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O amor e as convenções sociais em Rútilo nada, de Hilda Hilst Sthefani I. Oliveira Silva1 Rútilo nada é um conto publicado pela primeira vez em 1993 pela escritora brasileira Hilda Hilst. O conto narra a história do romance entre Lucius Kod, um jornalista de 35 anos e Lucas um jovem historiador aspirante a poeta que namora a filha de Lucius. O relacionamento é interrompido brutalmente pelo pai de Lucius, um velho rico e cheio de preconceitos que não consegue lidar com a ideia que o filho esteja se relacionando com o jovem, o fazendo passar por diversas violências o que acaba no final trágico do conto que é suicídio de Lucas. Desde o início o conto de Hilda traz uma sensação de urgência como se alguém tivesse pressa ou sentisse alguma dor, dor esta que é sentida pelos personagens ao longo da narrativa. Lucius e Lucas sofrem as pressões de viver um relacionamento homoerótico em uma sociedade presa a convenções e preconceitos. Preconceito esse que é expressado fortemente na figura do próprio pai de Lucius. Ao decorrer do conto é possível perceber que até mesmo os próprios personagens se questionam sobre si mesmos e sobre o seu espaço em uma sociedade onde seu relacionamento é considerado errado, tendo que lidar com a pressão de não mais se encaixar no padrão heterossexual que sempre lhes foi apresentado. Hilda também traz em seu conto a problemática da homofobia, que é bastante presente na realidade da população LGBTI, especialmente no Brasil que foi revelado pelo Atlas de Violência de 2018 como um dos países mais violentos do mundo . Nessa mesma perspectiva é possível citar Borrillo (2010, p. 17) ele afirma que “a homofobia é o medo de que a valorização dessa identidade seja reconhecida; ela se manifesta, entre outros aspectos, pela angústia de ver desaparecer a fronteira e a hierarquia da ordem heterossexual”. No conto, essa angústia é representada pelo pai de Lucius que representa boa parte de uma sociedade que acredita estar sendo ferida pelo desejo do outro. Esse é o efeito da 1 Graduada em Letras- Português/Inglês pela Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP) e Pós-Graduanda em Literatura brasileira pela Faculdade Frassinetti do Recife (FAFIRE). homossexualidade em uma sociedade construída a base de relações heterossexuais, essa sensação de incômodo que é sentida pelo pai de Lucius bem no início do conto quando ele confronta o filho preocupado com a opinião da sociedade sobre o relacionamento. Lucius e Lucas se encaixam em uma minoria que é violada todos os dias, por meio de repressões que são resultado de uma sociedade patriarcal onde os homessexuais sentem na pele o peso da diferença. Essa violação é bastante marcada por Hilst ao longo do conto, não só pelos discursos agressivos do pai de Lucius mas também pela barbaridade que o mesmo manda praticar contra Lucas que é o estupro que o leva a sua morte. Após essa violação, com a consciência de por que passou por tudo aquilo, Lucas sente só e desamparado, talvez por Lucius, mas sobretudo por Deus, assim ele decide que é pesado demais viver e decide tirar sua própria vida, deixando uma carta para o amado. É possível que Lucas soubesse que aquele romance não ia durar, que era proibido demais, porém com certeza ele sabia que a sociedade jamais aceitaria, assim como o pai do amado. Lucas sabia que eles passariam por monstruosidades talvez maiores do que a que ele tinha passado. A narrativa não foge da realidade das minorias formadas geralmente por mulheres, índios, negros, nordestinos e homossesuais. Tratando especialmente do Brasil o número de suicídios, assim como os números de violência seja ela sexual ou físicas contra a comunidade LGBTI é gritante. O crime de não amar igual ao padrão imposto, de não ter os mesmo desejos parece pesado demais para as costas de uma sociedade fragilizada pela ideia de poder sobre o desejo do outro e se torna muitas vezes pesado demais para quem tem a responsabilidade de lidar com as consequências de suas escolhas. O romance de Lucas e Lucius se encaixa perfeitamente na narrativa dessas minorias, que são vítimas e que têm seu desejo e por muitas vezes até a sua humanidade negada, o direito de amar e ser amado, o direito à vida. É preciso ter coragem para enfrentar os conflitos de aceitação de uma relação homoafetiva na sociedade contemporânea e é isso que Hilda nos traz em Rútilo nada, o desejo, o amor dos personagens acaba envolvendo o leitor do início ao fim, nos fazendo torcer para que os personagens rompam as barreiras e enfim consigam viver o seu desejo. Ela nos pega de surpresa com o fim trágico do suicídio, mantendo a sensação inicial de dor e de urgência que o conto propõe. Referências bibliográficas HILST, Hilda. Rútilo Nada. In: PÉCORA, Alcir (org.). Rútilos. São Paulo: Globo, 2003. SANTOS, Kalyne.; SPOSATO, Karyna. Um olhar sobre a violência LGBTIfóbica no Brasil. Conhecer: debate entre o público e o privado, Ceará, v. 9, n. 22, p. 1-14, abr. 2019. ZAGO, Carlos. “Rútilo nada”: ensaio de leitura. Fórum de Literatura Brasileira Contemporânea, Rio de Janeiro, v. 6, n. 11, p. 1-17, 2014. SOUZA, Viviane.; ARCOVERDE, Leo. Brasil registra uma morte por homofobia a cada 23 horas, aponta entidade LGBT. Disponível em: <https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2019/05/17/brasil-registra-uma-morte-por-homofo bia-a-cada-23-horas-aponta-entidade-lgbt.ghtml>, Acesso em: 17 jul. 2018.
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