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Marília N dos Santos - Escrevendo Cartas, Governando o Império - Câmara Coutinho no governo do Brasil, 1691-3

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Prévia do material em texto

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE 
CENTRO DE ESTUDOS GERAIS 
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA 
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA 
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA 
 
 
 
 
 
 
 
 
MARILIA NOGUEIRA DOS SANTOS 
 
 
 
 
 
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NITERÓI 
2007
MARILIA NOGUEIRA DOS SANTOS 
 
 
 
ESCREVENDO CARTAS, GOVERNANDO O IMPÉRIO: 
A correspondência de Antônio Luís Gonçalves da Câmara Coutinho no governo-geral 
do Brasil (1691-1693) 
 
 
 
 
 
 
Dissertação apresentada ao Programa de 
Pós-Graduação em História da 
Universidade Federal Fluminense como 
requisito para a obtenção do grau de Mestre 
em História 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ORIENTADORA: PROFª. DRª. MARIA DE FÁTIMA SILVA GOUVÊA 
 
 
 
 
 
Niterói 
2007
MARILIA NOGUEIRA DOS SANTOS 
 
ESCREVENDO CARTAS, GOVERNANDO O IMPÉRIO: 
A correspondência de Antônio Luís Gonçalves da Câmara Coutinho no ultramar português 
(1690-1702) 
 
 
 
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em História da Universidade Federal 
Fluminense como requisito para a obtenção do 
grau de Mestre em História 
 
 
Aprovado em março de 2007 
 
BANCA EXAMINADORA 
 
___________________________________________________________________________ 
Profª. Drª. Maria de Fátima Silva Gouvêa — Orientadora 
Universidade Federal Fluminense 
 
___________________________________________________________________________ 
Profº. Drº. Ronald Raminelli 
Universidade Federal Fluminense 
 
___________________________________________________________________________ 
Profª. Drª. Jacqueline Hermann 
Universidade Federal do Rio de Janeiro 
 
 
 
 
 
 
Niterói 
2007
ficha catalográfica
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Para minha Tia Maria que mesmo 
distante continua cuidando de mim 
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Muitas pessoas me ajudaram e estiveram ao meu lado ao longo desses dois anos me 
incentivando e me acompanhando nessa viagem pelo mundo do Antigo Regime. Sei bem que 
nada do que faça ou diga será suficiente para saldar a enorme dívida de gratidão que tenho 
com essas pessoas, porém não posso deixar de, ao menos, registrar no próprio trabalho o meu 
muito obrigada! 
Começo agradecendo ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade 
Federal Fluminense por ter acreditado no meu trabalho desde o início. Aos seus funcionários 
que, sempre muito gentilmente, se dispuseram a me ajudar em tudo o que precisei. Ao CNPq 
e a CAPES agradeço o financiamento que me foi concedido e que possibilitou que o trabalho 
chegasse a bom termo. 
Sou também muito grata à Cátedra Jaime Cortesão, da Universidade de São Paulo, 
bem como ao Instituto Camões, especialmente a Professora Vera Ferlini, que me concederam 
uma bolsa de estudos por dois meses em Lisboa o que possibilitou a minha visita aos arquivos 
portugueses, logo o enriquecimento do trabalho. 
À Fernanda Bicalho agradeço sua disponibilidade em me ajudar sempre que precisei, 
desde os tempos da graduação. A Pedro Cardim, agradeço a orientação me dada quando do 
meu estágio em Lisboa. 
A Ronaldo Vainfas e Laura de Mello e Souza, agradeço a disponibilidade e a gentileza 
de aceitarem participar da banca de qualificação, e, obviamente, o privilégio de poder contar 
com suas críticas e sugestões. 
Deixando um pouco o meio acadêmico de lado, mas nem tanto, agradeço a Mônica 
Ribeiro, amiga que conquistei na academia, cuja amizade já ultrapassou os muros da mesma. 
Agradeço também a Raphael Sena, amigo de uma vida inteira, que apesar das minhas 
ausências impostas pela confecção do trabalho esteve sempre por perto, me apoiando e me 
ajudando sempre. 
 A Luigi Gouvêa Tedesco agradeço a alegria e a música, mas principalmente a 
companhia e torcida, fundamentais para relaxar a tensão que às vezes insiste em querer tomar 
conta. 
Ao meu irmão, Guilherme, agradeço o incentivo mas, principalmente, a ajuda com a 
parte tecnológica da dissertação, isto é, digitalização de documentos. 
A minha irmã, Magali, agradeço a amizade incondicional, que me deu segurança para 
voar em outros ares, o que muito enriqueceu o trabalho. 
Não tenho palavras para agradecer a minha tia Maria que, infelizmente, não pôde ver o 
trabalho pronto. Durante toda a minha vida foi ela uma referência fundamental. Seu amor e 
zelo incondicionais foram essenciais para eu ter conseguido percorrer este longo caminho. 
Sua companhia foi fundamental no momento em que este trabalho não era senão um esboço 
de projeto de Mestrado. É com muito amor que lhe dedico este trabalho, tia Maria. 
Aos meus pais devo tudo. Devo a minha vida, minha educação. A minha mãe 
Marilene, certeza de abrigo, de amor, de compreensão, não tenho palavras para agradecer a 
enorme força e incentivo para que eu chegasse ao fim. A meu pai Walace, sempre muito 
zeloso da minha educação, agradeço o enorme prazer de tê-lo mais próximo nesse momento 
tão importante. 
À Fátima, orientadora, amiga, parceira de trabalho e de vida, devo o próprio trabalho. 
Nada do que está escrito aqui teria sido possível sem ela. A ela devo o amor e o respeito pelo 
meu ofício. Se esse trabalho tem algum mérito, esse mérito é dela, pois com sua orientação 
sempre muito cuidadosa e paciente me mostrou sempre os melhores caminhos. No entanto, 
como ela costuma dizer, eu sou “muito mal mandada” e, por isso mesmo, todos os erros e 
falhas que por ventura houver nesse trabalho são de minha inteira responsabilidade. 
 
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Antônio Luís Gonçalves da Câmara Coutinho esteve à frente do governo-geral do 
Estado do Brasil entre 1690 e 1694. Neste período, escreveu muitas cartas ao rei, mas não só 
para ele. Correspondeu-se ele também com os ministros de “Sua Majestade”. À primeira 
vista, o leitor mais desatento, poderá dizer que se trata de códices iguais, um, cópia do outro, 
prática usual naquela época. No entanto, após uma leitura mais cuidadosa, poder-se-á 
perceber as diferenças, sutis, às vezes, existentes entre eles. Isto posto, é este o principal 
objetivo do presente trabalho. Isto é, partindo-se deste dois conjuntos de correspondência 
escritos a longo do mesmo período, procurar-se-á não só entender as diferenças existentes 
entre os dois conjuntos de cartas, como também o seu papel no interior deste “império de 
papel”. Ou seja, entender de que forma tais cartas interferiam de forma direta ou indireta na 
governação portuguesa na América, na virada do século XVII para o XVIII. 
 
Palavras-chaves 
correspondência/ império português/ governadores-gerais 
 
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I.I – OS REGIMENTOS DO PERÍODO FILIPINO E A INTRODUÇÃO DO MODO DE GOVERNAR 
POR ESCRITO NA AMÉRICA PORTUGUESA ____________________________________ 35 
I.II – O REGIMENTO DE 1677: A REAFIRMAÇÃO DO GOVERNO PELA ESCRITA_________ 54 
I.III – REGIMENTOS E CARTAS: O DIA-A-DIA DA GOVERNAÇÃO ___________________ 61 
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II.I – OS GOVERNADORES-GERAIS E MEDIAÇÃO POLÍTICA _______________________ 74 
II.II – OS SECRETÁRIOS DE GOVERNO _______________________________________ 81 
II.III – OS CORREIOS NA AMÉRICA PORTUGUESA ______________________________ 85 
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CARTAS PARA SUA MAJESTADE VERSUS CARTAS PARA OS MINISTROS DE SUA MAJESTADE 
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COMPARANDO CORRESPONDÊNCIAS: CARTAS GERAIS E CARTAS PARTICULARES
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VI.III – OS LIMITES DA DOMINAÇÃO E DA NEGOCIAÇÃO NA AÇÃO DE CÂMARA COUTINHO
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GOVERNANDO O IMPÉRIO ATRAVÉS DAS CORRESPONDÊNCIAS
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AGS – ARQUIVO GERAL DE SIMANCAS / ESPANHA 
AHU – ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO / PORTUGAL 
ANTT – ARQUIVO NACIONAL DA TORRE DO TOMBO / PORTUGAL 
APEB – ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA 
BA – BIBLIOTECA DA AJUDA / PORTUGAL 
BNRJ – BIBLIOTECA NACIONAL DO RIO DE JANEIRO 
BGUC – BIBLIOTECA GERAL DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA 
IHGB – INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO BRASILEIRO 
 
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Todo trabalho tem uma história. Esse não é diferente e também tem a sua. Em 
2002, em virtude de uma bolsa de iniciação científica, travei pela primeira vez contato 
com importante conjunto documental depositado no IHGB. Tratava-se de cartas de 
personagem secundário do projeto de pesquisa no qual estava inserida. O personagem 
em questão era Antônio Luís Gonçalves da Câmara Coutinho, que, até então, não 
passava de mero primo do famoso D.João de Lencastre. Logo tive meu interesse 
despertado e fui instigada a querer saber cada vez mais a sua história, e cada vez que 
sabia mais, mais ficava instigada. Personagem interessante, vivia sempre à sombra de 
seu primo ilustre. Mas por quê? Por que um homem que governara o Estado do Brasil 
em uma conjuntura tão importante quanto a de 1690-1694, quando então tinham início 
os descobrimentos do salitre e do ouro, não recebia nem os louros, nem a atenção 
devida por parte da historiografia, ainda mais tendo deixado conjuntos de cartas muito 
interessantes e fundamentais para o estudo da década 90 dos seiscentos? Foi então que 
me dei conta de outra importante questão: escolher estudar as cartas de Câmara 
Coutinho implicava em lidar com o conceito de Antigo Regime. 
 
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Surgido no século XIX para definir o regime findado pela Revolução Francesa, 
desde então o conceito de Antigo Regime passou a figurar nos principais trabalhos 
historiográficos que versavam sobre a Época Moderna. Muito em voga atualmente na 
historiografia, tal conceito tem recebido, ao longo do tempo, várias definições que nem 
sempre dão conta da complexidade da época tratada, e que sugerem vários 
questionamentos: Antigo Regime pressupõe uma revolução que decrete seu fim? Se sim, 
 
 
15
teria sido o Antigo Regime uma exclusividade francesa? Qual foi de fato o Antigo 
Regime? Terá sido o Absolutismo? Questionamentos estes que me acompanhavam 
desde o trabalho de conclusão de curso1, cujas respostas nem sempre são encontradas 
nos trabalhos que utilizam o conceito, tornado-os passíveis de críticas. Laura de Mello e 
Souza, em seu mais recente livro, formaliza a primeira crítica ao que a autora 
denominou de “o problema do Antigo Regime” 2 , posto que muitos historiadores 
utilizam o conceito, cada qual a sua maneira, sem, no entanto, esclarecê-la para seu 
leitor. Uns utilizam-no como uma espécie de sinônimo de Absolutismo, ou seja, como 
exemplo maior da centralização teoricamente pressuposta por tal regime. Outros 
utilizam-no para denominar uma série de características identificadas nas sociedades 
européias da Época Moderna e que lhes confeririam a sua especificidade. Outros dirão 
ainda que Antigo Regime trata-se de um termo extremamente teleológico, visto que, 
como dito, surgiu somente depois de já ter se acabado. Dirão que se o historiador 
pretende entender a sociedade como esta se via, não poderá utilizar tal conceito, uma 
vez que, certamente, nos séculos XVI, XVII e XVIII, os indivíduos não se percebiamvivendo no Antigo Regime. Entretanto, acredita-se que, uma vez que previamente seja 
esclarecida para o leitor a maneira como será utilizado tal conceito, não há problema. 
Pelo contrário, ele pode ser muito útil e ajudar bastante no entendimento da Época 
Moderna. 
O presente trabalho, ao se propor tratar, também ele, de tal época, 
inevitavelmente, irá operar com tal conceito. Faz-se, portanto, necessário que se 
esclareça o modo como este será utilizado, ou seja, o que será aqui entendido por Antigo 
Regime. 
Ao se voltar à atenção para as sociedades constituídas nos séculos XVI, XVII, 
XVIII, na Europa, principalmente, mas não só, pode-se perceber uma série de traços 
comuns que faz com que se possa caracterizar todas elas como sendo sociedades típicas 
de Antigo Regime. Extremamente hierarquizadas, tais sociedades se entendiam a partir 
de uma lógica toda específica. Eram regidas pelo que António Manuel Hespanha 
 
1 SANTOS, Marilia Nogueira dos. Deste seu servidor leal e dedicado: a correspondência de Antônio Luís 
Gonçalves da Câmara Coutinho no governo-geral do Estado do Brasil (1690-1694). Niterói: 
Universidade Federal Fluminense, 2004.Trabalho de Conclusão de Curso 
2 SOUZA, Laura de Mello e. O sol e a sombra. Política e administração na América Portuguesa do 
século XVIII. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. p. 58-76 
 
 
16
denominou de paradigma corporativista3, para o caso português, ou, segundo Ernst 
Kantorowicz – que ao analisar a sociedade inglesa da era elisabethana, volta seus olhos 
para Idade Média e para a religião – representavam o corpus mistycum4. Este talvez seja 
o mais importante de todos os traços em comum existentes entre estas sociedades, visto 
que diz respeito à maneira como tais sociedades se concebiam, e determina também os 
outros. Como por exemplo, a existência de uma sociedade de corte onde o rei assume 
uma posição central, sem que, no entanto, concentre em suas mãos todo o poder. Corte 
esta, regida pelo que Norbert Elias chamou de lógica da etiqueta e do prestígio, e que 
vivia sob um equilíbrio instável, visto que: 
“o príncipe não queria ceder seu lugar ao 
duque, que não queria ceder o seu ao marquês, 
e todos eles juntos, constituindo a noblesse, não 
queriam e nem podiam ceder seu lugar àqueles 
que não eram nobres e tinham que pagar 
impostos. Uma atitude alimentava a outra; 
assim, graças ao fenômeno da pressão e 
contrapressão, a engrenagem se equilibrava, 
estabilizando-se em uma espécie de equilíbrio 
 
3 Segundo tal concepção, a sociedade é vista como um todo, onde as partes têm funções específicas e 
dependem umas das outras. Neste caso, surge a impossibilidade de um “poder político simples, puro e 
não partilhado”. O rei é tido, portanto, como a “cabeça”, ou seja, a parte do corpo responsável pela 
articulação do todo, visando a manutenção do equilíbrio entre as partes. Como na sociedade de corte de 
Elias, o rei é um árbitro responsável pela justiça. Tal concepção, porém, pressupõe uma ordem 
preestabelecida, com leis naturais, segundo as quais os homens são desiguais por natureza, e que o 
soberano não deve subverter. Logo, pressupõe a existência de um pacto entre soberano e sociedade, 
capaz de viabilizar e legitimar a soberania daquele. Cristaliza-se um direito privado. No caso português 
que por ora é privilegiado pelo presente trabalho, a concepção corporativista sobreviveu por muito 
tempo. Logo, durante um longo período Portugal teve seu rei sujeito às premissas do corporativismo, 
quais sejam: o respeito ao direito privado; a soberania advinda do pacto, que não obstante não ter sido 
fruto da vontade dos súditos, mas sim de uma ordem natural, delegava àqueles o direito de denúncia do 
soberano e, conseqüente perda do poder, caso este não cumprisse com seus deveres reais. Ou seja, caso 
fosse tirano. Neste caso, têm importante papel as cortes, que surgem como espaço de negociação. 
Seguindo a concepção corporativista, percebe-se o quão limitado era o poder real. Tem-se neste caso, a 
prevalência do primado da ética, utilidade e conveniência, ou seja, o rei existe para servir ao reino. 
Ainda dentro da perspectiva corporativista, a sociedade portuguesa era marcada por um alto grau de 
hierarquização, e pela já mencionada desigualdade entre os homens, vide a divisão em três estados: 
clero, nobreza e povo. Cada qual com seu estatuto jurídico-institucional. HESPANHA, António Manuel 
& XAVIER, Ângela Barreto. “A representação da sociedade e do poder”. In: HESPANHA, António 
Manuel (org).História de Portugal - O Antio Regime, vol 4. Lisboa: Editorial Estampa, 1993. pp.122-
133 
4 Ver KANTOROWICZ, Ernst. Os dois corpos do Rei. Um estudo sobre teologia política medieval. São 
Paulo: Companhia das Letras, 1998. pp. 125-146 
 
 
17
instável. Era na etiqueta que esse estado de 
equilíbrio se expressava aos olhos de todos” 5 
Como pode se perceber a partir da citação acima, ninguém queria ceder o seu 
lugar a ninguém, porém, estavam todos, de alguma maneira interligados, uns dependiam 
dos outros para que pudessem manter seu status. Lembre-se que a sociedade se via 
como um corpo, e como tal, suas partes eram interdependentes. Por mais importância 
que o rei pudesse ter nestas sociedades representando a sua “cabeça” este não se 
sustentava sem os outros nobres, sem os outros “membros” do corpo6. Era, justamente, 
pela distinção, pela diferença, que os agentes daquela sociedade reconheciam a si 
próprios, uma vez que ninguém era igual a ninguém, cada um desenvolvia uma 
trajetória de vida específica. Segundo Elias, um campo de dominação se apresenta 
através de uma “rede de homens e grupos humanos interdependentes, agindo em 
conjunto ou em oposição num sentido bem determinado”. Campo de dominação que nas 
sociedades de Antigo Regime se apresentava através das cortes7. O rei, não obstante 
também ele estar sujeito às pressões, era o único indivíduo nestas sociedades que não 
sofria nenhuma pressão vinda de cima, e assumia com isso uma posição única, pois os 
demais indivíduos, súditos do rei, sujeitos às pressões vindas de todas as direções, e que 
poderiam pressioná-lo, geralmente, voltavam suas forças para outras direções, ou seja, 
contra outros súditos, visando sempre a manutenção da sua posição. Com isso, o rei que, 
se sofresse pressão dos grupos sociais abaixo dele, seria aniquilado, emerge intacto, 
como um árbitro dos conflitos entre tais grupos. Surge como principal mantenedor do 
equilíbrio instável das sociedades de corte8. 
Não bastando estes traços, tem-se ainda o papel preponderante que a religião 
exercia nestas sociedades. Sociedades nas quais a Igreja, em sua forma institucional, 
assumia grande importância. Religião, que, não obstante ser uma esfera diferente da 
política e da economia, com elas se misturava, povoava todo o imaginário dos 
 
5 ELIAS, Norbert. A sociedade de corte. Investigação sobre a sociologia da realeza e da aristocracia de 
corte. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001. p. 105. 
6 Veja o que diz Emmanuel Le Roy Ladurie sobre a relação entre rei e súditos, e que pode, guardada as 
devidas proporções ser alargado para toda a sociedade: “A monarquia, sob sua forma clássica, liga-se 
ao funcionamento de uma Corte, centrada em torno do soberano (...) Doravante ‘os nobres estão 
agrupados em torno do trono como um ornamento e dizem àquele que ali toma lugar o que ele é’”. LE 
ROY LADURIE, Emmanuel. O Estado Monárquico. França, 1460-1610. São Paulo: Companhia das 
Letras, 1994. pp.14-15. 
7 ELIAS, Norbert. Op cit. p. 134. 
8 Idem. p. 134 
 
 
18
indivíduos que nestas sociedades viviam. Pode-se dizer que religião e política, 
principalmente, embora distintos, eram inseparáveis 9 . Outra característica de 
fundamental importância em se tratando de Antigo Regime é a mistura existente entreo 
que se entendia à época por público, ou melhor, geral, e privado, particular. 
São estas, portanto, algumas das características que nortearão o uso do conceito 
de Antigo Regime neste trabalho. Ou seja, partindo-se destes traços, acredita-se que se 
possa melhor entender as sociedades da Época Moderna. Seja em Portugal, na Espanha, 
na França, na Inglaterra, ou até mesmo nos trópicos, na iberoamérica, entende-se que se 
formaram sociedades marcadas por tais traços, o que não quer dizer que tenham sido 
todas iguais. Apesar das semelhanças, existiam também traços únicos, impares, que 
conferiam a estas sociedades especificidades. E se não eram todas iguais, se tinham 
especificidades, para além de identificar o que existia em comum entre estas sociedades, 
deve-se estar atento para as diferenças, para aquilo que fazia com que Portugal não 
fosse igual à França, ou mesmo à Espanha 10 , por exemplo. O traço que tornava 
determinada sociedade única. 
Dito isto, o trabalho que se segue tem a pretensão de melhor entender uma 
determinada sociedade da Época Moderna, qual seja, a sociedade de Antigo Regime que 
se instalou nos trópicos, mas especificamente, na América portuguesa. Para tal, 
privilegiar-se-á, a prática da escrita, notadamente a troca de correspondência, de modo a 
tentar, assim, perceber as especificidades desta sociedade, o que a tornava única, 
diferente das demais. 
Chega-se assim, a outra importante questão suscitada a partir do contato com as 
cartas de Câmara Coutinho: entender a forma como se dava a comunicação entre 
ultramar e reino pode auxiliar bastante a compreensão e também a definição do Antigo 
Regime nos trópicos. Neste sentido, entender a forma como o então governador-geral do 
Brasil se correspondia com o reino pode servir como um bom exercício. 
Em artigo recém-publicado, Pedro Cardim analisa a correspondência de Juan 
Domingo Maserati, diplomata espanhol na corte portuguesa, e chama atenção para a 
 
9 Para as relações entre religião e política ver: BLOCH, Marc. Os reis taumaturgos. São Paulo: 
Companhia das Letras, 1993 & KANTOROWICZ, Ernst. Op cit. 
10 Ver REVEL, Jacques (org). Jogos de escala. A experiência da microanálise. Rio de Janeiro: Fundação 
Getúlio Vargas Editora, 1998. Ver, neste livro, especialmente o artigo de Jacques REVEL – 
“Microanálise e construção social” – e o de Paul-André ROSENTAL – “Construir o ‘macro’ pelo 
‘micro’: Frederik Barth e a ‘microstória’”. pp. 15-38 e 151-172, respectivamente. 
 
 
19
importância da correspondência como espaço onde a política se configurava.11 Distantes 
fisicamente do reino, os diplomatas tinham que se fazer presentes de algum modo, e tal 
qual no ultramar, o principal meio utilizado foi a carta. Ou seja, mantinham-se 
interdependentes de indivíduos no reino à distância. Pode-se então perceber uma 
característica importante do Antigo Regime nos trópicos e que o diferencia daquele 
vivido no reino. No entanto a identificação dessa característica não basta para definir a 
marca maior do Antigo Regime que se instalou na América Portuguesa, e que o 
distinguiu das outras variáveis. Não se pode esquecer que a sociedade de Antigo Regime 
que se instalou nos trópicos foi uma sociedade escravista, e reside aí a marca maior 
desta sociedade. 
 
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Desde muito cedo a escravidão surgiu como uma grande questão da sociedade 
que, gradativamente, ia se instalando na América portuguesa. Muitas teorias cristães 
surgiram de modo a legitimar tal prática12. 
Muitos séculos depois, o Brasil já independente e imperial, a questão ainda se 
fazia presente. Basta que se atente, rapidamente, para a História geral do Brasil de 
Francisco Adolfo de Varnhagen, escrita em 1854. No entanto, o tempo passava e a 
questão continuava a ser tema de reflexão dos intelectuais que se dedicavam a pensar o 
Brasil, agora já uma república. Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado 
Jr, só para citar os três grandes clássicos da historiografia brasileira também se 
debruçaram sobre a questão, cada um ao seu modo. Entretanto, o tempo passou e, não à 
toa, a escravidão ainda é hoje, cinco séculos depois uma das questões mais privilegiadas 
pela historiografia brasileira, o que só corrobora a tese de que a escravidão é a principal 
fundação não só do Antigo Regime nos trópicos, mas também da sociedade brasileira. 
 
11 CARDIM, Pedro. “‘Nem tudo se pode escrever’. Correspondencia diplomática e información ‘política’ 
en Portugal durante el siglo XVII”. In: Cuadernos de História Moderna. Madrid, 2006. 
12 João Antônio Andreoni, o Antonil, em sua Cultura e opulência do Brasil escrita em 1711 diria: “Os 
escravos são os pés e as mãos dos senhores de engenho”. No entanto, não era Antonil o único à sua 
época a chamar a atenção para a importância da escravidão e com ela se preocupar. O também jesuíta 
Antônio Vieira mostrou preocupações com a questão, dedicando alguns de seus sermões para teorizar 
sobre o tema. Dizia o ilustre jesuíta, ainda no século XVII, que a escravidão em que os escravos viviam 
era senão “meio-cativeiro”, uma vez que todo homem era composto por corpo e alma e no caso do 
escravo somente o corpo era cativo, cabendo então aos escravos bem servir ao Deus cristão como forma 
de se libertar do cativeiro. Jorge Benci, por sua vez, também em fins do XVII, dedicou-se à questão do 
governo dos escravos pelos senhores, e na sua Economia cristã dos senhores no governo dos escravos 
conclui que os três principais postulados para adequar o escravo à obediência e ao serviço eram o pão, a 
punição e o trabalho. 
 
 
20
Porém, ao analisar alguns dos principais trabalhos que versam sobre o tema, 
principalmente os produzidos entre 1940 e 1980, é possível constatar que em sua grande 
maioria privilegiam em suas análises os aspectos econômicos da escravidão, sem levar 
em conta outros também importantes como os culturais e os políticos. 
1933: vinha à luz Casa grande & Senzala de Gilberto Freyre. Obra inovadora 
para época, lançava luz sobre a importante questão da escravidão ao valorizar a 
influência negra na sociedade brasileira. Falava do colonizador africano, argumentando 
a favor da suavidade da escravidão brasileira se comparada com a norte-americana. O 
colonizador português, despido de todo o orgulho de raça, visto ser já um povo 
miscigenado, um povo formado sob o prisma da bicontinentalidade – Europa-África – 
encontrou grande facilidade em se relacionar com a população negra, principalmente. 
Vinha à tona o mito da democracia racial brasileira e a valorização da família patriarcal. 
Alguns comentadores da obra de Gilberto Freyre, dentre eles José Carlos Reis, advogam 
ser Freyre um “neovarnhageniano”, e sua principal obra, um “re-elogio” da 
colonização13. Deve-se, porém estar atento para um fator preponderante e que afasta as 
obras de maneira muito nítida. Varnhagen, não obstante o “elogio” da colonização, 
condena a opção pelo latifúndio escravista. Diz tratar-se a escravidão de um “mal 
maior”. Freyre, no entanto, não só apóia a opção portuguesa, como a valoriza, 
principalmente em se tratando da escravidão. Argumenta Freyre que a opção pela 
escravidão negra era a única viável14. 
Freyre está muito mais preocupado com questões culturais, vê a obra portuguesa 
na América pelas lentes de dois espaços importantes: a Casa Grande do grande senhor 
de engenho, e a senzala dos escravos. Tal relação assume então em sua obra uma 
 
13 Simpatizante que era do historicismo alemão, a história de Varnhagen é revestida de um caráter oficial 
e tem como principal fio condutor os feitos administrativos, todos organizados cronologicamente. 
Apresenta-se, por assim dizer, como uma seqüência da história de Portugal, ou até mesmo como um 
elogio da colonização. Entretanto,críticas à parte, não se pode negar a importância da obra de 
Varnhagen, não só para época em que foi escrita, mas como também para a atual historiografia, que 
encontra nela valiosas referências. No entanto, apesar do tom elogioso, ao tratar da escravidão negra, 
conclui o Visconde de Porto Seguro que esta foi um enorme erro, lamentando a não adoção na América 
portuguesa do sistema de doações de terras a agricultores europeus. Segundo o Visconde, tal sistema 
teria atraído mais gente, possibilitando a formação de uma população homogênea. Portanto, não 
obstante o elogio à obra portuguesa na América, Varnhagen condenava a opção pelo latifúndio 
escravista. Não se pode, porém, esquecer que se vivia a época do surgimento das grandes teorias 
raciais, e a constituição da população brasileira tornava-se então uma grande questão. VARNHAGEN, 
Francisco Adolfo de. História geral do Brasil. 5 volumes. São Paulo: Edições Melhoramentos. 9ª 
edição., 1978. Para uma análise da obra de Varnhhagen, ver: GUIMARÃES, Lúcia Maria Paschoal. 
“Francisco Adolfo de Varnhagen – História Geral do Brasil” In: MOTA, Lourenço Dantas (org). 
Introdução ao Brasil. Um banquete no trópico. São Paulo: Editora SENAC, 1999. 
14 FREYRE, Gilberto. Casa-Grande e Senzala. 16ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1973. 
 
 
21
centralidade inconteste. Conclui Freyre que a senzala “colonizou” a Casa Grande. O 
que, na ótica do autor, é digno de elogios. 
Três anos mais tarde, em 1936, a historiografia conhece Raízes do Brasil de 
Sérgio Buarque de Holanda. Grande ensaio sobre a história do Brasil, ao se dedicar à 
análise da colonização portuguesa na América, traz a lume as figuras do trabalhador e 
do aventureiro. Enquanto este valoriza única e tão somente o fim em si, “seu ideal é 
colher o fruto sem plantar a árvore”; aquele, ao contrário, enxerga primeiro a 
dificuldade a vencer. Valoriza o esforço. Segundo Buarque de Holanda, na obra da 
conquista da América, foi o aventureiro quem teve o papel mais importante, vide a 
grandeza do feito, que necessitava muita ousadia e audácia. 
Ao tratar então mais atentamente da expansão agrária e da formação do 
latifúndio, conclui o autor que tais feitos só foram possíveis devido à existência de 
elementos adventícios, mas também devido às necessidades da produção e do mercado. 
Uma vez formado o latifúndio monocultor, cabia agora decidir qual a mão-de-obra a ser 
empregada nele. Argumenta o autor que, num primeiro momento, a opção foi pelo 
trabalho indígena, o que logo teve que ser revisto. O índio servia apenas para atividades 
extrativistas, caça e pesca. Já na grande lavoura não se adaptava, posto que esta 
atividade exigia um grau de sedentariazação que o índio ainda não tinha atingido. Diz 
Buarque de Holanda que certas noções de ordem eram inacessíveis aos silvículas, 
concluindo que o resultado era a incompreensão recíproca. Assim sendo, restava a 
opção pela mão-de-obra escrava africana. Neste sentido, o escravo ganha importância 
econômica fundamental, vide que sem “braço escravo e terras fartas” a grande lavoura 
seria irrealizável15. 
Ao chamar atenção para as várias dimensões das relações entre senhores e 
escravos, que poderiam ser ora de proteção, ora de solidariedade, uma vez que o escravo 
não era um “simples manancial de energia, um carvão humano”, Buarque de Holanda 
desenvolve tese parecida com a de Gilberto Freyre. Também para aquele, o português 
era um povo sem preconceitos raciais, disposto a se “misturar” com negros e índios. E, 
para desenvolver a tese, lança mão de argumento muito semelhante ao de Freyre: o 
português era já um povo mestiço. 
Anos mais tarde, a historiografia conhece a obra de Caio Prado Junior. Não é à 
toa que Formação do Brasil Contemporâneo é considerado um dos três clássicos mais 
 
15 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. 
 
 
22
importantes da historiografia brasileira. Não obstante Freyre e Buarque de Holanda 
desenvolverem brilhantes análises da colonização portuguesa na América em suas 
respectivas obras, nelas, esta é um fato dado. Ou seja, não lhes interessa os motivos que 
fizeram com que os portugueses aqui chegassem. Caio Prado, por sua vez, escreve seu 
livro em 1942, e é esta justamente a sua primeira pergunta: por que vieram os 
portugueses? Isto é, preocupa-se em problematizar a colonização. Sendo assim, atribui à 
colonização portuguesa na América um sentido. Sentido este que indicava única e tão 
somente a produção voltada para o exterior. Para tanto, tal produção estabelecia-se em 
grandes propriedades monocultoras, que demandavam grande quantidade de mão-de-
obra, que era suprida pelos cativos africanos, vide que Portugal não contava com um 
contingente populacional suficiente para abastecer a colônia de mão-de-obra. Africanos 
que compunham uma raça, segundo o autor, “inferior”. Caio Prado, porém, leva em 
conta também, mesmo sem valorizar, a existência de uma agricultura de subsistência, 
inserida nas grandes propriedades, enfatizando sempre que o grande número de cativos 
impedia, contudo, as possibilidades do homem livre exercer ocupações dignas16. 
 Pode-se concluir, portanto, que Caio Prado Jr procura entender o Brasil a partir 
de seus vínculos externos, que caracterizavam uma forte dependência, e atrelava a 
colonização do Brasil aos desenvolvimentos econômicos europeus. 
Na década de setenta, quase entrando na de oitenta, Fernando Novais escreve, 
em 1979, Portugal e Brasil na crise do Antigo Sistema Colonial (1777-1808), livro no 
qual “aprofunda e sofistica” o trabalho desenvolvido anos antes por Caio Prado Jr. 
Deve-se, contudo, deixar claro que, não obstante as muitas semelhanças, as obras 
apresentam diferenças, e reduzir o dito por Novais a mero aprimoramento da obra de 
Caio Prado Júnior é extremamente empobrecedor. Diferentemente de Caio Prado que, 
apesar de enfatizar a dependência externa, percebe a existência e a importância de 
outras economias responsáveis pela subsistência e que se organizavam de forma diversa 
da grande lavoura monocultora escravista, Novais não olha para tais economias com a 
mesma atenção. Por outro lado, enquanto este último atrela o sistema colonial às 
estruturas políticas do Antigo Regime, notadamente a prática mercantilista, o primeiro 
 
16 PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1999. 
 
 
23
não o faz, conectando o sentido da colonização ao desenvolvimento comercial europeu, 
sem, no entanto, lançar luz sobre este desenvolvimento17. 
Entretanto, o ponto que faz da obra de Novais um marco na historiografia é 
justamente a sistematização da teoria de Caio Prado, ao criar o conceito de Antigo 
Sistema Colonial, com o intuito de diferenciar o colonialismo da era moderna daquele 
do século XIX. Segundo então este conceito, a colônia consistia em “retaguarda 
econômica da metrópole”, que via o exclusivo comercial metropolitano (1605), ou seja, 
o monopólio comercial metropolitano sobre o que era produzido na colônia, estabelecia 
com a metrópole portuguesa uma relação bipolar. De um lado a metrópole, o centro de 
decisões, e de outro a colônia, subordinada à primeira Neste sentido, através desse 
mecanismo a expansão colonizadora se ajustava aos processos da economia e da 
sociedade metropolitanas na transição para o capitalismo integral. 
 Partindo desta análise, pode-se perceber uma forte oposição entre metrópole e 
colônia, uma espécie de “mão única”, onde esta existia em função daquela, uma vez que 
na colônia ocorria a produção em larga escala de produtos indispensáveis à economia 
metropolitana. Porém, esta produção, demandava formas de trabalho compulsórias, 
especialmente a escravidão. Especialmente sim, pois o tráfico de africanos, principal 
fonte de abastecimento deste tipo de mão-de-obra, representavaimportante atividade 
econômica, ao gerar, segundo Novais, a acumulação primitiva de capital na metrópole, 
enquanto o aprisionamento de indígenas era um negócio interno da colônia, cujos lucros 
eram mantidos na mesma. Sendo assim, conclui Fernando Novais que foi a alta 
lucratividade do tráfico que gerou a escravidão africana, e não o contrário. 
Além disso, estas grandes propriedades necessitavam de altos investimentos, o 
que impossibilitava a produção em pequenas propriedades autônomas, visando a 
subsistência. Apesar de não ser este o foco de sua análise, o trabalho de Fernando 
Novais viria influenciar os futuros estudos acerca da sociedade brasileira, 
principalmente aqueles que buscavam entender o papel do homem livre e pobre nesta 
sociedade. 
 Podemos concluir, então, a partir da análise desenvolvida por Fernando Novais, 
que este vê o Brasil a partir da lógica da dependência externa, e tem como elemento 
fundamental desta análise os aspectos econômicos, cristalizados no comércio colonial. 
Daí se concluir que o seu trabalho “aprofunda e sofistica” a obra de Caio Prado. Assim 
 
17 NOVAIS, Fernando Antônio. Portugal e Brasil na crise do Antigo Sistema Colonial (1777-1808). São 
Paulo: HUCITEC, 1979. 
 
 
24
como este, Novais insere a colônia nos quadros do capitalismo mundial, que à época 
encontrava-se sob a sua forma de capitalismo comercial. 
 Rompendo com esta lógica externalista, exposta acima, Ciro Cardoso e Jacob 
Gorender desenvolveram trabalhos importantes. 
 Ciro Cardoso, em Agricultura, escravidão e capitalismo, de 1979, buscava dar 
ênfase à dinâmica interna inerente à colônia, para só então relacioná-la com a externa. 
Surge na sua análise a hipótese de existência de uma Brecha Camponesa, que 
representaria a concessão de pequenos lotes de terras por parte dos grandes proprietários 
aos escravos, que ali trabalhariam durante um dia da semana, cultivando para o próprio 
sustento. Segundo o autor, a importância da brecha estaria no fato de que ali, naquele 
pequeno pedaço de terra, o escravo se perceberia enquanto ser humano, enquanto 
camponês. Refutava, portanto, as teorias anteriores que inseriam o Brasil no capitalismo 
comercial, atentando para o fato de que o mundo latino-americano não resultou somente 
da expansão mercantil do mundo moderno18. 
 Jacob Gorender, por sua vez, em O escravismo colonial, de 1978, utiliza-se do 
conceito de modo-de-produção escravista-colonial, procurando produzir leis que 
pudessem reger este modo-de-produção. O autor admite a existência de camadas sociais 
intermediárias no sistema escravista, porém, não se propõe a analisá-las. Segundo 
Gorender, a propriedade de escravos representava a principal atividade econômica, tanto 
à época colonial, quanto à época imperial. Diferentemente de Ciro Cardoso, Jacob 
Gorender contesta a brecha camponesa. Para o autor, esta não passaria de mais uma 
forma de exploração do escravo, uma vez que este seria também responsável pela 
produção para o seu próprio sustento19. 
 Em 1982, porém, José Roberto do Amaral Lapa publica o Antigo Sistema 
colonial. Livro importante, mas que não tem recebido da historiografia a devida 
atenção. No livro em questão, Lapa, que anos antes já havia publicado o importante A 
Bahia e a carreira das Índias, faz um balanço de todo o debate travado na década de 70 
entre Novais, Ciro Cardoso e Gorender, e se posiciona no mesmo. De maneira muito 
elegante, Lapa critica a rigidez da abordagem proposta por Novais, sem, no entanto, 
deixar de reconhecer o seu valor. Corroborando as críticas de Gorender e Cardoso, 
principalmente, Lapa chama atenção para a importância da lógica interna da colônia, ou 
seja, para a existência de um mercado interno colonial. Sendo assim, para além da 
 
18 CARDOSO, Ciro F. S. Agricultura, escravidão e capitalismo. Petrópolis: Vozes, 1979. 
19 GORENDER, Jacob. O escravismo colonial. Rio de Janeiro Ática, 1978. 
 
 
25
importância que assume nas grandes lavouras, os escravos aparecem também como 
importante mão-de-obra nas propriedades de menor porte voltadas para a produção de 
gêneros alimentícios visando suprir o mercado interno. Surgem também como 
importante mercadoria a movimentar não só o mercado interno, mas também o mercado 
intercolonial. E neste ponto, Lapa, que, já em 1966, havia se dedicado ao estudo das 
relações comerciais entre a América portuguesa e a Índia, não isenta nem Ciro Cardoso, 
nem Gorender de crítica, posto que nenhum dos dois, em seus respectivos trabalhos, 
dedicou a este aspecto a atenção devida20. 
 No entanto, não é essa a única crítica que Lapa profere a Gorender. Segundo 
Lapa, Gorender, ao afirmar como característica inerente à economia escravista o alto 
custo de vigilância deveria, ao menos fazer uma relativização. E para tanto, Lapa 
baseia-se na obra de Stuart Schwartz. 
 Historiador americano, Schwartz lança, em 1985 – edição americana – e em 
1988, edição brasileira, Segredos internos. Obra importante, vem para esclarecer alguns 
pontos ainda obscuros da história do Brasil colonial. Assim como Boxer, Schwartz 
dedica uma parte razoável de sua obra para entender o papel do indígena na economia 
açucareira e também como seu orientador, dialoga com a obra de Marchant21 . No 
entanto, Schwartz, não obstante reconhecer o valor da obra do historiador carioca, 
discorda dele em alguns pontos. Segundo o historiador norte-americano, Marchant 
simplifica por demais os motivos das mudanças, uma vez que não leva em consideração 
questões inerentes à própria cultura indígena22. 
 No que tange à escravidão africana, sua obra é também bastante inovadora. A 
despeito da brecha camponesa, advogada por Ciro Cardoso, Schwartz chama atenção 
 
20 LAPA, José Roberto do Amaral. O antigo sistema colonial. São Paulo: Brasiliense, 1982. 
21 Alexander Nelson Armond Marchant, autor carioca de nascimento, mas com trajetória acadêmica 
construída nos Estados Unidos da América do Norte, escreve Do escambo a escravidão. Onde se 
propõe analisar o processo que culminou com a substituição por parte dos portugueses do escambo feito 
com os índios pela escravidão. Segundo o autor, com a instituição das capitanias hereditárias e mais 
tarde do governo-geral na Bahia, o português se sedentarizou, o que provocou uma grande mudança nas 
relações entre este e os índios. Argumenta Marchant que nos primórdios da colonização os portugueses 
muito dependeram das trocas feitas com os ameríndios, principalmente no que tange a obtenção de 
alimentos e ao trabalho em si. No entanto, ao se sedentarizarem, e darem início ao cultivo de gêneros 
alimentícios, mas também ao desenvolvimento das grandes lavouras de cana, os portugueses já não 
mais podiam contar com os índios. Estes, por sua vez, não estavam mais dispostos a trabalhar de forma 
contínua na grande lavoura em troca das bugigangas que os conquistadores ofereciam. Passou-se então 
Do escambo a escravidão. O índio que até então trocava com os portugueses passa agora a ser por eles 
escravizado. Ver: MARCHANT, Alexander. Do escambo à escravidão. São Paulo: Editora Nacional, 
1980. 
22 SCHWARTZ, Stuart. Segredos internos. Engenhos e escravos na sociedade colonial. 1550-1835. São 
Paulo: Companhia das Letras, 1995. 
 
 
26
para a importância da escravidão nas pequenas propriedades, estas compostas por 
plantéis de escravos menores. Mas não só. Mostra também como a maior parte dos 
escravos não se concentrava nas plantações, mas sim no meio urbano. Eram os 
chamados escravos de serviço ou negros de ganho. É, portanto, baseado nesta 
informação que Lapa critica Gorender. Se o grosso da escravaria se encontrava no meio 
urbano, prestando serviços para os senhores, que ao final do dia recolhia o montante 
arrecadado, o custo com a vigilância não era tão grande como supunhaGorender. 
 Não se pode deixar também de destacar a importância da obra de Schwartz no 
que tange à valorização de temas até então relegados a um segundo plano, como é o 
caso da estrutura da família escrava e sua divisão sexual do trabalho, por exemplo. 
 Anos depois, já em 2000, Luiz Felipe de Alencastro publica O trato dos viventes 
e reacende a polêmica envolvendo a obra de Novais. Alencastro refuta a teoria de 
Fernando Novais e propõe uma análise que pense a complementaridade das colônias – 
Brasil e Angola – ao invés de uma lógica concorrencial. Sendo assim, o autor analisa o 
tráfico luso-brasílico de africanos de Angola – área de reprodução escravista – para o 
Brasil – área de produção escravista. Tráfico este, do qual Portugal não participa de 
forma direta, o que relativiza a rigidez do pacto colonial proposto por Novais. Ainda 
mais se se pensar na importância do direito de Asiento– isto é o direito de fornecer 
escravos africanos para a América espanhola – adquirido em 1595. Neste sentido, 
Alencastro vê as bases do pacto colonial assentadas sobre o tráfico negreiro no 
Atlântico sul, sendo seu fim decretado somente em 1850, com a proibição do mesmo, e 
não em 1808, com a vinda da família real, e a conseqüente abertura dos portos, em 
1810, como quis Novais23. 
 No entanto, se por um lado Alencastro rompe com o modelo de análise proposto 
por Novais, por outro muito se assemelha ao mesmo. Assim como Novais, Alencastro, 
influenciado por Caio Prado Jr., mas também por Boxer24, privilegia a face econômica 
do processo, deixando um pouco de lado os aspectos sócio-culturais e os políticos. 
Como visto, portanto, ao longo desse percurso historiográfico salvo algumas 
raras exceções, as principais obras que se dedicaram ao estudo do Brasil em tempos 
coloniais se dedicaram também ao estudo da escravidão. No entanto, o fizeram através 
 
23 ALENCASTRO, Luiz Felipe de. Trato dos viventes. A formação do Brasil no Atlântico sul. São Paulo: 
Cia das Letras, 2000. 
24 BOXER, Charler. Salvador de Sá e a luta pelo Brasil e Angola (1602-1686). São Paulo: Editora 
Nacional, Editora da Universidade de São Paulo, 1973. 
 
 
27
do prisma econômico. No entanto, como já diziam M. Florentino e J.Fragoso, em artigo 
publicado nos Domínios da história, “a história econômica agoniza”25. Agoniza, mas 
ainda não morreu, é bom sempre lembrar. No entanto, para não morrer, os autores 
chamam atenção para a necessidade de que a história econômica dialogue com a história 
cultural, social e política, principalmente. O que em se tratando de história moderna26 e 
mais especificamente do Brasil em tempos coloniais ganha ainda mais força. 
 João Fragoso, ao analisar a formação da primeira elite senhorial do Rio de 
Janeiro, nos séculos XVI e XVII, conclui que para que esta pudesse ter se formado e se 
estabelecido foi fundamental o exercício de cargos públicos, uma vez que estes 
possibilitaram um acúmulo de capital que pôde, mais tarde, financiar o surgimento dos 
engenhos na região. Caracterizando o que autor conceituou de economia do bem 
comum. Prática esta que não pressupunha corrupção, uma vez que estava inserida na 
lógica do Antigo Regime. Ou seja, um bom exemplo de como o político “dava o tom” ao 
econômico. Ou mais ainda, exemplo de como essas esferas eram interdependentes27. 
 Neste sentido, a despeito de toda a importância econômica que, legitimamente, 
sempre se conferiu a escravidão, não se pode deixar, portanto, de analisá-la tendo 
sempre em vista as interdependências entre as esferas sociais. 
 É o que faz Hebe Mattos em artigo publicado n’O Antigo Regime nos Trópicos. 
Partindo de valores típicos de uma cultura política de Antigo Regime, tais como a 
existência de uma sociedade regida pelo que António Manuel Hespanha e Ângela 
Barreto Xavier denominaram paradigma corporativista, bem como a existência de uma 
sociedade de corte no estilo daquela caracterizada por Norbert Elias 28 , e que 
pressupunha uma interdependência entre os agentes, a autora mostra como a escravidão 
se constituiu em elemento fundamental, estrutural da sociedade que então ia se 
configurando nos trópicos. Estrutural não só em termos econômicos, mas também 
sociais. Argumenta a autora que um dos elementos definidores do grau de nobilitação de 
determinados senhores era justamente a quantidade de escravos que este possuía. 
 
25 FRAGOSO, João e FLORENTINO, Manolo. “História econômica”. In: CARDOSO, Ciro Flamarion S. 
& VAINFAS, Ronaldo (orgs.). Domínios da História. Rio de Janeiro: Campus, 1997, pp. 27-43. 
26 CLAVERO, Bartolomé. Antidora – Antropologia católica de la economia moderna. Milano: Giuffré, 
1990. 
27 FRAGOSO, João. “A formação da economia colonial no Rio de Janeiro e de sua primeira elite 
senhorial (séculos XVI e XVII) In: FRAGOSO, João; BICALHO, Maria Fernanda & GOUVÊA, Maria 
de Fátima.(orgs) O Antigo regime nos Trópicos. A dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). 
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. 
28 ELIAS, Norbert. Op cit.. 
 
 
28
Segundo Hebe Mattos, a escravidão era fundada em relações de poder e, naturalizada, 
integrava-se à concepção corporativa de sociedade vigente29. 
 Voltando a obra de Schwartz, a despeito de toda a importância que sua obra dá 
aos aspectos econômicos, não são eles o elemento mais inovador que esta acrescenta ao 
debate acerca de quais características seriam capazes de definir o Brasil colonial como 
uma sociedade de Antigo Regime escravista. Escrevendo alguns anos antes de Hebe 
Mattos, Schwartz ilumina o caminho percorrido por ela, ao utilizar alguns argumentos 
que a historiadora brasileira retomaria no primeiro ano do século XXI. Ou seja, já em 
1985, o historiador norte-americano percebia a importância de se utilizar um arcabouço 
teórico típico de Antigo Regime para se entender as relações sociais na América 
portuguesa.30 
Neste sentido, Schwartz identifica um ethos que seria típico desta sociedade. 
Argumenta o autor, que muito mais que em aspectos econômicos, a caracterização do 
Brasil colonial como uma sociedade escravista está fundada em aspectos jurídicos. Isto 
é, a sociedade do Brasil colonial se reconhece enquanto uma sociedade escravista a 
partir da diferenciação jurídica existente entre o ser escravo e o ser livre. E não na 
distinção econômica existente entre as duas categorias, visto que como se viu, o sistema 
permitia ao escravo certo grau de autonomia – lembre-se da brecha camponesa de Ciro 
Cardoso. Por outro lado, argumenta o autor que existiam também trabalhadores livres 
que sofriam coerções, discriminação e eram pessimamente remunerados 
Deve-se deixar claro que não se quer negar a importância dos aspectos 
econômicos, pelo contrário. Eles foram muito importantes, mas não determinantes. No 
entanto não se pode fechar os olhos para o fato de que tais aspectos não ganham todo o 
sentido sem que sejam conjugados a outros também importantes. Ainda mais em se 
tratando de uma sociedade de Antigo Regime, onde as esferas, sejam elas políticas, 
econômicas, religiosas misturam-se o tempo todo. Como já foi destacado, foi sim a 
escravidão uma das mais importantes fundações da sociedade brasileira, o seu principal 
pilar de sustentação. Mas não só porque era escrava a sua principal mão-de-obra, mas 
sim porque esta muito bem se “encaixou” na arquitetura social então vigente, 
 
29 MATTOS, Hebe. “A escravidão moderna nos quadros do Império Português: o Antigo Regime em 
perspectiva atlântica” In: FRAGOSO, João; BICALHO, Maria Fernanda. & GOUVÊA, Maria de 
Fátima. (orgs). O Antigo Regime nos Trópicos. A dinâmica imperial portuguesa. (séculos XVI-XVIII). 
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. 
30 SCHWARTZ, Stuart. Op cit. 
 
 
29
conferindo a ela um sentido, um ethos social. Dando ares deAntigo Regime a sociedade 
que se instalou nos trópicos. 
*** 
 
O trabalho que se segue, privilegiará, portanto, dois conjuntos de 
correspondência produzidos por Antônio Luís Gonçalves da Câmara Coutinho, 
governador-geral do Estado do Brasil, no século XVII, de modo a entender, a partir 
deles, qual o papel destas cartas no interior do império português neste período, mais 
precisamente na década de 1690. Ou seja, de que forma tais correspondências 
interferiram de forma direta ou indireta na governação portuguesa da virada do século 
XVII, para o XVIII. Procurará também, partindo-se destas mesmas correspondências, 
melhor entender o papel dos governadores-gerais na estrutura administrativa imperial 
lusitana e mais especificamente no Antigo Regime nos Trópicos. Sendo assim, será 
dividido em duas partes: a primeira delas, intitulada Caminhos e descaminhos da 
informação no Antigo Regime: cartas e regimentos, composta por três capítulos. O 
primeiro deles, denominado O império na ponta da pena: cartas e regimentos dos 
governadores-gerais do Brasil, busca demonstrar como o modo de governar a América 
portuguesa, pouco a pouco, foi tendo suas bases assentadas sobre a prática da escrita, 
para tal faz uso dos regimentos dados aos governadores-gerais, desde 1548, ano da 
instalação do governo-geral na Bahia. O segundo, por sua vez, explorará a escrita como 
uma forma de dominação régia no ultramar. Já o terceiro, sob o título de O Remetente, 
apresenta ao leitor, através de sua trajetória administrativa, Antônio Luís Gonçalves da 
Câmara Coutinho, governador-geral do Brasil cujas cartas servirão de fonte para este 
trabalho. 
A segunda parte do trabalho, por sua vez, recebe o título de As cartas e a 
governação do império: o caso do Brasil e se divide em quatro capítulos. O primeiro 
deles denomina-se Cartas para Sua Majestade versus cartas para os ministros de Sua 
Majestade, e tem por objetivo apresentar ao leitor os dois conjntos de cartas de Câmara 
Coutinho, em termos dos seus perfis, mas também do seu volume e destinatários. O 
quinto capítulo intitula-se Comparando correspondências: cartas gerais e particulares 
e como título diz, objetiva comparar os dois conjuntos de cartas de Câmara Coutinho de 
modo a demonstrar como este governador fez uso de dois tipos de cartas para governar 
o Estado do Brasil. O terceiro capítulo da segunda parte, ou seja, o sexto do trabalho, 
 
 
30
tem o título de Diálogos de papel: a troca de correspondência entre Câmara Coutinho 
e o reino e destaca o diálogo estabelecido entre os dois lados do atlântico através das 
cartas. Procura demonstrar como as cartas serviram também como instrumento e espaço 
para que a dominação e a negociação pudessem se realizar no âmbito da governação na 
América portuguesa. O último capítulo do trabalho, intitulado Governando o império 
através da correspondência procura demonstrar como algumas medidas tomadas 
posteriormente ao governo de Câmara Coutinho tiveram suas raízes em cartas do 
governador em questão, bem como a forma como essas mesmas cartas ajudaram a tecer 
redes de poder que ligavam as várias partes do império português. 
Apresentadas as principais questões tratadas no trabalho, bem como sua 
estrutura, não resta outra coisa senão passar ao trabalho em si. Vamos então a ele. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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“Senhor. É do Regimento deste Estado dar 
conta a Vossa Magestade por carta. E em 
cumprimento delle me é preciso dizer a Vossa 
Magestade como achei este Governo quando 
cheguei a elle, e do estado em que fica” 1 
Parte da carta geral que foi a Sua Magestade sobre diversos particulares, escrita 
em Salvador por Antônio Luís Gonçalves da Câmara Coutinho, em 25 de Junho de 
1691, a epigrafe que abre esse capítulo faz menção a dois assuntos fundamentais para o 
entendimento da administração ultramarina portuguesa, porém pouco estudados: as 
cartas e os regimentos dos governadores-gerais do Estado do Brasil. Serão esses, 
portanto, os assuntos principais do capítulo que se inicia. Serão então analisados os 
regimentos dados aos governadores-gerais do Brasil, desde 1548, para, posteriormente, 
perceber como carta e regimento foram usados no cotidiano da governação. Nesse 
sentido, eleger-se-á como estudo de caso a correspondência de Câmara Coutinho, de 
modo a, a partir dela, abordar algumas questões fundamentais para o entendimento da 
 
1 Carta geral que foi a Sua Magestade sobre diversos particulares (25/06/1691) In: “Cartas que o Senhor 
Antonio Luiz Gonçalves da Câmara Coutinho Governador da Capitania deste Estado do Brasil escreveu 
a Sua Magestade pela Secretaria de Estado nesta frota de que é Capitão de mar, e Guerra Lourenço 
Nunes, que parte hoje 17 de Julho de 1691” publicado nos Documentos Históricos da Biblioteca 
Nacional volume 33 – Provisões, Patentes, Alvarás, Cartas (1648-1711) Rio de Janeiro: Typ.Arch. de 
Hist. Bras., 1936. pp. 356 
 
 
33
prática de se corresponder, particularmente no âmbito da administração em sociedades 
de Antigo Regime, mais especificamente naquela que se instalou nos trópicos, na 
América portuguesa. 
*** 
Corria o ano de 1677 quando Roque da Costa Barreto partiu rumo a Salvador, 
então capital do Estado do Brasil, para assumir o governo-geral do mesmo. Vinha num 
momento importante, posto que de consolidação da dinastia brigantina no poder. Depois 
de muitas disputas internas, D. Pedro, ainda príncipe regente, podia finalmente olhar 
para fora de sua corte, especialmente, para a América portuguesa. Foi, portanto, nesse 
contexto que Costa Barreto desembarcou na Bahia de posse do regimento do 
governador e capitão-general do Estado do Brasil citado por Câmara Coutinho na carta 
para o rei, epígrafe do capítulo. Regimento esse, que seria o quinto de uma séria iniciada 
em 1548, quando da vinda de Tomé de Sousa, primeiro governador-geral do Brasil. 
Quinto e último. No entanto, para melhor se entender a importância desse período – a 
década de 70 dos seiscentos – logo do regimento trazido por Costa Barreto, deve-se 
voltar ao ano de 1580, quando teve início um período crucial para a monarquia 
portuguesa. 
Com o desaparecimento do rei D.Sebastião na batalha de Alcácer Quibir,2 e a 
posterior morte do Cardeal D.Henrique tio e sucessor do desaparecido rei, a monarquia 
portuguesa se viu “acéfala”, tornando-se campo de várias “batalhas” dinásticas acerca 
de quem assumiria, àquela altura, o trono português. Depois de uma intensa luta 
política, o mais poderoso dentre os três principais “concorrentes” – D.António, prior do 
Crato, e D.Catarina de Bragança – Filipe II de Espanha venceu a batalha e tornou-se 
Filipe I de Portugal, dando início assim a união das duas coroas.3 União essa, que há 
muito vinha sendo planejada, vide a política de casamentos entre as duas coroas posta 
em prática ao longo das últimas décadas do século XV e primeira do XVI.4 
 
2 Sobre o desaparecimento de D.Sebastião ver o livro de Jacqueline Hermann: HERNMANN, Jacqueline. 
No reino do desejado. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. 
3 Sobre as disputas dinásticas envolvendo a coroa portuguesa e suas ideologias, ver: TORGAL, Luís Reis. 
Ideologia Política e Teoria do Estado na Restauração. Coimbra: Biblioteca Geral da Universidade, 
1982. 2 volumes. Ver também: VALADARES, Rafael. Portugal y la Monarquía Hispânica, 1580-
1640. Madrid: Arco/Libros, 2000. VALADARES, Rafael. La rebelión de Portugal. 1640-1680. 
Valladolid: Junta de Castilla y Leon Consejeria de Educación y Cultura,1998. 
4 Em 1453, D.Afonso, então príncipe herdeiro do trono português, casou-se com D. Isabel, princesa deCastela e Aragão. Por uma infeliz queda de cavalo, por ocasião das festas de seu casamento, e que lhe 
tirou a vida, D.Afonso não foi capaz de concretizar a união. Cerca de cinqüenta anos mais tarde, em 
 
 
34
No entanto, como dito, a vitória não se deu sem que acordos políticos fossem 
firmados. Portugal fazia agora parte da “Monarquia Católica” hispânica. Sendo assim, 
em abril de 1581, Filipe II fez uma jornada a Lisboa como forma de reconhecimento da 
importância de Portugal na composição do império espanhol, mas, principalmente, para 
provar a legalidade do seu poder. Nessa ocasião realizou o que Jean-Fréderic Schoub 
chamou de “cortes inaugurais”, em Tomar, onde “os termos de um contrato” foram 
acertados.5 Era o famoso pacto de Tomar. Portugal agora pertencia ao império espanhol, 
mas tinha uma série de prerrogativas acordadas, pactuadas com seu novo soberano e 
que, por isso mesmo, não deveriam ser violadas. 
Segundo Ana Paula Megiani,6 ao fazer sua entrada solene, Filipe II deixou um 
rastro de festa por onde passou, vide o longo percurso feito desde a Espanha até Lisboa, 
a antiga “cabeça do reino”, agora sozinha, quase viúva7 sem a sua corte, que se mudara, 
em grande parte, para Madrid. A união estabelecida em finais dos quinhentos durou 
cerca de 60 anos e introduziu mudanças significativas na estrutura administrativa não só 
da corte portuguesa, mas também da parte ultramarina do seu império. Dentre essas 
mudanças, deve-se destacar principalmente o estabelecimento da escrita como suporte 
da administração. Sendo assim, será essa a principal questão a ser tratada no item que se 
segue. 
 
 
 
 
 
1500, D.Miguel, filho de D.Manuel e que já havia sido jurado herdeiro das coroas ibéricas, faleceu 
ainda menino. Anos mais tarde, foi a vez de D.Carlos, filho de Filipe II e de sua mulher a infanta 
portuguesa D.Maria, ter a oportunidade de unir as duas coroas. No entanto, segundo Joaquim Romero 
de Magalhães, “acabou tristemente, louco, em 1568”, perdendo também ele a oportunidade de pôr em 
prática a união. Ver: MAGALHÃES, Joaquim Romero de. “Filipe II (I de Portugal)” In: ______ (org.) 
História de Portugal. No Alvorecer da modernidade. Vol 3. Lisboa: Editorial Estampa, 1993. pp. 563 
5 SCHAUB, Jean-Frédéric. Portugal na monarquia hispânica (1580-1640). Lisboa: Livros Horizonte, 
2001. pp. 21-23. 
6 MEGIANI, Ana Paula. “A escrita da festa: os panfletos das jornadas filipinas a Lisboa de 1581 e 1619.” 
In: IANCSÓ, István e KANTOR, Íris (orgs). Festa. Cultura & sociabilidade na América Portuguesa. 
São Paulo: HUCITEC; Edusp; Fapesp e Imprensa Oficial, 2001. p. 654 
7 ÁLVAREZ, Fernando Bouza. Portugal no tempo dos Filipes. Política, cultura, representações (1580-
1668). Lisboa: Edições Cosmos, 2000. p. 161 
 
 
35
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“ESCREVER: formar com a penna caracteres, 
que são retratos do pensamento, e falla. Franc. 
Rodrig. Lobo, no seu livro, intitulado Corte na 
Aldeia, pág. 20, diz com mais ampla definição, 
o Escrever não he outra cousa, mais que suprir 
com hum isntrumento, por meyo da arte, & das 
mãos o que com a voz se não pode exprimir, & 
alcançar com os ouvidos, ou por distância de 
lugar, como quem escreve aos auzentes, ou por 
discurso de tempo, como quem escreve para os 
vindouros (...)” 8 
Como se vê, escrever, verbo transitivo direto, cuja primeira aparição na língua 
portuguesa data do século XIII, desde o século XVIII, tem recebido definições. 
Definições essas, que parecem não ter variado muito ao longo dos séculos. Basta apenas 
que se consulte qualquer dicionário de língua portuguesa, seja do século XVIII, como a 
citação acima demonstra, seja um do século XXI. No entanto, o peso dessa prática em 
determinadas sociedades e em determinados períodos variou bastante. Não obstante 
surgida no século XIII, ainda naquele período a oralidade ocupava o lugar da escrita em 
situações em que, três séculos depois, esta se tornou o principal veículo de 
comunicação. 
Entretanto, para se entender estas mudanças faz-se necessário o entendimento do 
que, comumente, a historiografia denomina de formação dos Estados modernos, visto 
que muitas vezes o desenvolvimento da escrita é relacionado ao desenvolvimento do 
próprio Estado. Segundo Roger Chartier, o saber ler e escrever na Época Moderna 
possibilitou novas formas de se relacionar tanto com outras pessoas, quanto com os 
poderes, justamente por ter a difusão da leitura e da escrita servido de base para a 
construção desse Estado moderno. A partir dessa difusão, passava o Estado, entendido 
aqui, e ao longo de todo esse trabalho, como as monarquias corporativas da Europa9, a 
 
8 BLUTEAU, Raphael. Vocabulário Portuguez e Latino. Coimbra: No Colégio das Artes da Companhia 
de Jesus, 1712. p. 225 
9 Sobre a aplicação do conceito de Estado em trabalhos dedicados ao entendimento da Época Moderna, 
veja o que diz a historiadora portuguesa Catarina Madeira Santos, em seu livro sobre o perfil político de 
Goa, capital do Estado da Índia, no século XVI: “Ao falarmos de ‘Estado’ e de ‘Estado Moderno’, mas 
concretamente, é necessário fazer alguns esclarecimentos para nos situarmos quanto ao objectivo com 
que esses conceitos são usados neste texto. Rigorosamente, o conceito de Estado deve remeter-nos para 
um modelo individualista de organização política que só se veio a concretizar a partir do final do 
 
 
36
se apoiar sobre a escrita, para dessa forma promover a justiça e principalmente dirigir a 
sociedade.10 
Nesse sentido, Chartier denominou essa prática de “escrita de Estado”. Isto é, 
nas palavras do autor, “essa escrita dos representantes da autoridade pública ou a eles 
dirigida”. Escrita essa, que ao se desenvolver, colaborou também para o 
desenvolvimento dos Estados, visto ter sido essa a forma mais comum, na Época 
Moderna, desses Estados publicarem suas vontades. Mas nem sempre foi assim. Até a 
escrita afirmar-se com tal, três momentos de ruptura foram fundamentais. Primeiro, a 
passagem da oralidade para a escrita. Depois, a passagem do recurso ao notário para 
uma chancelaria, e por fim, a passagem do manuscrito para o impresso. Deve-se, 
contudo, atentar para a permanência de formas antigas, tais como a oralidade. 11 
Segundo Fernando Bouza Álvarez, mas também Chartier, não obstante o 
desenvolvimento da escrita, ainda assim, durante algum tempo, o grito público 
continuou sendo a principal maneira dos Estados publicarem suas vontades.12 
Isto posto, Filipe II parece ser o melhor exemplo de monarca que fez uso da 
escrita como principal instrumento de governo. Percepção que já à época era 
 
século XVIII e que aparece alicerçado na existência de um poder político único e exclusivo, exercido 
sobre a sociedade civil, onde apenas se jogam interesses e relações privados. A questão é que o 
conceito contemporâneo de Estado foi retroprojetado para épocas anteriores e passou a designar 
simultaneamente realidades políticas, e também sociais, bastante diferentes. Por isso a palavra 
‘Estado’ veio adquirindo um sem fim de sentidos, o que resultou num quase vazio de conteúdo. 
Paralelamente, encontra-se o conceito de ‘Estado Moderno’ bastante vulgarizado na historiografia em 
geral e na própria historiografia do Direito, e que tem aparecido para designar, com mais precisão, a 
organização política de Antigo Regime. Não enjeitaremos aqui o seu uso, como conceito operatório, 
mas é importante salientar que a realidade a que se refere é estruturalmente demarcada daquela que o 
mesmo conceito designa na época contemporânea.Empregaremos o conceito de ‘Estado Moderno’ 
para os séculos XVI-XVII, como sinónimo de monarquia corporativa, caracterizada pelo pluralismo 
jurídico, de que o rei e a administração central constituem apenas um dos pólos, mas cuja composição 
é, sem dúvida, substancialmente diferente da medieval”. SANTOS, Catarina Madeira. “Goa é a chave 
de toda a Índia”. Perfil político da capital do Estado da Índia (1505-1570). Lisboa: CNDP, 1999. 
Seguindo, portanto, o exemplo de Catarina Madeira Santos, será assim que o conceito de “Estado 
Moderno” será utilizado ao longo deste trabalho, ou seja, como sinônimo de monarquia corporativa, 
onde a desigualdade entre os corpos é algo intrínseco, natural. Sobre o Estado no Antigo Regime, além 
do livro de Catarina Madeira acima citado, ver: CARDIM, Pedro. “Centralização Política e Estado na 
recente historiografia sobre o Portugal do Antigo Regime” In: Nação e Defesa. Lisboa, 1998. pp. 129-
158 
10 CHARTIER, Roger. “As práticas da escrita” In: ARIÈS, Philipe & CHARTIER, Roger (orgs). História 
da vida privada. Da Renascença ao Século das Luzes. Vol 3. 6ª reimpressão. São Paulo: Companhia 
das Letras, 1997. p. 119 
11 Ver ÁLVAREZ, Fernando Bouza. Del escribano a la biblioteca. La civilizacíon escrita europea em la 
alta edad moderna (siglos XV-XVII). Madri: Editorial Síntesis, 1997. pp. 10-13. Ver também do mesmo 
autor Corre manuscrito. Uma historia cultural del siglo de oro. 1ª reimpressão. Madri: Marcial Pons, 
2002. p. 15-26 
12 CHARTIER, Roger. “Construção do Estado moderno e formas culturais. Perspectivas e questões” In: 
_____. A História Cultural. Lisboa: Difel, 1990. p. 218 
 
 
37
compartilhada por seus contemporâneos. Rey Papeleiro, a escritofilia de Filipe II 
saltava aos olhos de quem com ele convivia. Não era incomum que fosse retratado 
tendo à mão uma pena. Dessa forma, o monarca habsburgo ia, pouco a pouco, mudando 
a forma de governar seu vasto império. A escrita ia se sobrepondo gradativamente à 
oralidade. 
Três eram as principais formas assumidas pelas consultas no reinado de Filipe II: 
a primeira consistia em procedimento completamente oral, consultando os presidentes 
dos conselhos, à boca, seus membros, para posteriormente, também à boca, fazer 
ciência ao monarca do que então havia sido resolvido. O monarca, também oralmente, 
tornava pública a sua decisão. A segunda, apesar de também oral já apresentava uma 
novidade: a presença do secretário, que nesse caso servia de mediador. Depois de 
reunir-se com o rei e oralmente ser notificado da decisão, ia aos presidentes dos 
conselhos e, também à boca, comunicava-lhes o que o rei havia resolvido. Por fim, a 
terceira forma, consistia em forma completamente escrita. Por escrito os presidentes dos 
conselhos remetiam, via o secretário, o parecer e também por escrito o rei publicava sua 
decisão.13 
Segundo Bouza Álvarez, diferente das audiências que seguiam a tradição oral, as 
escritas permitiam o acúmulo e a fixação da informação necessária para a tomada de 
decisões futuras.14 Nesse sentido, segundo José Luis Rodríguez de Diego, o Arquivo 
Geral de Simancas pode ser entendido tanto como a consumação, quanto como 
instrumento de um modo de governar posto em prática por Filipe II, que passava, 
explicitamente, pelo registro escrito.15 Prática que foi cada vez mais se enraizando. 
Constata-se já no reinado de Filipe IV um acréscimo no número de escritores que gerou 
um razoável crescimento das rendas dos correios.16 
Apesar do explícito apreço de Filipe II pelos papeis, não se pode reduzir essa 
importante mudança no modo de ser da governação da monarquia hispânica a mero 
capricho de seu comandante de se fazer presente em todos os tipos de despacho que 
tivessem lugar na corte madrilena. É preciso ter sempre em conta que essa mudança se 
fez necessária, tendo em vista o tamanho alcançado pelo império, então, sob o poder do 
 
13 ÁLVAREZ, Fernando Bouza. Op cit. 2002, p. 265 
14 Idem, p. 266 
15 Apud ÁLVAREZ, Fernando Bouza. Op cit. 2002, p. 266 
16 ÁLVAREZ, Fernando Bouza. Op cit. 2002, p. 267 
 
 
38
rei habsburgo, e que a partir de 1580, passou a contar também com as conquistas 
ultramarinas portuguesas. 
Dessa forma, não só a parte européia do império habsburgo sentiu as mudanças 
implementadas por Filipe II. A parte ultramarina também. Segundo Maria de Fátima 
Silva Gouvêa, a partir da união dinástica, o que se assistiu na parte sul-atlântica do 
império foi um progressivo e significativo enraizamento de instituições político-
administrativas.17 Vários foram os órgãos criados na América portuguesa, ao longo do 
período filipino, merecendo destaque, porém, o Conselho da Índia, criado em 1604 e 
extinto dez anos depois em 1614. 
Em se tratando do governo-geral instalado em Salvador, em 1548, o período em 
questão foi bastante produtivo. Como mencionado no início deste capítulo, Tomé de 
Sousa desembarcou em Salvador de posse do primeiro regimento das partes do Brasil.18 
Quarenta anos depois, já no reinado de Filipe II, um outro regimento foi elaborado, 
sendo seguido posteriormente por mais dois, um em 1612 e outro em 1624. Com a 
restauração já concluída, D.Pedro entregava novo regimento a Roque da Costa Barreto, 
mas isso é assunto para mais adiante, ainda nesse capítulo. 
Comparar os regimentos produzidos antes e durante e depois da união das coroas 
se mostra bastante relevante para o entendimento da principal questão deste trabalho, 
isto é a escrita de cartas por parte dos governadores-gerais. Francisco Cosentino, em 
tese de doutorado defendida recentemente, apresenta um árduo trabalho de pesquisa 
visando à comparação dos cinco regimentos que ele denominou ordenadores do 
governo-geral do Brasil.19 Sem desmerecer nenhum pouco o bom trabalho desenvolvido 
por Cosentino, importa agora comparar os quatro primeiros regimentos, priorizando a 
análise da introdução de um modo de governar, baseado na escrita, característico do 
período filipino. 
 
17 GOUVÊA, Maria de Fátima Silva. “Poder político e administração ns formação do complexo atlântico 
português” In: FRAGOSO, João; BICALHO, Maria Fernanda; GOUVÊA, Maria de Fátima. (orgs). O 
Antigo Regime nos Trópicos: a dinâmica imperial portuguesa. (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: 
Civilização Brasileira, 2001. p. 289 
18 Em tese sobre os cinco regimentos ordenadores do governo-geral do Brasil, Francisco Cosentino chama 
atenção para o fato de que nos dois primeiros (1548 e 1588) não aparece a palavra Estado para designar 
o domínio português na América, o que segundo o autor denota o estágio inicial do ordenamento 
político. Ver: COSENTINO, Francisco Carlos Cardoso. Governadores Gerais do Estado do Brasil 
(séculos XVI e XVII): ofício, regimentos, governação e trajetórias. Niterói: Universidade Federal 
Fluminense, 2005. Tese de Doutorado. 
19 Idem 
 
 
39
Filho de João de Sousa e Mércia Rodrigues de Faria, após passagens pela África 
e Ásia, Tomé de Sousa era incumbido da importante missão de instituir o governo-geral 
na Bahia.20 Saído de Lisboa em primeiro de fevereiro de 1549, cerca de um mês depois, 
em 28 de março aportou na cidade de Salvador de posse do primeiro regimento para o 
governo-geral do Brasil.21 
Segundo Francisco Cosentino, o regimento trazido por Sousa, escrito em Lisboa 
em 1548, ainda no reinado de D.João III, representava o começo da construção de uma 
administração mais normatizada nas então ainda partes do Brasil. A opção de 
denominar os domínios portugueses na América de partes e não de Estado nos dois 
primeiros regimentos, refletia o processo de construção de uma unidade política, ainda 
em fase inicial.22 
Assim, no regimento dado a Tomé de Sousa, composto por 46 capítulos, o 
assunto que mais merece destaque é a defesa, uma vez que nesse momento uma forma 
de governo estava começando a ser desenhada. E parece ser possível

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