A FORMAÇÃO SINDICAL RURAL 2.1 Breve histórico da previdência social no Brasil Vimos no Capítulo I a representação do trabalho e da velhice para os nossos cinco trabalhadores rurais do povoado de Santa Quitéria, frente ao momento do gozo da aposentadoria. Nesta sessão, abordaremos o processo que passou a previdência social no Brasil até chegar ao momento em que objetivamos neste trabalho, que são os reflexos da criação do Estatuto do Trabalhador rural (ETR), pela Lei 4.214/1963 e da aprovação da Lei Complementar número 11/1971, que criou Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (PRORURAL). Nosso limite é o ano de 1988, com a promulgação da Constituição Brasileira, em que solidificará todos os direitos conquistados até aquele momento e criou outros. O início da Previdência Social no Brasil tem como marco a Lei Eloy Chaves, em 1923, pelo decreto lei 4.682.77 Existiram projetos anteriores, porém, todos destinados a categorias de profissionais do governo, militares ou da elite brasileira.78Foi a partir do decreto lei 4.682/1923 que outras categorias profissionais, não elitizadas, passaram a ser assistidas pelos benefícios assistenciais e previdenciários. Este decreto, criava Caixas de Aposentadoria e Pensões (CAPs) por categoria profissional ou empresa, a nível nacional. A primeira Caixa de Aposentadoria foi a dos ferroviários. Depois foram criadas as Caixas de Aposentadoria e Pensões dos portuários, em 1926; dos serviços telegráficos e radiográficos, em 1928; a dos serviços de força, luz e bondes, em 1930; a dos demais serviços 77 HADDAD, Eneida Gonçalves de Macedo. O direito à velhice: os aposentados e a previdência social. – São Paulo: Cortez, 1993. (Coleção questões da nossa época; v.10); RAMOS, Paulo Roberto Barbosa. Op., Cit. 78 N’O Panorama da Previdência Social Brasileira há registros sobre tais iniciativas, como por exemplo o plano de proteção aos oficiais da Marinha e seus dependentes de 1793; um decreto do Príncipe Regente Pedro de Alcântara, do ano de 1821, onde tratava o tema Previdência Social; o MONGERAL, que era um programa destinado aos funcionários do Ministério da Economia. Cf. Panorama da Previdência Social brasileira — 3. ed. — Brasília: MPS, SPS, SPC, ACS, 2007. 80p. Disponível em: http://www.previdencia.gov.br/arquivos/office/3_090126-092058-729.pdf. Acesso em: 18 ago. 2012. 11:06; KRETER, Ana Cecília de Medeiros. Avaliação da eficácia e da equidade das aposentadorias no meio rural. Piracicaba, 2004. 85 p. Dissertação (Mestrado) – Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, 2004, pp. 28- 29 32 públicos explorados ou concedidos pelo poder público, em 1931; dos anos de 1932 a 1934 foram criados também as Caixas dos trabalhadores das empresas de mineração e transporte aéreo. Haddad79, Kreter80 e Ramos81 notam que chegou a existir 183 Caixas de Aposentadorias e Pensões implantadas no Brasil. Nos últimos anos da década de 1930, foram criados os Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPs). A partir dos IAPs as categorias que outrora eram representadas separadamente começam a se unificar. Cada IAP representava uma categoria profissional. Haddad82 chama a atenção que o esquema de funcionamento dos CAPs se diferenciavam dos IAPs, pois com a criação destes, a cobertura previdenciária se estendia às categorias urbanas e não mais por empresas. Além disso, as CAPs eram geridas pela sociedade civil, já os IAPs constituíram-se como autarquias, isto é, instituições geridas pelo Estado, através do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Segundo Haddad, em 1938, além de 98 CAPs existiam 5 IAPs, eram eles: o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos – IAPM (1933), o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Bancários - IAPB (1934), o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Comerciários – IAPC (1934), o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários – IAPI (do ano de 1936, mas em operação de 1938) e o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Empregados em Transportes e Carga – IAPETEC (1938). Este último Instituto cobria também os empregados de petróleo e os condutores de veículos. Haddad acrescenta que os funcionários do Estado e os militares eram cobertos por sistemas separados. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) de 194383, apesar de ser reconhecida como umas das maiores conquistas para os trabalhadores do Brasil, não discutiu o tema previdência social rural, e também pouco satisfez as demandas e peculiaridades dos trabalhadores rurais84. Em 1960 foi sancionada a Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS), que estabelecia normas para a sustentabilidade dos benefícios previdenciários daqueles trabalhadores que 79 HADDAD, Eneida Gonçalves de Macedo. Op. Cit. 80 KRETER, Ana Cecília de Medeiros. Op. Cit. 81 RAMOS, Paulo Roberto Barbosa. Op. Cit. 82 HADDAD, Eneida Gonçalves de Macedo. Op. Cit. 83 Decreto-lei Nº 5.452, de 1º de maio de 1943. 84 Cf. WELCH, Clifford Andrew. A semente foi plantada: as raízes paulistas do movimento sindical camponês no Brasil, 1924-1964. 1ºed. São Paulo: Expressão Popular, 2010. Ver principalmente o capítulo 2. Preparando o solo: Tornando-se um problema burocrático, pp. 91-128. 33 exerciam atividade remunerada. Aquela lei uniformizou os direitos de todos os segurados, tendo como referência o padrão dos melhores IAPs. A unificação definitiva do sistema previdenciário brasileiro ocorreu com aprovação, em 1960, da Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS), unificando a legislação referente aos Institutos de Aposentadoria e Pensões e ampliando os benefícios [...]. Segundo a Lei Orgânica, os trabalhadores autônomos e os profissionais liberais passaram a participar do sistema previdenciário. Os empregadores eram, também, obrigatoriamente incluídos, ou seja, todos que exercessem atividade remunerada passaram a ser segurados.85 Em 1963, foi criado o Estatuto do Trabalhador Rural, através da lei 4.214. Este Estatuto foi muito importante para a regulamentação do trabalho rural, mas no que tange à previdência social rural esta lei não surtiu efeito, tendo como principal justificativa problemas financeiros, nas palavras de Ferrante virou uma “carta de intenção, sem qualquer aplicação prática”86. Apenas em 1971, com a lei complementar nº 11, que criou o PRORURAL, os direitos previdenciários rurais foram colocados em prática. Em 1988 foi sancionada a 8ª Constituição do Brasil. O texto desta nova Constituição pretendia universalizar os direitos, sem distinções ou privilégios à determinada camada social. Não pretendemos neste trabalho, tecer considerações acerca da implementação da equidade de direitos prescrita pela Carta Magna, mas ainda assim podemos
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