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EDUCAÇÃO SUPERIOR Modalidade Semipresencial Diversidade Étnico-Cultural São Paulo 2017 Diversidade Étnico-Cultural Rodrigo Medina Zagni Vivian Fiori Sistema de Bibliotecas do Grupo Cruzeiro do Sul Educacional PRODUÇÃO EDITORIAL - CRUZEIRO DO SUL EDUCACIONAL. CRUZEIRO DO SUL VIRTUAL Z23d Zagni, Rodrigo Medina. Diversidade étnico-cultural. / Rodrigo Medina Zagni, Vivian Fiori. São Paulo: Cruzeiro do Sul Educacional. Campus Virtual, 2017. 100 p. Inclui bibliografia ISBN: 978-85-8456-213-8 1. Multiculturalismo. 2. Relações culturais. I. Fiori, Vivian. II. Cruzeiro do Sul Educacional. Campus Virtual. III. Título. CDD 301.2 Pró-Reitoria de Educação a Distância: Prof. Dr. Carlos Fernando de Araujo Jr. Autoria: Rodrigo Medina Zagni, Vivian Fiori Revisão Técnica: Vivian Fiori Revisão Textual: Luciano Vieira Francisco 2017 © Cruzeiro do Sul Educacional. Cruzeiro do Sul Virtual. www.cruzeirodosulvirtual.com.br | Tel: (11) 3385-3009 Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e detentor dos direitos autorais Diversidade Étnico-Cultural Plano de Aula 9 Unidade I – Natureza da Cultura 25 Unidade II – Teorias sobre Cultura 41 Unidade III – Diversidade Étnico-Cultural 53 Unidade IV – Cultura Urbana, Rural e as Comunidades Tradicionais 69 Unidade V – Pluralidade Cultural, Educação e Políticas Públicas no Brasil 85 Unidade VI – Condição Humana e Diversidade das Culturas em Tempos de Globalização SUMÁRIO 6 PLANO DE AULA Orientações de estudo Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem aproveitado e haja uma maior aplicabilidade na sua formação acadêmica e atuação profissional, siga algumas recomendações básicas: Assim: Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e horário fixos como o seu “momento do estudo”. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo. No material de cada Unidade, há leituras indicadas. Entre elas: artigos científicos, livros, vídeos e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados. Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discussão, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e aprendizagem. Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e horário Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Determine um horário fixo para estudar. Aproveite as indicações de Material Complementar. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma Não se esqueça de se alimentar e se manter hidratado. Aproveite as Conserve seu material e local de estudos sempre organizados. formação acadêmica e atuação profissional, siga Procure manter contato com seus colegas e tutores para trocar ideias! Isso amplia a aprendizagem. Seja original! Nunca plagie trabalhos. 7 Objetivos de aprendizagem Un id ad e I Natureza da Cultura » Tratar das características da cultura; » Definir alguns conceitos para cultura; » Evidenciar a relação homem-natureza e a cultura; » Tratar da obra de alguns autores sobre população, sociedade e cultura. Un id ad e I I Teorias sobre Cultura » Analisar algumas teorias sobre cultura; » Discutir alguns teóricos e suas obras sobre cultura. Un id ad e I II Diversidade Étnico-Cultural » Tratar da diversidade cultural e algumas teorias sobre o assunto; » Explicar a visão etnocêntrica; » Evidenciar as formas de contracultura. Un id ad e I V Cultura Urbana, Rural e as Comunidades Tradicionais » Analisar alguns aspectos da cultura urbana, rural e das comunidades tradicionais, principalmente no Brasil; » Discutir sobre os povos indígenas e quilombolas. Un id ad e V Pluralidade Cultural, Educação e Políticas Públicas no Brasil » Evidenciar alguns aspectos da cultura brasileira; » Tratar das influências multiculturais do Brasil; » Discutir a questão da educação e das políticas em relação à pluralidade cultural no Brasil. Un id ad e V I Condição Humana e Diversidade das Culturas em Tempos de Globalização » Evidenciar as formas de globalização no mundo atual; » Destacar as influências na cultura a partir da globalização. Responsável pelo Conteúdo: Prof. Dr. Rodrigo Medina Zagni Revisão Textual: Prof. Ms. Luciano Vieira Francisco Revisão Técnica: Profa. Dra. Vivian Fiori I Natureza da Cultura Natureza da Cultura UNIDADE I 10 Cultura como Componente Indissociável da Condição Humana A cultura se define, segundo a Antropologia Cultural, como o ato voluntário humano que é consciente de sua finalidade; ou seja, trata-se da ação humana consciente de que produzirá resultados. Isso, por si só, permite-nos empreender uma série de reflexões; vamos realizá-las, então, con- juntamente, após observarmos atentamente a Figura abaixo: Figura 1 Podemos começar percebendo que o pensar humano se distingue do pensar de outros seres em natureza exatamente por seu grau de consciência, ou seja, o homem é consciente de que suas ações têm resultados, ou seja, o ser humano tem plena capacidade de consciência de que aquilo que fizer trará consequências. No caso da Figura acima, por exemplo, a consciência de que poderia chover levou nosso personagem a decidir por levar consigo um guarda-chuva. Tendo chovido, o resultado de sua ação inicial passa a receber um valor; como o resultado foi o esperado, ou seja, evitou tomar chuva, o valor atribuído por esse ao resultado foi positivo, foi bom. Inicialmente, percebamos que em seu pensar, nosso personagem imaginou claramente a possibilidade de chover – problema – e imediatamente ponderou em apanhar um guarda-chuva – a solução mais adequada ao problema. Ao fazer isso, deu uma espécie de “salto para o futuro” em apenas um pensamento; ou seja, não havia chovido ainda, mas foi capaz de projetar essa possibilidade de futuro em seu tempo presente; e mais, de mudar o seu próprio futuro, uma vez que, apanhando o guarda-chuva, evitou a possibilidade de um futuro indesejado: molhar-se. Natureza da Cultura 11 Figura 2 Fonte: iStock/Getty Images O pensar humano, portanto, possibilita ao homem se projetar nos futuros possíveis, orientando as ações humanas em direção ao futuro mais desejado – e, assim, evitando o menos desejado. Mais do que isso, se essa situação se repetir no futuro – e invariavelmente se repetirá! –, o indivíduo não precisa realizar a mesma reflexão com o mesmo grau de profundidade, uma vez que dessa situação retirou aquilo que chamamos de experiência; e mais, pôde partilhá-la com os outros, ensinando sobre a experiência vivida e transmitindo o conhecimento gerado para esse tipo de situação para aqueles que fazem parte de seu convívio social. No caso de nosso personagem, como vimos, evitou molhar-se e isso foi percebido por ele como algo bom. Esse valor positivo é deslocado pelo indivíduo, do resultado para a própria ação, dando-lhe, então, um significado de acordo com a qualidade do resultado, ou seja, tendo sido bom o resultado, aquela foi uma boa ação. O próprio pensar recebe, portanto, os valores e significados da ação e de seu resultado, compondo os sentidos do pensar. Nesse caso, o indivíduo teve bons pensamentos, que o levaram a uma boa ação, cujo resultado foi positivo. Tais valores, significados e sentidos, por sua vez, passam a compor a identidade do próprio indivíduo,ou seja, nesse caso, um homem esperto. No campo da valoração, identidades podem ser determinadas das formas mais diversas: o homem bom, mau, mentiroso, verdadeiro, justo, injusto etc. Identidades sociais são, portanto, determinadas por repertórios de valores, significa- dos e sentidos. Ocorre que, quem determina o que é bom ou ruim para os resultados de uma ação? Poderíamos estar em uma sociedade na qual a chuva fosse entendida como uma dádiva dos deuses e que, portanto, não se deve evitá-la. Poderíamos estar em uma sociedade para a qual a chuva tem um valor higiênico, de modo que aqueles que fogem à chuva são entendidos como anti-higiênicos. Natureza da Cultura UNIDADE I 12 Figura 3 - Mulheres indianas em cerimônia religiosa Fonte: Istock/Getty images Perceba que valores e morais – tudo aquilo que determina o certo e o errado, o bom e o ruim, até mesmo o justo do injusto –, sejam quais forem, são relativos no tempo e no espaço, ou seja, o que é bom e ruim para mim, ou moral e imoral, pode ter sido entendido de forma completamente diferente por meus antepassados, o que prova que valores e morais mudam de acordo com o tempo. Logo, tais condições variam ao longo da história e não são iguais em todas as sociedades, nem em todos os lugares. O que é certo e errado para mim, muda também em relação a indivíduos que vivam em outra parte do mundo, em outra cultura. Para várias sociedades ocidentais, por exemplo, é natural ingerir carne bovina, inclusive de vaca; enquanto na Índia esse animal é considerado sagrado; provando que valores e morais também estão em transformação no espaço. Enfim, morais e valores estão em movimento no tempo e no espaço. Mas o que isso tem a ver com cultura? Tudo! Isso porque moral, valores, sentidos, significados e identidades compõem aquilo que chamamos de sistema cultural. Como todos os itens acima são relativos no tempo e no espaço, não se pode dizer que haja uma só cultura; mas complexos de distintos sistemas culturais. Se todos esses itens são relativos, portanto, todas as culturas também são relativas, ou seja, não há culturas superiores ou inferiores; mas sim diferentes. Mais do que isso, se esse pensar é inerente ao humano e a consciência um potencial de todos os indivíduos – o que ativa todas as relações que identificamos e qualificamos acima –, logo, não existe indivíduo sem cultura, todos possuem uma cultura: a sua cultura. Ocorre que a cultura não se localiza, como sistema, apenas no âmbito do indivíduo: assume uma dimensão coletiva. Isso porque os valores e morais que mencionamos aqui também são partilhados entre indivíduos, no âmbito de suas sociedades ou segmentos sociais; portanto, a cultura constitui-se em uma dimensão sempre coletiva, dado que todos os demais itens também são partilhados: valores, morais, sentidos, significados e identidades sociais. Natureza da Cultura 13 Por isso, não apenas inexistem indivíduos sem cultura; mas inexistem sociedades sem cultura; da mesma forma como não existem também sociedades mais ou menos avançadas que outras em termos culturais, mas sim sociedades distintas entre si. Temos de pensar também que esses valores podem ser gerados pelo indivíduo ou grupo – e nem sempre podem coincidir. Por exemplo, segundo a moral e os valores do grupo, a ação que cometi é errada, ou seja, atenta contra a moral do grupo, portanto, sou alguém imoral para esse grupo. Ocorre que, para mim, a ação que empreendi pode ser plenamente aceitável segundo os meus valores, o que me permite perceber-me como alguém pleno de moral. Pelo fato de haver uma moral dominante e uma moral do indivíduo, é possível que existam duas ou até mais identidades sociais para o mesmo indivíduo. Ou seja, para o grupo sou alguém imoral; para mim mesmo, sou um indivíduo moral. As identidades são, então, não somente autoatribuídas; mas também construídas social e externamente ao indivíduo, podendo, então, nesses casos, haver conflitos de identidade para o mesmo sujeito. Assim, todos têm cultura – dado que basta então ser humano para ser portador de sistemas culturais – e não existem sociedades menos ou mais evoluídas, em termos culturais, que outras. Figura 4 Fonte: iStock/Getty Images Após essa breve análise, podemos então compreender que a condição existencial humana é cultural. Isso porque o homem atribui sentidos às suas ações, constrói símbolos, cumula experiência e a transmite por meio da linguagem – oralidade, iconografia e escrita. A atribuição de significados às ações coloca as experiências em movimento, podendo ser partilhadas e compor um repertório cultural coletivo. Já a situação existencial animal está condicionada ao mundo dos fenômenos; obedece a uma programação biológica, instintiva, na qual a experiência se esgota em si. Natureza da Cultura UNIDADE I 14 Importante! Que iconogra� a se refere ao conjunto de imagens, tais como gravuras, fotogra� as, desenhos, esculturas, brasões, quadros, pinturas, entre outros? Existe um ramo da iconogra� a, denominado religioso, que se refere às diversas imagens, � guras, esculturas com teor religioso. Você Sabia? A transmissão da experiência humana se dá por meio de uma linguagem em construção e de sistemas culturais em movimento de perene transformação. A linguagem permite ao homem acumular a experiência, bem como sua inteligência abstrata lhe permite elaborar símbolos. Já os animais obedecem a reflexos condicionados, nos quais há aprendizado, mas por meio de uma inteligência concreta, que lhes permite tão somente programar índices. A linguagem, como instrumento maior de cumulação e difusão de experiências e trocas culturais inerentes ao humano, permite-nos identificar também sintomas de desumanização, no enfraquecimento da possibilidade de expressão, que revela graus decrescentes de consciência sobre os resultados das ações humanas, conformando identidades sociais vazias de sentidos, significados e de repertórios morais. Figura 5 – Erich Fromm Fonte: Wikimedia/Commons Trata-se de um sintoma de desumanização, produzido pela sociedade de consumo de massa, aquela em que o psicólogo alemão Erich Fromm (1987) identificou, no livro Ter ou ser, como os valores do consumo determinando as identidades sociais. O capitalismo ocidental teria falhado em criar valores morais, aprofundando processos de desumanização que levam a constituições culturais mais de aparência do que de essência, na vigência dos valores acríticos das sociedades de consumo de massa e do espetáculo, onde se é aquilo que se tem – que nos leva à frase citada comumente pela população: “O que importa é o que temos, e não o que somos”. Natureza da Cultura 15 A Cultura como Ação Transformadora do Meio e do Homem Outra forma de se compreender a constituição cultural das sociedades é a partir de sua função transformadora do meio ambiente, do meio social e do próprio homem. Para isso, mais uma vez, analisaremos e refletiremos sobre o seguinte esquema: Figura 6 Fonte: Adaptado de Istock/Getty images Já nos dissera Herbert Spencer que o homem não é tal qual aquele das pinturas chinesas, ou seja, solto no espaço, como se estivesse caindo no nada: o homem existe no meio geográfico. Mais do que isso, retira desse meio o necessário à sua sobrevivência. Pensemos, então, a dimensão cultural humana a partir das relações entre homem e meio ambiente. Verifiquemos no quadro que o homem, que é dotado de necessidades materiais, literalmente obedecendo a programações biológicas – comer, evacuar, beber, dormir, procriar etc. –, realiza- as essencialmente no meio ambiente. Pensemos no homem que atende às suas necessidades de so- brevivência no meio ambiente, mas sem interferir no qual. A caça e a coleta, por exemplo, foram as atividades econômicas da maior parte do tempo de vida humana sobre a Terra – e nessas atividades o homem retirava do meio ambiente apenas aquilo que necessitava, sem interferir no qual (ao menos, gravemente). Figura 7 – Herbert Spencer Fonte: Wikimedia/CommonsNatureza da Cultura UNIDADE I 16 Ocorre que Thomas Malthus identificou que havia um descompasso nessa relação. Para esse pensador, se a população continuasse aumentando de forma crescente e geométrica, faltaria alimentos para todos. Tal discurso, dos séculos XVIII e XIX, remete à crescente preocupação dos mais ricos com o crescimento populacional dos mais pobres. Desse descompasso resulta um grave problema à sobrevivência humana, que depende, vitalmente, de alimento e água. A primeira forma encontrada pelo homem para empreender essa ação transformadora do meio foi a agricultura. Aliando um bastão de madeira, extraído da natureza, conjugando-o a uma lasca de pedra polida com o uso de uma amarra feita com tripas secas de um animal abatido, o homem desenvolveu a enxada. Com o uso adequado desse instrumento, passou a arar a terra e prepará-la para o plantio de sementes que, por meio da observação, percebeu que poderiam germinar e dar frutos. Irrigando periodicamente o terreno plantado, foi possível obter mais alimentos e solucionar o problema do descompasso identificado por Malthus, possibilitando a própria sobrevivência. Para que isso ocorresse, foi preciso o desenvolvimento de materiais e técnicas: o incremento dos materiais necessários à atividade do plantio, bem como das técnicas adequadas à sua utilização. Os materiais constituem, segundo o filósofo alemão Karl Marx e Engels (1997), os meios de produção da vida social, junto do mais importante meio: a terra; as formas ou as técnicas para utilizá-los consistem na tecnologia desenvolvida, ambos para o trabalho. Segundo a definição marxista, o trabalho é a ação transformadora do meio ambiente que tem a finalidade de garantir a sobrevivência humana. Contudo, todas essas relações acabam determinando outro aspecto da vida social: a cultura. O desenvolvimento da agricultura, que aqui mencionamos, implica em um desenvolvimento cultural, nesse caso, da “cultura da enxada”. Não é por acaso que o termo “cultura” foi utilizado pela primeira vez para se referir a atividades econômicas na lavoura, isso porque, ainda segundo Marx, por meio do trabalho, o homem altera não apenas o meio ambiente, mas a si. E como isso ocorre? Figura 9 – Karl Marx Fonte: Wikimedia/Commons Figura 8 – Economista britânico Thomas Robert Malthus Fonte: Wikimedia/Commons Natureza da Cultura 17 Figura 10 – Escravos em plantação de algodão (Ilustração) Fonte: iStock/Getty images Não dissemos, citando Spencer, que o homem não existe solto no espaço, que existe no meio geográfico? Assim, sua identidade social se constrói na interação do indivíduo com o seu entorno, com a natureza, e como esse entorno foi modificado pelo próprio homem. Nesse sentido, o homem alterou a si, por conseguinte, alterou suas necessidades e, sendo novas necessidades, a mesma forma de trabalho não poderia mais dar conta das quais, de modo que se tornaram necessárias novas ações transformadoras para atender a esse novo homem e suas novas necessidades. Por sua vez, o meio foi alterado novamente, criando um novo homem, portador de inéditas necessidades, formas de trabalho e, essencialmente, sistemas culturais. É por isso que não existem sociedades estacionadas, todas estão fadadas à transformação. Mas isso dito, parece que estamos, então, contradizendo Malthus – citado no início da análise do quadro em questão. Isso porque, tendo alterado o meio ambiente, o homem teria resolvido o descompasso entre suas necessidades e aquilo que o meio ambiente poderia lhe oferecer, isso porque suas necessidades não mais seriam maiores em relação ao que o meio poderia, transformado, fornecer. Assim, por que, então, as sociedades mudam, se o problema do descompasso teria deixado de existir? Mudam e mudarão constantemente, isso porque Malthus demonstrou que o descompasso mencionado nunca deixaria de existir. Para defender essa tese, Malthus demonstrou que os homens crescem em progressão geométrica – multiplicando-se entre si –, enquanto os meios de subsistência cresceriam em progressão aritmética – por somatória, não por multiplicação. Desse modo, um novo meio – alterado pela ação humana – traria novos problemas à existência também humana, demandando sempre novos tipos de soluções, novas ações transformadoras, de modo que novos sistemas culturais vão se formando daí. Cabe uma pergunta: faltam alimentos ou estes são mal distribuídos? É preciso relativizar o discurso de Malthus, considerando de onde veio e da época na qual viveu. Natureza da Cultura UNIDADE I 18 Thomas Robert Malthus nasceu na Inglaterra, em 1766, � lho de uma família abastada e proprietária de terras. É considerado um economista e estudioso de demogra� a, bem como foi pastor da igreja anglicana. Publicou sua obra, intitulada Ensaio sobre população, em 1798, pela qual se tornou conhecido por de� nir que a população crescia geometricamente, enquanto os alimentos aumentavam em uma proporção aritmética, o que levaria à escassez dos recursos. Os adeptos de suas teorias � caram conhecidos como teóricos do malthusionismo. Ex pl or Por que sistemas culturais teriam, então, segundo a visão marxista, uma determinação decor- rente das relações de produção? Ora, para Marx a infraestrutura econômica das sociedades, ou seja, sua base econômica, determinaria a superestrutura política e ideológica, sendo a cultura a somatória dessas relações, pois se inscreveria no modus vivendi das sociedades. Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895), ambos ingleses, produziram juntos algumas obras, entre as quais, O capital e o Manifesto do Partido Comunista. Suas teorias sobre a sociedade e economia política in� uenciaram várias áreas do conhecimento, evidenciando a luta de classes entre a burguesia e o proletariado, a relação entre capital e trabalho, bem como a exploração do trabalhador. Conceitos como mais-valia, valor de uso e de troca, mercadoria, produção e circulação, divisão social do trabalho, entre outros, são usados por esses teóricos, cujo conjunto e pensamento � caram conhecidos como marxismo. Ex pl or A infraestrutura seria o modo de produção da vida social, ou como aquela sociedade produz o suficiente à sua existência material, constituindo também sentidos, significados, valores, morais e identidades que mencionamos no início deste Material teórico. O modo de produção da vida social seria determinado pelo modo de produção de bens de consumo, este composto, por sua vez, pelos meios de produção – instrumentos, terra (incluindo seu regime de propriedade) etc. –, força de trabalho – se assalariada, escrava, servil, voluntária etc. –, tecnologia – forma com que a força de trabalho opera os meios de produção –, determinando os aspectos políticos, ideológicos e culturais dessa sociedade. Nessa perspectiva, o trabalho é a ação transformadora humana do meio ambiente, geradora de cultura – que também pode ser definida como trabalho –, ato exclusivamente humano por ser consciente de sua finalidade, no que é, portanto, intencional. É preciso estar claro que, por meio do trabalho, o homem transforma o mundo e a si, porque ao alterar o meio, o homem altera o próprio homem. É necessário ficar claro que, transformando o meio e a si, o homem redefine suas dinâmicas culturais, redefinindo valores, sentidos, significados e identidades. A ação transformadora humana na natureza passa a ser mediada pelos símbolos criados pelo homem, que dão sentido às suas ações. Desta forma, a cultura pode também ser definida como o conjunto desses símbolos, os quais relativos no tempo e espaço, com múltiplas manifestações. Com isso, o homem, colocando em movimento o meio, a cultura e, desta forma, a si, é o único ser histórico consciente de sua condição e, portanto, produtor de sua própria história. Natureza da Cultura 19 O Homem, a Natureza e o Meio Figura 11 – Theodor W. Adorno e Max Horkheimer Fonte: Wikimedia/Commons Indubitavelmente, viver em uma grande cidade é sinônimo, hoje,de alienação e dependência, pois, cada vez mais, distanciamo-nos da natureza, à qual exercemos domínio como grupo, nunca como seres isolados. Assim, tendemos a nos distanciar cada vez mais das relações primordiais geradoras de cultura, para assumir repertórios culturais gerados, em essência, pela indústria de consumo de massa, conforme identificaram autores da chamada Escola de Frankfurt, primordialmente Theodor Adorno, no conceito de indústria cultural, publicado em 1947 no livro Dialética do iluminismo, que escreveu junto de Max Horkheimer (SANTOS, 2014; PAIXÃO, 2012). O domínio que o homem exerce sobre a natureza nos processos de ocupação do espaço, tecnologias, complexas estruturas econômicas e formas de produção, advém de conhecimentos que indivíduos distintos e tomados isoladamente desenvolveram ou, por sua vez, adquiriram de outros que os precederam, aos quais, de forma cumulativa, foram inseridos novos conhecimentos, culminando em tecnologias avançadas que podem ser utilizadas por todos, mas dificilmente reconstituídas desde a fase embrionária de seu processo de concepção. O homem tanto se orgulha de suas grandes obras e monumentos, de sua pretensa superioridade com relação ao meio em que vive, que se esquece de que, por si só, não é detentor de conhecimento algum que possa garantir sua sobrevivência se deixado sozinho, desprotegido em meio a uma densa floresta, cercado por animais selvagens e predadores, precisando prover- se da caça e da coleta como fizeram nossos antepassados que, por sua vez, já contavam com formas de transmissão de conhecimento, como a oralidade, para construção do saber cumulativo. O distanciamento do homem em relação à natureza é responsável por uma ilusão de falso domínio: seu isolamento nos centros urbanos constrói uma sensação de segurança em relação ao meio e de pleno domínio da natureza, que exaure não mais para sua sobrevivência, mas para atender aos fetiches da acrítica sociedade de consumo de massa. É perfeitamente possível discordar dessas premissas, pensando o homem como a “obra- prima” do reino animal, o topo da escala evolutiva e que tudo no passado foi “pior” e “primitivo” na perspectiva das “realizações” de uma enganosa condição de pós-modernidade. Natureza da Cultura UNIDADE I 20 Imaginemo-nos seguros em nossas casas ou apartamentos, rodeados de eletroeletrônicos e parafernálias que garantem a nossa sobrevivência, trabalho, entretenimento, alimento e até nos convencem a não viver a aventura de ser humano, de ousar, de ser errante, fazendo-nos viver as aventuras de riscos alheios, nas jornadas domingueiras dos programas televisivos, nas competi- ções desportivas, em tudo que está fora de nós, na televisão. Imaginemos agora se uma voz advinda do além ordenasse: “Acabai a energia elétrica!” E assim se fizesse? Seríamos capazes de reinventá-la isoladamente, como aprendemos a viver nos grandes centros, sem construir relações sociais profundas e duradouras e detentores de parcial e limitado conhecimento? Vejamos, então, que nosso conhecimento funciona apenas de forma cumulativa, portanto, a humanidade funciona enquanto grupo – nunca isoladamente. Percebamos o quanto é antinatural o atual ciclo sistêmico do capitalismo, construtor do que o histo- riador inglês Eric Hobsbawm chamou de individualismo associal absoluto, responsável pelo surgimento de indivíduos egocentra- dos, dissociados de sua condição de classe e que competem na espiral de produção e consumo apenas por si. Percebamos ainda que o contato com a natureza, exercido nos campos e vilarejos, continua sendo a melhor forma de proporcionar integração entre seus indivíduos e de aproximar estes da natureza, à qual devemos nos integrar – e não dominar (mas, já nem mesmo no campo essa é uma realidade). No Brasil, sob a égide dos Planos de Desenvolvimento Nacional (PND) dos governos mi- litares (1964-1985), os pequenos produtores rurais tiveram suas propriedades para cultivo de subsistência engolidas pelos latifúndios agroexportadores e seus modus-vivendi, tais pro- priedades foram trocadas pela lógica da mecanização das lavouras, que reduziu os indivíduos ali atuantes à condição de boias-frias, obrigando-os a engrossar as fileiras de miseráveis nos grandes centros, excedentes populacionais não incorporados à industrialização. Esse processo foi brilhantemente mapeado pelo renoma- do antropólogo brasileiro, Antônio Cândido, em sua tese de Doutoramento, intitulada Parceiros do Rio Bonito, na qual es- tudou as mudanças culturais da, então chamada, “cultura rústi- ca”, a “cultura do caipira”, em relação às transformações que estavam em curso e que acabaram por reduzi-lo à condição de boia-fria, como dito. Devemos rever o conceito de relação do homem para com o meio ambiente, que haja integração – e não domínio. Implica em perceber que o Planeta é um sistema fechado e que o consumo desenfreado – que é o combustível de um capitalismo aprofundado sobre si e sob a fachada de socialmente responsável – é a causa da quase inviabilidade da existência humana sobre a Terra, em uma perspectiva de muito pouco tempo. Figura 13 - Antônio Cândido Fonte: Divulgação Figura 12 – Eric Hobsbawm Fonte: Divulgação Natureza da Cultura 21 Como a Antropologia Conceitua a Cultura Para a Antropologia, Ciência que estuda o homem e suas obras, em sua área específica de estudos culturais – a Antropologia Cultural –, a cultura se define como um processo de aprendizagem. Trata-se de um comportamento apreendido, o que se defronta com seu contrário: a personalidade, que se pensa como algo já dado. Trata-se de um conjunto de coisas – materiais, de existência concreta – e de ideias – imateriais, espirituais, de existência abstrata. Segundo o que vimos até aqui, conseguimos entender que coisas se refiram aos materiais fabricados pelo homem para atender às suas necessidades de sobrevivência, isso porque já sabemos que o homem é portador de necessidades biológicas. Mas, e as ideias? A qual tipo de necessidades se referem?! Ora, o homem não é portador apenas de necessidades biológicas, as assim chamadas necessidades do corpo ou da matéria. Isso porque o homem é feito também de uma outra substância, de essência imaterial e abstrata, que não podemos tocar fisicamente, medir ou pesar: nossa alma; exatamente aquilo que preenche o corpo material, dando-nos caráter, personalidade, sentimentos e emoções. Trata-se daquilo que nos torna únicos! Essa nossa dimensão imaterial possui também necessidades, assim como a dimensão material, mas de outra natureza: amar, ser amado(a), ter amigos, ser solidário(a), ser feliz etc. O que é cultura? Cultura é o sistema integrado de padrões de comportamento aprendidos, os quais são característicos dos membros de uma sociedade e não o resultado de herança biológica. A cultura não é geneticamente pré-determinada; é não instintiva. É o resultado da invenção social que é transmitida e apreendida somente através da comunicação e da aprendizagem (HOEBEL; FROST, 1976, p. 4). Ex pl or Se a dimensão da existência humana gravita entre material e imaterial, a cultura, produto da ação humana, constitui-se também nessa dupla dimensão. Temos então a cultura material – concreta, do universo das coisas – e a imaterial – espiritual, do universo das ideias. Material e imaterial: Por elementos materiais entendemos, por exemplo, a existência de uma igreja, de um templo, de uma sinagoga, de um terreiro de umbanda, de um gra� te em um muro, de um monumento, de um teatro, entre tantas outras manifestações que podem ser observadas nas paisagens e que são materiais e frutos da cultura. Contudo, há também a música, as formas de se expressar, os idiomas e sotaques, a memória, as crenças, as lendas, os discursos etc., que são formas e representações imateriais da cultura. Ex pl or Natureza da Cultura UNIDADE I 22 Para entendermos melhor essa distinção, pensemos em dois ambientes essenciais onde se desenvolve a vida em sociedade: Quadro1 Ambiente Locus Características Primário natural Natureza Necessidades biológicas, físico-orgânicas – excreção, sede, alimentação, reprodução, segurança Secundário artificial Sociedade Necessidades socioculturais ou psicossociais – religião, educação, política, economia, relacionamento individual ligado aos sentimentos Este Quadro demonstra que a cultura é composta por elementos materiais concretos voltados, basicamente, ao atendimento de um conjunto de necessidades de curto prazo; enquanto existe aquele conjunto, sobretudo de ordem psicossocial, relacionado às necessidades orientadoras do comportamento, apreendidas desde os primeiros anos de existência e que acompanham o indivíduo ao longo de sua vida. A cultura real revela efetivamente as condições concretas e imediatas de existência, compor- tando aspectos positivos e negativos e, essencialmente, resultantes dos modos como os homens produzem e se relacionam em sociedade. Enquanto a cultura ideal representa um parâmetro que orienta as condutas no sentido de atingir condições satisfatórias de vida; entretanto, seus elemen- tos, apenas em casos excepcionais, são atingidos. Depois de refletir ao longo dessas páginas sobre a cultura, podemos concluir que: • É universal na experiência do homem; entretanto, cada manifestação local ou regional da cultura é única; • É estável e, não obstante, igualmente dinâmica, evidenciando contínua e constante mudança; • Inclui e condiciona amplamente o curso de nossas vidas e, no entanto, raramente interfere no pensamento consciente. Natureza da Cultura 23 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Sites Antropologia Cultural REIS, Nicoli Isabel dos. Resenha de: BOAS, Franz. Antropologia cultural. Org. Celso Castro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. 109 p. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, RS, v. 10, n. 22, jul./dez. 2004. https://goo.gl/flaZVF Livros Antropologia Social e Cultural CHICARINO, Tathiana. Antropologia social e cultural. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2014. Cultura e Diversidade CORRÊA, Rosa Lydia Teixeira. Cultura e diversidade. Curitiba, PR: Intersaberes, 2012. Antropologia GOMES, Mércio Pereira. Antropologia. São Paulo: Contexto, 2014. Natureza da Cultura UNIDADE I 24 Referências CHILDE, V. G. A evolução cultural do homem. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1966. FROMM, Erich. Ter ou ser. São Paulo: LTC, 1987. HOEBEL, E. A.; FROST, E. L.Antropologia cultural e social. São Paulo: Cultrix, 1976. MALTHUS, T. R. Princípios de economia política: e considerações sobre sua aplicação prática; ensaio sobre a população. São Paulo: Abril Cultural, 1983. MARX, K.; ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista. 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Ou seja, por que indivíduos demonstram serem portadores de sistemas culturais sutis ou completamente distintos uns dos outros, dependendo do lugar ou do tempo de sua existência? A hereditariedade explica? Legaríamos características culturais, valores, caráter e até mesmo inteligência aos nossos descendentes? A origem geográfica é o determinante? Se tivéssemos nascido em outra região, teríamos uma cultura completamente diversa da nossa? Ou a questão é a aprendizagem? Ou seja, todo o nosso repertório cultural nos foi ensinado por nossos familiares, pelas instituições religiosas, pela educação formal, pela própria sociedade na qual vivemos? Para complicar ainda mais essas questões, imagine a seguinte situação: um casal de franceses tem dois filhos gêmeos idênticos, ocorre que o parto acontece na Guatemala. Semanas depois, os irmãos são separados dos pais. Um dos quais é criado por uma tribo na Namíbia, o outro é criado em Tóquio. Os irmãos gêmeos terão idênticos sistemas culturais, obedecendo à hereditariedade? Ou seja, terão uma cultura primordialmente francesa – ou, em linhas gerais, europeia? Por terem nascido na Guatemala, mesmo que tenham sido transportados para localidades distintas, terão a mesma cultura por conta de uma origem geográfica comum? Ou teriam culturas completamente distintas? Um dos quais completamente inserido em uma cultura tribal africana; outro na complexa sociedade urbana e cosmopolita de Tóquio? Nesta Unidade conheceremos as teorias que, de diferentes pontos de vista, tentaram responder a questões dessa ordem, na Antropologia, Ciência Social cujo objeto primordial é o homem tomado em sua dimensão cultural. Em busca das respostas às perguntas aqui elaboradas, discutiremos a seguir algumas teorias sobre cultura. Teorias Antropológicas da Cultura As teorias antropológicas servem de ferramentas para a aplicação do estudo em Antropologia, Ciência Social cujo objetivo é o estudo do homem e de suas obras, ou seja, de sua cultura. Nesse contexto, as teorias antropológicas servem diretamente à compreensão das diversas formas de manifestação cultural em distintas organizações sociais humanas. Teorias sobre Cultura 27 Os diferentes tipos de organização social, desde os considerados primitivos até os mais complexos, estão intimamente relacionados às características culturais ali predominantes, para as quais as teorias da cultura servem de instrumento compreensivo. A partir da segunda metade do século XIX, período de consolidação de importantes conquis- tas anteriores, como o advento do Renascimento cultural na Europa (séc. XVI-XVII), das grandes navegações (séc. XVI), da conquista do Novo Mundo (séc. XVI), do desenvolvimento do método científico (séc. XVI-XVIII), das luzes da razão iluminista (séc. XVIII) e da consolidação do cienti- ficismo e da corrente de pensamento positivista (séc. XIX), o espírito humano passou de uma fase subjetiva de conhecimento, na qual as fundamentações se davam em termos abstratos, hi- potéticos e especulativos para um conhecimento mais objetivo, visando à constituição de saberes científicos calcados na experimentação empírica, na identificação de leis explicativas para seus determinantes causais e de sua generalização – transformação das leis científicas em leis gerais que explicam a totalidade das possibilidades de ocorrência do fenômeno estudado. Essa mudança de postura, da qual provêm praticamente todas as teorias da cultura, foi responsável pelo novo status de Ciência, conferido à Antropologia, cujo objeto passou a ser tratado como algo observável, mensurável, passível de ser decodificado estatisticamente, quantificado, teorizado, experimentado e comprovado, tratando-se o produto desse sistema de “conhecimento científico”. Tiveram fundamental importância entre as teorias culturais, a fim de que a Antropologia fosse reconhecida como Ciência, primeiramente o evolucionismo, que tratava seu objeto de forma mais ampla, abraçando o estudo de civilizações inteiras, enquanto outras teorias focavam organizações sociais quantitativamente menores, lidando com a cultura por meio de aspectos entendidos como evolutivos. Igual importância teve o difusionismo, que buscava a explicação do desenvolvimento cultural a partir do processo de difusão de elementos culturais de um sistema para outro.Figura 1 – Chromolithograph of human races of the World Fonte: RaremapSandbooks ( Material de Divulgação) Já o funcionalismo, que inovou o campo de interpretação antropológica, focava não mais as origens históricas do estudo da cultura; mas sim seu contexto em dado momento, com a lógica do sistema focalizado. Teorias sobre Cultura UNIDADE II 28 Por fim, o estruturalismo, o mais recente movimento em orientação teórica em Antropologia, adotou posições próprias de natureza predominantemente subjetivas. São as ferramentas utilizadas pelos antropólogos estudiosos do “homem e suas obras”, de seu produto direto: a cultura humana; nobilíssimo trabalho ao qual se agregam conhecimentos de outras tantas ciências afins, com a mesma finalidade: reconstituir o passado cultural humano, entender a condição presente e projetar reflexões a respeito dos horizontes do homem. Evolucionismo Cultural Com o incremento das navegações no século XVIII, resultado do avanço do comércio ultramarino, o transporte de produtos agrícolas e riquezas minerais entre territórios coloniais na América, África, Ásia e Europa, a civilização europeia pôde ter maior contato com povos que até então desconhecia; pôde saber de práticas religiosas, hábitos cotidianos e comportamentos sociais completamente diversos dos seus. O contato com o diverso possibilitou ao europeu pensar o homem em termos evolutivos, ou seja, comparar o homem europeu com os novos povos que eram dominados permitiu interpretá-los como se estivessem em distintos estágios de um mesmo processo: a evolução. De forma etnocentrista e eurocêntrica, essas diferenças culturais moveram explicações de caráter monogenista e poligenista. A interpretação monogeísta pressupunha um caminho linear e finalista para o processo evolutivo, partindo sempre de um estágio menos evoluído – o patamar primitivo – para o mais evoluído – a civilização. Essa interpretação encontrava respaldo nas teses do filósofo suíço Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) e sua defesa da perfectibilidade humana, como um estágio possível de ser alcançado na esperança que depositava no homem natural, essencialmente bom. As diferenças culturais constituiriam, portanto, indicadores de que se encontrariam em etapas distintas do mesmo processo evolutivo e nisso consistiu o referencial teórico dos primeiros etnó- logos que estudavam os homens do passado, então como “homens primitivos”. Já a poligenia, que não descartava a concepção da evolução, defendia que as diferenças provinham essencialmente da existência de distintos centros de criação, onde os homens teriam, portanto, diferentes origens, o que explicaria não apenas diferenças físicas, mas também prometia elucidar as diferenças morais entre os quais. Em suas convicções reside ainda a defesa de que mesmo pertencentes a uma origem em co- mum, as diferenças que se desenvolveriam no processo evolutivo levariam à degeneração da espé- cie no caso de indivíduos pertencentes a distintas etapas evolutivas que tivessem se entrecruzado. Figura 2 – The perils of Atlantic navigation – the steamship “Columbia’s” encounter with an enormous iceberg o� the Newfoundland Banks. From a sketch by an O� Fonte: Istock/Getty Images Teorias sobre Cultura 29 Sob vários aspectos, o impacto da publicação da obra de Charles Darwin (1809- 1882), intitulada A origem das espécies, em 1859, fez com que a perspectiva evolucionista penetrasse várias áreas de conhecimento, para além da Biologia. Sua repercussão nas nascentes Ciências Humanas desdobrou-se no fenômeno do darwinismo social. A dominação colonial ganhava uma justificativa biológica: tratava-se do avanço civilizador do homem branco sobre a barbárie, que deveria ser civilizada. As sociedades também poderiam ser escalonadas segundo diferentes graus evolutivos que demonstrassem em termos econômicos, tecnológicos, políticos e culturais. Foi o filósofo inglês Herbert Spencer (1820-1903), profundo admirador da obra de Charles Darwin e criador da expressão “sobrevivência do mais apto”, quem criou o darwinismo social, em sua busca por aplicar as leis da evolução em todos os níveis da atividade humana. Nesse esforço, a partir do darwinismo social Spencer erigiu uma teoria sobre as raças; estendendo critérios de comparação e diferenciação, utilizados para o estudo de animais, a fim de compreender as diferenças entre os homens. Estabelecendo que, tal qual os animais, os homens se subdividiriam em raças e que, aplicando as teses darwinistas, poderiam ser qualificadas como mais ou menos aptas ou, ainda, primitivas ou civilizadas, de modo que estaria anulado o poder de livre arbítrio do homem, uma vez que suas escolhas estariam determinadas pelas características étnico-culturais que teriam herdado de seus antepassados. Utilizando esses critérios, o cruzamento inter-racial, a miscigenação, levaria à degeneração das espécies, enquanto sua perpetuação seria garantida pela valoriza- ção das raças “puras”, ou seja, intocadas pela miscigenação. A dominação de um grupo sobre outro ganhava não só uma explicação sistêmica, pseudocientífica; mas, fundamentalmente, ganhava uma legitimação, pois em nome da defesa da civilização seria preciso dominar e/ou civilizar a barbárie. A Antropologia se desenvolveu, em seu período embrionário, orientada exatamente por esses pressupostos teóricos: evolucionistas. Assim, a tarefa do antropólogo, nesse contexto, não consistiria apenas em determinar a antiguidade do homem, utilizando as recentes descobertas da Química, senão identificar em que estágio estaria no processo evolutivo. A criação das etapas, dos estágios culturais segundo as características dos grupos estudados, constituiu também como tarefa primordial desses primeiros antropólogos – a taxiologia. O próprio tempo cronológico dava lugar a outra percepção de tempo: o da evolução, que permitiria a criação de uma escala para a sua determinação. Figura 3 – Herbert Spencer Fonte: Wikimedia/Commons Teorias sobre Cultura UNIDADE II 30 Figura 4 – Lewis Henry Morgan Fonte: Wikimedia/Commons Nesse esforço de identificar as etapas evolutivas de distintas sociedades, destaca-se o trabalho do antropólogo e etnólogo norte-americano Lewis Henry Morgan (1818-1881), conside- rado um dos fundadores da Antropologia moderna, tendo sido um dos primeiros teóricos da cultura e da sociedade no pensa- mento antropológico. Na obra Ancient society (1877), Morgan defendeu a exis- tência de três estágios evolutivos para as sociedades humanas, que permitiriam agrupá-las e estudá-las de acordo com critérios rigorosos de análise e qualificação de seus caracteres: selvageria, barbárie e civilização. Outr a contribuição notável, no contexto do evolucionismo na Antropologia, foi dada pelo antropólogo inglês Edward Burnett Tylor (1832-1917), considerado o “pai do conceito moderno de cultura”. Condensou, em sua principal obra – Primitive culture, de 1871 (HOEBEL, E. A.; FROST, 1976) –, ideias que possuem um longo histórico de fluência no Ocidente, remontando aos primórdios da Filosofia iluminista e que já faziam a defesa do papel da educação na transmissão cultural – fenômeno caracterizado como endoculturação. Ocorre que, na prática, os “selvagens”, ou seja, o “homem primitivo”, não era estudado in loco. Dito de outra forma, se contemporâneos ao estudioso, não eram estudados pelo antropólogo onde viviam; mas por meio de documentos escritos: relatos de cronistas viajantes, missionários religio- sos, mercenários etc.; já para povos do passado, o desafio era ainda maior, uma vez que apenas seus artefatos poderiam ser estudados e seu estágio evolutivo determinado comparativamente com aqueles mais evoluídos. Obviamente, a questão do “mais evoluído” ou da “civilização” tinha como modelo o homem europeu. Portanto, trata-se de uma visão etnocentrista e eurocêntrica que comprometia a ideia de progresso, que perpassa ideologicamente esse arcabouço teórico, como o caminho que levaria a selvageriaao modelo europeu de civilização. Difusionismo Importante! “Cultura é o todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem enquanto membro de uma sociedade” (TYLOR, 1871). Trocando ideias... O difusionismo se desenvolveu, na Antropologia, como uma violenta resposta aos pressupos- tos teóricos do evolucionismo. Teorias sobre Cultura 31 Figura 5 – William Halse Rivers Fonte: Wikimedia/Commons Data do início do século XX a comunicação das posturas mais radicais dessa corrente. O primeiro teórico a se engajar na resistência contra o evolucionismo foi o médico, psicólogo e antropólogo britânico William Halse Rivers Rivers (1864-1922), cujos discípulos – William James Perry (1887-1949) e Grafton Elliot Smith (1871-1937) – deram continuidade à sua obra. Os difusionistas britânicos – Rivers, Perry e Smith – contrapunham-se às explicações evolu- cionistas para as diferenças e semelhanças culturais recorrendo a fenômenos ignorados por essa corrente, como correntes migratórias, deslocamentos populacionais e contatos interculturais. Particularmente Elliot Smith, egiptólogo, além de antropólogo, defendeu a tese de que a civi- lização egípcia seria portadora de indícios que revelariam ter sido a África o berço da origem da humanidade, e a partir dali teria se difundido. O movimento de difusão teria se desencadeado naquele ponto – o Egito –, culminando em sua difusão por todo o mundo, em ondas de deslocamento que teriam passado a se diferenciar umas das outras. Figura 6 – American Museum of Natural History Fonte: Wikimedia/Commons Teorias sobre Cultura UNIDADE II 32 Ainda que tenha sido desmontada, em termos teóricos, a tese de que a diversidade cultural seria resultado da difusão de características provenientes de um único centro fez com que o difusionismo tenha cumprido um relevante papel ao oferecer, no início do século XX, uma alternativa explicativa à questão da diversidade cultural, tendo sido a primeira a se defrontar com o vigente evolucionismo. O antropólogo teuto-americano Franz Boas (1858-1942), de- fensor da corrente denominada histórica, pode-se dizer, esteve en- tre o difusionismo e o funcionalismo – que veremos a seguir. Seu trabalho pioneiro, junto de seus discípulos, consiste no mais importante ponto de inflexão nos estudos antropológicos, no que tange ao declínio da Antropologia Rácica Evolucionista, uma vez que sua proposta relativista desmontava a ideia de proximidade en- tre evolução biológica e cultural. Seu pioneirismo consiste na construção teórica que assentou métodos radicalmente distintos daqueles produzidos nos modos de conceber e estudar as culturas humanas, propondo relativizá-las, ao invés de escaloná-las hierarquicamente. Não que estudos comparativos não pudessem ser feitos entre distintas culturas, ou mesmo que não se pudesse identificar uma origem comum para ambas. O que Boas propunha era um processo indutivo que identificasse as relações que possibilitariam a comparação, para o então estabelecimento das conexões históricas pertinentes. Para Boas o mesmo fenômeno tem sentidos variados em cada cultura. Assim, o fato de ocorrências semelhantes serem identificadas em distintas culturas não constitui prova de uma origem comum. Consequentemente, não havendo uma única origem cultural, não se pode mencionar cultura no singular, senão culturas. Ou seja, cada cultura teria sua própria história; não uma cultura humana universal e originária – como pressupunham os evolucionistas e até mesmo parte dos difusionistas. Sendo então autônomas, todas as culturas seriam também dinâmicas em suas transformações ao longo do tempo. Nesse contexto, suas críticas pesavam mais gravemente sobre os determinismos biológicos e geográficos, bem como no transporte de categorias explicativas evolucionistas para o tratamento das relações culturais, o que havia levado ao fenômeno do evolucionismo cultural. Contrário a essa explicação evolucionista para a diferenciação das culturas, Boas demonstrou que cada sistema cultural constituiria uma unidade integrada, resultado de um desenvolvimento histórico específico. Com isso, determinou a independência dos fenômenos culturais em relação aos condicionantes geográficos e biológicos, vigentes como explicação desde o período formativo da Antropologia. As dinâmicas culturais estariam desatreladas desses elementos; obedecendo apenas à lógica da interação entre os indivíduos, o meio e a sociedade. Figura 7 – Anthropologist Franz Boas Fonte: Wikimedia/Commons Teorias sobre Cultura 33 A concepção evolucionista aplicada à cultura, responsável pelo assentamento de uma visão etapista linear, na forma de estágios evolutivos pelos quais, obrigatoriamente, todas as sociedades passariam, assistia ao surgimento de sua mais severa e consistente crítica. Esta nova postura teórica deslocou completamente os sentidos gerais da Antropologia, desde seus objetos, objetivos até o ofício do antropólogo, que passava a ser o estudo de sistemas culturais particulares – e não da identificação de uma cultura universal. Funcionalismo Uma das mudanças mais significativas para a determinação do fracasso explicativo do evolu- cionismo foi o abandono dos relatos de cronistas viajantes e congêneres como base informativa para estudos antropológicos e a adoção de métodos de pesquisa de campo. A excessiva utilização de valores europeus na análise valorativa de povos não europeus para de- marcar sua posição em uma espécie de “corrida” linear e etapista rumo à civilização, tendo como força motriz o progresso, marcou também o abandono do evolucionismo como ferramenta expli- cativa de diferenças não apenas biológicas ou culturais, mas também psicológicas e intelectuais. Figura 8 – Bronislaw Malinowski (1884-1942), the polish-born british anthropologist who studied folklore and customs Fonte: Wikimedia/Commons Nesse contexto, o evolucionismo de Spencer passou a, grada- tivamente, dar lugar ao determinismo de uma corrente teórica as- cendente: o funcionalismo na Antropologia, cujo precursor foi o antropólogo polaco Bronislaw Kasper Malinowski (1884-1942), considerado um dos fundadores da Antropologia Social. Apesar de tomar o avanço colonizador como dado, bem como justificar a necessidade de estudo dos “povos primitivos” pelo avanço do imperialismo europeu, o funcionalismo de Ma- linowski, ainda que comparando as sociedades estudadas com aquela na qual pertencia o estudioso, abandonava a mecanici- dade da escala evolutiva, focalizando as culturas diversas em situação, ou seja, a partir de sua própria contextualização. O próprio etnocentrismo e o eurocentrismo passaram a dar lugar, na Antropologia, a outra ati- tude. Malinowski sistematizou o método que passou a tomar a cultura do “homem primitivo” não a partir do olhar valorativo europeu, ou seja, do antropólogo; o desafio consistiria em determinar o ponto de vista do “homem primitivo” para, então, empreender a análise de sua cultura. Sua proposta metodológica consistia ainda na compreensão do todo complexo de uma sociedade, incluindo sua constituição cultural, identificando suas partes componentes significativas. Tais seriam estudadas isoladamente, parte por parte para, em seguida, serem articuladas, construindo-se a partir daí a compreensão sobre o todo. Teorias sobre Cultura UNIDADE II 34 Seguindo o exemplo do que fez com as sociedades, dividiu também a existência social, esta a partir da identificação da natureza das necessidades humanas. Para Malinowski haveria dois tipos primordiais de necessidades: · Primárias, que seriam as necessidades biológicas; · Secundárias, as necessidades culturais. Ocorre que as necessidades primárias é que determinariam as secundárias, ou seja, a cultura estaria ligada à satisfação das necessidades biológicas, até que se desenvolveriam dinâmicas tão complexas que passariam a constituir, por si só, necessidades. Para empreenderesses estudos, o antropólogo necessitaria de um rigoroso procedimento metodológico. Dada a complexidade dos objetos da Antropologia, a importação pura e simples dos métodos das Ciências da Natureza e das Ciências Formais não resolveria, de modo que seria necessário criar novos métodos para as nascentes Ciências Humanas. Assim, o método proposto por Malinowski consiste em três etapas/tarefas: 1. Observar todos os costumes dos nativos; 2. Apreender suas narrativas orais; 3. Utilizar métodos estatísticos. A observação do comportamento social dos povos estudados possibilitaria ao antropólogo identificar as referências dos nativos, exatamente o que permitiria ao pesquisador dessa área estudar uma cultura com o uso de suas próprias referências – e não as do antropólogo. Tais referências captadas receberam o nome de imponderáveis da vida real, o cerne de toda a pesquisa. Isso possibilitaria abandonar as pré-concepções que caracteriza- vam as abordagens evolucionistas e as atitudes que possibilitavam valorar negativamente os nativos, comparando-os aos europeus. As comparações seguiriam possíveis; mas a extensão dos valores eu- ropeus aos nativos não seria mais viável. O afastamento das ideias preconcebidas, os preconceitos, possibilitaria à Antropologia galgar, por meio de maior rigor metodológico, maior grau empírico. O cientista social britânico Alfred Reginald Radcliffe-Brown (1881-1955), tido como um dos maiores expoentes da Antropologia por ter desenvolvido a teoria do funcionalismo estrutural, imbuído da defesa de Malinowski à pesquisa de campo, propunha combiná- -la também ao trabalho de gabinete. Isso possibilitaria abrir novos horizontes à Ciência Antropológica, uma vez que o risco era o de a Antropologia, estudando culturas isoladamente, tornar-se exaustivamente descritiva. Os novos horizontes constituiriam as possibilidades de se estudar comparativamente as culturas descritas. A tarefa seria articular os métodos histórico e comparativo nos estudos antropológicos. O estudo comparado possibilitaria, por sua vez, a identificação de regularidades e a proposição de leis gerais para fenômenos recorrentes ou similares. Figura 9 – Alfred Reginald Radcli� e-Brown Fonte: Wikimedia/Commons Teorias sobre Cultura 35 Entre as possibilidades, então, de identificação de fenômenos gerais, uma lei geral identificada por Radcliffe-Brown consistiria da natureza e funcionamento das relações e estruturas sociais baseadas em “oposição”. Enfatizando seus aspectos funcionais, fenômenos recorrentes como os de hostilidade intergrupal, violência, estupro, entre outros. Figura 10 – Engraving by Theodor de Bry after a weroans or great lord of Virginia by John White Fonte: Wikimedia/Commons Problemas do Relativismo Comparativamente ao evolucionismo, o funcionalismo permitiu a adoção de uma postura diversa daquela de superioridade entre o estudioso e a cultura estudada. O desdobramento dessa postura consiste no relativismo que, por sua vez, distancia o investigador dos questionamentos valorativos sobre os nativos, que passam a ser meros comunicadores de suas práticas culturais. Normas e valores, para os relativistas, não devem ser objeto de nenhuma ordem de questionamen- to e a postura do antropólogo em campo, portanto, é a de mero coletor e analista de informações. O relativismo é radicalmente contrário à tendência universalista do evolucionismo; ou seja, contra seu ímpeto de estender um mesmo repertório cultural – o europeu, entendido como civilizado – à totalidade das sociedades, taxadas como inferiores – bárbaras. Nada a universalizar, tudo a relativizar! Ocorre que, assim, ao tratar de costumes como o do apedrejamento de mulheres adúlteras no Irã; o estupro aceito e legalizado no âmbito do matrimônio no Afeganistão; a condenação à morte de homossexuais em Uganda; a prática da excisão – mutilação do clitóris e dos pequenos lábios do órgão sexual feminino – em Djibuti, Etiópia, Somália, Sudão, Egito e Quênia; o racismo desvelado no Sul dos Estados Unidos; o machismo na sociedade brasileira; a pena de morte atualmente praticada em diversos países no mundo; não poderiam ser criticados por cientistas, isso porque valores como a liberdade, igualdade, o direito à vida e à inviolabilidade do corpo não poderiam ser universalizados. Teorias sobre Cultura UNIDADE II 36 Ainda hoje essa postura consiste em um problema: parte dos cientistas defende que se tratam, as práticas de violência acima descritas, de práticas culturais, de modo que qualquer tentativa de universalização de valores – incluindo a liberdade, igualdade, o direito à vida e à inviolabilidade do corpo – seria um atentado contra a autonomia cultural. Outra parte significativa defende que alguns valores devem ser universalizados. Ocorre que, da mesma forma, sociedades que historicamente foram compreendidas como civilizadas, são também portadoras de culturas violentas e que atentam contra direitos básicos. Vide o histórico de guerras religiosas, intolerância, torturas, execuções em fogueiras e enforcamentos que atravessa a história do cristianismo na Europa. Vide a violência com que negros são tratados pela polícia nos Estados Unidos de hoje. Para não nos demorarmos nas incontáveis possibilidades de exemplos que demonstram que culturas de ódio e intolerância são também fenômenos universais. Importante pergunta a ser feita é: reconhecido o direito à autonomia cultural e à necessidade de se relativizar valores, não seria necessário universalizar a liberdade, igualdade, o direito à vida e à inviolabilidade do corpo? Estruturalismo Figura 11 – French philosopher Claude Lévi-Strauss Fonte: Wikimedia/Commons O antropólogo, professor e filósofo francês Claude Lévi-Strauss (1908-2009) foi o fundador da chamada Antropologia Estrutural, corrente que se conformou a partir de seus estudos sobre os povos indígenas do Brasil. Durante o período em que aqui permaneceu, integrou a missão francesa que teve como objetivo estruturar as áreas de Ciências Humanas da recém- criada Universidade de São Paulo (USP), no período que se estendeu de 1935 a 1939. Durante esses quatro anos, estudando aspectos sobre a língua, costumes e lendas de povos indígenas, coletou os dados que permitiram criar uma nova teoria antropológica, elaborada e apresentada entre o final da década de 1940 e início de 1950. Estudou os Kaingang, no Norte do Paraná. Os pressupostos dessa nova corrente teórica foram publicados em duas de suas principais obras: As estruturas elementares do parentesco, de 1949; e Tristes trópicos, de 1955; que o notabilizaram mundialmente. Teorias sobre Cultura 37 Lévi-Strauss fez uso da chamada teoria estruturalista francesa, a qual pressupunha que “estruturas universais” estariam por trás de todas as ações humanas, dando forma às culturas em suas mais variadas manifestações: linguagem, mitos, religiões etc. Distinguiu-se gravemente dos demais antropólogos que buscavam revelar as diferenças entre povos e culturas, nas mais das vezes valorativas; enquanto Lévi-Strauss procurava as estruturas universais, chamadas também de estruturas profundas. Sem se preocupar com as diferenças, os estudos de Lévi-Strauss colaboraram na relativização entre povos e culturas, estreitando seus laços pela via da aceitação do diverso exatamente porque, para esse pesquisador, as diferenças entre os povos não constituíam o objeto cen- tral de interesse antropológico. Para Lévi-Strauss a maior parte dos antropólogos estava preocu- pada com o que nominou de “aparência”. Obviamente, utilizou-se de um dos fundamentos do estruturalismo para fazer tal afirmação, exata- mente a oposição entre essência e aparência. Suas pesquisas estavam dirigidas aos sentidos profundos das ações humanas e de seus produ- tos, na busca pela essência, encontrando-se com a Psicologia, a Lógica e a Filosofia das sociedades estudadas. A mera descrição das práticas rituais de uma determinada sociedade, a aparência, não lhe interessa-va. Essa nova e revolucionária abordagem encontrou contornos teóricos acabados na obra O pensamento selvagem, de 1962. Sobre o impacto que representou, para além da Antropologia, implicava em como tratar o, até então denominado, homem primitivo. Seu método estruturalista permitia compreender que sociedades tribais revelavam sistemas lógicos notáveis, de qualidades mentais, racionais tão sofisticadas quanto às de sociedades até então tidas como superiores. Sua teoria desmontava as convicções comumente aceitas de que as sociedades primitivas seriam intelectualmente deficitárias e temperamentalmente irracionais, e que suas ações e obras, que constituiriam seus “pobres” repertórios culturais, tinham por finalidade a satisfação de necessidades imediatas, como as de alimento, vestimenta e abrigo. Sob esses novos pressupostos teóricos, a visão pejorativa sobre as tribos primitivas estava fadada a desaparecer. Finalizando esta Unidade, é importante perceber que existem diferentes teorias que explicam a cultura e a visão sobre a existência do homem. Figura 12 Teorias sobre Cultura UNIDADE II 38 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Sites O Nascimento da Antropologia Americana e o Difusionismo: “Franz Boas como Protagonista.” O nascimento da Antropologia americana e o difusionismo: Franz Boas como protagonista, do site Nações do Mundo https://goo.gl/eEZUZU Difusionismo e Evolucionismo Difusionismo e evolucionismo, de Dilaze Mirela Fonseca e Marina Rute Pacheco, no site ant1mcc https://goo.gl/uD3quY História e Etnologia. Lévi-Strauss e os embates em região de fronteira História e Etnologia. Lévi-Strauss e os embates em região de fronteira, de Lilia K. Moritz Schwarcz, no portal Scielo https://goo.gl/zPTfMa Filmes Brincando nos campos do Senhor Brincando nos campos do Senhor. Dir. Héctor Babenco, Estados Unidos, drama, colorido, 1991. Dança com lobos Dança com lobos. Dir. Kevin Costner. Estados Unidos, drama, colorido, 1990. O último dos moicanos O último dos moicanos. Dir. Michael Mann, Estados Unidos, drama, colorido, 1992. Teorias sobre Cultura 39 Referências CHICARINO, Tathiana. Antropologia social e cultural. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2014. (e-book). FONSECA, Dilaze Mirela; PACHECO, Marina Rute. Difusionismo e evolucionismo. ant1mcc, 7 abr. 2009. Disponível em: <http://ant1mcc.blogspot.com/2009/04/difusionismo-e- evolucionismo.html>. Acesso em: 15 jan. 2017. HOEBEL, E. A.; FROST, E. L. Antropologia cultural e social. São Paulo: Cultrix, 1976. REIS, Nicoli Isabel dos. [Resenha de] BOAS, Franz. Antropologia cultural. Org. Celso Castro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. 109 p. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, RS, v. 10, n. 22, jul./dec. 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104- 71832004000200015&script=sci_arttext>. Acesso em: 15 jan. 2017. SCHWARCZ, Lilia K. Moritz. História e Etnologia. Lévi-Strauss e os embates em região de fronteira. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 42, n. 1-2, 1999. Disponível em: <http:// www.scielo.br/scielo.php?pid=S0034-77011999000100011&script=sci_arttext>. Acesso em: 15 jan. 2017. Responsável pelo Conteúdo: Prof. Dr. Rodrigo Medina Zagni Revisão Técnica: Profa. Dra. Vivian Fiori Revisão Textual: Prof. Ms. Luciano Vieira Francisco III Diversidade Étnico-Cultural Diversidade Étnico-Cultural UNIDADE III 42 Diversidade Cultural Registros históricos e artefatos possibilitaram aos arqueólogos encontrar evidências de que os diversos grupos humanos, em sua relação com a natureza e com o meio no qual viviam, criaram e produziram modos de vida que os diferenciavam dos demais. Em contraponto à dimensão biológica e racial, é importante ressaltar que a cultura diz respeito a uma construção humana, elaborada ao longo do tempo histórico da existência do homem, em suas diferentes condições do meio geográfico no qual vivia. O processo de renovação cultural é, por instância, dialético, de forma que não se pode pensar cultura dos povos – com seus hábitos, costumes, crenças, religiões, formas de alimentação etc. – sem trazer a sua relação com a sociedade de cada época, com o meio geográfico e com as condições dos diversos grupos humanos. Nesse processo há sempre permanências, tradições na cultura, ao mesmo tempo em que também vai se renovando. A Antropologia é a Ciência que vem estudando essa dimensão cultural desde o século XIX, de forma mais pormenorizada, caracterizando-a da seguinte maneira: A cultura não pode ser confundida com caracteres genéticos e/ou biológicos, como algo que já nascemos; mas sim como aprendizado que adquirimos de diferentes formas ao longo de nossas vidas; A cultura é uma dimensão humana, já que algumas espécies também vivem em sociedade – como formigas ou abelhas –, mas não produzem cultura como o ser humano; O homem e demais animais adaptam-se ao meio no qual vivem, mas o homem, conforme sua cultura, adapta-se e transforma o meio, produzindo novas formas de vida – de moradia, vestimenta, explicação do mundo, meios de produção – mediante técnicas; A cultura produzida pelos povos e sociedades de cada época cria certas padronizações, tabus, normas – caso das normas da língua, da religião, entre outras. Tais normas e preceitos das religiões, por exemplo, definem o comportamento de um indivíduo de determinada religião, diferindo-o de outro. De modo similar, as normas de linguagem – de como falar e escrever – são também padronizadas. Há discursos hegemônicos, que ditam os valores do que deve ser o certo e errado, moldando partes das características de uma determinada cultura; Há interação da sociedade, economia, cultura, proporcionando transformação constante e integrada, de forma dialética, ou seja, com a permanência de contradições. As formas de alimentação são exemplos de como os comportamentos sociais evoluíram à medida que a sociedade se tornava mais complexa. De homens e mulheres coletores, pescadores e caçadores, que tinham grande grau de dependência da natureza e cujas técnicas eram rudimentares e locais, o ser humano passou a domesticar animais e plantas, de forma sistemática e em escala mais ampla, no que viria a ser chamado de agricultura e de pecuária. Daí vem a palavra agricultura, que era, de fato, uma expressão da cultura dos povos que, ao domesticarem plantas, em sua relação com a natureza, criaram as diversas culturas alimen- tares que distinguem um povo dos outros, mesmo hoje em dia. Quando mencionamos, por exemplo, culinária italiana, indiana, japonesa, mineira etc., estamos tratando dessa dimensão Diversidade Étnico-Cultural 43 da cultura alimentar. Logo, a palavra cultura foi usada primeiramente com o termo agricultu- ra – como prática do campo –, tais como cultura do trigo, do milho e assim usada no sentido dessa prática primordial. Posteriormente, passou a ser empregada como conceito que exprimia o modo de vida, em um primeiro momento dos camponeses – do homem que produzia e praticava agricultura – e depois em um sentido e conotação mais ampla, como a cultura dos homens e seus modos de vida, hábitos e costumes. As diversas tradições da cultura alimentar foram hibridizadas, misturadas, mescladas, com novas descobertas, que surgiam à medida que havia migrações dos povos. Igualmente pelo processo de colonização e outros movimentos da população ao longo da história, houve maior contato entre povos que tinham diferentes hábitos e produtos alimentares. Foi o caso da batata e do tomate, por exemplo, que são oriundos do Continente americano e foram levados à Europa mediante o processo de colonização. Sua cultura foi tão bem absorvida pelos europeus, que é impossível hoje pensar na culinária italiana sem considerar o molho de tomate, ou na portuguesa sem o bacalhau com batatas. E hoje, com uma cultura mais globalizada, vemos alguns hábitos alimentares tornarem- se hegemônicos, devido à estandardização – padronização – dos costumes, veiculadospela propaganda, pela mídia em geral, pelas redes sociais e pela indústria de alimentos. A Revolução Técnico-Científica, empreendida a partir da segunda metade do século XX, com o avanço das ciências – Química, Biotecnologia –, das técnicas – sobretudo da Engenharia Genética –, promoveu transformações nas formas de se alimentar e também de produzir sinteti- camente, de maneira artificial e/ou por meio de hibridizações e da criação de novos alimentos. Portanto, não existe uma só cultura, mas uma diversidade de culturas pelo mundo, que vão sempre mudando ao longo do tempo, considerando as mediações da família, da sociedade de cada época, da natureza, da escola, entre outras interações, as quais acabam por alterar os modos de vida, as formas de existência e, assim, a própria cultura. Logo, um indivíduo imerso em uma determinada cultura nunca tem total conhecimento da qual, tanto porque esta muda, quanto porque certos traços lhe escapam. Mesmo fazendo parte de um grupo com o qual nos identificamos, não somos todos iguais em todos os aspectos dessa cultura, principalmente no mundo de hoje e aos que vivem nas grandes metrópoles, onde há multiplicidade de informações que nos chegam, diversidade de eventos que nos trazem diferentes maneiras de pensar, de viver. Do mesmo modo que a cultura não passa sempre por uma transformação total, por isso é dialética, há sempre um pouco do passado em tudo que fazemos, ao mesmo tempo em que também vamos inovando. Vejamos um exemplo: as formas de nos expressar na língua portuguesa não são as mesmas desde o século XIX, pois isto foi sendo modificado; mas, ao mesmo tempo, não é uma linguagem inteiramente nova, por isso incorporamos novidades a nossa linguagem, mas também outras normas da língua permanecem. Ou seja, há sempre permanências e tradições na cultura, ao mesmo tempo em que esta é constantemente recriada. Diversidade Étnico-Cultural UNIDADE III 44 As bases materiais e técnicas vão também mudando e isso faz com que a cultura também se altere. O nosso modo de vida urbano, por exemplo, trouxe aos homens e mulheres novas formas de sobreviver, mas os que vivem na cidade perderam a cultura do campo, das formas de plantar, de modo que se você pergunta para uma criança que vive em meio urbano de onde vem uma fruta, é comum que responda: “Do supermercado”, que é a visão imediata da cultura que cada um possui. Assim, afirmamos que a cultura tem relação com o tempo histórico, produzido pelos grupos, povos e sociedade de cada época, como também tem relação com o espaço e meio geográfico, porque é diferente e diversa nos distintos lugares do mundo. Desse modo, as transformações pelas quais determinada cultura passa se processam sempre em um movimento dialético – interno e externo –, a saber: · Interno, endógeno, dentro da mesma cultura, vai se alterando ao longo da história; · Externo, exógeno, devido ao contato com outras culturas, de forma amigável ou por meio de guerras, saques, domínios etc. Ambos os modos são condições integradas e ocorrem em um processo contínuo. Explicações para as Diferenças Étnico-Culturais Ao tratar do tema das diferenças étnico-culturais, é fundamental conceituar etnia. Trata-se de um termo que deriva de ethos, palavra grega, e pode ser definido como um grupo biológico e culturalmente mais homogêneo, que tem o mesmo ethos, ou seja, costumes, religião, crenças, língua, hábitos, entre outras características comuns. Dito de outra forma, partilhando certos cos- tumes, tradições, técnicas, comportamentos em comum. Tal termo não é sinônimo de raça, já que raça é relacionada exclusivamente ao sentido bioló- gico, da cor da pele, dos traços físicos – do cabelo, do nariz, das formas físicas etc. –, sendo um componente do biótipo humano. Ao longo da história humana, o homem, em sua relação com o meio geográfico, com a natureza e com outros grupos humanos, foi elaborando formas de viver e de cultura. Mediante o processo de colonização, neocolonização ou outros movimentos migratórios, os diversos grupos humanos foram colocados em maior contato entre si, levando a questionamentos em relação às diferenças raciais, do biótipo – características físicas, cor da pele, formato do corpo, do cabelo etc. –, bem como aspectos étnico e socioculturais, tais como formas de organização social, crenças, religiões, técnicas usadas, relações familiares, formas de moradia, entre outros. O surgimento de civilizações em algumas regiões do mundo – caso do Oriente Próximo (Egito Antigo, Mesopotâmia, Fenícia etc.) e dos vales fluviais na China e Índia – ocasionou o surgimento de maior separação entre diferentes tipos de trabalhadores – artesãos, agriculto- Diversidade Étnico-Cultural 45 res, escribas, construtores. Essa evolução favoreceu o surgimento das primeiras cidades, nas quais ocorriam contatos entre diferentes grupos humanos, superando aquela condição na qual os povos viviam somente em aldeias. Mesmo entre os que permaneceram em aldeias, as guerras e os saques promoviam o contato entre diferentes grupos humanos, o que levava sempre aos questionamentos em relação às diferenças étnico-culturais, bem como das origens dos seres humanos. Surgiam, assim, mitos e religiões. Em geral, os povos da Antiguidade buscavam nos mitos, nas crenças animistas, ou nas ideias filosóficas as explicações para as diferenças raciais, étnico-culturais entre os homens. Importante! Que se entende por crenças animistas aquelas que acreditam na força espiritual de objetos, tais como pedras, plantas, animais etc., atribuindo-lhes poder espiritual, ou como amuletos? Você Sabia? Era comum os povos considerarem que estavam no centro do mundo, e a própria cartografia e seus mapas refletiam tal concepção, no que se define como visão etnocêntrica. Na China Antiga, por exemplo, os mapas eram produzidos colocando as dinastias chinesas no centro do mundo e os demais povos mais distantes eram definidos como selvagens. Já os esquimós, da mesma forma, colocavam-se no centro do mundo e se não conheciam outros povos, era porque estes não eram importantes, diziam. O etnocentrismo não se resume à produção de desenhos e mapas a partir da visão de um povo, mas tem relação com a forma de pensar, na qual as pessoas ou grupos humanos interpre- tam e leem o mundo a partir da própria ótica, da cultura, do modo de pensar e de vida – como se a própria cultura fosse o centro do mundo, a forma correta de agir, o modo de vida adequado. Conforme afirma o pesquisador Everardo Rocha (1988, p. 18), no livro O que é etnocentrismo, sobre o conceito do termo: “Etnocentrismo é uma visão de um mundo onde o nosso próprio grupo é tomado como centro de tudo e todos os outros são pensados e sentidos através dos nossos valores, nossos modelos, nossas definições do que é a existência”. Desse modo, a visão etnocêntrica acaba por levar a extremos de xenofobia – aversão a estran- geiros –, intolerância social e étnico-cultural e especificamente religiosa, por aqueles que reconhe- cem apenas sua cultura como legítima. O etnocentrismo pode levar à exacerbação de movimentos sociopolíticos que acabam se tornando intolerantes, perseguindo outras etnias, religiões e/ou manifestações culturais, discri- minando outros povos, podendo, inclusive, constituir-se em partidos políticos ou entidades que buscam valorar sua etnia e cultura em julgar a cultura do “outro”, em um movimento de negação das demais culturas. Termos como cultura “atrasada”, “inferior”, foram usados ao longo da história para justificar repressões, ataques, guerras ou, de forma subliminar, discriminações que aparentemente não são violentas, mas que escondem preconceitos com outros povos que não têm a mesma cultura do opressor. Pauta-se em um juízo de valor do que é certo e o que é errado, depreciando e mediado Diversidade Étnico-Cultural UNIDADE III 46 por impressões sobre a cultura alheia. Quando alguns europeus vieram colonizar a América, por exemplo, houve várias situações
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