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Comunicação Não Violenta Podemos passar uma vida inteira com uma sensação de vazio, vivendo de forma apática, fria e superficial, mas completamente crédulos de que está tudo bem. Muitas pessoas passam uma vida inteira se comunicando de maneira desconsiderada ou até mesmo violenta, sem que se deem conta disso. Acabam, por consequência, não estabelecendo relações significativas e íntimas e acham que está tudo bem, que é assim mesmo. Como resultado, podem surgir camadas internas de ressentimento, raiva e frustração, pois a pessoa nunca se sente realmente parte de algo enriquecedor. A definição de Comunicação Não-Violenta (CNV) nos diz que ela: "...é baseada nos princípios da não-violência – o estado natural de compaixão quando a não-violência está presente no coração. CNV começa por assumir que somos todos compassivo por natureza e que estratégias violentas - se verbais ou físicas - são aprendidas ensinadas e apoiadas pela cultura dominante. CNV também assume que todos compartilham o mesmo, necessidades humanas básicas, e que cada uma de nossas ações são uma estratégia para atender a uma ou mais dessas necessidades." Marshall Rosemberg Quando o psicólogo americano Marshall Rosenberg tinha 9 anos precisou ficar trancado por 3 dias em casa com sua família por conta de um conflito racial que eclodiu na sua vizinhança, em Detroit, culminando na morte de quarenta pessoas. Já formado, começou a pesquisar os fatores que afetam a capacidade humana de se manter compassivo. Por conta disso, caiu imediatamente no papel crucial da linguagem e do uso das palavras e desenvolveu uma abordagem específica de comunicação (falar e ouvir) – que permita uma conexão maior entre as pessoas para que a compaixão possa emergir, mesmo em situações críticas. Ele vem realizando um trabalho de conscientização em mais de 65 países, proferindo palestras em locais de conflito e guerra como na Cisjordânia, Ruanda, Croácia e Belgrado. No entanto, a comunicação não-violenta pode ser aproveitada por todas as pessoas, não somente aquelas que lidam com situações de conflito ou que atravessam um impasse com alguém significativo. Ela exige bastante prática, esforço, paciência, dedicação e envolvimento genuíno. "A não-violência significa permitirmos que venha à tona aquilo que existe de positivo em nós e que sejamos dominados pelo amor, respeito, compreensão, gratidão, compaixão e preocupação com os outros em vez de sermos pelas atitudes egocêntricas, egoístas, gananciosas, odientas, preconceituosas, suspeitosas e agressivas que costumam dominar nosso pensamento. (...) O mundo em que vivemos é aquilo que fazemos dele" - Arun Gandhi (neto de Gandhi e fundador do Instituto Gandhi pela Não-violência) A CNV tem o objetivo de resgatar o que há de mais genuíno nas pessoas: suas emoções, valores e a capacidade de se expressarem com honestidade, ajudando os outros com real empatia – ou seja, mergulhando nas verdadeiras necessidades do outro e não em sua vontade de parecer altruísta. Velhos hábitos, grandes danos, raízes profundas... compaixão A maioria das bases educacionais e morais que conhecemos é violenta. Ao estabelecer noções rígidas de certo e errado, estabelecemos também as ideias implícitas de mérito e punição. A educação formal, familiar e a cultura (educação) nos arrastam para julgamentos moralizadores como culpa, insulto, depreciação, rotulação, crítica, comparação e diagnósticos, ou seja, uma linguagem rica em palavras que classificam e separam as pessoas e seus atos em dois grupos: os privilegiados e os excluídos. Essa linguagem de coerção, ameaças e chantagens faz com que as pessoas expressem cada vez menos boa vontade, ainda que se submetam aos valores expostos. Pois ao aceitá-los, internalizaram também culpa, medo, ressentimento e vergonha. Ou seja, mesmo que os valores apresentados sejam coerentes, as pessoas tendem a se afastar deles ou de sua origem, pois foram impostos. Nossa linguagem habitual vem dos mesmos locais, compartilha dessa raiz que busca dominar e convencer. E não se conectar e se relacionar. Mais, nossa linguagem usual também tende a nos esconder da responsabilidade por nossas ações, nos desconectando de nossos atos e das pessoas em volta. Para facilitar o processo de comunicação, Marshall Rosenberg identificou 4 componentes para diminuir a nossa posição defensiva e criar um espaço receptivo aos outros. 1 - OBSERVAR DE MANEIRA DESCRITIVA E NÃO JULGADORA Aparentemente nos consideramos ótimos observadores da realidade, mas não percebemos a sutil diferença em afirmar, "fulano é um chato" e "quando fulano fala alto e usa xingamentos me sinto acuado e com medo". No primeiro caso, estamos fazendo uma observação carregada de adjetivos que transformam um retrato particular numa história taxativa de como uma pessoa age se detendo nas aparências, sem oferecer empatia. Além do mais, o autor da frase negligencia sua profunda necessidade e reage ao que sente diante daquela ação e despeja sobre o outro sua fúria. A observação da CNV procura descrever o fato sem generalizações ou exageros linguísticos como "sempre", "nunca", "jamais". É quase uma linguagem textual que coloca a comunicação num nível bem próximo do que aconteceu. Ao contrário do julgamento que cria uma reação defensiva e cheia de culpa, a avaliação tem o efeito de aproximar as pessoas porque não taxa ou fecha alguém num adjetivo. Além do mais, evita o discurso carregado de culpa, merecimento ou punição que tanto utilizamos ao avaliar uma pessoa. Confira abaixo a relação de perguntas: 1. Ontem meu chefe ficou com raiva de mim sem nenhum motivo. AVALIAÇÃO "Sem nenhum motivo" é uma avaliação, assim como inferir que o chefe estava com raiva. Ele podia estar magoado, amedrontado, triste ou outra coisa. Exemplo de observação sem avaliação é: "Camila me disse que estava com raiva". 2. Luiza ouvia musica enquanto trabalhava. OBSERVAÇÃO Essa observação não associa nenhuma avaliação. 3. Carlos não pediu minha opinião durante a reunião. OBSERVAÇÃO Essa observação não associa nenhuma avaliação. 4. Gabriel é um bom funcionário. AVALIAÇÃO "Bom funcionário" é uma avaliação. Uma observação sem avaliação poderia ser "Durante os últimos 3 meses, Gabriel alcançou as metas de vendas da empresa" 5. Pedro trabalha demais. AVALIAÇÃO Atribuir "demais" é uma avaliação. Uma observação sem avaliação poderia ser "Pedro passou mais de sessenta horas no escritório esta semana". 6. Maria me disse que eu não fico bem de azul. OBSERVAÇÃO Essa observação não associa nenhuma avaliação. 7. Vivian reclama de alguma coisa toda vez que eu falo com ela. AVALIAÇÃO "Reclama" é uma avaliação. Uma observação sem avaliação poderia ser "Vivian telefonou para mim três vezes essa semana, e em todas falou de pessoas que a trataram de alguma maneira que não a agradou". 2 -SENTIMENTO: COMO NOS SENTIMOS EM RELAÇÃO AO QUE ESTAMOS OBSERVANDO? Nosso repertório sentimental é muito escasso, normalmente expressamos sentimentos como "um troço no peito" ou "sinto como se você me odiasse". Nos dois casos não há nenhuma descrição efetiva de sentimento. No primeiro, falamos de uma sensação física inespecífica e no segundo falamos de um pensamento seguido de um julgamento sobre o outro. Talvez fosse mais exato falar em "me sinto angustiado" ou "me sinto triste quando diz que vai embora de casa". Além do pouco que conhecemos sobre sentimentos, ainda existe o agravante de os considerarmos um sinal de fraqueza. Dialogar a partir de um sentimento desarma uma contrarreação hostil. Como rebater alguém que acabou de expressar que se sente triste diante de nossa desonestidade? Poderíamos tentar justificar alguma coisa, mas o sentimento do outro ainda estaria lá diante de nós. Nossossentimentos resultam de como escolhemos receber as ações e falas dos outros. Segundo a CNV, podemos reagir de quatro formas a uma mensagem negativa – a algo como "você é um egoísta": a) Culpar a nós mesmos. b) Culpar os outros. c) Escutar nossos próprios sentimentos e necessidades. d) Escutar os sentimentos e necessidades dos outros. O ponto crucial em lidar com conflitos é assumir 100% de responsabilidade por nossos sentimentos, pois as situações externas e pessoas são apenas gatilhos para reações internas hostis. 3. NECESSIDADES: QUAIS VALORES E DESEJOS GERAM NOSSOS SENTIMENTOS? Quando nos comunicamos a partir de nossas necessidades, sentimentos e desejos, temos mais chance de ser atendidos do que quando usamos julgamentos e avaliações. Se queremos uma reação compassiva devemos oferecê-la primeiro. Julgar é dar um tiro no próprio pé, cria fechamento e reatividade. Ao invés de pensar no que está errado na situação ou na pessoa, podemos pensar sobre quais necessidades queremos ver atendidas. São muitas as necessidades ocultas que carregamos. E as reivindicamos sem notar que fazemos, mas de uma maneira que não fica claro para quem fala e quem ouve. Autonomia, lazer, celebração, integridade, comunhão, necessidades físicas (sono, fome, frio, movimento físico, toque, espaço, saúde), conexão, enlevamento (alegria, inspiração, harmonia), pertencimento, aprendizagem, paz, diversidade, criatividade, iniciativa, facilidade, comunidade, liberdade, beleza, suporte, presença, cuidado, bem-estar, proteção, clareza, estabilidade, ordem, independência, expressão sexual. Essa lista de necessidades não é nem exaustiva, nem definitiva. Destina- se como um ponto de partida para apoiar quem deseja envolver-se em um processo de aprofundamento da autodescoberta e facilitar uma maior compreensão e conexão entre as pessoas. A lista seria enorme, mas o importante é você identificar e ter clareza do que precisa para que o outro tenha chance de reforçar e valorizar isso. 4. PEDIDOS: CLAROS E ESPECÍFICOS Aparentemente conseguimos forçar as pessoas a fazerem coisas que sejam de nossa vontade, principalmente quando um pedido oculta uma exigência ameaçadora. Mas isso tem um preço. Uma exigência implica que a pessoa se submeta ou se rebele e isso afasta os outros de uma conexão genuína. Afinal, se ela recusa a exigência corre o risco de ser punida. Quando fazemos pedidos claros e específicos temos mais chance de ser atendidos. A primeira dica é falar de modo que deixe claro o que você quer e não aquilo que não quer. "Não quero que grite" é um não-pedido. Seria melhor pedir "que fale num tom mais baixo". Ao invés de dizer "não quero que me deixe sozinha", seria mais preciso "quando saímos com os seus amigos, me sinto mais confortável quando permanece ao meu lado". É fundamental ter clareza do que necessita ao invés esperar que alguém adivinhe seu desejo só por suspirar de um certo modo. Ações objetivas são mais compreensíveis e menos confusas. Caso não fique claro para o outro, cheque com ele se entendeu o pedido ou refaça de outro modo, com tranquilidade. "Quero que me deixe ser quem sou" é inespecífico e abstrato, seria mais preciso e observável "gostaria de estudar na faculdade que escolhi, cantar sem ser repreendido, poder escolher e responder pelos meus horários e atitudes". Tente se comunicar quase visualmente, de modo que qualquer pessoa possa entender.
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