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Resenha - A metafísica dos costumes

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Filosofia do Direito
Resenha crítica de “A metafísica dos costumes”, de Immanuel Kant
Luna Loureiro Simões
Immanuel Kant (1804-1724) foi um filósofo alemão que se destacou por seus pensamentos acerca da moral, por ele concebida como fruto da racionalidade humana e intimamente ligada ao conceito de liberdade. 
A obra em análise é Metafísica dos costumes, conceito este definido pelo filósofo moderno como uma filosofia prática cujo objeto é a liberdade de arbítrio, tendo princípios universais supremos que podem ser analisados a partir da natureza particular do ser humano[footnoteRef:1]. [1: KANT, Immanuel. Metafísica dos costumes. Petrópolis: Vozes; Bragança Paulista: Editora Universitária de São Paulo, 2013, p. 24, versão e-book.] 
Com efeito, há, para ele, o livre-arbítrio e o arbítrio animal. O primeiro é determinado pela razão pura, característica essa peculiar ao ser humano, enquanto o segundo é determinável pela inclinação, isto é, por impulsos sensíveis. 
De acordo com o autor, tem-se a liberdade de arbítrio quando se verifica a independência entre a determinação do sujeito em relação aos seus impulsos sensíveis, que, embora estejam presentes, não são determinantes da conduta humana. Ou seja, Kant compreende que o arbítrio humano não é puro por si mesmo, posto que envolto por impulsos sensíveis, mas pode se tornar livre pela prática adquirida da razão[footnoteRef:2], uma vez que a racionalidade humana dá ao homem capacidade para agir da forma que sabe ser correta, ainda que essa conduta não seja de sua vontade. [2: Ibid., p. 21-22.] 
Vale dizer que a capacidade da razão pura de ser prática por si mesma somente se faz possível por meio da submissão “da máxima de cada ação à condição de aptidão da primeira para a lei universal[footnoteRef:3]”. Explica-se. Kant dá nome ao que ele chama de imperativo, consistente na “regra prática por meio da qual uma ação em si contingente torna-se necessária[footnoteRef:4]”, o qual pode ser ou técnico (condicionado), ou categórico (incondicionado), este se caracterizando quando impõe a ação como necessária pela mera representação dessa ação, e não pela representação de um fim que pode ser atingido por meio dela. [3: Ibid., p. 22.] [4: Ibid., p. 28.] 
O que ele define como imperativo categórico é o agir conforme uma máxima que possa valer como uma lei universal, de modo que o princípio subjetivo da ação seja também objetivamente válido – e isso só pode ser aferido na medida em que, por meio da razão, o agente se imagina legislador universal[footnoteRef:5]. [5: KANT, Immanuel. op. cit., p. 30.] 
Essa ação que é objetivamente apresentada como necessária, justamente por esse motivo, torna-se um dever, e toda legislação é composta de uma lei que impõe essa ação, bem como de um móbil subjetivo que conecta o fundamento de determinação do arbítrio para a ação à representação da lei[footnoteRef:6]. [6: Ibid., p. 25.] 
Surge, então, a diferenciação essencial entre as legislações jurídica e ética. As leis jurídicas são aquelas que se referem às ações exteriores, de modo que o sujeito pratica uma ação conforme a lei, mas sem levar em consideração o móbil dessa ação. Já as leis éticas têm uma dimensão interior, consistindo no próprio fundamento da determinação da ação do sujeito[footnoteRef:7]. [7: Ibid., p. 26.] 
Há, portanto, uma relação de proximidade entre a legalidade a moralidade. As ações conforme o dever são consideradas corretas, caso contrário, são incorretas e constituem transgressões. De acordo com o filósofo, uma transgressão não intencional é considerada uma mera falta (culpa), enquanto a transgressão intencional chama-se crime (dolo)[footnoteRef:8]. [8: Ibid., p. 30.] 
Da mesma forma, o Direito classifica as condutas como culposas e dolosas, a depender do elemento volitivo do agente, isto é, da sua intenção. A conduta dolosa é aquela cujo resultado era previsto e desejado pelo agente, enquanto a culposa é decorrência não da sua vontade, diretamente, mas da negligência, imperícia ou imprudência em seu agir, que tem por consequência um resultado muitas das vezes ilícito.
No que tange às leis morais, vale dizer que estas somente têm validade “se puderem ser discernidas como fundadas a priori e necessárias, porque não têm valor moral se contiverem apenas o que se aprende na experiência[footnoteRef:9]”. Ou seja, a determinação das ações pela moralidade não é alcançada por meio da experiência humana e da observação de seu comportamento, mas sim pela própria razão humana, que não considera interesses pessoais nem precisa de exemplos para indicar, suficientemente, qual a atitude correta a se tomar em face de determinada circunstância. [9: KANT, Immanuel. op. cit., p. 23.] 
Em outras palavras, o que diferencia a legislação jurídica da legislação ética é o móbil “que conecta subjetivamente o fundamento de determinação do arbítrio para esta ação à representação da lei[footnoteRef:10]”. Ou seja, tem-se a moralidade quando se age conforme o dever, pelo dever, enquanto a legalidade se configura quando se age conforme o dever (a lei), sem consideração do móbil interno que fundamentou aquela ação. [10: Ibid., p. 25.] 
A proposição faz sentido, tornando-se justificável e compreensível a necessidade de as legislações externas, jurídicas, precisarem dispor de ferramentas de coerção. Como o direito vai impor um agir conforme o dever (e não pelo dever) se não houver mecanismos de coerção? Ora, se a conduta humana nem sempre está de acordo com o dever conforme indica a razão, atribui-se ao Direito a competência para fazer uso de mecanismos aptos a coibir certas ações, bem como obrigar à realização de outras.
No entanto, Kant reconhece que a coerção é um empecilho ao exercício da liberdade, devendo ser utilizada unicamente quando “um certo uso da liberdade seja um obstáculo à liberdade segundo as leis universais”, de modo que a coerção se impõe como forma de evitar a ocorrência de um óbice à liberdade[footnoteRef:11]. [11: Ibid., p. 37.] 
No âmbito da legalidade, então, ninguém pode ser obrigado ou impedido de fazer algo sem que haja previsão legal para tanto. Com efeito, a Constituição Federal brasileira de 1988 estabelece, no art. 5º, II, que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, consagrando, assim, o chamado princípio da legalidade. Aquilo que não se encontra regulado pela lei é considerado permitido, sendo indiferente juridicamente.
Na lei ética, há também aquilo que é meramente permitido e indiferente, mas há deveres não previstos em lei jurídica e que, ainda assim, se impõem às pessoas, ainda que não existam meios coercitivos que conduzam à convergência do agir humano a essas leis morais. 
Observa-se que a amplitude e o conceito da liberdade no Direito e na sociedade atual, consistente na possibilidade de fazer escolhas, são bem diferentes da concepção traçada por Immanuel Kant. Para ele, a liberdade se exprime na feitura do dever pelo dever, é a capacidade de o ser humano se contrapor às suas inclinações e agir conforme a razão.
Importa destacar que, para o filósofo, essa liberdade está intimamente atrelada ao direito, que, segundo ele, é relativo à relação prática entre duas pessoas, na medida em que suas ações podem interferir reciprocamente nas ações da outra. Relevante nessa relação é o arbítrio dos sujeitos envolvidos e a forma como eles se conciliam: Kant entende que o direito é o conjunto das condições por meio das quais esses arbítrios podem ser conciliados, segundo uma lei universal da liberdade. De acordo com ele, esse princípio universal do direito tem por conteúdo a máxima de que o indivíduo deve agir externamente de forma que seu livre arbítrio possa coexistir com a liberdade de cada um segundo uma lei universal.[footnoteRef:12] [12: KANT, Immanuel. op. cit., p. 35-36.] 
De fato, o sistema jurídico tem como finalidade precípua manter a ordem social, regulando as relações jurídicas que se estabelecem entre os cidadãos, de modo que haja uma convivência harmônica entre a liberdade de cadaindivíduo e os direitos fundamentais dos demais, reciprocamente.
Feitos esses apontamentos acerca do dever, da liberdade, das leis jurídicas e éticas, cumpre mencionar alguns pontos do pensamento kantiano que podem ter, de certa forma, relação com a teoria do direito e com o direito positivo.
Pois bem. Chama atenção o seguinte trecho:
Um conflito de deveres (collisio officiorum, s. obligationum) seria uma relação entre eles pela qual um suprimiria o outro (total ou parcialmente). – No entanto, é absolutamente impensável uma colisão de deveres e obrigações (obligationes non colliduntur), pois dever e obrigação são em geral conceitos que expressam a necessidade prática objetiva de certas ações e duas regras opostas não podem ser simultaneamente necessárias, visto que, quando agir conforme a uma é dever, então agir segundo a contrária não apenas não é dever algum, mas algo contrário ao dever. Em um sujeito e na regra que ele se prescreve, porém, podem muito bem encontrar-se dois fundamentos de obrigação (rationes obligandi) dos quais um ou outro é insuficiente para obrigar (rationes obligandi non obligantes), caso em que, portanto, um deles não é dever. – Se dois de tais fundamentos se contradizem mutuamente, então a filosofia prática não diz que a obrigação mais forte conserva a supremacia (fortior obligatio vincit), mas sim que o mais forte fundamento de obrigação conserva o posto (fortior obligandi ratio vincit)[footnoteRef:13]. [13: KANT, Immanuel. op. cit., p. 30.] 
Essa concepção formulada por Kant acerca do conflito de deveres em muito se relaciona com o que o Direito chama de colisão de princípios. Sabe-se que os princípios são normas que fundamentam o ordenamento jurídico de determinado Estado, de modo que a sua observância é necessária para que se mantenha a coerência sistêmica das diversas legislações que formam, conjuntamente, a ordem jurídica vigente. 
Contudo, há situações em que a aplicação de um princípio enseja o afastamento de outro. Isso não significa que o princípio afastado é inválido, mas que, tão somente, tem menor peso naquela circunstância concreta[footnoteRef:14]. Dessa forma, o problema da colisão de princípios deve ser solucionado por meio do sopesamento entre esses princípios, analisando-se, no caso concreto, qual terá maior aplicabilidade. [14: ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madri: Centro de Estudos Constitucionales, 1963, p. 89.] 
De forma semelhante, a solução encontrada por Kant para um aparente conflito entre deveres é de que o fundamento de obrigação mais forte conserva o posto de necessária observância, enquanto o outro, naquela situação, deve ceder. Portanto, há também a necessidade de se balancear os princípios do agir potencialmente aplicáveis ao caso para que se torne possível a resolução da questão.
Por fim, outro ponto interessante diz respeito ao que Kant chama de direito de necessidade, definido como uma competência que surge em casos de perigo de perda da vida, hipótese em que o indivíduo pode tomar a vida de outro que não lhe tenha causado sofrimento algum. Nas palavras do filósofo:
É claro que essa afirmação não deve ser entendida objetivamente, segundo aquilo que uma lei prescreve, mas apenas subjetivamente, tal como seria pronunciada a sentença diante de um tribunal. Não pode haver, pois, nenhuma lei penal que condene à morte quem em um naufrágio, correndo com um outro o mesmo risco de vida, lhe empurre da tábua em que se refugiou para salvar-se a si mesmo. Porque a pena que a lei ameaçasse certamente não poderia ser maior do que a perda de sua vida. [...] Portanto, o ato da autoconservação violenta não deve ser julgado como algo não condenável (inculpabile), mas apenas como algo não punível (impunibile), embora, por uma assombrosa confusão dos jurisconsultos, esta impunidade subjetiva seja considerada objetiva (conforme a lei)[footnoteRef:15]. [15: KANT, Immanuel. op. cit., p. 40.] 
O direito brasileiro leva em consideração hipóteses semelhantes à narrada por Kant, estabelecendo que a lei penal é flexibilizada nesse caso. O art. 23, inciso I, do Código Penal prevê que não há crime quando o agente pratica o fato em estado de necessidade, definido pelo art. 24 como a situação em que o agente pratica o fato para salvar direito próprio ou alheio, cujo sacrifício não era razoável exigir-se, de perigo atual que não tenha provocado por sua vontade, nem podia de outro modo evitar.
Reconhece-se, dessa forma, que há determinadas situações em que a classificação de uma conduta como crime é mitigada, excluindo-se a sua ilicitude e, portanto, a punição prevista em lei, em razão das circunstâncias em que ela foi praticada, que a tornaram razoável e conforme ao Direito.
Numa visão geral, o que se percebe da obra analisada exprime-se, principalmente, na concepção de liberdade traçada pelo filósofo, bem como nas relações entre o Direito e a moralidade, que em tanto se assemelham, mas em hipótese alguma se confundem.

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