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RANCIERE, Jacques - As imagens querem realmente viver & DIDI-HUBERMAN, Georges - Devolver uma imagem

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Emmanuel Alloa !Org.l 
PENSAR A IMAGEM 
Georges Didi-Huberman 
Jacques Ranciere 
W. J. T. Mitchell 
Horst Bredekamp 
Hans Belting 
Emanuele Coccia 
Jean-Luc Nancy 
Marie-José Mondzain 
Gottfried Boehm 
Emmanuel Alloa 
Copyright C Les presses du réel. Dijon 
Tradução publicada mediante acordo com Les presses du réel, Dijon, www.lespressesdureel.com 
Copyright C 2015 Autêntica Editora 
Titulo original: Penser l'image 
Todos os direitos reservados pela Autêntica Editora. Nenhuma parte desta publ icação poderá ser reproduzida, 
seja por meios mednicos, eletrónicos. seja via cópia xerográfica, sem a autorização prévia da Editora. 
Todos os esforços foram feitos no sentido de encontrar os detentores dos direitos autorais das obras que 
constam deste livro. Pedimos desculpas por eventuais omissões involuntárias e nos comprometemos a 
inseri r os devidos créditos e corrigir possíveis fa lhas em edições subsequentes. 
COORDENADOR DA COLEÇÃO Rtô 
Gilson lannini 
CONSELHO EDITORIAL 
Gilson lannini (UFMG); Barbara Cassin (Paris); 
Carla Rodrigues (UFRJ); Cláudio Oliveira (UFF); 
Danilo Marcondes (PUC-Rio); Ernani Chaves 
(UFPA); Guilherme Castelo Branco (UFRJ); Joáo 
Carlos Salles (UFBA); Monique David-Ménard 
(Paris); 01/mpio Pimenta (UFOP); Pedro Süssekind 
(UFF); Rogério Lopes (UFMG); Rodrigo Duarte 
(UFMG); Romero Alves Freitas (UFOP); Slavoj l iiek 
(L1ubliana); Vladimir Safatle (USP) 
EDITORA RESPONSAVH 
Rejane Dias 
EDITORA ASSISTENTE 
Ceei/ia Martins 
PROJETO GRÁFICO 
Diogo Droschi 
REVISÃO 
Lira Córdova 
Renata Silveira 
CAPA 
Alberto Bittencourt 
O!AGRAMAÇÃO 
Jairo Alvarenga Fonseca 
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) 
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) 
Pensar a imagem/ Emmanuel Alloa. (org.). - 1. ed. ; 2. reimp. - Belo Horizonte: 
Autêntica Editora, 2017. (Coleção Filô/Estética) 
Titulo original: Penser l'1mage. 
Vários autores. 
Vários tradutores. 
ISBN 978-85-82 17-618-4 
t . Arte. Filosofia 2. Estética 3. Imagem 4. Percepção visual 1. Alloa. 
Emmanuel. 
15-03707 CDD-700 1 
lnd1ces para catálogo sistemático: 
1. Percepção visual : Arte . Ensaios 700.1 
O GO UPO AUT IHTICA 
Belo Horizonte 
Rua Carlos Turner, 420 
Silveira . 31140-520 
Belo Horizonte MG 
Tel. (55 31 ) 3465 4500 
Rio de Janeiro 
Rua Debret, 23, sala 401 
Centro 20030-080 
Rio de Janeiro RJ 
Tel. (55 21 ) 3179 1975 
www.grupoautent1ca com br 
São Paulo 
Av. Paulista. 2.073, 
Coniunto Nacional. Horsa 1 
23º andar . Conj . 23 10-2312 . 
Cerqueira César . O 1311-940 
São Paulo . SP 
Tel : (55 11) 3034 4468 
7. Introdução 
23. 
39. 
55. 
77. 
93. 
115. 
141. 
165. 
191, 
Entre a transparência e a opacidade - o que a 
imagem dá a pensar 
Emmanue/ Alloa 
1. O lugar das imagens 
Aquilo que se mostra. Sobre a diferença icônica 
Gottfried Boehm 
A imagem entre proveniência e destinação 
Marie-José Mondzain 
Imagem, mímesis & méthexis 
Jean-Luc Nancy 
11• Perspectivas históricas 
Física do sen · 1 • sive - pensar a imagem na Idade Média 
Emanue/e Coccia 
Da idololog· H · 'ª· eidegger e a arqueologia de 
uma ciência esquecida 
Emmanue/ Alloa 
A janela e o muxar b"• h" .. 
0 . a 
1• uma 1stor1a do olhar entre 
r1ente e Ocidente 
Hans Be/ting 
Ili A "d . v, a das imagens 
Mãos Pensantes "d 
nas cie"n . - c~ns1 eraçoes sobre a arte da imagem 
c1as naturais 
Horst Bredekamp 
Owque as_imagens realmente querem? 
· J. T. M1tchel/ 
Asimage J ns querem realmente viver? 
acques Ranciere 
As imagens querem realmente viver? 
Jacques Ranciere 
O que entender das palavras píctoríal turn (virada pictórica)? Está 
claro que T. Mitchell forjou a expressão como uma resposta ao linguistic 
turn (virada linguística). Resta saber o que "resposta" quer dizer. Isso 
depende, evidentemente, do que se coloca sob a expressão linguistic 
turn. Ora, essa expressão é portadora de múltiplas significações mais 
ou menos contraditórias. Pode dizer, de acordo com os pragmáticos 
e ª filosofia analítica, que os problemas da teoria eram, a princípio, 
uma que t- d b ' ' · . s ao os usos da linguagem. Mas evoca tam em a pratica 
sfcemiológica da leitura das imagens como mensagens codificadas, con-
orme o m d 1 d · d 1· ' · 0 e o as Mitologias, de Roland Barthes. A vira a mgmsttca 
poderia afi1r · · J'd d d · ºfi d mar a tese lacamana da matena i a e o s1gm 1cante e 
0 pritnado d · b , d · · b ' o sim olico na constituição o su3e1to, mas tam em a 
tese der . ct· . 
n iana evocando o privilégio da fala plena em detrimento do 
traço gráfico. Afirmar a primazia do linguístico seria, portanto, de 
um lado ret1'r d · · • · ' 1 d · 1 . ' ar a imagem sua cons1stenc1a sens1ve , re uz1- a a seu sentido . 
lad '_quer dizer, às forças que manipulam a linguagem. Por outro 
o, sena d . , . • . d . enunciar sua solidez· subtrair o pensamento a cons1stencia o imagi , . , . 
q nano mascarava o primeiro trabalho da escnta ou a forma ue o simb, J' . • . 
e d . 0 ico faz efeito no real. A dupla denúncia da cons1stencia 
a incon · • • ''i s1stenc1a das imagens poderia se resolver em um mesmo 
conocJasma" , · , · · • d d inv . teonco no qual a fe marxista na mversao o mun o 
ert1do s . -
n1u d e apoiava sobre uma visão platónica da separaçao entre o 11 o s , 
enstvel das aparências visíveis e O mundo inteligível, acessível 
191 
somente pelo exercício dialético. Segundo essa lógica, as imagens 
exibiriam ao mesmo tempo a inconsistência das aparências sensíveis 
a dissipar e a consistência de um mundo de dominação reversível 
pelos explorados, armados pela dialética. As imagens não seriam nada 
- somente simulacros sem vida - e seriam tudo: a realidade da vida 
alienada, a consistência do mundo das ligações sociais fundadas sobre 
a exploração. A operação que desvelaria seu nada estaria garantida 
por uma aposta ao mesmo tempo na calma do conhecimento que 
volta das sombras da caverna para contemplar o esplendor inteligível 
da verdade, e na energia das massas operárias, que terminariam por 
esmagar o funcionamento do peso da máquina que produz a explo-
ração e as imagens. 
Falar de píctorial turn é, portanto, fazer duas coisas em uma, duas 
coisas que são logicamente independentes: é contestar a metafisica que 
sustentava o linguistic turn; é constatar, por outro lado, o esgotamento 
dessa metafisica, um esgotamento que se manifesta sob uma dupla 
1 - tre a face. O esgotamento é marcado, de um lado, pe a separaçao _e~ 
denúncia platônica das aparências e a fé marxista na destruiça~ da 
, . - io dele advem a 
máquina· o iconoclasma teonco torna-se, entao, vaz , ' d ai J.á que tudo 
demonstração niilista do engano de um mun ° no qu , , . , . d d qualquer eficacta. 
é imagem a denúncia das imagens esta pnva a e . d d ' · de Baudnllar e 
É esse desencantamento que resume o conceito eal . - 1· da em que o r 
b ºd de do mundo da comunicaçao genera tza , . . o scem a I do se ass1sttu a . d • ia Mas de outro a , não se separa mais e sua aparenc . , . a reafir-. · tiva - das imagens, um 
uma requalificação - positiva ou nega - ontra o 
mação de sua própria consistência. Nessa reafi_rma~ao se e:cepois de 
1 - d autor de Mitologias, que, testemunho teórico na evo uçao o . sua mensa-
. dissolver as imagens em fi 
ter consagrado tanta energia para f: d da fotogra ia 
gem se juntou ao seu oposto, em A câmara clara, azen o a qualidade 
tra
' nsporte da qualidade sensível única de um ser, um tido. Mas a 
o d • d como seu sen 
irredutível a cudo isso que pode ser esign~ o . ática pelo retorno 
. - traduz também de maneira mais pr das de 
requahficaçao se d T Jiºbãs destruíram os Bu 
1 l·ceral quan ° os ª tes ao de um iconoc asma t ' " de arte" pertencen 
. . assim, eles tornaram essas obr~s . . ra de imagens 
Bamiyan. 'd de" em sua realidade pnmet ·festa 
"patrimônio da humant a lsos deuses cuja falsidade se man1 s 
da divindade, imagens dessels fase deixem representar por imagen . 
f; to de que e es 
justa111ente no a f1L0Esrtr' '~ 
Ao falar de um pictorial turn, T Mitchell assi·m1·1 , · d · a a cntICa a 
crítica na declaração de seu esgotamento Ora essa ass· ·1 - -· , imi açao nao 
é evidente. Porque, mesmo se o esgotamento da crítica "iconoclas-
ta" se deixa muito facilmente observar seu exame pod d · • e con uzir a 
uma dupla conclusão. Se a crítica das imagens teve seu momento, foi 
talvez porque a mudança de época, anulando seus poderes, revelou 
os pressupostos duvidosos que a fundaram, ao tempo mesmo que a fé 
num futuro de revolução ou de progresso sustentava os empreendi-
mentos e voltava a exáminar seus princípios. E, certamente, 0 autor 
de Iconology e de Picture Theory aportou a essa crítica da crítica mais 
de ~m elemento, ao analisar as pressuposições - filosóficas, sociais, 
sexistas - que fundam, já em Burke ou Lessing, o privilégio da fala e 
ª desqualificação da imagem visível (MITCHELL, 2009).1 Ele esclareceu 
ª _forma em que uma certa modernidade pôde se construir, privile-
giando, dos dois lados da imagem, a materialidade do significante e 
a da for · ' 1 b _ . ma VlSlve a strata. Ao contrário, ele lembra que a imagem 
nao se identifica com o visível e que os poderes da fala são aqueles 
de suas cond - d 1 ensaçoes e es ocamentos, que fazem ver uma coisa em 
uma outra ou 
b 
por uma outra. Ele mostrou como o discurso moder-
no e . ' m mais que a pureza do significante ou a abstração da forma 
se nutriu de fibº , dº seres an i 10s: monstros geradores do discurso como o 
inossauro· es . d hº , . . , . 200S ' cntas a istona petrificadas como fosseis (MtTCHELL, 
entrei;" 169-187). Seguiu o destino desses anfibios através de alguns 
aquel çamentos exemplares de palavras e de formas visíveis, como 
esque w·u· de u i iam Blake propõe e que poderia figurar como o pai 
rna mod .d d 1995 erm a e resolutamente antilessingeniana (MITCHELL, 
'p. 111-150). 
Ao se seguir o fi d , . 1 . , . e. 1 em p· . 10 essa cnt1ca, ta vez nao sep necessano 1a ar 
ictonal , . 
ºPor as . _ turn. Pode ser suficiente, de um modo genealog1co, 
v1soes sim 1· d . " . . . 
0 u real •d P istas a imagem como aparenc1a mconsistente 
i ade m l' fi , d Palavr ª e 1ca a genealogia efetiva dos entrelaçamentos e 
as e de ti . lllesrn
0 
te armas que fazem a vida das imagens, uma vida ao 
das Pot" ~po mais sólida que a das aparências e mais leve que a 
encias m l'fi , , ºb . ª e icas. Mas e evidentemente poss1vel atn Ulf outra 
e1 le espeito "Le L . . . " " s Politiq aocoon de Lessmg et les polmques du genre e Edmund Burke 
ues de la sensibilité" (2009). (N.A .) 
•10~ 
DAs 1 
loiAGENS 193 
causa ao esgotamento da crítica, e lhe dar uma transformação efetiva 
no estatuto mesmo das imagens. Pictorial turn, então, não designaria 
simplesmente uma redenção justa à imagem contra as acusações 
de inconsistência ou de grande consistência. O termo designaria 
uma virada histórica efetiva, uma mutação no modo de presença 
das imagens, não mais uma justiça dada pelo observador, mas uma 
vingança exercida pelas novas potências da imagem contra todos 
aqueles que negaram seus poderes. Essa segunda via é certamente a 
escolhida por Mitchell. Isso quer dizer que ele escolheu responder, 
de uma forma privilegiada, a uma certa crítica das imagens, aquela 
que declan sua inconsistência: aquela que atualmente as diz des,· 
pa,:ecidas no fluxo de comunicação, que as faz, em última instlncia, 
apenas núm«os. Mas, pm mpond« a essa cdtica, é p«_"so, de 
uma certa maneira, reuni-la à outra, aquela que faz das imagens 
potências dotadas de uma vida maléfica. Reabilitat ª'. im_"gens, P: 
Mitchell, é insistit em sua v,tahdade. As ,magens nao "º ,eflex • • • - · er dizer organismos 
sombras ou artifícios, sao seres viventes, qu , 
dotados de desejos. . , . bl , · Alguns estanarn 
Essa formulação e evidentemente pro ematica. - - viria Pode-se, 
tentados a dar a Mitchell uma aprovaçao que nao con · to . d outra um cer 
de fato, atribuir vida à imagem, trazen o a uma e a . h 11 não , . t . sso que T Mitc e 
núcleo de informação. Mas e JUstamen e i · é-- , d de mensagens gen 
quer. Seu mundo de imagens nao e um mun ° . gens , . . b . . como as una 
ticas codificadas e um tecido vivo que su St1tui, unda ' . . 1põe uma seg 
de Oeleuze, um.a história natural. Mas aqui se in formas . . . d fi · m.agens com
0 
distinção. A história natural deleuziana e ine as i . d Mitchell, ·d - - ânicas As e 
de vida, mas essas formas de vi a sao nao org · . em que a alternauva 
em contrapartida, se inscrevem claramente em um . . al é uniª - • e , · con1un1cac1011 0 
a vida que se opõe à abstraçao 1niormauca e iso10-• . . . . . de umorgan 
vida orgamca uma vida simbolizada na imagem . em que ' universo 
universo biocibernético é, para ele, claramente um •cesta contº ª · d · da se mal111' ·ai 
os dois termos entram em conflito, on e a vi o píct.or
1 
· , · d imagens- .A s 
" doença" que resiste à liquidação c1berneuca as \cado- 1v•ª no do reca as 
rurn se deixa descrever, então, como um retor _ são as for!l
1 
- , ·d d no DNA nao ·dual-
isso que retorna nao e a v1 a numera a ' • . indíVl , . . . . . ' · d 0 rgan1ca, a e 
de vida pre-md1vidua1s de Deleuze. E uma vi ª .. d \idade: t.1
111 
. ind1v1 ua 
Mas há duas grandes maneiras de pensar essa tt''~ flLoES1 
194 
aquela do corpo orgânico estruturado por uma lógica da falta; a outra 
é a do vírus proliferador. 
A vida que Mitchell reivindica para as imagens oscila entre os 
dois polos. O desejo que ele lhes atribui oscila da mesma maneira 
entre a expressão de uma falta e de uma vontade e a afirmação scho-
penhauriana de uma vida que prolifera sem finalidade. Em um polo, 
há uma vida que se prova por sua falta de vida: a imagem é vivente 
precisamente porque a ela falta vida, ela precisa de nós para ser o 
organismo do qual ela ainda é a sombra desencarnada. Assim como 
esse Tio,Sam que reclama o sangue dos jovens americanos. Ele não 
o reclama como um pai que usaria seus velhos direitos de patriarcas 
ou da mãe pátria-revolucionária sobre a vida de seus filhos. O tio 
necessita desse sangue precisamente porque ele não é um pai e por-
que seu próprio sangue está seco, portanto, ele não pode simbolizar 
0 organismo comunitário sem fazê-lo com a sua carne e o seu san-
~ue (MITCHELL, 2005, p. 37). O jovem tio se torna um vampiro, e a 
~magem em falta se aproxima de outra figura da imagem vivente, a 
o virus pro i erante, se amparando na vida dos indivíduos imagem com , 1·fi 
como essa c t· · or ma amencana que, sobre a fotografia de Robert Frank. 
corta as cabe d h bº ças os a itantes de Hoboken. Mas o vírus se hospeda 
na cabeça d · os artistas e encontra sua imagem matricial nessas nuvens 
que fazem com d . . E , que o corpo e William Blake pareça em turbilhão. 
0 virus de m . nossos computadores aparecem menos como artefatos e 
ais como falh d , . • ret as as maqumas, as formas de uma vida organica que 
omamse dº . us ireitos sobre o código informático o. . . p1ctorial turn e' e t- · · ' · d same , n ao, menos um retorno imagmano o pen-
trans;to contemporâneo do que uma volta da máquina dialética, a 
ormar as· • no fu d imagens e a vida em linguagem codificada. Tal será, 
artific~ 
1
º• ª tese de Mitchell: a máquina que quer produzir a vida 
ª mente p d d r . . uma n ro uz e 1ato um novo tipo de imagens, que define 
ova pot' . d . suas im encia a vida, de uma vida que não se deixa separar de 
E 
agens e de . que seus monstros, de suas doenças e de suas nutologias. 
'em tod . Ptoduzid O caso, ele ilustra com a figura de um clone. A vida 
de urna ª pelo artificio dos sábios não é qualquer vida. Ela é aquela 
a 
. ovelha do an1· l e .d ·ri . b nuna! . ' ma 01erec1 o em sacn 1c10 mas tam ém do 
s1mb 1· • do corpo d O iza_ndo o Deus que morre e ressuscita por realização 
ª IgreJa e da ressureição final dos mortos. 
""'º A 0As IMAGENS 195 
Assim como Mitchell faz do dinossauro e do fóssil os animais 
emblemáticos de uma modernidade romântica - uma modernidade 
não modernista-, ele faz da ovelha clonada o animalemblemático de 
uma pós-modernidade não pós-modernista: uma pós-modernidade 
na qual O pretendido reino da máquina comunicacional produz, ao 
contrário das expectativas e dos estereótipos, uma nova exuberância 
das imagens como forma de vida. Segundo essa lógica, mesmo as 
formas da negação e da destruição das imagens tornam-se as provas 
de sua potência vital reforçada. É o que demonstra a análise da pu-
blicidade "iconoclasta" que nos lembra que a sede, e não a imagem, 
nos faz beber. Mitchell retoma o argumento: a "negação" ~a imagem 
em favor da sede é a afirmação da potência que sustenta as imagens, a 
otência da oralidade. A "sede contra a imagem" é, de fato, u_ma sede 
pd . (MITCHELL 2005 p 77-80). Mitchell pode aphcar essa e imagens , • · , . , . 
, . do retorno a toda forma de iconoclasma, teonco e prauc~. 
estrategia . , 1 d, 0 mesmo· os dois Denunciar a potência das imagens ou nega- a a n ·• . 
atos expressam para ele a mesma a~si~dade ~iante ~e ~u:Jr~:;;~i:•n: 
mesmo reconhecimento dessa p~tencia. A a irn:iaçao :de a ora ser 
da indistinção definitiva entre imagem e reahdadde mg tanto 
• . eaçadora a image 
tomada como expressão da potencia am 1 d Cronenberg, mas 
• ·b , · dos fi mes e 
quanto as fantasmagorias ci erneticas di·das na imagem ,1. d mensagens escon também tanto quanto as ana ises as desse perigo de . rvar os outros 
Publicitária. O iconoclasta quer prese - que sempre se vado Sao os outros 
que ele se supõe, ele mesmo, preser . . l'fi d i·magens. Mas essa , . d ( eia ma e ica as 
representam como vitimas a po en_ ll a potência. Por que 
, r. Mitche acusar 
delegação da crença so iaz, para ' l fici·os se não porque 
d . m seus ma e i 
acreditar que os outros acre i~am e , . dos Budas e o sociólogo 
se acredita também? O destruidor fan_auco força que eles negarn-
desiludido da tela total testemunham Juntos :ssa história, urna cena 
Esse encontro dos extremos teve, n_a n . ralmente, a da de~-
. · 1eg1· ada à qual Mitchell se refere muito natu f:azer referência 
pnv1 · , d C Mesmo sem 
rubada das torres do World Tra e enter. ue sua análise é urna 
d d · de pensar q ·- de 
1 d •fic1·1mente se po e e1xar u a opiniao a e as 1 , 1 · 0 recuso ' , álise de Baudrillard. Este u um do suas teses, 
resposta a an fc . m retorno do real desmontan difusão 
que a queda das torres,º~ u indissociação entre o even:º e a ue ela 
Ele destacou, ao contrario, a - . desmentir a ficçao porq 
. . lidade nao parecia 
de suas unagens. a rea F1Lofsrrr1c~ 
196 
havia absorvido a energia, ela mesma se tornou ficção. E a derrubada 
das torres havia sido antecipada em sua existência como dublê, que 
fazia de cada uma o clone da outra. A queda das torres comprovaria 
que elas eram imagens às quais toda nossa realidade atual se volta. Elas 
atestariam a tendência suicida carregada por essa realidade. Mitchell 
retoma o argumento da equivalência entre imagem e realidade. o 
terrorismo não é o vírus da irrealidade que leva a realidade a con-
frontar sua própria morte. 
Ele é a destruição das imagens como símbolos de uma potência, 
realidade dessa dominação encarnada e sua imagem. As torres eram 
para os terroristas as imagens viventes e insuportáveis da potência 
americana. O argumento é mais clássico e mais razoável, parece, que 
o de Baudrillard. Mas não haveria um equívoco na ideia de líving 
image? A vida do World Trade Center não era a vida de sua imagem. 
Ela era a vida de um centro de poder efetivo. E a carga simbólica 
de sua destruição não significa que seja como imagem que as torres 
foram destruídas. Transformar o símbolo em "imagem vivente" é, 
:m um sentido, dar demais à imagem. Mas, em um outro sentido, 
e_ dar muito pouco, ao fazer simplesmente a correlação de uma an-
siedade e de · 1 A • S d . e uma mto erancia. egun o essa mterpretaçao, as torres 
1oram" ·d ,, " pum as como se elas fossem seres humanos porque elas eram 
an affront . 1 . . . or v1sua msult to those who hate and fear modermty, 
cap1ta1ism b • h p d , iotec nology, globalization" (MITCHELL, 2005, p. 15). 
o er-se i di N - ª repr:.ovar Mitchell aqui por se bandear um pouco em 
reçao daqueles 'd .fi 1 . , . . 
eº que 1 ent1 1cam a uta contra o 1mpeno americano rn o" 
que medo diante da modernidade". Ele responderia, sem dúvida, 
esse medo naNo ' ' · d · 1· · · fc · D 11 prov e propno os is amicos, que a mo ensiva o y 
oca, ela tambe'm A • A , . d d d terra • ·•• , o pamco na menca avança a, e que o me o o 
rismo d . . 
diant d ~o e ter as mesmas fontes obscuras que o ultraJe ressentido 
Por Ceh Virgem Maria ornamentada com excrementos de elefante 
ris Ofil• o . . . . a cren · 1. medo arcaico experimentado diante das imagens, 
· Çaemseup d I' ' · ·1' · d ninguém O er ma efico, argumentaria ele, não e pnvi eg10 e 
Pela rn d. M~s esse argumento que coloca os "primitivos" assustados 
0 ern1d d d · d I 08 coJoc .ª e e costas para os espíritos fortes que se nem e es 
e" a em igu ld d · · l ' "Pressão d ª a e, ao preço de reduzir a imagem em gera a 
lllunct0 e crenças e de medos arcaicos insistentes no coração do que acred · A ita te-las cassado. 
~VID ~º~s 114~GENs 
197 
Não há como negar a dimensão antropológica das imagens. 
Os historiadores das imagens, de Aby Warburg a Hans Belting, nos 
obrigam a lembrar que os objetos que admiramos como "obras de 
arte" foram primeiro objetos usados em função de rituais, expressão 
de inquietudes ou de utensílios de práticas exorcistas. O que resta 
do beneficio de contestar "a crítica" que reduz as imagens a ilusões 
enganosas corre o risco de se perder se a vida que se atribui a elas 
é wna vida alimentada por crenças e medos. Não se pode pensar a 
independência das imagens lhes subtraindo do dilema de ser ilusão 
ou vírus? É bem essa independência que Mitchell encontra diante 
da fotomontagem de Barbara Kruger, onde o perfil de um rosto 
de mármore é comentado por essas palavras, alinhadas sobre o lado 
esquerdo: "Your gaze hits the side of my face". Ele leu ali mensagens 
contraditórias de uma denúncia feminista do olhar masculino e de 
uma afirmação da radical indiferença a todo olhar (M1TCHELL, 2005, 
. _ , b' ·fc t -0 de um estatu-
p. 45). Mas essa contradiçao e tam em mam es aça . _ · ' smissao de uma 
to da imagem que não se deixa reduzir nem a tran 1 
mensagem nem à absorção modernista da pin_tura voltdada parap:a: 
. d Ch rdm ocupa o em so 
mesma tal como ilustrado pelo Jovem e a I ue é ao ' . , · mente ague a q 
bolas de sabão. A imagem consistente e precisa lhe e o rejeita 
. lh quela que o aco 
mesmo tempo face e s1ze para o o ar, a , . Schiller - um autor do 
ao mesmo tempo. Essa tensão dos contra~1~s'. de beleza, quer dizer 
século de Chardin - transformou em cnter_io " d olhar. Michael 
· "l vre Jogo 0 essa " livre aparência" que permite o i bJerna de urna pin-
fried faz do jovem absorto por suas bolhas o ernb ver nele rneslllº· 
. d d t o para se a sor 
tura modernista se desvian o o tea r e. ça colocando seu 
d ma outra ror ' . . de Schiller dá ao "jogo" da figura to a u J no Ludov1s1 
l I d urna deusa, a u d e olhar sobre uma cabeça co ossa e - se sacia com na a 
Roma: uma deusa ociosa, uma deusa quOe9)nlaoso quer dizer tarnbél11 
1992 207-2 · s r Pº e 
na-o quer nada (ScHlLLER, ' P· . . mente no O irn . d · rnagmana 111a1s 
uma deusa que parou de co~1an estátua que não ex.~r_ce Jes" 
d. 
. . . concretamente na cidade, d . uma s1rnP e servir . -0 nem me o, r ado 
função e não inspira mais nem ad~ra1:r um no espaço neu_cra ;:nce 
imagem oferecida ao olhar d~ quac1ardin serve retrospecuva coisa, 
S oJ·ovem ocioso a 0 ucra de um museu. e . essa deusa serve de u1flª 
de 
emblema da autonomia da arte, m1·zação paradoxal 
bl . a auwno 
sem poder servir de em ema. f1L0E srir1c~ 
)98 
experiência estética, de uma experiência livre d · d · difc . , . o Jogo e a m erença 
oferecida a todos. E a virtude política dessa 1· d'fc n 1 erença que Hegel 
consagra quando ele exalta, em um quadro de M ·11 . , . , . un o que representa 
a mocenc1a ohmp1ca dessespequenos mendigos d s ·11 · e ev1 a, cnanças 
esfarrapadas, que não fazem nada e com nada se p N d , . reocupam. a a 
fazer, tal e a virtude paradoxal a virtude indi·ssol 1m , · , . . ' uve ente esteuca 
e poht1ca das imagens. 
É ainda essa virtude da indiferença da imagem q fc . ue o erece sua 
força na imagem de Barbara Kruger. O rosto de uma mulher com 
raiva franzindo a sobrancelha e lançando um olhar violento ao homem 
~gressor pode ser eficaz "na vida". Não tem nenhuma eficácia como 
imagem. As feministas que querem denunciar o estatuto da mulher 
no m~ndo da arte preferem, não sem razão, a máscara do gorila. Mas 
0 gorila de Guerrilla Girls se dá como emblema, não como obra. O 
perfil de mármore de Barbara Kruger se dá como obra política. Mas 
se ~le pode fazê-lo, é por unir dois estatutos oposto da imagem. O 
artISta const · • . rum sua imagem articulando duas ambiguidades: a do 
perfil do qual - b -
1 
nao se sa e se ele distorce a dignidade do olhar ou se 
e e afirma i d · . me !atamente sua mdependência em relação a ele· a do 
texto do qual - , ' nao se sabe se ele denuncia a agressão que ainda bate 
no perfil que su . escapa ou se ele afirma que ele estará sempre ao lado de 
a mira. Mas essa co t - d . - l' . , u111. f: ns ruçao e imagem como operaçao po em1ca e 
a aca de dois gu , , , l . d . . ca111. d . mes, e so e possive ap01a a sobre uma pnme1ra 
a a im , . 
111.ental d ~getica, sobre uma indiferença, uma "ociosidade" funda-
image ª imagem. A operação polêmica pode funcionar porque a 
quase :dn~u~raliza o que distingue a mulher - aqui permanecendo 
na frie drogina - da deusa e aquilo que opõe a carne, refletindo a luz 
za om' o conf!• _ armore. Ela funciona porque as palavras que explicitam 
ito sao s d as pro . epara as ao mesmo tempo de toda boca vivente que 
nunc1a e d d. norniz d ª isposição normal das frases, as palavras são auto-
a as como . 'fi Por sua epita 10s sobre as placas de mármore, espacializadas 
ab sombra A in1 , fi b 1· d. . - l stração d · agem e e 1caz ao a o ir a 1stmçao usua entre a 
Er e~encarnada das palavras e a vitalidade do corpo. 
n a assun q fi . d '\.0dchenk u~ unc1onavam, já nos anos 1920; os cartazes e 
0bjetos re o, espacializando as palavras em formas simplificadas de 
111 presentado fi d d. -esrna fl h s a 1m e uni-las em uma mesma 1reçao, uma 
ec a volt d , . . ª a em direção à conquista do futuro. E amda isso 
•10~ O 
~s '14~GE~s 
199 
o que fazem, de outra forma, as "imagens reais" pelas quais Alfredo 
Jaar escolheu "representar" o genocídio em Ruanda. Essas "imagens 
reais" não representam para nós nenhum dos corpos sacrificados. Elas 
nos mostram palavras inscritas sobre caixões negros nas quais estão 
fechadas as fotografias dos corpos ausentes, quer dizer que ele lhes dá 
um outro corpo, um corpo e uma história singular em lugar de um 
corpo anônimo da vítima do massacre de massa. O que constitui a 
imagem é a operação que transforma uma corporeidade em outra. E 
é ainda uma metamorfose desse gênero que Mitchell (1994, p. 281-
322) analisa quando estuda, em Let Us Now Praise Famous Men, uma 
outra política de "igualdade" de palavras e representações visuais, 
aquela que joga sobre a independência radical da série visual e da sé-
rie verbal fornecendo de um mesmo golpe imagens políticas menos ' , . d 
"viventes" mas talvez mais eficazes que as montagens dramaucas e 
. d sentes à mesma corpos viventes e de pensamentos concentra os pre 
época em You Have Seen Their Faces. d 
"• " engana ora Talvez a ovelha sacrificial seja agora uma imagem , . _ 
• . , . . . m de Craulo nao 
do estatuto das imagens. Platao p ensinava. a image . . . l' de um corpo 
é um segundo Crátilo. O remo da imagem termina ª on • , mais 
A lha clonada nao e 
é a réplica de um corpo em carne e osso. ove . teria 
• e. da além de imagens, 
uma imagem, e se as torres na.o iossem na . tência 
. D , imagens sua cons1s 
sido suficiente destruí-las como efigie. ar as que são 
. • . de quase-corpo 
própria é justamente lhes dar a cons1stencia ta para "o 
. vivos Na respos 
mais que ilusões, menos que orgamsmos . . . h 11 (2005, P· 48), 
. ," , · nos diz M1tc e e. 
que querem as imagens. , e preciso, . 11" Talvez de iato · " thmg ata • correr o risco de que a resposta seJa no d . tranquilas, que 
• . d • ue as e1xem . -as imagens nao queiram na a, senao q . talvez esteJª 
. beneficio que ra 
não as obriguem a serem viventes, um d tanto- Ou, Pª 
• 0 deman a [11 mos um pouco inclinados a dar e que na . s que quere 
e. b . d es de unagen e 
dizer de outra forma, são os ia nca or e. . stamente porqu , 
1 l ossam iazer JU , 1 s e fazer alguma coisa, mas ta vez e es p E iarnos ve- a ' 
• nada se an . ao 
as imagens, elas mesmas, nao querem . de lhes subtrair d 
d lh 1prestar ou ·da e 
P
ela capacidade que temos e es en . da rnodern1 . 
. A andes narrauvas logias 
mesmo tempo vida e vontade. s gr • t das duas, ceo 
• d · 01 que sao, o · 010-
J·ogaram com duas teologias a unage b . há a teologia da • d . · •0 das som ras. . ens de antirrepresentaçao, da 1SS1paça . d eal e as n11rag 
. • obscenidade o r dernista nega.uva que opoe 3 srET'' ~ 
flLOE 
200 
representação à virtude autônoma das palavras e das formas puras; e 
há a teologia romântica positiva da encarnação, essa faz da separação 
das palavras e das aparências o mal absoluto e reivindica para toda a 
imagem, toda palavra, toda sensação, um corpo vivente. Sem dúvida 
é preciso sair desse dilema para pensar a natureza e as metamorfoses 
desses quase-corpos que são as imagens. "Pictures want equal rights 
with language, not to be turned into language. They want neither 
to be levelled into a 'history of images' nor elevated into a 'history 
of art', but to be seen as complex individuais occupying multiple 
subject positions and identities" (MITCHELL, 2005, p. 47). Poder-se-ia 
protestar que essa vontade de singularizar as imagens lhes empresta 
amda muito de "desejo". Mas isso seria esquecer o papel do "como 
se" no pensamento de Mitchell. Tomemos, portanto, a liberdade de 
corri~ir em seu lugar: as imagens fazem como se elas quisessem tudo 
isso. E em todo . d • 1 . . . •, caso, assim que evemos ve- as se qmsermos fazer 
JUStiça a sua vida sem obrigá-las a ser tão viventes. 
Referências 
MITCHELL W T J · • · · • P1cture Theory. Chicago: Chicago University Press, 1994. 
MITCHELL W . 
Press, 2005_ ' · T. J. What do Pzctures Want? Chicago: Chicago University 
MITCHELL W . 
Stépha R ' · T. J. Iconolog,e: ímage, texte, ídéologíe. Trad. Maxime Boidy et 
ne oth Par· . L p · . . S · 15• es raues Ordma1res, 2009. 
p~~-ILALE
6
R, F. Lettres sur l'éducatíon esthétíque de /'homme. Trad. R . Leroux. 
· u 1er, 1992 [A - . Márcio Suzuk· _ · educaçao estética do homem. Trad. Roberto Schwarz e 
1· Sao Paulo: Iluminuras, 2002.] 
201 
Devolver uma imagem 
Georges Didi-Huberman 
As questões mais ingênuas escondem, muito frequentemente, 
todos os seus recursos para provar a real complexidade das coisas. É 
ainda o "pensamento grosseiro" que se revela o mais propício - segun-
do a ideia de Walter Benjamin (2003 [1935], p. 72-73), comentando 
ª pedagogia paradoxal de Bertolt Brecht em suas montagens épicas -
para reivindicar uma visão dialética, mais sutil, dessas coisas complexas 
que são as imagens. Por exemplo, não é inútil se perguntar de que 
exatamente uma imagem é imagem, quais são os aspectos que aí se 
tornam · , . -. visiveis, as evidências que apareceram, as representaçoes que 
Primeiro se impõem. Essa questão tem, ainda por cima, a vantagem 
de susc ·t · - · I i ar O interesse pelo como das imagens, outra questao crucia · 
E~p · · ld ois, existe a questão totalmente tola - e totalmente ma osa, 
na real. d d . , . . -
· 1 ª e, quero dizer a questão pohuca - de saber a quem sao as 
IU1age 0· . . ns. iz-se: "tirar uma foto". Mas o que se ura, a quem se ora 
exata · 1 • 1 mente? Tira-se verdadeiramente? E não é preciso devo ve- ª ª 
quem de direito? 
* 
No s · r · a do mundo ro111 eu sentido antigo ligadoà antropologia Pº mc ano da é ' d . or um instante o eikó Poca da República , a imago - eixemos P . 
n grego , . , . 1 · mediatamente a CJUest' ' esta e uma outra historia - co oca 1 
ao de s " · " o rosto da 111orte d ua posse e de sua restituição. O gesso ora 
• epois é preciso "retirar" o molde, e despejar a cera quente para 
205 
obter uma "tiragem" e, quando as novas crianças da família tomam 
para eles suas imagens ancestrais, "retirar" novos exemplares a fim de 
que a imagem, assim reproduzida, garanta sua função de transmissão 
genealógica e honorífica. Porque a imagem, nesse sentido, é um objeto 
de culto privado - os ancestrais, a morte, a família - e um objeto de 
culto público - o "direito de imagem" estando de acordo apenas com 
o lugar que ocupa o ancestral na res publica, e a exposição das imagines 
sendo um espetáculo público no quadro das "pompas fúnebres" ou 
rituais de enterro -, pode-se dizer que a imagem institui a questão 
da semelhança fora de toda a esfera "artística" como tal. Ela aparece 
mais como um objeto do corpo privado (o rosto daquele cuja imagem 
é fabricada) que retorna à esfera do direito público (Drn1-HuBERMAN, 
2000, p. 59- 83). 
* 
O que é isso hoje? Vilém Flusser (2006, p.122-123), em seu 
artigo sobre "La politique à l' âge des images techniques", descreve 
a situação assim: 
. • 61 · d paço públi-Antigamente as m formaçoes eram pu 1ca as no es 
co, e as pessoas deviam deixar suas sa las para ter acesso a elas [-} 
d " 1 · . ente engaJadas . Elas eram, de bom ou mau gra o, po iticam 
. 'd d . nte do espaço Hoje, as informações são tra ns1111t1 as iretame 
. d permanecer em privado ao espaço pnvado, e as pessoas evem . 
1 f l EI . portam um "desengaJa-casa para ter acesso a e as. ... as su • rve , 61' o o fórum nao se 
mento político", porque o espaço pu ic • ',, . "está 
"o po 1t1co 
mais para nada. Nesse sentido, pretende-se que . , . onde 
b pós-h1scona, morto e que a hi stória se debruça so re ª 
nada progride e onde nada, simplesmente, se passa . 
.d or esse . ·1 • rodu z1 a p 
Poder-se- ia dizer também que a ma10r 1 usao p 1undo se 
, . d se paisa no 11 
"aparel ho de Estado" das imagens e que na a . 
não se passar na televisão. . . . . , . era ública para além 
O que fazer pa ra restuurr alguma co1s~ a esfc . p . . ·, os restos: 
lh , E reciso 111sflt t11 
dos limites impostos por esse apare o . p trar - o rebotalho, 
as instituições o que elas 11 ão querem mos •corná-Ias a 
tomar n . . ensuradas - para rc . . s 
rcfil1go as imagens esqueudas ou e . 1 de aos c1dadao . o . . " ' bl '. " à comunica , . d d' ·co quer dizer, ao pu ico ' ' 
quem e JreJ • nc~ fJLÕ[Slf 
206 
É exatamente o que faz Harun Farocki quando nos mostra, em seus 
filmes ou instalações, conjuntos de imagens que não tinham, de início, 
vocação para serem tornadas públicas. Por exemplo: em Ein Bild, de 
1983, assistimos à lenta fabricação - tão entediante em seu tempo real 
quanto qualquer processo artesanal visto de fora - de uma imagem 
erótica para a revista Playboy; em Videogramme einer Revolution, de 1992, 
tivemos acesso, no contexto da televisão estatal, às imagens da queda 
política por ocasião dos acontecimentos na Romênia, em 1989; em 
Geflingnisbílder, de 2000, vemos as imagens que não iriam, normal-
mente, jamais deixar os arquivos de determinadas prisões americanas; 
em Die Schi:ipfer der Einkaufswelten, em 2001, nos surpreendemos com 
as decisões publicitárias destinadas a nos tornar instrumentalizados 
pelo espaço do supermercado; enfim, em lmmersion, de 2009, Farocki 
nos dá meios para uma tomada de posição sobre certas técnicas mili-
tares de "terapia psíquica", precisamente concebidas para que não s 
possa jamais avaliá-las, seja para nos fazer sofrer, seja para nos lev 
a ignorá-las. 
* 
Frequentemente questiona-se Harun Farocki sobre sua forma de 
f~zer, , de obter, de manipular essas "imagens operadoras" do. mundo 
cientifico co1ne · 1 · l' · ·1· "D d • , , rCia , esporttvo, po 1t1co ou m1 1tar. e on e voce 
obtem esse material", pergunta-se a ele. E ele responde - sua malícia, 
~.eu _humor sempre caminham juntos com a exatidão e a eficácia - : 
Nao tenho o direito de dizer. Se tivesse, diria agora ... ". Mas ele diz 
outra coisa d . . . , se resguar a de explicar como encontra e como ura as 
imagens q . , 
lh fi ue ira nos mostrar (FAROCKI , 2002, p. 97). Recentemente, 
r e lZ ª mesma pergunta, insistindo no aspecto jurídico. Ele me 
espondeu que ente d ' d ' . d . - . lll n 1a usar o 1re1to e c1taçao que protege Justa-
ente - e se d, 'd ex m uv1 a artificialmente - o mundo da arte. Evocou o 
dire~plo, imundo, segundo ele, de Erwin Leiser, obrigado a pagar 
e1tos a L • R ' . 
"os n . eni iefenstahl por seu filme Mein Kampf. como se, diz ele, 
azistas se be11 c. . d , . . ,. T b , Do , . e11c1am a cnttca ao nazismo ·. am em evocou o 
min10 p · bl · que u ico do direito americano. E me confidenciou que teve 
comprar d' . . . • 
qua . . os 1re1tos das imagens da telev1sao romena, mas por uma nt1a tnco 
gera] erente com as 50 horas contidas no arquivo. Ele calcula, 
' mente . ' ª partir do fa to de que as imagens interessantes ao seu 
207 
propósito parecem, com frequência, a título de material, despidas de 
interesse para aqueles que a detêm. É evidentemente por sua monta-
gem que elas se tornam verdadeiramente explosivas: a partir da sua 
forma de restituir, verbo que diz ao mesmo tempo da transformação 
de um objeto e de sua substituição por um outro. 
* 
As montagens de Harun Farocki têm, portanto, muito pouco a 
ver com os procedimentos de desvio usados antigamente pelos S1tua-
cionistas1 e, depois, pelos diferentes praticantes do Sample (BEAUVAIS; 
B 
. 2000 p 18-30) Seu gesto político não de se apropriar, 
OUHOURS, , · · _ 
mas de devolver pontos de vista, modo dialético de operar nao ape-
nas "derivante", se se pode dizer assim. Uma sugestão de Hal Fostder 
. d ' 0 modo operador e 
torna a questão ainda mais agu a: porque e h . ,, d d "fins brec uanos 
Andy Warhol que está aqui convoca o, apesar os 1 r Foster 
. balh d cineasta Como Warho , exp tca 
reconhecidos no tra o o . . Mas anexar quer 
(
2004 P. 158), Farocki "anexa" imagens encontradd:s .. " o que se diz 
' .. b ma depen encia , 
dizer, estritamente, fazer passar so u . d m1·11·rarmente, por · ' · onquista o 
de uma população ou de um terntono c d escravos por aqueles 
1 · d e torna os exemplo, os africanos co oniza os . . d idas. Anexar quer . , . mais ain a, suas v 
"anexaram" seu terntono e, . ·um romano, que ti o valor do mancip1 
dizer, portanto, possuir, segundo o an g u al uém - para dele dispor 
como quando se compra alguma co1s~ - o g 
a sua maneira segundo seu direito pnvado.m suas mãos. Ele não "re-
Tudo que Warhol tirou, ele guardou e . dando ao direito 
O
u" senão à venda. Ele dispôs a sua _ma~eira, s:me de suas Stars, 
torn . h pru11e1ro O n • ters 
de recontar sua história: con _ece-se d vítimas de seus v,sas . 
h 
mais o nome as ara isso, 
claro mas não se con ece obra de arte e, p . 
Tud~ aquilo que ele tirava, transfo~n~a::::e capitalista -de g:;ª~~: 
· ht outra forma - upic , ia de nª 
fica com o copyng ' p d se-ia dizer que a estrateg do ne111 
. - d m bem o er- - d rnerca ' a transm1ssao eu . . . -o é nem questao e i ou lá, 
F Oc
ki é exatamente inversa. na . d cisão de tirar, aqu d é 
ar 1 es1de sua e J ren e ' 
da arte como ta , que pr d. ão ao que e e 
rn~smo que lhe interessam. Isso em ireç 
as imagens pébord, ai francês GuY 
._- . ti dado pelo intelec to 
---- (ir ___ _ ,, se ao mov11nent0 un 
, O autor re ere- .._,T ) . . 1 Sicuaciorusta. (,~. · 
lnteriiac1ona 
justamente, o desaparecimento do copyright no domínio dos arquivos 
visuais da história. Ele não tira para tomar conhecimento, jamais para 
impor sua marca de fábrica: assim, a mulher do A/bum d'Auschu,itz 
em Jmages du monde et inscnption de la guerre, não se tornará jamais uU: 
indicador estilístico da arte de Farocki. Enfim, ele não toma conhe-
cimento senãopara dar a conhecer: para retornar as imagens a quem 
de direito, quer dizer, ao bem público. Em suma, para emancipá-las. 
* 
Um dos textos mais famosos da estética contemporânea tra-
tou, não por acaso, dessa questão da restituição. Trata-se do capítulo 
consagrado por Jacques Derrida (1978, p. 291-436), em La verité en 
peinture, ao debate que havia oposto o grande filósofo da existência, 
Martin Heidegger, ao grande historiador da arte neomarxista, Me 
yer Schapiro. A seguir, o argumento geral: em seu texto "Orige 
da obra de arte" - que data dos anos 1935/1936 -, Heidegger to 
~orno exemplo "um célebre quadro de Van Gogh" representando os 
sapatos do camponês". Depois ele expõe todo um paradigma para 
enunciar que " ' · e. · d · · -a matena e a 1orma, assim como a istmçao entre 
os dois, remontam a uma origem mais longínqua" que o quadro 
nos permite apreender através de seu "apelo silencioso da terra" 
i~EIDEGGER, 1980 [1935/1936], p. 32-35). Em 1968, Schapiro (1982 
" ,
1
68], p. 349-360) refuta esse exemplo primeiro ressaltando que esse 
ce ebre quad " ~ , - . . ro nao e senao o resumo mental, por Heidegger, de 
muitas ob · " ras pmtadas por Van Gogh sobre o mesmo tema; e que esses 
sapatos de cam , " d . d u . -realid " . pones evocan o o enraizamento o netmat sao, na 
ade ob1eto · " d · ·d d- b ' . n ' ;, s pessoais o artista, esse ci a ao oem10 errante 
os campos de Arles. 
Esse resum · 1 ·, 1·d d deb O s1mp es Ja nos faz compreender a centra 1 a .e, nesse 
fre ate, ocupada pelo jogo da restituição. Derrida começa por colocar -ª~m . . . que se e as tentativas de atribuir a qualquer um em particular isso 
quer pensar como o ato de restituir a quem de direito: 
~Es r11u,çoes 
O desejo de atribuição é um desejo de apropriação. Na arte 
com em qualquer outro lugar. Aqui (nessa pintura ou nesses 
sapatos) retorna a X, isso que volta a dizer: isso volta a mim 
pelo desvio do "isso retona a (um) eu". Não apenas, isso volta 
como p , · d ' d ropno a este ou aquele, ao porta or ou a porta ora 
209 
[do ~apato], mas isso me volta como próprio, por um breve 
caminho de apropriação: a identificação, entre muitas outras 
identificações,_ de Heidegger com o camponês e de Schapiro 
com um odadao, daquele com o sedentário enraizado, do outro 
com o emigrante desenraizado. [ ... ] Cada um diz: eu vos devo 
a verdade em pintura e eu a direi. Mas é preciso carregar 0 
acento sobre a dívida e sobre o devo, verdade sem verdade da 
verdade. O que eles devem, todos os dois, e o que eles devem 
quitar nessa restituição dos sapatos, um pretendendo devolvê-los 
ao camponês, o outro ao pintor? (DERRIDA, 1978, p. 297, 309) 
A grande virtude desse raciocínio é manter o ato de restituição 
fora de toda atribuição tal ou qual: restituir não é atribuir alguma 
coisa a alguém para que ele anexe e se privilegie [e sobre ele preva-
leça] um direito privado. A restituição não implica nem anexação 
nem a aquisição de propriedade. Desde que uma coisa pertence a um 
proprietário, ele não é mais restituído. Haveria, sem dúvida, ao lado 
disso, muito a discutir sobre a maneira que Derrida adota para "fazer 
justiça" à restituição no debate entre Schapiro e Heidegger: pens_o 
h. , · d t 0 mo ele diz na sua crítica unilateral do expert em 1stona a ar e, c , 
(DERRIDA, 1978, p. 318-323; 413-415; 421-426), diante de um filosofo 
cuia fórmula es gibt ("há", "isso dá") brilha q~ase, ao longo do texto, 
:i , . 326) E . que no ensaio 
como uma fórmula magica (p. 313; 324- • ignorar . ' d. 
d H 
'd (1980 P· 87-89), "a terra" é justamente isso que se i: 
e e1 egger , . , . d "despertar . "Povo" cuio anuncio o 
pertencer propriamente ª um de os - · , · 1935 leis de Nuremberg- on 
denota uma sicuaçao h1stonca - , as " - Arianos" 
não proprietários, os não enraizados- ~ntendidos_~~7t~7;~;. 32 e 57) 
- se encontravam precisamente exclu1dos. Derri . . - na obra ' d 'bt e sua resutuiçao, 
preferirá se limitar a compreen er o es gr r sua conta o 
"d de prazer" (para retomar po 
de arte, como um om "d d b' no" (para retomar, para 
osto kantiano) ou como um om e a is1 
~esviar, a profundidade heideggenana). 
* nelembro, 
e. b te tanto quanto i 
Os grandes textos fi)osóncos so re ar_ , erspectiva ética : , r itamenre ou nao, uma p lsso e 
abrem quase todos, exp ic - , . postas em obra. d 
d noroes esteucas e: ra a l'tica sobre o terreno as v , 1 para a arte io 
po I ' Poética de Aristóteles (não ha va or , 
verdade para a ' srtr,c~ flLÕf 
210 
-
pólis), como para De pictura de Albert' ( _ h, 
d d
. . , . , I nao a valor par fc 
a 1gmdade c1v1ca), para a Crítica d fi ld . ª a arte ora ' a acu ade do 1u{zo d K ( -
ha valor para a arte que não coloq _ , e ant nao ue a questao tele l' · 
como para a Estética, de Hegel (não h' 1 ° ogica e moral), ª va or para a arte · · -
da história). As exposições de Derr1·d L . sem mscnçao - a, em a Verrté en p · t -
sao exceção: não se saberá formular o . , . ein ure, nao - " . conceito estet1co de "restitui 
çao s;mfcmterrog~r, em algum momento, a ética da dívida e do dom-
e osse prec.1so encontrar algumas palavras mais h 'ld . 
estabelece 1 - umi es para 
tim r a _re açao entre essas grandes questões filosóficas e o sen-
ento particular suscitado pelas obras de Harun Fa k. . 
espontaneam d f; . roc 1, gostaria, 
da d' . ente, e alar aqui nos simples termos da generosidade e 
q
uemot esua. Generosidade da restituição: restituir é dar antes de qual-
r roca e mesm . de t d ' o, como sugere Demda (1974, p. 269-270) antes 
0 o estado de " " É ' sem ca . 1 ser . dar sem reter, sem resto, sem interesse 
p1ta ' sem proces d . -1972 27) , so e apropnaçao ou expropriação (DERRID 
'p. E dar d fc toda d' .d · e orma que a relação ao outro se tome antes d 
iv1 a e, me . ' . p. 2l
9
) smp, antes de toda v10lenc1a, com Derrida (1967, 
, retomando - d , mesmo ª noçao e Emmanuel Lévinas. E dar sem dever 
se esse "d d , 60; p. 
94
) E' ar. emanda e toma tempo" (DERRIDA, 1991, p. 59-
. dar mais d ·1 segund , 0 que aqui o que parecia dever ser prometido, 
o uma formul k . , . Por Der . d a ant1ana - a propos1to do poeta - comentada 
generos:1 ª (l975, P- 71) no sentido da "sobreabundância [que] rompe 
mente a eco . . 
Q nom1a circular". b ueagen 'd Undânc· .. . eroSI ade assim entendida tenha a ver com a sobrea-
1ª lOI O G sern dúvid que eorges Bataille (1976, p. 181-280) compreendeu 
P- 269) _ ª e d:senvolveu melhor do que ninguém. Derrida (1974, 
fi atraves d H 0ntes de B e egel, Nietzsche e Marcel Mauss, as mesmas 
'' ataill evento i . e - retoma essa ideia quando fala, por exemplo, do 
ev rruptivo d d ento se O om", ou mesmo quando descreve como esse 
duhJ revela e · · d' d i- o sentid x:cess1vo, portanto, perigoso, como m 1ca o no 
lliesrno t o da palavra Gifi já revelado por Mauss: dom e veneno ao 
ª abundt1.P0 (DERRIDA, 1972, p. 150). Por que um veneno? Porque 
eni ncia a e . 'd todo ' norm1dade da coisa restituída nos envenena ª vi a, 
llos f: caso, no . . . ,, azer r s complica a vida. De fato, não deveria complicar, ao 
ap ever cad d' . d a , arelhos d ª ia, por nossa própria conta, as imagens os nossos 
est e Est d " · · ratégia ª 0 , uma vez que Farocki desmontou e re5t1tutu 
' a dupl' ·ct . , 1 , . ' A 
1
ts
111 
1' 1 ade, a complexidade, a fonmdave tecmca. 
\11çots 
211 
j 
. . _ 1 t . isso quer dizer, não que nos preenche, mas rest1tmçao nos comp e ª · . 
d d"ficulta Tal é O valor literalmente explosivo que nos transbor a, nos 1 1 · . ., . . • 
w , lt Beniamin reconhecia Jª na rest1tmçao que lembremo-nos, vva er u · 
da história - história tornada visível - que ele nomeou de imagens 
dialéticas". 
* 
k . t nta em nos tornar visí-Modéstía da restituição: Faroc I se con e , b 
veis certos aspectos de nossa sociedade, que ppoadreanoa::~;1::~ E~:~~: 
• , tempo e energia , mesmos se uvessemos . . • 
nos , . . nosso ensamento, mas semJama1s cnar 
despertar nossa raiva, suscita p em Warhol). Ele age 
primeiros planos enfáticos ou ostentai dores (c'Poª::,. como se diz. Nãofc ·tos de estI o, sem a ,, , 
pacientemente, sem e ~1 rrida (1991 , p. 29), em falar do do~ 
há nenhuma contrad1çao, em De . d ' "para que haja dom, e 
. · ,, depois 1zer que ,, 
como "evento 1rrupt1vo e - . ercebido como dom . 
_ a que ele nao seJa P 
1 Preciso que o dom nao apareç , ·mples virtude mora . _ d de uma pura e s1 
Essa modéstia nao proce e , . d posição de conhe-
fl - ohuca e e uma É o resultado de uma re exao p e. to de que as imagens 
. • t subscreve o 1a 
cimento: Farocki definJtivam_en e l s restitui tira na passagem 
Aqmlo que e e no , "d s de constituem um bem comum. do estratégias ev1 ente 
em certas instituições que tentam - segudn lve sabe que devolve a 
. do ele nos evo ' , d um 
poder - se apropnar e, q~a~ -o o atravessador (mas ha to o tre 
quem é de direito. Ele nao e sena ,, ele mesmo passar en 
trabalho, já que é preciso, para "fazer p~ssa~:hada). Ele não fica cofim 
d de controle mmto fotogra a 
as malhas de uma re e . mulher que passa na ork 
nenhum copyright nessa pas~gem. a do campo nazista de Weste~ re 
d Album d'Auschwítz ou .as m1agens l m a nós porque sen p 
o , b de Farockt. Elas vo ta . • io comurn-
ni o pertencem a o ra do nosso pacrunon h. córía 
. que fazem parte ossa is nos concerniram, por . · ru·o concerne a n ções 
. do esse pammo I d s opera Evidentemente, quan . - a gestão visua a . nente 
. d " - a vida inviável nas pnsoes, . ho mais d1reta1 ·o 
ime ,ara . s tomam um camin . u1·ção na 
I e _ as coisa . d restJt • militares no raqu , , e a modéstia essa f arock1 
1• · Aí esta por qu ]-Iarull . político e po enuco. O dom das imagens que ben nomeia 
se dá sem efeito transgressor. ue Giorgio Agam que ele 
ver com o q · 01agens nos faz teria, portanto, a nãoJ·oga na lama as, A eontrá rͺ• 
- f rocki certamente . . la ões. o uma profanaçao. a filmes e suas insta ç 
,. de remonta em seus . õrs1i1,, ~ mostra e qu. ,1L 
212 
demonstra por elas um respeito exemplar (ele respeita ao máximo os mo-
dos de funcionamento, para melhor demonstrá-los). Mas esse respeito 
é profanação, no sentido preciso que lhe restitui Agamben (2005, p. 91 
[2007, p. 65]): "E se consagragar (sacrare) era o termo que designava [no 
antigo direito romano] a saída das coisas da esfera do direito humano, 
profanar, por sua vez, significava restituí-las ao livro uso dos homens". 2 
A profanação seria, nesse sentido - e na medida da manipulação que 
Farocki empreende sobre as imagens que ele desmonta e remonta -, 
"um contágio profano, um tocar que desencanta e devolve ao uso 
aquilo que o agrado havia separado e petrificado" (p. 93 [2007, p. 66]). 
Aí está como Farocki "profana" as estratégias visuais do comércio 
internacional ou da indústria militar contemporânea: ele tenta, por 
remontagens interpostas, "não simplesmente abolir e cancelar as sep 
rações, mas aprender a fazer delas um novo uso, a brincar com ela 
(AGAMBEN, 2005, p. 110 [2007, p. 75]). É assim que a vida na pris 
ou a maneira de manejar uma guerra se tornará verdadeirament 
questão nossa e de todos. Não espanta o fato de que Giorgio Agamben 
tenha dado ao seu belo "Elogio da profanação" uma conclusão expli-
citamente política para o tempo presente: "Por isso é importante toda 
vez arrancar dos dispositivos - de todo dispositivo - a possibilidade 
de uso que os mesmos capturaram. A profanação do improfanável é 
ª tarefa política da geração que vem" (p. 117 [2007, p. 79]) 
* 
Essa modéstia essencial em Farocki não deixa de ter conse-
quências d · ' ' d 
b iretas sobre o estatuto de seu trabalho como produtor e 0 
ras de arte a , · 1 · d ' · 1 ra1 h d " cess1ve1s nos ugares em que a m ustna cu tu c . ama d: Fgalerias" ou "museus". As instalações de duas - ou várias - telas 
arocki p · · 1 · efi erm1tem, sem dúvida, um deslocamento espac1a multo icaz e sal 
mo lltar de seus procedimentos de montagem que os filmes 
nobandas t 1 "E 
que . ornam sensíveis apenas na sua sucessão tempora . sse . . 
1h05 ento diante de duas telas e duas imagens se presta marav1-
. ªlllente a · d 
Stçà0 " 
0 espaço do museu", escreveu um orgamzador a expo-
' Porqu J · 
e e e pode se deslocar fora de instalações com momtores 
G p Ileras enir J AMBEN · rofana • eco chetes são da tradução brasileira que reproduzo. AG , 
• Çoes. Tradução Selvino J. Assrnan. São Paulo: Boitempo, 2007. (N.T.) 
'fS) i1~',0es 
213 
ameaça Harun Farocki como um modesto pesquisador de imagens 
e não um virtuoso com seus achados. ' 
Em A parte maldita, Georges Bataille (1976, p. 439) julgava assim 
os limites fundamentais que o mundo capitalista, diferentemente do 
mundo comunista , atribuía à "soberania do artista": "Na sociedade 
soviética, o escritor ou o artista estão a serviço dos dirigentes [ ... ]. o 
mundo burguês que , de uma maneira fundamental, é, ainda mais que 
o comunismo, fechado à soberania decisória, acolhe, é verdade, o es-
critor ou o artista soberano, mas sob a condição de ignorá-lo". Forma 
de dizer que é possível, no contexto do museu, "amar", "gostar" como 
obra, de uma montagem de Farocki, sem tirar dela as consequências 
demonstradas por seu trabalho. Este é, sem dúvida, um ponto sobre o 
qual Farocki - depois de ter retido a inestimável lição de A dialética 
do esclarecimento - bifurcará sensivelmente a via traçada por Adorno 
em sua Teoria Estética. 
O filósofo, sabe-se, defendia a "grande arte autônoma" naquilo 
que "ela critica a sociedade pelo simples fato de ela existir" (ADORNO, 
1974, p. 287). Ele via com maus olhos esse "entrelaçamento das artes" 
cujo " fenômeno originário" ele reconhecia no "princípio de montagem" 
e a consequência, sem dúvida nefasta, um recobrimento recíproco da 
realidade estética e de inúmeras realidades extraestéticas que O cercam. 
• · seu conti-Quanto mais um gênero deixa entrar em s1 isso que . . 
111mm imanente não se contém nele mesmo, mas ele partJCJPª 
. . . d d . do lugar de do que lhe e estranho, disso que e a or em a coisa, . 
. tre as coisas, 
imitação. Ele se torna virtualmente uma c01sa en , (ADORNO, 
ele se torna portanto isso que não sabemos o que e 
2002, p. 70). 
d. • 1 certarnen-
Adorno não estava propriamente "errado" ao ize- o, lhos 
d s nossos o te. O que ele diz de Beckett, por exemplo, guar a ao d rarn, 
· h ' ' · cas mu ª toda sua força e pertinência. Mas as condições iston a so-
l d 1 - · · · · entre a arte e notadamente no p ano as re açoes mst1tuc1ona1s , de opor, 
ciedade. N ão há mais lugar, no nosso mudo contemporane,o, ma e as 
fc Ad " d te autono tão siJnplesmente quanto ez orno, a gran e ar rna grande 
" indústrias culturais". A grande arte tornou-se ela mesma u n,odo 0 u 
1 1 , " d " · ode de um indústria cu tura , ate o esgosto que isso p , 
de outro, terminar por inspirar (BROSSAT, 2008). 
FILÕf STtlfC~ 
216 
• 
Confrontado por essa situação, entre d .6 _ . " . ,, . a esert1 1caçao dos cme-
mas de ensa10 e a msolente acolhida das 1 • "d ,, . . ga enas e arte , Harun 
Farocki tenta, da maneira que vejo, manter s , • d . , . ua etica e pesqmsador. 
Ele talvez guarde na memoria o que em 1929 W 1 . . . . ' , a ter Benpmm, 
refletindo Justamente sobre o lugar do artista_ e O · " h , . . artista son ador" 
por excelenc1a, o surrealista - na crítica da socied d . _ . . a e, nomeava uma 
orgamzaçao do pessimismo pelas imaaens. Até consi'de . _ . . º rar que o artista 
nao exclut, sem mterromper seu trabalho interromp , • . , . , er sua propna 
carreira art1st1ca (como uma boa montagem i'nterr 
normal das coisas): 
ompe o curso 
Organizar o pessimismo significa simplesmente extrair a me-
táfora moral da esfera da política, e descobrir no espaço da 
açã~ política o espaço completo da imagem. Mas esse espaço 
da imagem não pode de modo algum ser medido de forma 
contemplativa. [ .. . ] Na verdade, trata-se muito menos de fazer 
do artista de origem burguesa um mestre em "arte proletária" 
que de fazê-lo funcionar, mesmo ao preço de sua eficácia ar-
tística, em lugares importantes como desse espaço de imagens. 
Não seria a interrupção de sua "carreiraartística" uma parte 
essencial dessa função? (BENJAMIN, 1929, p. 133 [1993, p. 34]). 3 
e Nesses anos - 1929, 1930 os mesmos da grande crise social e 
conômica ' . . D no mundo -, Georges Bataille descrevia na sua revista 
ocuments a • , . • maneira, a1 incluída a artística, de conjurar tal pessumsmo: 
O jogo do homem e de sua própria podridão continua nas 
condições mais mornas sem que um jamais tenha a coragem de 
c~nfrontar o outro. Parece que nunca poderemos nos encontrar 
d1ant d · · - ·o r·sco . e a imagem grandiosa de uma decompos1çao CUJ 1 
1~tervém a cada sopro e, no entanto, o sentido mesmo de uma 
Vida qt fc . ma outra cuja 1e pre enmos nao sabemos por que, a u 
respira - . ' . D · 1agem não só çao podena nos fazer sobreviver. essa m ' 
conhe covas de dente cemos a forma negativa, os sabonetes, as es . 
e todos os produtos farmacêuticos cuja acumulação nos permite 
G s u20 a trad - . • . 1 h tes. BENJAMIN, W. 
, 11 rreaJis,n uçao brasileira, com referencias entre co e e 
I 
M •a e téwica 
' 1' e º· O úlf · . · • · rope1a. n: agi · ' 
(,, Po//rica .,., 11110 m stantâneo da mtehgencia eu .1. se 1993. ,, l') · 1 radu - d d s· Paulo· Brasa 1en , · · çao e Serg io Paulo R ouanet. 5. e · ao · 
lt11,1u,,ôts 
217 
escapar penosamente a cada dia da sujeira e da morte. Cada dia 
nos fazemos de dóceis servidores dessas pequenas fabricaçõe: 
que são os únicos deuses do homem moderno. Essa servidão 
continua em todos os lugares onde um ser normal pode ainda se 
encontrar. Entra-se em um vendedor de quadros como entra-se 
numa farmácia, em busca de remédios bem apresentáveis para 
as doenças confessáveis (BATAILLE, 1970, p. 273). 
* 
Modéstia, portanto. "Minhas imagens querem alcançar a arte, 
no máximo, acessoriamente" (FAROCKI, 2002, p. 24). A propósito de 
um trabalho significativamente intitulado Te/ qu'on le voit [tal como 
se vê], em 1986 - e não, por exemplo, Te/ que je le vais [tal como eu o 
vejo]-, Harun Farocki admite, sem temer por seu ego artístico: "Pude 
me ajustar a uma forma simples porque estava prestes a abandonar 
o essencial dos meus recursos estilísticos" (p. 100). O que fará com 
que um de seus comentadores, Thomas Elsaesser (2008, p. 45), diga: 
"Farocki se situa em alguma parte entre o 'trabalhador com uma 
máquina' e o 'operário como um artista"'. Mas, em todo caso, o autor 
de Images du ,nonde et inscription de la guerre, sempre se organiza para 
contornar a "marca de fábrica" industrial ou aquela "marca registrada" 
artística em que Molly Nesbit (sob o exemplo de Marcel Duchamp), 
depois Didier Semin (que abarca um arco temporal bem mais amplo, 
de Yves Klein a Daniel Buren e de Jean Tinguely a Hubert Duprat), 
restituíram a emergência e a importância, sempre crescente, do do-
mínio da arte contemporânea (NESBIT, 1990, p. 57-65). 
* 
H 
ve um modelo para essa modéstia do trabalho. É Robert 
ou . d d " e por 
P a e
'tica da imagem- "dar prova de humil a e -
Bresson. or su _ d ento . fc I notadamente sobre as questoes do enqua ram d 
seu rigor orma ' ti I es e 
F Oc
ki se debruçou longamente sobre os 1 m 
da montagem. ar d " 0 uso e de 1984 ele analisa o "quadro fecha O , 
B 1 
Ern um texto ' .d " e o ressai · . . bora "ligeiramente distorci os • 
d 
t de vista frontais em . ·ficar os pon os · e "Bresson critica ao intensi 
d plano-concraplano qu i11roe11t, 
empreg~ 0 75_76). Ele ama, no autor de . 
6 
, 
seu uso (F/\RO CKI, 2002, P· . . das fazeíl · · . _ . d ... • ustapor as coisas mespera , 
essa maneira tao precisa e J ,iLOEST(TiC~ 
do derivar do movimento uma corresp d' . on encia uma se lh " 
(p. 77). Ele descreve Un condamné à mort , h ' , me ança s est ec appe como d 
deiro documentário sobre O trabalho c . um ver a-ons1stente de invent . , 
culas respostas técnicas - as "máq · d ar mmus-umas e guerra" d 
e Guatarri - na clausura opressora dos " lh ' segun ° Deleuze apare os de Estado": 
O detento transforma qualquer ob· t d ~e O e sua cela em utensílios 
para sua fuga. Ele afia o cabo da colhe e 1 d r para tazer uma lâmina 
e e esmonta as treliças de seu colchã 1 ' . o e enro a os cabos com 
tecidos rasgados e camisas para fab . ' , ncar uma corda. Tal filme 
so~re_ esse trabalho e o que ele significa praticamente nunca 
foi feito (p. 77). 
d . Modéstia diante do trabalho e modéstia do trabalho - o trabalho 
a imagem ou do pensament d .d trabalh b o - na me i a em que ele seria sempre 
balh ho so re o trabalho de outro. Restituindo a esse título o tra 
Pr 
º. umano em geral na esfera do bem comum, que não perten 
opnamente · , trol . Na nmguem. Bresson (1975, p. 15 e 138) dizia: "Con 
ar a prec1sao S · . Ser e · er em si mesmo um mstrumento de precisão. [ ... ] 
scrupuloso R . . d . (a assust d · . eJeitar tu O aquilo que do real não se torna verdade 
ª ora reahdade do falso)". 
* 
Torna-se d notória_ . ' e repente, necessário nuançar a influência no entanto 
evidente d - do "gr d . e mo estamente reconhecida pelo cineasta alemão 
an e est l ,, d gostaria 
1
., i O e Godard sobre a obra de Harun Farocki. Não 
P 
, a ias, de tomar N d . fl , . ·1- . ropriarnen . como uma questao e m uenc1a estl ist1ca 
na sua pró t_e dita. Antes, uma questão relativa à posição do montador 
Volker p pna montagem (do trabalhador em seu próprio trabalho). 
Jean-Lucª~enburg (2006, p. 45-59) colocou bem aquilo que reuniria 
ato. l'eo . odard e Harun Farocki: a noção do filme com teoria em 
t' ria cuja 1tui O pi , montagem, tanto em um quanto em outro, cons-Bi-- vo pro · lltn.lin cessual e a forma por excelência (p. 68-73). Chmta 
de ger (1995 · · forrn.a . , p. 33), por sua vez, frequentemente aproximou - e 
do evident · · l s Proced. emente fundamentada - os dois cineastas no p ano 
lllti" 1111.ent ' 1 d · -ttas v os: por exemplo O uso de entreutu os, e citaçoes 
Pcl ezes de t ' J"d 
0s Pró . extos da tradição filosófica e frequentemente i os 
Prios re l' b 
1 
a izadores Farocki lembremos consagrou uma o ra 
tsi11~ . ' , 
içoes 219 
· t · ·t m colaboração com Kaia Silverman (1998) - ao cine-in eira - escn a e 
ma de Jean-Luc Godard. Assim como em Godard, ~ê-se em Farocki 
· 1· filmados muitas pessoas que leem, mmtos gestos ligados muitos 1vros 1 , 
ao trabalho de montagem, muitas interrupções recíprocas da imagem 
e do texto, muitas questões políticas, muitas imagens do mundo e 
das inscrições da guerra .. . Está-se evidentemente tentado a deduzir 
que Farocki terá "permanecido a_té esse momen~o fiel ao program~ 
de Godard em sua atividade de cmeasta e de artista autoproduz1do 
(füüMLINGER, 2009, p. 78). . . 
Uma diferença se imiscui, todavia, e abre uma fenda dec1S1va. 
Christa Blümlinger (1995, p. 38), nas linhas em que, provavelmente, 
ela não pensava mais em Godard, evoca a passagem quando observa 
que, "ainda que Farocki não tema sua própria imagem, ele opera sem-
pre para além da exploração narcísica". Não que Godard se compraza 
de alguma "exploração narcísica", claro. Mas, ao menos desde 1994, 
ele ocupa sozinho - e, parece, sempre cada vez mais so~inh~ - 0 
centro de suas próprias montagens. Isso vai de]LG!]LG ate Vrar~iix 
. 1 H " . () d ·nema Chnsta passeport, passando, claro, por sua mag1stra 1sto1re s u ci · · 
. . d , · do filme Blümlinger (2004, p. 59) cita amda um extrato o cenano _ 
• b ,,4 A questao Passion, onde ele escreveu: "Voce quer ver, re-ce- er · 1 . - se formu ar que essa inclusão do receber coloca no ver podena, entao, r 
. . • • , b você a recebe Pº assim: a imagem que voce ve e que voce rece e, . ha 
tanto rntn ' bem, você a recebe até o fim? Ela acaba por ser nossa, d á se 
d ela Pº er que te transmito, quanto sua e de todos os outros on e 
difundir como bem comum? 
* 
, c. a· . - fiJosoi1c . 
O u, para dizê-lo com um pouco mais de precisao restitilÍ' 
· onsegue em que condições pode-se dizer que um cmeasta c •ai que 
. . , , tão cruc1 
verdadeiramente aquilo que ele da a ver? Tal e a ques 06 P· 145) 
- para retomar um dictum famoso do próprio Godard, ~20 ,, 'e ••fazer 
- permitiria faze r a diferença entre"fazer filmes pohuc~!]LG nã0 
politicame11te os filmes". Ora, nesse plano, o autor de JWL hoL se se 
. - de ar parece representar a verdadeira antítese da posiçao 
.0 JoS na 1radu,J 
• Existe aqui umjog~ emre vo'.r _(ver} e m1•11oir (rec_eber} qu: s~;,•e~~ -T.) 
verbos cm portugues. No on gm~l: "Tu veux v01r, re-ce vo 
220 
• 
organiza sobre essa posição a estratégia de apropriação, pelo artista, 
das imagens do mundo - veja as inscrições da guerra _ que ele dis-
pensa em torno dele. De um lado, Godard adota há muito tempo a 
atitude fund~mental de citaç~o de Brecht: é O terreno comum que 
ele compartilha com Farock1. Ele ainda lhes associa, no contexto 
atual do grande mercado cultural - ou da sociedade do espetácu-
lo - um anúncio para a livre circulação das imagens e das palavras: 
"NO COPY RIGHT", lê-se, por exemplo, de maneira recorrente e 
refrescante, sobre os entretítulos de seu filme Deux fois cinquante ans 
de cinéma, em 1995. 
Mas, por outro lado, Godard toma pessoalmente e ostensiva-
mente posse das imagens do mundo e das inscrições da guerra que ele 
dispõe em torno dele. Ele nunca deixa de afirmar seu estilo: lirismo, 
ritmo efervescente, festival de pulsações visuais. Enquanto Farocki 
apaga seu estilo ou não hesita em perder velocidade em benefício de 
uma clareza mais modesta que ele deseja imprimir a suas montagens. 
Godard sempre reforça aquilo que mostra. Farocki enfraquece o que 
mostra. Godard atravessa a grande história da arte - entra-se em Go-
dard como no ateliê de Rembrandt ou no estúdio de Beethoven - , 
ele que - d F nao para e se confrontar com suas obras de arte. Enquanto 
arocki interroga o subterrâneo da história das imagens e nos faz entrar 
na Ponta d , d O pe no atelier de um embusteiro ou na torre de controle 
e um fun . , . 
cionano do tráfego urbano. 
Godard • · J · b 
0 . se ve o autor soberano de suas imagens: e e projeta so re cinema al · d uma 1. gurn tipo de concepção do artista que, de fato, vem e 
ce inba do direito de um estatuto jurídico inventado na Renas-
nça (KA . • 
ren . NTORow1cz, 1984, p. 31-57). Enquanto Farockt se ve- sem 
unc1ar a - / siv0 _ suas prerrogativas de autor-ensaísta - o produtor"ª º exc 11-' nao sob b 1 de . erano, de suas imagens. Como ser o soberano a souto 
coisas qu , 
ele d' e se quer restituir a todos? Quando Godard da a pensar, ª a adrn · , . · · d. · l d lllúlt" irar seu propno pensamento, seJa ele m iscermve os 
ipJos pe d" 
Quando F nsamentos que ele usa, cita, decupa ou mesmo 1stºr~e. 
9Ue n· , arocki dá a pensar, ele nos dá a refletir sobre outra com 
ao e seu , ' / . / 80hre proprio pensamento. Godard tem sempre a II tima Pª avra , suas in 
i1/ti111a ontagens, Farocki faz de seu ponto de honra uuuca ter a 
d Palavra G d · · falando e t1111 • 0 ard interpreta o mundo em primeira pessoa, ª Voz in · ' !. F ocki se 
1 
spirada, uma voz de profeta mdanco ico. ar 
Es1,1~1ç0Es 
221 
contenta em desmontar o mundo, em terceira pessoa, falando de uma 
voz neutra, precisa e não tomado pelo páthos apocalíptico. 
Os dois são incomparáveis arqueólogos das imagens. Mas Go-
dard, exibindo o fragmento da ruína material ou do impensado, tem 
o gesto empático de Schliemann descobrindo Troia (ELsAESSER, 2004, 
p. 27) e se sente, portanto, dialogando de igual para a igual com Home-
ro em pessoa. Enquanto o gesto de Farocki me evocaria, antes, aquele 
de Ronald Hirte, o obscuro arqueólogo do campo de Buchenwald, 
encarregado de colocar em dia os objetos mais modestos que sejam, 
testemunhas da vida menos gloriosa que seja. Godard chora não ser 
"reconhecido" como deseja, Farocki não para de rir dos mal-enten-
didos onde seu trabalho se arrisca, algumas vezes, ser ameaçado. 
Todos os dois são - repitamos - incomparáveis coletores - e 
remontadores - de imagens. Mas Godard se coloca ·sempre ao centro 
de sua coleção, como André Malraux sobre uma célebre fotografia 
que ele mostra no meio da iconografia estabelecida para Les Voix du 
sílence, em 1951. Enquanto Farocki permanece sempre na margem de 
suas próprias montagens, de seu corpus de imagens, o faz quando filma 
F k. - pre as a ele mesmo enquanto trabalha. Porque, em aroc 1, sao sem 
imagens do mundo que tomam a fala. Nunca aquele que as moS
t
ra 
as reduzirá a suas próprias fórmulas. Longe, portanto, de um mo~elo . 
1 
, · _ grandioso 
de inspiração frequentemente gema , mas peremptono . , . d, tia inspirada 
- reconhecível em Andre Malraux, sena antes a mo es d · titude e 
de Aby Warburg e de seu Bilderatlas que parece guiar a a 
, d G d d notadamente 
Farocki em sua mesa de montagem. La on e o ar -. , , . d I da do século ern 
em Histoire(s) du cinema - constr01 uma gran e egen . . b d . o do cinerna, 
que o sopro lírico libera uma universalidade so re o esun . 1 . m é imagern, 
mas deixa de lado a questão de saber de quem ta image . . .d do 
e te inwn1 a 
de forma que o espectador se encontra 1orçosamen 1 do k. de seu a ' 
ao saber, portanto, que ele não tem as chaves; Faroc 
1
• . . sua . . a resutuir 
libera para cada imagem uma legenda precisa que vis 
singularidade operadora. _ bre sua 
A Rembert Hüser, que lhe colocou uma queStao so ue ele 
d d F k
. espondeu q . 
relação com a obra de Jean-Luc Go ar , aroc I r . dor dpl' 
tinha a tendência de ver no autor das Histoíre(s) um conu~u;e Luciell 
co da escola histórica francesa, justamente: aquela que vai s Essais 
M. h Jet - ªº Febvre - mas, sobretudo, antes dele, de Jules 1c e 
222 
Õ
ESftf iC~ 
fl~ 
d'ego-historie, publicados há alguns anos p p· . or 1erre Nora (1987). En-
quanto ele se via como um continuador p 1 . , , ' e as imagens, desse coletivo 
de filologos e de filosofos reunidos na Ale h . . . man a em torno de Ench 
Rothacker para constituir um "arquivo d h' , . d . . .. . ª istona os conceitos" 
(Archrv Jur Begriffigeschichte) (FAROCKI 2000 p 309) T 1 , , . · ' , · • a e, portanto 
a modest1a de Harun Farocki. Tal foi O preço .. t' . ,, ' . ar isuco a pagar para 
que anmagens do mundo e as inscrições de guerra nos tenham .d 
ofereC1das. Restituídas. Devolvidas. Não como lugare si 
0 
s-comuns - que 
suas remontagens desmontam ou desconstroem-, mas como o 1 
~r 
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