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Fundamentos de Psicologia PSICOLOGIA EVOLUCIONISTA q H H w ^d U U Fundamentos de Psicologia P S IC O L O G IA E V O L U C IO N IS T A COORDENAÇÃO EMMA OTTA D outorado cm Psicologia (1984) c Livrc-Doccncia (1999) pela Universidade de São Paulo. Professora T itu lar (2005) c D iretora (2008-2011) do Institu to de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPU SP). Pesquisadora do C N P q MARIA EMÍLIA YAMAMOTO D outorado cm Psicobiologia (1990) pela Universidade Federal de São Paulo. Pós-D outorado pela University o f Reading, U K (1993-1994). Professora T itu lar da Universidade Federal do Rio G rande do N orte desde 1979. Pesquisadora do C N P q . C oordenou o Projeto do Institu to do M ilcnio do C N P q (2005-2008) “O M oderno c o Ancestral: a C ontribuição da Psicologia Evolucionista para a C om preensão dos Padrões Reprodutivos c de Investim ento Parental H um ano” EDI TORES DA SÉRIE E d w i g e s F e r r e i r a d e M a t t o s S i l v a r e s Professora Titular do Departamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia da USP. Orientadora c Supervisora no Curso de Graduação junto ao Departamento de Psicologia Clínica c no Programa de Pós-Graduação cm Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia da USP F r a n c i s c o B a p t i s t a A s s u m p ç ã o J u n i o r Professor Livrc-Doccntc pela Faculdade de Medicina da USP. Professor Associado do Departamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia da USP L é i a P r i s z k u l n i k . Professora-Doutora do Departamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia da USP. Docente do Curso de Graduação cm Psicologia do Instituto de Psicologia da USP. Docente c Orientadora do Programa de Pós-Graduação cm Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia da USP. Psicanalista G U A N A B A R A ^yK O O G A N As autoras e a editora empenharam-se para citar adequadamente e dar o devido crédito a todos os detentores dos direitos autorais de qualquer material utilizado neste livro,dispondo- se a possíveis acertos caso, inadvertidamente, a identificação de algum deles tenha sido omitida. Direitos exclusivos para a língua portuguesa Copyright © 2009 by EDITORA GUANABARA KOOGAN S A . Uma editora integrante do GEN I Grupo Editorial Nacional Reservados todos os direitos. É proibida a duplicação ou reprodução deste volume, no todo ou em parte, sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrônico, mecânico, gravação, fotocópia, distribuição na internet ou outros), sem permissão expressa da Editora. Travessa do Ouvidor, 11 Rio de Janeiro, RJ - CEP 20040-040 Tel.: 21-3543-0770/ 11-5080-0770 Fax: 21-3543-0896 gbk@ grupogen.com.br w ww.editoraguanabara .com .br Editoração Eletrônica: S Diagrama Ação - Produrio Litorul Ltk CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ P969 Psicologia evolucionista / coordenação Emma Otta, Maria Emilia Yamamoto ; editores da Série Edwiges Ferreira de M anos Silvares, Francisco Baptista Assumpção Junior, Léia PriszJculnik. - Rio de Janeiro : Guanabara Koogan, 2009. i l . ; . -(Fundamentos de psicologia) Inclui bibliografia ISBN 978-85-277-1544-7 1. Psicologia genética. 2. Com portam ento - Evolução. 3. Comportamento humano. I. O na, Emma. II. Yamamoto, Maria Emilia, 1949-. III. Série. 09-0286. 23.01.09 27.01.09 CDD: 155.7 CDU: 159.9.019.4 010632 mailto:gbk@grupogen.com.br C o l a b o r a d o r e s Adriana Ferreira Paes Ribas D outorado em Psicologia (2004) pela Universidade do Estado do R io de Janeiro. Professora do C urso de Psicologia da Universidade Estácio de Sá desde 1999 Adriana O dália Rim oli D outorado em Psicologia (1988) pela Universidade de São Paulo Alessandra Bonassoli Prado M estrado em Psicologia (2005) pela Universidade Federal de Santa C atarina Ana M aria Alm eida Carvalho D outorado em Psicologia (1973) e Livre-Docência (1993) pela U ni versidade de São Paulo. D ocente do Institu to de Psicologia da USP entre 1969 e 1993. Professora da Universidade Católica de Salvador desde 2004. Pesquisadora Bolsista do C N P q de 1983 a 2007 André Luiz Ribeiro Lacerda D outor em Sociologia pela Universidade de Brasília (U N B ). Pós- D outorado pela Universidade Federal do Rio G rande do N orte (2008). Professor A djunto da Universidade Federal de M ato Grosso Ângela D onato O liva D outorado em Psicologia (2001) pela Universidade de São Paulo. Docente da Universidade do Estado do Rio de Janeiro desde 1992 e da Universidade Federal do Rio de Janeiro desde 1994 Anuska Irene Alencar D outorado em Psicobiologia (2008) pela Universidade Federal do R io G rande do N orte. Docente da Faculdade de Ciências, C ultura e Extensão do R io G rande do N orte desde 2007. Psicóloga da Secreta ria M unicipal de Saúde — N atal/R N desde 1995 César Ades D outorado em Psicologia (1973) pela Universidade de São Paulo. Livre-Docência (1991) pela Universidade de São Paulo. ProfessorTi- tular (1994) do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP). V ice-Diretor do IPUSP de 1998 a 2000 e D iretor de 2000 a 2004. D iretor do Institu to de Estudos Avançados da USP. Pesqui sador do C N Pq Eduardo B. O ttoni D outorado (1993) em Psicologia pela Universidade de São Paulo. Docente do Instituto de Psicologia da USP desde 1995. Pesquisador do C N P q desde 2003 Emma Otta D outorado em Psicologia (1984) e Livre-Docência (1999) pela U ni versidade de São Paulo. Professora Titular (2005) e D iretora (2008- 2011) do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP). Pesquisadora do C N P q Eulina da Rocha Lo rd elo D outorado em Psicologia (1995) pela Universidade de São Paulo. Pós-D outorado pela Universidade de Stavanger (Noruega). Docente da Universidade Federal da Bahia desde 1983. Pesquisadora do C N Pq Fabiola Luz M estrado em Psicologia (2005) pela Universidade de São Paulo. M é dica Psiquiatra e Psicoterapeuta atuando em C onsultório e Clínica Particular desde 1982 Fernando Leite Ribeiro D outorado em Psicologia (1972) pela Universidade de São Paulo. Docente do Instituto de Psicologia da USP desde 1968 Fívia de Araújo Lopes D outorado em Psicobiologia (2002) pela Universidade Federal do Rio G rande do Norte. Pós-D outorado pelo Laboratoire d ’Ethologie Experimentale et Com parée (LEEC), Universidade Paris-13 (Villeta- neuse-França). D ocente da Universidade Federal do Rio G rande do N orte desde 2000 Francisco D yonísio Cardoso M endes D outorado em Psicologia (1990) pela Universidade de São Paulo (1990). Docente da Universidade Católica de Goiás desde 1998 Ilka Dias Bichara D outorado em Psicologia (1994) pela Universidade de São Paulo. Docente da Universidade Federal da Bahia desde 2002 Marco Callegaro Psicólogo e D iretor do Instituto Catarinense de Terapia Cognitiva — IC T C M aria Bem ardete Cordeiro de Sousa D outorado (1983) em Fisiologia pela Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto. Pós-D outorado no W isconsin N ational Prim ate Re- vi Colaboradores search C enter da University o f W isconsin (1996-1997). Docente da Universidade Federal do Rio G rande do N o rte desde 1978. Pesquisa dora do C N Pq. Pró-Reitora de Pesquisa da U F R N M aria Em ilia Yamamoto D outorado em Psicobiologia (1990) pela Universidade Federal de São Paulo. Pós-D outorado pela University o f Reading, U K (1993- 1994). Professora T itu lar da Universidade Federal do Rio Grande do N orte desde 1979. Pesquisadora do C N P q. C oordenou o Projeto do Institu to do M ilênio do C N P q (2005-2008) “O M oderno e o Ances tral: a C ontribuição da Psicologia Evolucionista para a Com preensão dos Padrões Reprodutivos e de Investim ento Parental H um ano” M aria Lucia Seidl de Moura D outorado em Psicologia (1987) pela Fundação G etúlio Vargas — RJ (1987). Livre-Docência pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1992). Pós-D outorado em Psicologia Evolucionista (2003- 2004) pela Universidadede São Paulo. Coordenadora da Área de Psicologia na FAPERJ. Docente da Universidade do Estado do Rio de Janeiro desde 1999. V ice-Coordenadora do Projeto do Instituto do M ilênio do C N P q (2005-2008) “O M oderno e o Ancestral: a Contribuição da Psicologia Evolucionista para a Com preensão dos Padrões Reprodutivos e de Investim ento Parental H um ano” M aria Margarida Pereira Rodrigues D outorado em Psicologia (1990) pela Universidade de São Paulo. Pós-D outorado em Psicologia Evolucionista (2000-2001) pela U ni versidade de São Paulo. Docente da Universidade Federal do Espírito Santo desde 1983 M aria Teresa da Silva M ota D outorado em Psicologia pela University o f Reading (1999). Profes sora da Universidade Federal do Rio G rande do N orte desde 1993 M arie O dile M onier Chelini M estrado em M edicina Veterinária (2006) pela Universidade de São Paulo. D outorado em Psicologia Experim ental na Universidade de São Paulo na Área de Endocrinologia C om portam ental M auro Luís Vieira D outorado em Psicologia (1995) pela Universidade de São Paulo. Pós-D outorado na Dalhousie University, Canadá (1999). Docente da Universidade Federal de Santa C atarina desde 1994. Pesquisador do C N Pq Patrícia Izar D outorado em Psicologia (1999) pela Universidade de São Paulo. Pós-D outorado (2001-2003) pela USP. D ocente do Institu to de Psicologia da U SP desde 2006. Pesquisadora do C N P q desde 2007. Chefe do D epartam ento de Psicologia Experimental do IPUSP Raphael M oura Cardoso M estrado em Psicologia (2008) pela Universidade Católica de Goiás. Docente d a União das Faculdades Integradas de Jussara (UNIFAJ) a partir de 2008 Renato da Silva Q ueiroz D o utor em Ciências Sociais (Antropologia Social) pela Universidade de São Paulo (1986). Livre-Docência (1993) pela Universidade de São Paulo. Professor T itu lar da Faculdade de Filosofia, Letras e C iên cias Hum anas. D ocente da USP desde 1974 Rodrigo Sartorio D outorado em Psicobiologia (2005) pela Universidade Federal do Rio G rande do N orte. Docente do Com plexo de Ensino Superior de Santa Catarina, do C entro Universitário do Vale do Itajaí e do Instituto Catarinense de Terapia Cognitiva desde 2006 Rosana Suem i Tokumaru D outorado em Psicologia (2000) pela Universidade de São Paulo. Docente do D epartam ento de Psicologia Social e do Desenvolvimen to d a Universidade Federal do Espírito Santo Vera Silvia Raad Bussab D outorado em Psicologia (1982). Livre-Docência (2003) pela U ni versidade de São Paulo. Professora T itular do Instituto de Psicologia da USP. D ocente do Instituto de Psicologia da U SP desde 1975. Pes quisadora do C N P q. Ex-Chefe do D epartam ento de Psicologia Ex perimental. Representante da Congregação do IPUSP no Conselho Universitário da Universidade de São Paulo Wall is en Tadashi Hattori Mestre em Psicobiologia (2004) pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. D outorando da U F R N A p r e s e n t a ç ã o d a S é r i e É com im enso prazer que apresentam os a Série Fundam entos de Psicologia . Ela consiste em textos básicos destinados ao aluno de C urso de Graduação, de C urso de Especialização ou de Curso de Pós-Graduação em Psicologia de qualquer Universidade do país. Esses textos encontram -se organizados de m aneira prática, acessível e com sugestões de aprofundam ento nos temas estudados de maneira a dispor ao leitor um guia de leitura para um curso acadêm ico na área. A obra visa, principalm ente, a estruturação de um n ú d eo básico de pensam ento, objetivando o conhecim ento e a compreensão do campo em estudo, de m odo a otim izar o ingresso do leitor nesse campo. C om o a finalidade desta Série não é substituir os textos clássicos, mas sim orientar e sistematizar a compreensão dos principais temas estudados, um a m aior reflexão, visando o aprofundam ento deles, é recom endável. Assim, leituras com plem entares são sugeridas pelos diferentes autores a cada título. O projeto, aparentem ente simples, envolve grande parte da tem áti ca de relevância na área da Psicologia. Assim, engloba seu conhecim en to enquanto história, fundam entos, epistemologia e ética, a Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem, a Análise Experimental do C om portam ento , a Etologia, a Psicopatologia nos aspectos clínicos e estruturais. Várias especifiddades da área, com o a Psicologia do Ex cepcional e a questão da deficiência física, m ental e sensorial, a Psico logia dos processos cognitivos, a Psicologia dos processos sensoriais, a Psicologia da Personalidade, a Neuropsicologia, a relação Psicologia e doenças somáticas, bem com o a Psicologia e M orte, são igualm en te contem pladas. D o pon to de vista das diferentes escolas de pensa m ento, procura ainda abordar seus fundam entos, um a introdução à Psicanálise, envolvendo as idéias de Freud, Jung, Klein, W innico tt, Lacan, Reich, um a introdução à Terapia C om portam ental-C ognitiva e à Gestalt-Terapia, com o tam bém os m odelos fenom enológicos e processos grupais e familiares. Busca ainda caracterizar, m esm o que de maneira geral, um panoram a atual da Psicologia Social, da Psicolo gia Institucional, da Psicologia do Trabalho e das Organizações, bem com o a interface Psicologia e Religião. Finalmente, o projeto propõe um últim o volum e referente a questões específicas de cada um dos tem as desenvolvidos, visando um a avaliação sistemática delas. O ob jetivo é facilitar o estudo do leitor iniciante em cada um a das áreas contempladas. Todos os temas são desenvolvidos por especialistas com capacidade reconhecida nacional e internacionalm ente. É um trabalho de fôlego, sem similar na literatura nacional, e visa suprir um a lacuna existente em nosso m ercado editorial. Esperamos que seus objetivos sejam alcançados com o agrado de todos. ProP Dr* Edwiges Ferreira de M attos Silvares Prof. Dr. Francisco Baptista Assum pção Junior ProP Dr* Léia Priszkulnik P r e f á c i o * N a conclusão da sua obra A origem das espécies. Charles Darwin arriscou-se a especular que “A Psicologia será baseada em novos alicerces” , com o decorrência do prosseguim ento das investigações fundam entadas no seu sólido princípio de que a complexidade dos organismos vivos é um produto da “seleção natural”. C ento e c in qüenta anos se passaram desde que ele escreveu essas palavras, mas hoje, no bicentenário do nascim ento desse grande biólogo, estamos finalm ente celebrando o rápido progresso da Psicologia baseada em raciocínios evolutivos. D arw in, com o se esperaria, estava certo em sua especulação. N o final do século XIX, deveria parecer que a profecia de Darwin logo se cum priria, considerando a contribuição dele próprio (espe cialm ente em A expressão das emoções no homem e nos anim ais) e de outros autores, com o W illiam James. N o en tanto , a teoria da evo lução por seleção natural encontrou um a resistência surpreendente, inclusive en tre os biólogos. O s psicólogos do século XX, cultuando escolas com o a Psicodinâmica Freudiana e o Behaviorismo, cujos gu- rus prestavam um a hom enagem superficial a D arw in, não consegui ram captar a relevância do processo que ele descobriu para a ciência da m ente e do com portam ento. Q ual é essa relevância? Essencialmente, reside na explicação da- rwiniana da seleção natural, que nos ensina aquilo cuja refinada com plexidade dos organism os vivos está organizada para atingir: êxito reprodutivo relativo ou, nos termos atuais, posteridade genética (“ap tidão”) e nada mais. É isso que a seleção natural maximiza, e uma linhagem evolutiva é, portan to , um a série de formas funcionais cujo único atributo unificador é a superação dos predecessores imediatos na proliferação num érica de cópias dos seus genes. M as, por que — poderia você perguntar — essa concepção esoté rica, ainda que verdadeira, deveria inform ar a ciência psicológica?A resposta é que, ao identificar os resultados que nossas m entes foram “planejadas” para alcançar, a perspectiva evolucionista ajuda-nos a evitar becos sem saída e a gerar hipóteses frutíferas a respeito do de senvolvimento e do funcionam ento da m ente. Tentar estudar a m ente sem saber que ela evoluiu para promover aptidão nos am bientes ances trais é com o tentar estudar o estômago sem saber que ele evoluiu para digerir alimentos: é possível fàzer progresso descritivo, mas sem base para distinguir, em cada assunto, en tre aspectos cruciais e aspectos ar bitrários e irrelevantes, nem para caracterizar um resultado empírico com o surpreendente e, portan to , digno de aprofundam ento adicional. *Vcra Silvia Raad Bussab, Fernando Leite Ribeiro c Emma O tta traduziram o prefácio. O valor heurístico de um a perspectiva darw inista para a Psicolo gia encontra-se abundantem ente ilustrado pelo conteúdo deste livro. Os psicólogos sociais há m uito tem po se interessam, por exemplo, em saber o que tom a um a pessoa atraente para outra, mas a pesquisa sobre essa questão progrediu pouco até a recente introdução de hipó teses evolutivas sobre as funções da escolha de parceiros e das razões para as diferenças algumas vezes existentes entre as metas de hom ens e mulheres. O s conceitos evolucionistas revolucionaram essa área, com o o leitor verá no C apítulo 12. Relações familiares constituem ou tro tem a am plo que andou titubeando por falta de um a perspecti va evolucionista. A visão darwinista do m undo evidentem ente leva a prever que a psicologia parental, fru to da evolução, deveria implicar carinho e cuidado com as crianças, pois seu bem -estar e, mais u r de, sua reprodução são os instrum entos da aptidão dos pais; mas há tam bém outras implicações mais sutis. C om o a reprodução final de qualquer um dos filhos contribui igualm ente para a aptidão dos pais, mas não contribui igualm ente para a aptidão de cada um dos filhos, o conflito entre pais e filhos sobre a alocação de recursos parentais é universal, e é previsível nos determ inantes da sua m agnitude. O C a pítulo 9 mostra com o essa idéia contribuiu para elucidar um grande núm ero de fenôm enos, pré- e pós-nauis. C om o o leitor irá aprender no C apítulo 2, um a abordagem evo- luc ion isu da Psicologia concebe o psiquismo com o um conjunto integrado de “adaptações” , cada um a das quais evoluiu a serviço de um a ou mais funções relativamente imediatas que contribuem para a função prim ordial de promover aptidão. O C apítulo 3 ensina que aptidão é apenas o árbitro histórico do que evoluiu (e irá evoluir) ao longo das gerações; m uitos equívocos e confusões irão ocorrer se imaginarmos que a posteridade genética em si é um a meta. O u tro pon to que m uitos dos capítulos deste livro ensinam é que a Psicolo gia Evolucionista é comparativa: há diferenças entre espécies (assim com o en tre os sexos) que têm relevância funcional. É difícil carac terizar essas diferenças, e mais difícil ainda compreendê-las, sem o auxílio de um a abordagem comparativa. É digno de no ta que muitos dos autores deste livro pesquisaram o com portam ento de outros ani mais, além de terem estudado o com portam ento hum ano. N a nossa experiência, a m elhor Psicologia Evolucionista tende a ser realizada por pesquisadores cuja abordagem ao anim al hum ano é inform ada pelo que eles sabem sobre as mentes e o com portam ento de outros animais, sendo capazes de notar o que é peculiar e o que dem anda explicação na nossa própria espécie. A am plitude das especialidades cobertas pelos autores deste li vro atesta o papel atual de liderança do Brasil na América Latina e sua inserção internacional na Psicologia Evolucionista. Esse em x Prefácio preendim ento excitante deve-se, em larga m edida, aos esforços de M aria Emília Yamamoto, E m m a O tta e M aria Lucia Seidl de M oura na criação de um a rede nacional de psicólogos evolucionistas que partilham idéias e projetos de pesquisa com coleguismo entusiástico, devendo servir com o inspiração e m odelo para outros. Nós nos con gratulam os com os editores e os autores pela produção deste livro, que constitui um m arco na área, e convidamos o leitor a embarcar conosco e aproveitar esta viagem intelectual! M artin Daly M argo W ilson D epartm ent o f Psychology, M cM aster University, Canada C o n t e ú d o C a p í t u l o I I n t r o d u ç ã o : A s p e c t o s H i s t ó r i c o s , i Maria Emúia Yamamoto A Agenda M oral-cum -cientifica da Sociobiologia e de Seus Críticos, 3 O que é Psicologia Evolucionista?, 5 A Psicologia Evolucionista no Brasil, 7 O Plano deste Livro, 8 C a p í t u l o I I U m O l h a r E v o l u c i o n i s t a p a r a a P s i c o l o g i a , i o César Ades Coevolução Psicobiológica: M om ento 1, 13 Coevolução Psicobiológica: M om ento 2, 15 Coevolução Psicobiológica: M om ento 3, 16 Coevolução Psicobiológica: M om ento 4, 16 Estudo de Caso 1: Reconciliação, 18 Estudo de Caso 2: C iúm e, 19 Produtividade e Perspectivas do Programa Evolucionista, 20 C a p í t u l o I I I A m b i e n t e d e A d a p t a ç ã o E v o l u t i v a , 22 Patrícia Izar O s Q uatro Porquês, 22 Seleção N atural e A m biente de Adaptação Evolutiva, 23 M odelando o A m biente de Adaptação Evolutiva da M ente H um ana, 25 Q uando Foi Selecionada a M ente Hum ana?, 25 Parâm etros para Reconstrução do AAE, 26 Inferindo a Organização Social de Nossos Ancestrais, 27 M odelos Socioecológicos para a Evolução dos Sistemas Sociais de Primatas, 27 Inércia Filogenética, 30 A (Im)precisão dos M odelos, 30 Considerações, 31 C a p í t u l o I V E v o l u ç ã o H u m a n a , 33 Maria Margarida Pereira Rodrigues O s H om inídeos, 34 Ardipithecus ramidus, 34 Australopithecus anamensis, 35 Australopithecus afarensis, 35 Australopithecus africanus, 35 Homo habilis, 36 Homo erectus, 36 Homo sapiens neanderthalensis, 36 Homo sapiens, 37 Sapiens M oderno: Traços Evolutivos, 37 Bipedalismo, 38 Expansão Cerebral, 38 Im aturidade, 39 Tecnologia, 39 C a p í t u l o V A r q u i t e t u r a d a M e n t e , C o g n i ç ã o e E m o ç ã o : U m a V i s ã o E v o l u c i o n i s t a , 42 Maria Lucia Seidl de Moura e Ângela Donato Oliva Cognição H um ana: de Caixa-preta a um a M ente sem H istória (e sem C orpo), 42 A M ente H u m ana e a Evolução, 44 A A rquitetura T ipo Canivete Suíço, 44 A M ente com o Catedral e Suas Capelas, 45 M odelos O ntogenédcos, 46 M ente e Cérebro, 47 Funcionam ento e Estruturas Cerebrais: Sua Relação com os Processos Cognitivos H um anos, 47 O Problem a M ente X C orpo, 48 O n de se Localizam as Funções Mentais?, 48 Aprendizagem, Desenvolvimento e Organização Cerebral, 50 Considerações, 52 C a p í t u l o V I A E v o l u ç ã o d a I n t e l i g ê n c i a e a C o g n i ç ã o S o c i a l , 54 Eduardo B. Ottom Função e Evolução do Intelecto Prim ata, 54 A Hipótese da “Inteligência Tecnológica”, 54 A Hipótese do Forrageamento, 55 As Hipóteses da “Inteligência Social”: Precursores, 55 A “Enganação Tática” e a Hipótese da “Inteligência Maquiavélica”, 56 xii Conteúdo Enganação e Contra-enganação: As Adaptações Cognitivas para a Troca Social, 57 A Ontogênese da Cognição Social, 59 O Animism o Infantil, a Dissimulação e o Desenvolvimento da Cognição Social, 59 “Teoria da M ente” e “Falsas Crenças”, 59 C onstrução de Teorias ou M aturação de M ódulos?, 61 “ToM ” e Universais Culturais, 62 “ToM ”: Psicopatologias e Corre latos Neurais, 62 M odularidade, Coerções e Especificidade de D om ínio, 63 A H istória N atural do C érebro Social, 64 C a p í t u l o V I I E v o l u ç ã o d a L i n g u a g e m S i m b ó l i c a , 65 Francisco Dyonisio Cardoso Mendes e Raphael Moura Cardoso Linguagem Simbólica e Cognição H um ana, 66 Diferentes Abordagens no Estudo daLinguagem, 67 Linguagem Simbólica e M ecanismos Biológicos, 68 N oam Chom sky e a “Gram ática Universal”, 68 Predisposições C om portam entais, 69 Anatom ia, Fisiologia e Genética, 70 Estudos Com parativos com O u tro s Animais, 71 Etnógrafos e Jesuítas, 72 Washoe, K anzi e O u tro s Animais Falantes, 72 Semelhanças, Diferenças e Pontos de Vista, 74 Evolução: Adaptação ou Exaptação, 75 Linguagem, Biologia e C ultura, 75 C a p í t u l o V I I I E v o l u ç ã o e D e s e n v o l v i m e n t o H u m a n o , 7 7 Maria Lucia Seidl de Moura e Adriana Ferreira Paes Ribas D esenvolvim ento O ntogenético, 78 O Filhote H um ano e Seus Cuidadores, 78 Características da Espécie, 78 Propensões para C uidado, 79 O Recém-nascido Hum ano: Preparado para Aprender, 80 D esenvolvim ento Social: o C onhecim ento de Co-específicos e o Raciocínio Social, 80 D esenvolvim ento Afetivo-emocional: Apego e Em oções, 82 D esenvolvim ento Cognitivo: Bases para o C onhecim ento do M undo, 84 Considerações, 85 C a p í t u l o I X C u i d a d o e R e s p o n s i v i d a d e PARENTAIS: U M A A N Á LISE A PARTIR d a T e o r i a d a H i s t ó r i a d e V i d a e d a T e o r i a d o I n v e s t i m e n t o P a r e n t a l , 86 M auro Luís Vieira, A driana O ddlia Rbnoli, Alessandra Bonassoli Prado e M arie O dile M onier C helini Introdução, 86 Sucesso Reprodutivo: Relação entre Acasalamento e Cuidado Parental, 87 Relação en tre Cuidados Parentais e Características da Prole, 88 Responsividade Parental: Interação entre Regulações N euroendócrina e C om portam ental, 89 Espedficidades do Esforço Reprodutivo M aterno: Gestação, Parto e Intervalo en tre Nascim entos, 93 Espedficidades do Cuidado Paterno: Papel do Pai no C uidado à Prole e Im portância dos Estím ulos Am bientais, 94 Considerações, 95 C a p í t u l o X I n v e s t i m e n t o P a r e n t a l e M a u s - t r a t o s d e C r i a n ç a s , 96 Rosana Suemi Tokumaru A Perspectiva Evoludonista, 96 Investim ento X M aus-tratos Parentais, 97 Padrastos e M adrastas, 99 M últiplas Causas e Soluções, 102 C a p í t u l o X I B r i n c a r o u B r i n c a r : E is a Q u e s t ã o — A P e r s p e c t i v a d a P s i c o l o g i a E v o l u c i o n i s t a s o b r e a B r i n c a d e i r a , 10 4 ilka Dias Bichara, Eulina da Rocha Lordeio, Ana Maria Almeida Carvalho e Fmma Otta O que é Brincar?, 104 Para que Serve o Brincar (Função), 105 C om o Pode Ter Evoluído a Brincadeira no H om em (Filogênese), 108 C om o a Brincadeira se Desenvolve D uran te a Vida H um ana (Ontogênese), 110 Q uais os Fatores Imediatos que Afetam a Brincadeira (Causação Im ediata), 111 Considerações, 113 C a p í t u l o X I I S e l e ç ã o S e x u a l e R e p r o d u ç ã o , 1 14 Maria Bemardete Cordeiro de Sousa, Wallisen Tadashi llattori e Maria Teresa da Silva Mota O Sexo e Sua Determ inação, 114 M ecanismos de Seleção Sexual, 116 Estratégias Sexuais em H um anos, 118 Sociossexualidade, 120 Considerações, 125 C a p í t u l o X I I I A g r e s s i v i d a d e I-Iu m a n a : C o n t r i b u i ç õ e s d a P s i c o l o g i a E v o l u c i o n i s t a e d a A n t r o p o l o g i a , 12 7 Renato da Sílva Queiroz A Com plexidade do C om portam ento Agressivo, 127 Conteúdo x iii C a p í t u l o X I V C o m p o r t a m e n t o M o r a l , o u C o m o a C o o p e r a ç ã o P o d e T r a b a l h a r a F a v o r d e N o s s o s G e n e s E g o í s t a s , 133 Maria Emúia Yamamoto, Anuska Irene Alencar e André Luiz Ribeiro Lacerda A História da Cooperação n a Espécie H um ana, 134 A Cooperação com Parentes, 135 O Altruísm o Recíproco e a Teoria dos Jogos, 135 A Reciprocidade Indireta, 139 O C írculo Virtuoso, 140 A V ida Em ocional de um Altruísta, 141 Considerações, 143 C a p í t u l o X V E v o l u ç ã o d a M e n t i r a e d o A U T O E N G A N O , 14 4 Marco Callegaro e Rodrigo Sartorio Níveis de Análise, 144 Benefícios da M entira, 145 Benefícios do Auto-engano, 147 C orrida Evolutiva, 149 A ltruísm o e Auto-engano, 150 Punição do Egoísmo, 150 Falsas M emórias e Auto-engano, 152 M em ória Construtiva, 152 Im plan tando M emórias, 152 Inocentes na Prisão, 153 Redução da Dissonância, 153 Especialização Hemisférica, 153 S índrom e da Anosognosia, 154 C érebro D ividido, 154 O Intérprete, 154 A uto-engano e o Intérprete, 155 Considerações, 156 C a p í t u l o X V I S o m o s o q u e C o m e m o s — A U n i v e r s a l i d a d e d o C o m p o r t a m e n t o A l i m e n t a r H u m a n o , 157 Fiviade Araújo Lopes C om o Chegamos à Diversidade de Itens em Nossa D ieta — Noções da D ieta Ancestral, 157 C om o Escolhemos o que Comer?, 158 O Papel do G rupo Social na Com posição da D ieta, 159 Gostos Básicos, 160 Com er: Fácil Começar, Difícil Parar, 161 Considerações, 162 Agradecimentos, 162 C a p í t u l o X V I I P s i c o p a t o l o g i a E v o l u c i o n i s t a , 163 Fabiola Luz e Vera Silvia Raad Bussab A Patologia, 163 O Sintom a, 164 Etiologia das Doenças, 165 Aplicação do Raciocínio Evolucionista sobre a Patologia — Causas Próximas e Causas Últim as, 166 Das Causas Próximas às Causas Ú ltim as, 167 Transtorno do Pânico, 167 Erotom ania, 168 Depressão, 169 Dependência, 171 Esquizofrenia, 172 Considerações, 174 C a p í t u l o X V I I I N e m A l f a , N e m Ô m e g a : A n a r q u i a n a S a v a n a , 17 6 Fernando Leite Ribeiro, Vera Sílvia Raad Bussab e Emma Otta Introdução, 176 O Valor Adaptativo da Luta Corporal Intragrupo, 177 A M onarquia Primata: Lutas, Hierarquia, Submissão, Coalizões e D om inância, 177 O Dim orfism o Sexual e a Origem Prim ata das Especializações H um anas, 179 O Enfraquecim ento da Capacidade de Luta Corporal na Evolução H om inídea, 180 Correlação entre Redução de C aninos e da Agressividade Intragrupo, 180 A Redução da Força da M ordida, 180 O Problem a do Equilíbrio, 180 A Fragilidade do Pescoço, 180 A Gracilidade ó ssea e a Perda Generalizada de Força Muscular, 181 Agilidade na Luta, 181 O Valor A daptativo de A bandonar as Lutas In tragrupo , 181 Os Efeitos Complexos das Armas Artificiais, 182 A Anarquia da Vida de Caça e Coleta, 183 A narquia versus Igualitarismo, 183 O Caçador-coletor, 184 “Isto N ão se Faz”: o Autogoverno, 185 O utras Perspectivas Teóricas da M ansidão da V ida H um ana Intragrupo, 185 A R uptura Agrícola, 187 C o n s i d e r a ç õ e s F in a i s , 18 9 Renato da SÚva Queiroz R e fe rê n c ia s , 19 0 Ín d ic e A lf a b é t ic o , 2 16 Fundamentos de Psicologia PSICOLOGIA EVOLUCIONISTA 1 INTRODUÇÃO: ASPECTOS HISTÓRICOS María Emúia Yamamoto A Psicologia Evolucionista tem alcançado grande reper cussão na m ídia e suas propostas são consideradas inova doras pela abordagem evolutiva ao comportamento hum a no. N o entanto, é o próprio D arw in quem, ao propor a teoria da evolução, abre a possibilidade da inclusão do hom em dentro dessa m oldura teórica através de dois de seus livros: A Origem das Espécies (1859/1996) e A Expres são das Emoções no Homem e nos Anim ais (1873/1998). No primeiro, ele propõe a teoria da evolução1 através da seleção natural2, que parte do pressuposto de que há uma continuidade entre todos os seres vivos, o hom em aí incluído5. Isto já havia sido proposto por Aristóteles, com sua Scala Naturae, porém, esta via a evolução como uma escada, com o hom em em seu topo. O grande mérito de Darwin foi descartar a linearidade e propor uma estrutu ra ramificada, a árvore da vida, nascida de um a única raiz, 'A teoria da evolução propõe que as espécies hoje existentes evoluíram a partir da modificação genética de seus ancestrais, através de alterações graduais, e pelo m ecanism o da seleção natural. Após a formulação de D arw in, várias adições foram propostas, como as m utações neutras, o efeito do fundador, a deriva genética c a exaptação. -A seleção natural é um processo através do qual indivíduos mostram sobre vivência c/ou reprodução diferencial. Para que a seleção natural ocorra, três condições devem ser satisfeitas: a) a população cm que esse indivíduo se encontra deve m ostrar variação genética; b) essa característica, de base genética, deve ser transmitida através da hereditariedade; c) algumas das variações devem prover vantagens reprodutivas e/ou de sobrevivência ao seu portador. 'D arw in desenvolveu a teoria da seleção natural sem qualquer conheci m ento das leis mendelianas da genética, o que to m a o seu feito ainda mais notável. Rose (1998) relata que, após a m orte de Darwin, foi encon trada, entre seus papéis, um a correspondência com a cópia do trabalho de M endel com ervilhas, ainda por abrir. Fica a cargo de nossa imaginação o que poderia advir deste encontro de idéias. evoluindo e diversificando-se em inúmeros ramos evolu tivos. O segundo livro, A Expressão das Emoções no Homem e nos Animais, abriu as portas para o estudo do homem e de sua psicologia do ponto de vista evolutivo. Este foi o tercei ro e último de um a série de livros com os quais Darwin pretendia dar sustentação à teoria da evolução, proposta na Origem. Nas Emoções, Darwin demonstra que os animais têm emoções e descreve como eles as demonstram. O últi m o terço do livro é dedicado às emoções humanas. Darwin defende que a manifestação de boa parte das emoções não é aprendida, mas que foi gradualmente adquirida através da evolução. Considera que essas expressões têm sua origem em ancestrais, em alguns casos comuns a outras espécies, o que se evidencia pela semelhança com que elas se expres sam (por exemplo, a fúria em cães, macacos e homens, pela exibição dos caninos) e pela sua universalidade. Este livro pode ser considerado como o precursor do estudo das bases biológicas do comportamento, ao relacionar as expressões e as emoções subjacentes com reações fisioló gicas que as acompanham. Após a morte de Darwin, em 1882, a teoria da evolução caiu em esquecimento e só foi renascer após a redescober- ta das publicações de Mendel, na primeira metade do sécu lo XX. Porém, junto a esse renascimento, houve a infeliz associação entre a teoria da evolução e o darwinismo social, pensamento desenvolvido a partir das idéias de Robert Spencer, que defendia a tese da sobrevivência do mais apto, aplicada às instituições sociais, uma grosseira distorção das idéias de Darwin. Associada ao uso das idéias evolucionis- tas na explicação da evolução das sociedades humanas, 2 Introdução: Aspectos Históricos surge outra utilização equivocada dos princípios darwinis- tas, que é a associação entre evolução e progresso“1. Esta linha de raciocínio supõe que evolução caminha no senti do do aperfeiçoamento das espécies, começando nas mais simples, que, em termos mentais, só possuiriam reflexos, até seu ápice, o ser humano. Haveria, portanto, espécies “melhores” ou “mais evoluídas” do que outras. Spencer defendia também que as sociedades humanas se tomavam cada vez mais desenvolvidas, e os europeus estariam muito à frente, portanto, das populações consideradas primitivas. D aí decorreu a idéia de que as “raças-” também teriam atingido patamares evolutivos diferentes, argumento sem qualquer base científica. N o entanto, a despeito dessas discussões não se basearem naquilo que D arw in havia proposto, estas idéias marcaram negativamente a teoria da evolução, principalmente em suas tentativas de aplicação ao comportamento hum ano, culminando com o “debate da sociobiologia” que discutiremos adiante. Explicações biológicas ou sociais/culturais têm sido favorecidas ao longo do século e meio desde a publicação de A Origem das Espécies, revezando-se na preferência acadêmica e popu lar (Laland e Brown, 2002). A preferência por um ou outro tipo de explicação parece estar mais ligada a questões polí ticas do que propriamente científicas. Voltaremos a este ponto posteriormente. Uma área de pesquisa de abordagem evolutiva surgiu na Europa mais recentemente, nos meados do século XX, a Etologia. Embora algumas propostas sobre o estudo do comportamento animal estivessem presentes desde o início do século, pode-se considerar que a Etologia emerge, de fato, como um a área independente de conhecimento a partir do esforço conjunto de NikolaasTinbergen e Konrad Lorenz. A proposta metodológica apresentada por estes ‘A palavra “evolução” no sentido biológico não tem o sentido de progresso. A evolução biológica consiste na m udança das características hereditárias de grupos de organismos ao longo das gerações, através de processos alea tórios, o mais im portante deles sendo a seleção natural. Um organismo mais bem adaptado é aquele que m elhor responde às pressões seletivas apresentadas pelo meio cm que vive, e, nesse sentido, não há organismos ou indivíduos intrinsecam ente melhores ou piores. A adaptação é forte m ente dependente do meio c um indivíduo bem adaptado em um ambiente pode-se m ostrar totalm ente inadequado cm term os de sobrevivência e reprodução em outro. çO conceito de raça não é mais aceito pela biologia (Futuyma, 1992) e a possibilidade de uma política eugenista bem-sucedida foi descartada, com argumentos científicos, já cm 1917, por Punnct (Rose, 1998). Além disso, pesquisas sobre genética de populações mostraram que a variação gênica entre populações é m uito pequena comparada com a variação intrapopu- lacional. Portanto, qualquer resquício de opiniões racistas na psicologia ou cm outras áreas do conhecim ento é m uito mais um a questão de opinião do que de suporte científico. dois etólogos incluía um período extenso de observação do comportamento de indivíduos da espécie em estudo, preferencialmente em seu ambiente natural, e a descrição cuidadosa dos padrões de comportamento específicos da espécie. N o mesmo período em que a Etologia surgiu na Euro pa, ganhou evidência nos Estados Unidos a proposta de estudo do comportamento animal do ponto de vista da Psicologia, a Psicologia Comparada. Esta área, até mesmo em função de sua origem na Psicologia, interessava-se m uito mais pelas informações que os estudos com animais pudessem fornecer sobre o com portam ento hum ano, e focava suas investigações principalmente na aprendizagem e em um núm ero restrito de espécies. Os pontos de vista opostos geraram uma batalha constante entre as duas áreas, embora hoje em dia elas possam ser consideradas como complementares (para um a discussão mais aprofundada desta questão, ver Yamamoto, 2005). Em função desta batalha constante com os psicólogos, os etólogos enfati zavam m uito as características fixas do com portam ento e as semelhanças entre indivíduos da mesma espécie, negli genciando as variações individuais, pedra de toque da pers pectiva evolucionista. Não surpreende, dada a ênfase, o erro de pensar a seleção natural como um mecanismo que opera para o bem da espécie, e não do indivíduo. Por outro lado, a Etologia fez importantes contribuições para a compreensão do comportamento animal e humano, como a idéia de que a aprendizagem é um a habilidade evoluída, e principalmente de que o desenvolvimento de um indivíduo não é predeterminado, mas sofre limitações, na forma de predisposições biológicas. Uma das contri buições mais notáveis foi a proposta das quatro questões no estudo do comportamento, deTinbergen (1963), que até hoje constituem um a referência na área. Em resposta à divergência sobre que tipo de explicação sobre o compor tam ento era mais adequada, Tinbergen propôs quatro questões complementares que deveriam ser respondidas para um com pleto entendim ento da determ inação do comportamento: a) quais são os mecanismos que regulam o comportamento; b) como o comportamento se desen volve; c) qual o seu valor de sobrevivência; d) como ele evoluiu ou qual sua históriafilogenérica. As duas primei ras são tam bém chamadas de questões próximas, pois dizem respeito aos determinantes localizados no ambien te interno e externo do indivíduo. As duas últimas são denominadas questões finais ou funcionais, no sentido de que procuram por determinantes evolutivos. Poderíamos Introdução: Aspectos Históricos 3 dizer que as questões próximas são questões do tipo “como” e as finais, do tipo “por quê”. Em 1972, o reconhecimento desta área aconteceu de forma espetacular, com a outorga do Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina a Tinbergen, Lorenz e Karl Von Frisch (por seu trabalho sobre o sistema de comunicação em abelhas). Se por um lado o prêmio refletiu o otimismo em relação ao potencial da área para explicar o compor tam ento hum ano, por outro lado havia um clima desfa vorável para explicações biológicas do com portam ento humano, em fàce da situação pós-guerra. Isto se fazia notar especialmente quando eram tentadas extrapolações do comportamento animal para o hum ano e as críticas surgi ram de forma mais contundente ao livro On Aggression (Lorenz, 1966/1974) e principalmente Sociobiology: The N ew Synthesis (Wilson, 1975). A controvérsia inspirada principalmente pela publicação deste ultimo livro foi tão grande que vamos nos ocupar especificamente dela na próxima seção. A AGENDA M O R A L 'C U M 'C IE N T ÍF IC A DA SOCIOBIOLOGIA E DE SEUS CRÍTICOS O século XX assistiu a um debate ferrenho, chamado por alguns de “o debate da Sociobiologia”, no qual cien tistas, muitas vezes de orientação teórica semelhante, se digladiaram sobre a adequação de colocar o ser humano, mais especificamente, sua mente e seu comportamento, como um objeto de estudo da biologia evolutiva. O desen- cadeador desse debate foi um livro escrito por E. O . Wilson (1975), intitulado Sociobiology: The New Synthesis. Nesse ambicioso tratado, o autor propunha um a síntese dos estu dos e novos desenvolvimentos no estudo do com porta mento, principalmente de animais não-humanos, e dedi cava um único capítulo, o último, ao lugar do Homo sapiens nessa síntese. Neste último capítulo, Wilson sugeria que os avanços recentes no estudo do comportamento animal, mais especificamente os trabalhos de Trivers e Hamilton sobre investim ento parental e seleção de parentesco (Hamilton, 1964; Trivers, 1972), poderiam ajudar a expli car m uitos aspectos do comportamento hum ano, incluin do comportamento agressivo, homossexualidade, religião e xenofobia. Mais polemicamente ainda, previa que em pouco tempo as ciências sociais estariam incluídas dentro das ciências biológicas. Com o não poderia deixar de acon tecer, os cientistas sociais imediatamente se manifestaram contrários às idéias de W ilson e rejeitaram totalmente suas alegações de que a abordagem biológica fornecia um mode lo mais adequado e mais abrangente para a compreensão do com portam ento humano. Porém, o que é surpreen dente, é que os dois críticos mais ferozes de W ilson foram os evolucionistas Richard Lewontin (geneticista) e Stephen Jay G ould (biólogo), seus colegas de departam ento em Harvard (Laland e Brown, 2002; Segerstrâle, 2000). N a realidade, embora o livro de W ilson tenha desenca deado esta forte controvérsia, a mensagem que ele trazia retratava o que estava ocorrendo no campo do estudo do comportamento animal desde o início da década de 1970. As idéias de Ham ilton (1964) sobre seleção de parentesco e de Trivers (1972) sobre altruísmo recíproco sacudiram a área e perm itiram a abertura de novos e estimulantes programas de pesquisa. Um clássico na área foi o livro de John Alcock (1975) A nim a l Behavior: A n Evolutionary Approach sucessivamente reeditado e hoje provavelmente o manual mais usado no ensino do comportamento animal. Este livro trazia basicamente a mesma síntese proposta por Wilson, embora nesta primeira edição não trouxesse um capítulo sobre comportamento humano. A proposta trazi da no livro de Wilson pode ser interpretada m uito mais como um esforço coletivo, um retrato dos avanços que ocorriam naqueles anos, do que propriamente uma concep ção individual do autor. Em suma, o livro de Wilson não era o primeiro a propor a utilização da teoria evolutiva na explicação do compor tam ento hum ano, que vinha desde Darwin, e também não trazia nenhum a proposta completamente nova, que não representasse o pensamento e as discussões correntes na área. Por que, então, tantas e tão fortes críticas? Segerstrâle (2000) sugere que essas críticas, mais do que científicas, tinham um a forte tintura político/moral. A mesma autora sugere que as críticas propriamente cientí ficas pareciam ser mais relativas à ênfase do que propria m ente ao conteúdo do livro. Por exemplo, um a crítica contundente e repetida de Gould e Lewontin (1979; Allen et al., 1975) é a de que W ilson via a adaptação como o mecanismo exclusivo da seleção natural e que considerava que os organism os estavam perfeitam ente adaptados. Porém, W ilson discutia, em Sociobiology, outros mecanis mos de seleção, como a pleotropia e o desequilíbrio da ligação (linkage), entre outros. Q uanto à otimização e à perfeição daí decorrentes, Segerstrâle faz a seguinte citação de Sociobiology: “No organism is ever perfectly adaptecT (Segerstrâle, 2000). Aparentemente, à parte questões rela tivas a desenvolvimentos recentes da genética que Lewon- 4 Introdução: Aspectos Históricos tin acreditava que Wilson havia ignorado, havia a questão do uso social da ciência. O paradigma científico, não só no m om ento do lança m ento do livro, mas desde o final da Segunda Guerra, era o am bientalism o/culturalism o, principalm ente após o acordo da U N ESC O de 19526 que desencorajava forte mente a pesquisa biológica com seres humanos. Os horro res das práticas nazistas durante a guerra, falsamente base adas em critérios científicos, e o crescimento dos estudos etnográficos, liderados principalm ente por Franz Boas, levaram à transição de uma visão das características hum a nas baseadas na hereditariedade para uma posição ambien talista e culturalista. A agenda científica passou a ser uma agenda moral-cum-científica que preconizava uma ciência socialmente responsável, que não pudesse ser evocada, verídica ou pretensamente, para justificar atos moralmen te reprováveis. Curiosamente, tanto W ilson quanto seus oponentes, Lewontin e Gould, defendiam a responsabili dade moral da ciência, mas suas agendas eram diferentes (ver Segerstrâle, 2000, para uma discussão mais abrangen te deste tópico). N a visão de Lewontin e Gould, a propos ta sociobiológica continha um viés determinista e adapta- cionista (Allen et al., 1975) e, portanto, era questionável do ponto de vista científico e principalmente do ponto de vista moral. Eles acusavam a sociobiologia de determinis mo biológico, que poderia ser usado para justificar as desi gualdades sociais existentes. Uma crítica contundente era o uso da expressão “gene para. . que interpretavam como evidência de determinismo genético. Isto apesar das recor rentes explicações de vários autores que abraçavam a abor dagem evolucionista, entre eles Dawkins e o próprio W ilson, de que essa expressão era na realidade um a abre viação para diferenças genéticas entre indivíduos que seriam potencialmente sujeitas à seleção. Acusavam Wilson também de propor que a natureza humana, por ser adap- tativa, era natural e intrinsecamente boa, novamente justi ficando a ordem social existente. Em um a publicação bastante divulgada, G ould e Lewontin (1979) cunharam um termo em sua crítica da sociobiologia e de áreas afins que ficou amplamente conhecido, o panglossismo, base ado no personagem Dr. Pangloss, de Voltaire, que expres sava a opinião de que tudo era o que deveria ser e feito para seu melhor uso. Esta analogia era usada para alegar que do ponto de vista da sociobiologia cada detalhe do 'Este tcxco está disponível na íntegra em http://uncsdoc.uncsco.org/imagcs/0007/000733/073351 co.pdf comportamento, anatomia ou fisiologia de um organismo poderia ser explicado pela seleção natural e, como tal, representaria estruturas otim am ente planejadas. G ould e Lewontin (1979) acreditavam que esta abordagem igno rava o aspecto histórico do processo evolutivo e a influên cia do acaso neste processo. Também alegavam que o grau de perfeição de um traço é limitado por fatores como flexi bilidade comportamental, interações entre genes e aciden tes históricos. Segundo os dois autores, os defensores da sociobiologia consideravam a seleção natural onipotente e que as limitações seriam poucas e de pequena im portân cia. Não há como negar que isto é verdade em alguns casos. Estas críticas geraram inclusive revisões de textos ampla m ente utilizados como é o caso da versão de 1997 do livro BehavioralEcology, de Krebs e Davies. Cronin (1995), no entanto, discorda fortemente de que adaptacionistas sejam panglossistas e propõe que, na realidade, o natural na teoria darwinista é evitar suposições relativas à perfeição. Segun do a autora, a perfeição é a expectativa do creacionista, que vê cada estrutura ou traço como desenhado para o fim que serve e que, por essa razão, só pode ser perfeito. O evolucionista acredita no poder da seleção natural para criar traços maravilhosamente adaptados, porém m uito longe de serem perfeitos, pois todo traço se origina de soluções que foram apropriadas a gerações anteriores e que carregam as marcas dessa história, consistindo em boas soluções dentro das limitações originadas da história filo- genética do traço. Um exemplo que considero extremamente esclarecedor daquilo que Nesse e Williams (1997) chamam de legados da história da evolução é a ocorrência freqüente, e muitas vezes letal (um óbito por 100.000 pessoas/ano), de engas gos nos seres humanos. Este problema recorrente se deve a uma falha de desenho que ocorre, na realidade, em todos os vertebrados: nossa boca está localizada abaixo e em frente ao nariz, mas o esôfago, que transporta os alimen tos, fica atrás da traquéia, que transporta o ar, por isso os tubos precisam se cruzar à altura da garganta. Se o alimen to bloquear essa interseção, o ar não pode chegar aos pulmões. Um reflexo associado à deglutição normalmen te bloqueia a passagem para a traquéia, mas às vezes esse reflexo falha e o alimento desce pelo canal errado. É nesse m om ento que o reflexo do engasgo entra em ação para desobstruir as vias aéreas, mas algumas vezes ele não é completamente eficaz e podemos morrer sufocados. Claro que seria m uito mais fácil e seguro se o ar e os alimentos passassem por caminhos totalmente independentes. Por que não o fazem? Se a seleção natural criasse traços e meca- http://uncsdoc.uncsco.org/imagcs/ Introdução: Aspectos Históricos 5 nismos perfeitos, eles seriam independentes, porém este é um problema histórico: a seleção natural só pode agir sobre o que já existe. E o que existe era um ancestral remoto de todos os vertebrados, um animal semelhante a um verme, que se alimentava de microorganismos retirados da água através de um sistema de filtração. Por outro lado, era pequeno demais para ter um sistema respiratório. A respi ração se dava por difusão passiva, sistema que só foi subs tituído quando evoluiu para um tam anho maior, e um sistema respiratório se desenvolveu. Esse novo sistema aproveitou o sistema de filtração de alimentos, que facil m ente foi aproveitado como um conjunto de guelras, possibilitando a troca gasosa. O aparecimento, m uito mais tarde, do pulmão trouxe a necessidade de vias específicas para a passagem do ar pelo sistema respiratório e dos alimentos pelo digestório. Porém, em função da origem comum, essas passagens se cruzavam, característica que mantemos até hoje. Alcock (2001), por outro lado, chama a atenção para o fato de que a ênfase supostamente excessiva no poder da seleção natural se deve em grande parte às evidências que apontam que, de fato, a seleção natural é o mecanismo preponderante de mudança evolutiva. Mecanismos alter nativos, como, por exemplo, deriva genética, pleiotropia, exaptação, são reconhecidos, mas também se sabe que eles explicam em seu conjunto um a proporção m uito pequena das mudanças evolutivas. A primeira crítica ao livro Sociobiology foi publicada em N ew York Review o f Books (Allen et al., 1975)7 e termina sugerindo que Sociobiology sinalizaria uma nova onda de teorias biologicamente deterministas. Indo além, a crítica equiparava o livro a políticas racistas e a um a agenda polí tica conservadora. A partir, não apenas das críticas publi cadas, mas de entrevistas com vários dos críticos, Segers- trâle (2000) sugere que estes consideravam seu dever moral “interpretar” os textos para o leitor leigo, esclarecendo o que Wilson, e outros, como Dawkins, Ham ilton e Trivers, estavam realmente “querendo dizer”. Vários nomes de peso, como Richard Dawkins, Maynard Smith, William Hamilton, Robert Trivers, Irving DeVore, É interessante que a primeira autora deste artigo, Elizabcth Allen, fosse, na época, um a estudante de graduação em medicina. Esta crítica foi publicada logo após o lançam ento do livro Sociobiology c foi a prim eira das muitas publicações que tem a marca de G ould c Lcwontin nas críticas a Wilson. N o en tan to , nesta publicação especificamente, a ordem dos autores foi alfabética porque a idéia era produzir um docum ento que representasse o Sociobiology Study Group, do qual faziam parte os dois cientistas (Scgcrs- trâlc, 2000, 2001). entre outros, saíram em defesa de Wilson. Na realidade, se algumas das críticas desempenharam um papel impor tante na revisão de alguns conceitos e explicações socio- biológicas, a proposta original em grande parte vem sendo confirmada através de estudos do comportamento hum a no e animal (Alcock, 2001). Com o Krebs e Davies (1997) sugerem, as críticas à sociobiologia não diminuíram o valor da explicação darwinista, mas a levaram à revisão de alguns conceitos e à ampliação de outros. Essas críticas, porém, tiveram o efeito perverso de manchar esta denominação, levando a maioria dos pesquisadores da área a evitar qual quer tipo de ligação com o termo e a denom inar sua área de trabalho com denominações alternativas. Outras disci plinas, como a Ecologia Com portam ental H um ana e a Coevolução Gene-Cultura, além da Psicologia Evolucio- nista, são derivações da Sociobiologia, mas são poucos aqueles que assumem esta herança. O QUE é PSICOLOGIA EVOLUCIONISTA? No final da década de 1980, o clima acadêmico havia m udado, principalm ente nos Estados Unidos, devido a fatores científicos e sócio-históricos. Os novos desenvol vimentos científicos em várias áreas de conhecim ento, como na biotecnologia e nas neurociências, e principal m ente na genética, com o Projeto G enom a H um ano, acumularam evidências sobre a im portância de fatores biológicos na explicação do comportamento. Ao mesmo tempo, e talvez até mesmo pela popularização dos novos avanços científicos, houve uma atenuação da resistência à implicação de fatores biológicos na explicação do compor tam ento hum ano. O novo paradigm a, interacionista, passou a reconhecer as predisposições biológicas, presentes em todos os indivíduos, e sua modulação pelo ambiente, resultado de um sistema nervoso fundamentalmente plás tico (Segerstrâle, 2000). Este novo clima acadêmico deu margem ao apareci m ento de várias disciplinas que abordam o comportamen to hum ano do ponto de vista da teoria da evolução, entre elas a Psicologia Evolucionista (PE). Porém, o term o “psicologia evolucionista” tem sido usado com diferentes significados por diferentes pesquisadores, e sua abrangên cia também varia em função de quem a define. Alguns defendem que a PE refere-se apenas ao estudo de proces sos mentais humanos (Barkow, Tooby e Cosmides, 1992), enquanto outros preferem descrevê-la como um a aborda- 6 Introdução:Aspectos Históricos gem mais abrangente. Daly e Wilson (1999) consideram que esta restrição taxonômica é inadequada em função da longa tradição comparativa tanto nos estudos evolutivos como dentro da própria psicologia e tam bém porque m uitos dos pesquisadores da área trabalham com o ser hum ano como apenas um a outra espécie única (Foley, 1993; ver Ades, Cap. 2 deste livro). Vale ressaltar, além disso, que a PE não é feita somente por psicólogos, mas, tanto mundialmente como no Brasil, há diversos profis sionais envolvidos, como biólogos, antropólogos, sociólo gos, filósofos e médicos, entre outros. Em comum, a abor dagem evolucionista, aplicada aos seres humanos da mesma maneira como tem sido aplicada, de forma extremamente bem-sucedida, ao estudo do comportamento animal. Laland e Brown (2002) identificam pelo menos cinco abordagens que se propõem a estudar o comportamento hum ano do ponto de vista evolutivo: a sociobiologia, a ecologia comportamental humana, a psicologia evolucio nista, a memética e a coevolução gene-cultura. Com o elas se distinguem umas das outras? Atualmente, nenhum estu dioso do comportamento hum ano identifica-se como um sociobiólogo; entre outras razões, pela reação que esse termo ainda causa, em função da discussão pública sobre o livro de E. O . Wilson com esse título (ver anteriormen te). As duas denominações seguintes, ecologia comporta mental hum ana e psicologia evolucionista, são as vertentes mais atuantes e bem-sucedidas dentre aquelas identificadas por Laland e Brown (2002), com destaque para a PE. A memética, proposta por Dawkins, supõe uma unidade de seleção cultural, o meme, um replicador, tal como os genes. Porém, com o os autores sugerem, a memética foi um meme que não pegou, e sua replicação tem sido restrita. A abordagem da coevolução gene-cultura propõe um a herança dualística, envolvendo genes e memes. Suas complicadas análises matemáticas têm sido um empecilho à sua ampliação. Estas abordagens, na realidade, se sobre põem em vários pontos, e o que as distingue é muito mais a ênfase em um ou outro aspecto (ver também Izar, Cap. 3 deste livro). Por exemplo, o tipo de causalidade mais estudada, próxim a ou final (ver as quatro questões de Tinbergen na seção inicial). A Tabela 1.1 compara algumas das características de três dessas abordagens, aquelas que mais nos interessam em relação ao conteúdo deste livro: a Sociobiologia, pelo seu valor histórico e inovador, a Ecologia Com portam en tal H um ana e a Psicologia Evolucionista, pela amplitude de sua abrangência entre os pesquisadores que estudam o comportamento hum ano de uma perspectiva evolutiva. O exame da Tabela 1.1 evidencia, por um lado, a presen ça da herança sociobiológica nas duas abordagens mais recentes e, por outro, a inovação trazida pela PE, princi palmente no que diz respeito ao nível de explicação. Com foco nos mecanismos psicológicos evoluídos e na propos ta da existência de um descompasso temporal, a PE é a única das três abordagens que considera que o comporta m ento não é completamente adaptativo. O utra importan- Tabela 1.1 Comparação dc trcs abordagens evolutivas ao estudo do com portam ento hum ano (adaptada de Laland c Brown, 2002) Sociobiologia Ecologia com portam ental hum ana Psicologia evolucionista N ível de explicação C om portam ento C om portam ento M ecanism os psicológicos M étodos utilizados no teste de hipóteses M últiplos (ênfase em inform ação etnográfica) Inform ação etnográfica quantitativa M últiplos (ênfase em questionários, experimentos de laboratórios e dados demográficos) O com portam ento é adaptativo? Sim Sim N em sempre, em função do descompasso tem poral O que é cultura? Universais culturais, com portam ento eliciado por condições ecológicas, inform ação transm itida C om portam ento eliciado por condições ecológicas Universais culturais dentro de limitações da natureza hum ana O que são seres humanos? Animais sofisticados Animais sofisticados, caracterizados por extrema adaptabilidade Animais sofisdeados, guiados por adaptações psicológicas Introdução: Aspectos Históricos 7 te inovação trazida pela PE é a de colocar dentro do esco po da psicologia o estudo de causas últimas, evolutivas, contrariando a tradição histórica da área de estudar apenas causas próximas. Acredito que isto, mais do que qualquer outra coisa, é o que permitirá à psicologia, de feto, incor porar a explicação biológica ao seu corpo teórico. Não por acaso, a PE é freqüentemente definida como uma abor dagem à psicologia e não uma área específica, como Psico logia do Desenvolvimento ou da Personalidade. Nesse sentido, ela é proposta como uma forma de pensar a psico logia (evolutivamente) que poderia ser aplicada a qualquer tema dentro dela (Gaulin e McBumey, 2001). Alguns conceitos-chave norteiam a investigação na PE. Inicialmente, os mecanismos mentais evoluídos, vistos como adaptações que estão subjacentes ao comportamen to hum ano (ver Seidl de M oura e Oliva e O ttoni, Caps. 5 e 6 deste livro). Em seguida, o Ambiente de Adaptação Evolutiva (AAE), representando o passado evolutivo durante o qual as adaptações que exibimos foram selecio nadas. Este segundo conceito traz com o decorrência a questão do descompasso tem poral entre mecanismos evoluídos e sua relação com o ambiente atual (ver Izar, Cap. 3, deste livro). Finalmente, a ênfase nos m ódulos de dom ínio específico, que teriam evoluído em resposta a pressões específicas do ambiente e, portanto, dirigidos à solução de problemas também específicos (ver Seidl de M oura e Oliva e O ttoni, Caps. 3 e 6 deste livro). A ques tão da modularidade é um a questão bastante debatida dentro da própria PE, e este livro traz visões alternativas nos dois capítulos já citados. A PSICOLOGIA EVOLUCIONISTA NO BRASIL O crescimento dos estudos do comportamento hum a no usando a PE como referencial teórico e metodológico foi notável nos últimos anos. Este crescimento tornou a PE uma disciplina bem conhecida e estabelecida na Améri ca do N orte e na Europa, mas ainda incipiente no Brasil. O grupo responsável pela elaboração desta coletânea é pioneiro no estudo da PE no Brasil. A colaboração das instituições envolvidas neste grupo remonta a aproxima damente 15 anos e resultou na formação, em 2004, de um G rupo de Trabalho (GT) de Psicologia Evolucionista na Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Psicologia (ANPEPP). Um marco na história deste grupo foi a aprovação pelo C N Pq, em 2005, de um projeto no Edital Instituto do M ilênio para Redes de Pesquisa, O moderno e o ancestral: a contribuição da Psicologia Evolu cionista para a compreensão dos padrões reprodutivos e de investimento parental humanoy que envolve nove institui ções e 16 pesquisadores de todo o país. N o espírito da PE, de interdisciplinaridade, esta rede representa duas orientações teóricas em Psicologia e pesqui sadores de formações variadas. A primeira orientação foca liza o estudo do comportamento num a abordagem evolu cionista e é representada pelos pesquisadores da Universi dade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), que coor dena o projeto, da Universidade de São Paulo (USP), da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), da Univer sidade Federal do Pará (UFPA) e da Universidade Católi ca de Goiás (UCG). A segunda orientação dirige seus estu dos ao desenvolvimento hum ano e é representada pelos pesquisadores da Universidade do Estado do Rio de Janei ro (UERJ), que tam bém detém a vice-coordenação do projeto, da Universidade Federal de Santa C atarina (UFSC), e da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Além disso, o grupo conta com um pesquisador em Socio logia, da Universidade Federal do M ato Grosso (UFM T). O site do projeto, com a relação dos pesquisadores e dos projetos de pesquisa, pode ser acessado em h ttp ://lineu. cb.ufrn.br/psicoevol/index.php O principal objetivo desta rede é o de investigarques tões tradicionais da Psicologia através da abordagem evolu tiva. O s fundamentos teóricos dos estudos realizados por este grupo e seus primeiros resultados estão descritos nos capítulos que se seguem, com a colaboração de alguns pesquisadores que não fezem parte do grupo do Instituto do Milênio. Q uanto esta PE que fazemos no Brasil é restrita em relação aos conceitos-chave propostos pela nova aborda gem? Em função da diversidade de formações e de orien tações teóricas, a PE que adotamos só poderia ser plura lista. Temos em comum a abordagem evolucionista e um alto padrão de exigência em relação à qualidade da pesqui sa que desenvolvemos. Estudos evolutivos do comporta m ento hum ano têm recebido enorme atenção da mídia, com debates em jornais e revistas mais sérios, até reporta gens em programas populares de televisão8. Esta é uma área que, se por um lado, atrai grande interesse da popu- 8U m a edição especial da revista Psique (2007, ano II, n .° 6) foi publi cada exclusivamente com artigos de alunos de pós-graduação ligados aos pesquisadores do Instituto do Milénio, um bom exemplo do interesse da mídia. http://lineu 8 Introdução: Aspectos Históricos lação de maneira geral, por outro lado, se presta à popu larização indevida de anedotas sem fundamentação cien tífica e de receitas e conselhos simplistas, na maioria das vezes sem qualquer lógica evolutiva a sustentá-los. Isto é exatamente o que não queremos para a PE que fazemos. O rigor metodológico, a sólida base na teoria da evolução e o teste empírico de nossas hipóteses formam o tripé bási co de nosso trabalho. É essa a PE que queremos fazer: diversa, porém rigorosa, do ponto de vista científico. O PLANO DESTE LIVRO Este livro foi escrito tendo em mente o ensino na gradua ção e na pós-graduação. Ele contempla, portanto, os funda mentos e as questões básicas que norteiam a PE. Cada capítulo foi escrito de forma a poder ser lido independen temente, mas, por outro lado, a seqüência dos capítulos tem uma lógica que pode ser seguida caso o livro venha a ser utilizado como livro texto em uma disciplina. Os Caps. 2 a 4 são introdutórios à área, discutindo aspectos históricos do estudo do comportamento, a falsa oposição natureza criação, a questão da unicidade do ser hum ano e suas implicações para seu estudo científico, e as quatro questões deTinbergen (Cap. 2). O Cap. 3 discu te um aspecto fundam ental para a PE, a questão do ambiente de adaptação evolutiva (AAE) e o conseqüente descompasso temporal entre as adaptações e o ambiente atual. A localização temporal do AAE e evolução dos homi- nídeos, questão extremamente controvertida, é discutida, juntam ente com as dificuldades para a reconstrução do AAE. Também apresenta alguns modelos para a recons trução e faz um a pergunta instigante: nossas habilidades têm origem na hum anidade ou a antecedem? O Cap. 4 analisa os traços evolutivos no Homo sapiens sapiens moderno. Discute um a série de características; entre elas, bipedalismo, pequeno dimorfismo sexual, cérebros grandes, recém-nascidos imaturos, tecnologia, destreza manual, linguagem, investimento parental intenso, capa cidade de estabelecimento de vínculos, cultura, dieta onívora e modo de vida caçador-coletor. Os Caps. 5 e 6 discutem a cognição e o funcionamen to da mente. Ambos abordam a questão da modularidade sob pontos de vista um pouco diferentes. O primeiro abor da vários modelos de arquitetura da mente, com ênfase na modularidade: a concepção modular da m ente hum ana de Fodor, a concepção de um processador central de M ithen, o m odelo ontogenético de Karmiloff-Smith e finaliza com um a proposta de integração aprendizagem, desenvolvimento e organização cerebral. O Cap. 6 exami na hipóteses sobre a evolução da inteligência e da cognição: a tecnológica, a do forrageamento, a da inteligência social, a da inteligência maquiavélica. Discute em seguida as adap tações cognitivas para a vida social e sua ontogênese, e avalia visões alternativas sobre o desenvolvimento cogni tivo. O Cap. 7 aborda, de forma comparativa, a evolução da linguagem: como fatores biológicos contribuem para que seres hum anos de um a mesma com unidade verbal (ou cultura) consigam compartilhar uma linguagem simbóli ca; quais as semelhanças entre a linguagem simbólica hum ana e a comunicação não-verbal que compartilhamos com as demais espécies de primatas e com outros animais; a linguagem simbólica surgiu recentemente na história evolutiva dos humanos ou evoluiu lentamente a partir de formas menos sofisticadas de comunicação? O s Caps. 8 a 11 abordam diferentes aspectos do desen volvim ento hum ano na perspectiva evolucionista. O primeiro examina a relação entre biologia e cultura e a inseparabilidade de diferentes planos de análise: o filoge- nético, o ontogenético, o histórico-cultural e o microge- nético. O Cap. 9 descreve o cuidado e a responsividade parentais à luz da teoria da história de vida e a teoria do investimento parental, além das especificidades do esforço reprodutivo materno e do cuidado materno e paterno. O Cap. 10 avalia, do ponto de vista da PE, por que alguns pais maltratam suas crianças e quais situações apresentam riscos maiores de abuso e maus-tratos. O Cap. 11, final mente, examina a brincadeira à luz das quatro questões clássicas de Tinbergen, função, filogênese, ontogênese e causas imediatas. O Cap. 12 trata daquela que é a questão fundamental sob a perspectiva evolucionista, a reprodução. A partir da análise dos mecanismos de seleção sexual em animais, auto res analisam as estratégias sexuais em humanos, avaliando: a) quais são as características preferidas por mulheres e homens como parâmetro para seleção de parceiros sexuais e, a partir desse padrão de preferências; b) quais são as estratégias esperadas para cada sexo. É analisada também a modulação ecológica dessas estratégias e as organizações sociais, os sistemas de acasalamento, resultantes da inte ração das estratégias e dos mecanismos de seleção sexual. O Cap. 13 discute a agressão na espécie hum ana e os controles culturais impostos à sua expressão. Examina também a origem com um com outros animais de vários rituais agressivos e a violência organizada e a instituciona lizada (do Estado), caracteristicamente humanas. Introdução: Aspectos Históricos 9 O Cap. 14 examina a contrapartida à agressão, a coope ração. Partindo de uma suposta contradição entre a coope ração e a aptidão individual, revê as diferentes estratégias que favorecem a cooperação, algumas exclusivamente huma nas e outras presentes também em outras espécies: a coope ração com parentes, o altruísmo recíproco e a teoria dos jogos e o altruísmo recíproco indireto. Finaliza examinando a evolução do comportamento cooperativo e o envolvimen to dos sistemas cognitivos e emocionais nesse processo. O Cap. 13 analisa a evolução da m entira e do auto- engano. Os autores sugerem que o com portam ento de mentir, bem como sua detecção sofreram fortes pressões seletivas ao longo da evolução e que os humanos, além de m entir para os outros, m entem para si mesmos (auto- engano), um padrão provavelmente selecionado a partir de um a corrida evolutiva entre enganadores e detectores de engano. Este capítulo apresenta duas abordagens expli cativas, a primeira com abordagem evolutiva e ecológica, destacando o contexto em que emergem tais comporta mentos, e outra da perspectiva das neurociências, que estu da as estruturas e sistemas neurais envolvidos. O Cap. 16 discute a universalidade do comportamento alimentar humano, sua diversidade, marcada pelas diferen tes culturas, como também suas semelhanças, que garantem a ingestão de todos os nutrientes essenciais para o bom desen volvimento e manutenção do corpo humano. Porém, a esco lha dos alimentos, a decisão de ingeri-los, ou não, apresentam os desafios mais interessantes do ponto de vista evolutivo. Este capítulo examinadois padrões contrastantes da escolha alimentar: a neofobia, a relutância em experimentar alimen tos novos, e a neofilia, seu oposto. A maneira mais eficiente que a seleção natural encontrou para lidar com este proble ma foi a influência social, presente desde o início da vida e importante fonte de informação alimentar. O Cap. 17 propõe a aplicação da perspectiva evolucio nista na compreensão das psicopatologias, um aparente paradoxo, pois a mera persistência na população de pato logias associadas a bases genéticas parece comprometer as premissas básicas dos conceitos darwinistas, que se funda m entam na idéia de aptidão do indivíduo à sobrevivência e à reprodução. A proposta do capítulo é a de integrar conhecimentos sobre psicopatologia das áreas de genética, neuroquímica, neuroanatomia, psiquiatria, psicanálise e psicologia analítica, usando a abordagem evolucionista. A partir dessa perspectiva, as autoras analisam o que consti tuem as patologias, os sintomas e as etiologias dessa pers pectiva, levando em consideração causas próximas e causas últimas. Finalmente, a título de exemplo, são analisadas algumas patologias: transtorno do pânico, erotomania, depressão (incluindo a depressão pós-parto), dependência e esquizofrenia. O Cap. 18 apresenta um a tese tão inovadora quanto polêmica: a idéia de que a evolução hum ana favoreceu o fortalecim ento da cooperação intragrupo, levando ao desenvolvimento do que os autores chamam de mansidão na espécie hum ana. Três argumentos são apresentados a favor dessa tese: o enfraquecimento anatômico das armas de luta corporal; a organização de caça e coleta, caracte rística dos hominídeos por vários milhões de anos, e que se constituía em ambiente social igualitário e cooperativo; e a mudança súbita provocada pelo advento da agricultu ra de larga escala, como fator de ruptura com o m odo de vida ancestral. Acreditamos que o conjunto dos capítulos que forma este livro constitua uma excelente introdução à Psicologia Evolucionista para alunos de graduação e pós-graduação e também para o leigo que mostra curiosidade sobre o tema. 2 U m O l h a r E v o l u c i o n i s t a p a r a a P s i c o l o g i a 1 César Ades Desde que se constituiu, a psicologia procurou estabe lecer a independência de seu enfoque e de seu método em relação à biologia. Mas nunca deixou de pagar um tribu to ao biológico, nem que fosse como o reconhecimento do substrato a partir do qual outra forma de organização (da mente, do comportamento) se origina. N a origem do pensamento psicológico, está um a posição cartesiana, rara m ente explicitada, mas que incom oda (como Descartes esteve incom odado para explicar a origem, ao mesmo tempo corporal e mental, das paixões humanas) por não indicar um a fronteira nítida entre o psicológico e o bioló gico e por não proporcionar uma epistemologia capaz de dar conta, independentemente, do psicológico. O deter m inante biológico não é negado, mas colocado fora do âmbito das explicações relevantes acerca da m ente ou do comportamento. Sobre esta ambigüidade, desenvolvem-se dicotomias que se auto-reforçam, como a dicotomia entre natureza e criação (nature andnurture), entre biologia e cultura, entre inato e aprendido, e se criam distâncias ainda maiores do que as que norm alm ente existem entre as ciências, os departamentos e os cientistas. O conhecimento fica encap sulado em áreas não apenas especializadas, mas que se colocam como incomensuráveis. Acaba-se tendo a impres 1 Versão de um a palestra apresentada no IV Congresso N ortc-Nordcstc de Psicologia, Salvador, Bahia (2005) c do texto correspondente à palestra publicado cm Psicologia: novas direções no diálogo com outros campos do saber (N ádia M aria D ourado Rocha e A ntonio Virgilio B ittencourt Bastos, Coordenadores), Casa do Psicólogo, 2007. são de que o objeto de estudo, o ser humano, perde sua unicidade e se fragmenta de acordo com as perspectivas e os recortes impostos. Não faz tanto tempo, fiii convidado pelo centro acadê mico de um curso de psicologia para participar de uma m esa-redonda sobre “H ereditariedade e A m biente” (composta de apenas dois participantes, uma antropóloga e eu mesmo, talvez no propósito de nos ver defender, ela o aporte ambiental e cultural, eu, a base instintiva e bioló gica, o que, de feto, fizemos). O tema é bastante polêmi co, mais ainda num a época como a nossa, marcada por um progresso enorm e no conhecim ento dos processos genéticos e por tentativas audazes de aplicação desse conhe cimento, inclusive ao comportamento. Em Tábula Rasa (2004), Stephen Pinker gasta quase 700 páginas para reba ter, com paixão, a idéia de que a m ente da criança é uma folha em branco, na qual a sociedade e a cultura inscrevem tudo. N o debate, a fala da antropóloga foi principalmente dedicada ao estabelecimento do cultural e do psicológico como essencialmente independentes do biológico. A natu reza simbólica do ser hum ano, o arbitrário e o cumulati vo do fato cultural, as transformações da história foram contrastados com a determinação mecânica do processo genético, incapaz de dar conta do significado. Fez-se tam bém um a crítica às interpretações funcionalistas/ evolucionistas do com portam ento hum ano, perigosas pelas implicações em termos de darwinismo social. Justi ficariam tudo o que fosse considerado geneticam ente adaptativo, inclusive o estupro. Estava clara, nas coloca Um Olhar Evolucionista para a Psicologia 11 ções, a perm anência de um a postura dicotômica, com raízes na distinção de Dilthey (1883) entre ciências natu rais (Naturwissenchafien) e ciências do espírito ( Geiteswis- senchaften). C om o integrar a intenção de compreender com a de medir e interpretar de fora, por assim dizer, o objeto estudado? Interpretar dados (o problema é definir o que são dados) psicológicos em termos biológicos seria perder um conteúdo essencial, alienando o conhecimen to do ser hum ano da rede de significados que o constitui e que passa pela linguagem. Apesar das divergências, o debate com a antropóloga foi cordial. Mas não é na mesa de discussão que poderá progredir m uito o esforço de integração entre as perspectivas da biologia e das ciências humanas. Não se trata de apenas efetuar um a tradução de termos ou um cut-and-paste de idéias. Mais estimu lante e produtivo é o contato que se dá em regiões de fronteira, em torno de assuntos suficientemente próximos para que a vantagem de olhar de dois ou mais pontos de vista se torne explícita. A aproximação se dá, então, atra vés do interesse convergente dos pesquisadores e de uma transferência natural de modos de pensar e de métodos de um lado a outro. Piaget disse uma vez que uma regra de criatividade era olhar ao lado do assunto pesquisado (Lino de Macedo, comunicação pessoal), aventurar-se fora dos esquemas, procurando outras formas de ver os fatos, à maneira do antropólogo que aborda um a sociedade que ele pretende compreender com curiosidade e desejo de assimilação. Ainda usando o pensam ento de Piaget, eu diria que é necessário descentrar a sua perspectiva, ou seja, ver o mesmo objeto de uma outra perspectiva, sem abandonar a base de especialização. É no surpreender-se diante do objeto (porque visto dentro de outro referencial) que está uma das raízes da integração entre perspectivas: prender-se menos aos modos habituais de conhecer e às posições teóri cas e mais à necessidade de conhecer o objeto da forma mais completa e interativa possível. A hierarquia que o senso com um estabelece entre as ciências fez m uitos temerem que, num empreendimento conjunto, os enunciados da psicologia acabem se reduzin do aos da biologia. Não há razão, contudo, para pensar que a migração de conceitos seja unidirecional, não há perspectivas necessariamente mais básicas ou mais ricas na produção de perguntas. Vale um a epistemologia cruzada, que se constitui na pesquisa efetuada com conceitos
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