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Cluny - Conde de Tarouca Diplomacia na Época Moderna

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Conde Tarouca 2.pmd 01-08-2006, 10:541
Conde Tarouca 2.pmd 01-08-2006, 10:542
O CONDE DE TAROUCA E A DIPLOMACIA
NA ÉPOCA MODERNA
Conde Tarouca 2.pmd 01-08-2006, 10:543
Conde Tarouca 2.pmd 01-08-2006, 10:544
O CONDE DE TAROUCA E A
DIPLOMACIA NA ÉPOCA MODERNA
ISABEL MARIA ARAÚJO LIMA CLUNY SUMMAVIELLE
Conde Tarouca 2.pmd 01-08-2006, 10:545
Título:
O Conde de Tarouca e a Diplomacia na Época Moderna
Autora:
Isabel Maria Araújo Lima Cluny Summavielle
Revisor:
João Vidigal
Capa:
Estúdios Horizonte
▲
© Livros Horizonte, 2006
ISBN 972-24-
Paginação:
Gráfica 99
Impressão:
Rolo & Filhos II, S.A.
????? 2006
Dep. legal n.º ??????/0?
▼
Reservados todos os direitos de publicação
total ou parcial para a língua portuguesa por
LIVROS HORIZONTE, LDA.
Rua das Chagas, 17-1.º Dt.º – 1200-106 LISBOA
E-mail: livroshorizonte@mail.telepac.pt
Conde Tarouca 2.pmd 01-08-2006, 10:546
PREFÁCIO
É com o maior gosto que prefacio o estudo da Professora Doutora Isabel Cluny
sobre O Conde de Tarouca e a Diplomacia na Época Moderna. Isabel Cluny tor-
nou-se sobejamente conhecida com o seu estudo monográfico intitulado D. Luís
da Cunha e a Ideia de Diplomacia em Portugal. Nesse, como no presente traba-
lho, habituou-nos ao rigor e precisão com que aborda as fontes, bem como à
dimensão social das reconstituições que leva a cabo do que foram momentos
constituintes, verdadeiras charneiras da aquisição de foros de cidade da Diplo-
macia em Portugal. Num par de livros delineou retratos exemplares.
Num como noutro destes dois casos, o que Isabel Cluny escreveu foi feito no
quadro aberto de uma História das Ideias. No seu estudo inicial de fôlego, resol-
veu imagens conceptuais em pormenor, na busca de uma textura interna, por
assim dizer, para o que viria a ser entendido em Portugal como “Diplomacia”,
depois da Restauração em 1640 e da Paz de Wetstphalia de 1648. No caso ora
apresentado, complementou essa abordagem com um olhar atento posto nas
práticas – sobretudo os três nexos que denota como a “informação”, a “negocia-
ção” e a “representação” – que identificou como constitutivos da Diplomacia. No
que redunda numa progressão intelectual sistemática, a autora complementa,
de algum modo, o seu primeiro labor de pesquisa com o seu segundo. Os dois
livros integram um par ordenado.
Durante muitos anos um género literário de eleição, em muitos meios inte-
lectuais as biografias entraram em declínio com a morte anunciada do sujeito
em que, no último decénio e meio do século XX, se comprazeram os auto-deno-
minados “pós-modernistas”. Num ambiente hostil, o método biográfico caiu em
relativo desuso. Nascera uma nova forma, insidiosa porque muitas vezes implí-
cita e tácita, de censura política. Vieram-se-lhes substituir ora teorizações eiva-
das de preocupações de ordem sistémica constrangente e de uma voracidade
conceptual omnívora, ora antes processos de desconstrução obsessiva de pensa-
dores mais apostados em recortar limites à pensabilidade das coisas do que na
sua reconstrução conceptual como isso mesmo, coisas.
Nos últimos anos, para muitos felizmente, a figura “biografia” voltou.
Refloresceu. Nalguns casos, o regresso soletrou um re-despertar cauteloso de um
estilo “personalista” de leitura da História, de matriz liberal ou mais metafísica,
face ao apagamento progressivo de um modismo passageiro que se lhes contra-
punha com zelo proselitista. A maioria das vezes, no entanto, o formato biográ-
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8 Isabel Maria de Lima Cluny Summavielle
fico emergiu sob novas guisas, atido antes a um ambiente intelectual que
revaloriza os contextos, atribui importância às ressonâncias conjunturais; uma
formatação que vê, nas narrativas de “histórias de vida”, um bom meio para
ilustrar percursos nos termos de um método que, em simultâneo, atende às es-
truturas, ressuscita os sujeitos (sejam eles “indivíduos” ou “pessoas”), e nos per-
mite finalmente teorizar, conceptualizando-a, a relação densa e complexa
existente entre umas e os outros.
Vale decerto a pena que, neste Prefácio, me detenha um pouco num ponto
que me parece crucial. Permitam-me que regresse um pouco atrás e faça uma
espécie de replay em mais alta resolução da ratio das opções teórico-metodológicas
da nossa autora. No segundo como no primeiro dos exemplos que decidiu tratar,
esmiuçando-os, Isabel Cluny identificou percursos, torneou escolhos, definindo
com cuidado os seus objectos. Objectos esses constituídos nos termos do
enquadramento teórico-metodológico que preferiu: passando por detrás da clás-
sica História Diplomática a que durante anos a fio se limitaram os investigado-
res, presos a pouco mais do que análises fechadas no interior hermenêutico de
formas e fórmulas puramente oficiais e mal ou nada contextualizadas; ou, em
análises com uma aplicada contenção restringidas a monografias narrativas pouco
selectivas e insuficientemente teorizadas quanto aos critérios de selecção e de
conexão de dados utilizados relativamente à vida de figuras de proa das práticas
diplomáticas sobre as quais diziam debruçar-se. A reacção, como poderia ser de
esperar, veio ligada a insistências compreensíveis quanto à centralidade de “for-
ças” e “pressões sistémicas”. Chegou em interpretações que faziam questão de
lançar a rede analítica num arco amplo, que abarcasse os múltiplos contextos e
enquadramentos das fórmulas e formas oficiais, dos económicos, aos sócio-polí-
ticos, aos culturais, aos demográficos e por aí adiante, até incluir os “todos
sistémicos estruturais” de que formariam parte integrante. Distinguiu-se, nos
termos da reacção suscitada, estrutura de conjuntura, curta e longa duração,
sistema e “agência”, o âmbito do social e o do individual. Era a chamada História
das Relações Internacionais aquilo que emergia em contraponto à História antiga.
Torna-se agora mais fácil, creio eu, perceber o alcance do gesto da nossa auto-
ra. Na esteira de vários especialistas recentes, Isabel Cluny deu um passo em
frente em relação a um velho e tenso mal-estar. Fá-lo, propondo-nos – e empre-
endendo-a – uma História da Diplomacia, que com cuidado e segurança se opõe
a um como ao outro dos modelos anteriores. E, de acordo com o projecto estraté-
gico para esse magno empreendimento historiográfico que a autora avança como
seu na Introdução que redigiu para o estudo ora apresentado, I. Cluny fê-lo ul-
trapassando com vigor e deliberação as limitações patentes de que qualquer das
modelizações anteriores padecia. Ao constituir a Diplomacia como objecto com
contornos próprios (sem embargo, suponho, do reconhecimento de que esta terá
sempre uma geometria altamente variável) Cluny, em gestos simultâneos, lo-
grou reintroduzir personagens no processo histórico sem perder de vista as ca-
racterísticas estruturais do sistema em que estão embutidos e sobre o qual agem,
e conseguiu tomar a sério as regularidades sistémicas sem por isso ignorar, ou
Conde Tarouca 2.pmd 01-08-2006, 10:548
9O Conde de Tarouca
excessivamente subalternizar, o papel dos agentes individuais específicos que
nelas navegam contra e a favor das correntes.
Para a reabilitação das biografias que aponta como programa de investigação,
Isabel Cluny não se escusou a um esforço de larga escala, escolhendo como
personagem central da teia articulada como narrativa biográfica, D. João Gomes
da Silva, o 4º Conde de Tarouca, o primeiro diplomata moderno de uma linha-
gem familiar que desde há várias gerações serviam, no exterior e seguindo práti-
cas tradicionais do Ancien Régime, os sucessivos Reis no trono em Portugal. Na
análise que leva a cabo, I. Cluny contrastou dois grandes períodos, um que ape-
lida de “negociação”, e que vai da Restauração à Guerra da Sucessão em Espanha,
e outro que se lhe segue, a que chama de “representação”. Trata-se de duas fases,
a autora mostra-no-lo, que em grande parte se sobrepõem, mas em que as dife-
renças cruciais de acento tónico fazem toda a diferença. Não vale seguramente a
pena entrar aqui em pormenores relativamente a um contraste,no essencial de
tónica funcional, que a dissertação apresentada detalha em abundância; chega-
rá para o sublinhar dar realce aos factos centrais de uma alteração, ou reorientação
estratégica de tácticas, que reflectia num sentido forte o lugar estrutural (se se
quiser o posicionamento” do Estado português) num sistema internacional tam-
bém ele em mudança. Mais do que uma transformação – e ainda que alguma ia
de facto ocorrendo – o que se deu foi uma sequência de ajustamentos levados a
cabo de modo a tentar assegurar que a Coroa mantinha uma posição tanto quan-
to possível incólume num Mundo “moderno” em reconfiguração relacional ace-
lerada.
Como Isabel Cluny nos demonstra com este caso paradigmático, o alcance
desta reacção ao mecanicismo formalista não deve ser subestimado. Há motivos
fortes para o tomar a sério. A reabilitação das biografias num formato renovado,
faz bastante mais do que recapitular práticas historiográficas passadas, que bem
ou mal tinham caído em desuso pela via ínvia da incorrecção política imposto
pelas modelizações apegadas ao paradigma genérico e positivista (chame-se-lhe
isso) “História das Relações Internacionais”, propugnado essencialmente pela
escola das Annales e por figuras suas eminentes como Pierre Renouvin. Ao mu-
dar de patamar, é efectuada uma autêntica transformação de fundo. Trata-se de
uma reabilitação, por abandono das cartilhas quantitativistas e “seriais” típica
dos anos 50 a 80 de um século XX de influência francesa, que reconfigura o
método antigo da História Diplomática “clássica”, retomando a preferência por
narrativas, concebidas agora já não como veículos normativos edificantes, mas
mais enquanto condutas de leituras atentas, ao mesmo tempo, ao desenrolar das
acções e actividades das personagens nas sequências de acontecimentos, e ao
peso dos eventos na delineação dos contornos das personalidades que neles
contracenavam.
É fácil localizar pelo menos um dos lugares exactos desta mudança de fundo
no espaço maior das problematizações epistemológicas de mais longa duração.
Na História como nas outras Ciências Sociais vivia-se desde finais de oitocentos
na ambivalência ontológica de raiz Durkheimiana (para lhe atribuir um Founding
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10 Isabel Maria de Lima Cluny Summavielle
Father) que contrapunha com ardor, truculência, e enormes riscos para todos
evidentes – mas que, em boa verdade, ninguém sabia resolver – o colectivo ao
individual, a sociedade ao indivíduo, a estrutura ao acontecimento, ou uma so-
ciedade concebida, em termos orgânicos como uma entidade integrada, e um
agregado inventado, em termos estatísticos, como uma operação calculável. Nos
escritos de Émile Durkheim a oposição tornou-se patente no contraste entre uma
leitura das “structures sociales” do Suicide, de natureza no essencial estatística,
e aquela, de feição ideal (ancorada na “conscience collective”), da Division du
Travail Social e das Formes Élémentaires. Com o tempo, foi-se tornando evidente
que era um contraste que viera para ficar.
Aí radicam as maiores dificuldades: no doseamento (no sentido do peso rela-
tivo) a atribuir aos ingredientes com que se conta nas nossas reconstruções raci-
onais, tentando nunca reificar qualquer um deles, dois pólos que com nitidez se
entre-constituem. Havia que tentar religá-los. Tentá-lo contra o pano de fundo
da actuação de uma personagem tão texturada como o 4º Conde de Tarouca,
representante das Casas Vilar Maior e Alegrete e, por casamento, Tarouca, num
sistema pós-Westphalia e pós-Restauração, seguindo-lhe nas passadas que lhe
foram delineando um perfil, num vai-vem incessante que o levou a Londres,
Haia e Utreque, Viena e Cambrai, foi um acto de coragem de Isabel Cluny. Con-
seguir alinhavar uma narrativa continuada a partir de uma documentação
arquivística gigantesca foi embrenhar-se numa empreitada.
Num como noutro caso, saiu-se bem, levando a bom porto o seu programa de
investigação e renovação. Ao gosto que tenho em redigir este Prefácio, acrescen-
ta-se, assim, o prazer irreverente de poder participar num gesto firme e seguro
de inovação modernizante, ainda que aqui o faça apenas de forma indirecta e
avulsa,.
Armando Marques Guedes
Presidente do Instituto Diplomático
Professor da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa
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INTRODUÇÃO
A escolha de uma biografia como tema de investigação em História das Ideias
levanta, por vezes, algumas hesitações no espírito de quem se propõe realizá-la.
Se em termos internacionais a biografia tem desde há muitos anos os seus culto-
res, em Portugal, por razões várias, a produção memorialista e biográfica tem
sido sempre escassa e pouco influente. À inexistência de uma tradição enraizada
e consolidada na historiografia portuguesa somou-se também, a partir de certa
altura, uma certa desconfiança causada pelo método narrativo a que a biografia
frequentemente recorria. Contudo, esta tendência alterou-se. Os estudos biográ-
ficos começaram a emergir, sendo a sua pertinência objecto de uma reflexão que
não compete avaliar no âmbito desta introdução1.
Hoje, reabilitada e renovada, a biografia histórica apresenta-se no panorama
historiográfico nacional com uma força insuspeita, porque estabelece a ligação
entre o passado e o presente, entre o indivíduo e a sociedade, entre o singular e
o plural, contribuindo para a construção da identidade, através da salvaguarda
desse património comum, que são as memórias individuais. Foi essa vocação, a
um tempo colectiva e individual, que nos atraiu.
Escolhemos para tema central deste livro, João Gomes da Silva, 4.º conde de
Tarouca, precisamente porque a sua trajectória individual, ao não se isolar dos
homens do seu tempo e do seu grupo, permitiu compreender os fenómenos colec-
tivos que se constituíram como centro dos nossos interesses recentes. Referimo-
-nos à observação da História da Diplomacia em Portugal na época Moderna.
Algumas reflexões em torno dos conceitos.
A opção pelo estudo da Diplomacia obrigou a uma reflexão sobre o que se
entendia por História da Diplomacia e em que medida se podia distingui-la de
História Diplomática, bem como da História das Relações Internacionais. A ques-
tão em si mesma podia ser discutida à luz das tendências historiográficas do
século passado e, embora a intenção não fosse essa, considerou- se que por ra-
zões de rigor científico não se devia ignorar a clarificação dos conceitos.
Até ao início do século XX, a História Diplomática foi um dos campos
historiográficos ancilar da História Política e Social2. Na altura, submersos numa
vastidão de fontes, os historiadores que se debruçaram sobre o estudo das rela-
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12 Isabel Maria de Lima Cluny Summavielle
ções entre Estados encontraram nos Tratados realizados, na documentação das
Chancelarias e na das Secretarias de Estado, pesquisar um conjunto de fontes
cuja acessibilidade e profusão lhes permitiu realizar estudos detalhados – base-
ados no acontecimento, no individual e na cronologia – que, de certa forma, lhes
devolveram a ilusão de estarem perante uma narrativa racional e explicativa das
orientações políticas adoptadas por cada Estado, em matéria de política externa.
Evidentemente, ao darem destaque aos documentos oficiais, estes historiadores
ignoraram outro tipo de informações e de conhecimentos que fariam o
contraponto das versões institucionais. A História Diplomática tornou-se assim
um conhecimento baseado em fontes oficiais, destacando os resultados das ne-
gociações e negligenciando a análise de questões de fundo que podiam influen-
ciar a produção de certo documento, numa época determinada.
Entretanto, as profundas mudanças políticas, económicas e sociais decorren-
tes das Guerras Mundiais viriam a concorrer para a renovação do discurso
historiográfico. O campo da história ao alargar-se, e ao reflectir as novas concep-
ções teóricas e metodológicas propostas pelos Annales, arredava-se da história
tradicional, alicerçadano facto político. Fragilizado o modelo historiográfico que
sustentava a História Diplomática, esta acabaria por sofrer uma crise morosa da
qual só recuperaria em meados de 1960.
Nessa altura, investigadores como Pierre Renouvin ou Jean Baptiste Duroselle,
em oposição a essa História, dos tratados e documentos, em discordância com o
seu método, mais do que com o seu objecto de estudo, procuraram renovar esse
campo historiográfico. Renouvin, ao considerar que a História Diplomática estu-
dava as iniciativas e os gestos governamentais e, na medida do possível, as in-
tenções do poder, observou ser esse estudo insuficiente para explicar a realidade,
na medida em que a acção diplomática lhe surgia como influenciada por forças
profundas, condicionantes estruturais das relações internacionais.
O historiador destacou ainda a importância das condições geográficas, dos
interesses económicos, das mentalidades colectivas e das correntes sentimen-
tais. Em paralelo, salientou o papel que, em certas ocasiões, tinham alguns ho-
mens de Estado, quer pela sua personalidade, quer pelas suas ideias3.
A História das Relações Internacionais emergiu então como um novo método
para abordar ?????? das relações entre comunidades políticas organizadas no
quadro de um território, ou seja, entre Estados. Por seu turno, a expressão rela-
ções internacionais, até então apenas utilizada por juristas e políticos, que parti-
cipavam na definição do próprio sistema internacional, passou a ser empregue
pelos historiadores e analistas que se dedicavam à observação desses sistemas,
tendo como objectivo, por um lado, evitar narrativas simplificadoras e neutras e,
por outro, encontrar explicações globais através de analogias, cujas constantes
serviriam como leis da história4. O método resumir-se-ia em passar do estudo do
acontecimento, “facto único e situado no tempo […] a um estado superior, essen-
cial, para colocar os actos e as decisões dos homens de Estado no seio de corren-
tes profundas, verdadeiras matrizes das escolhas que constituem uma política
externa.”5
Conde Tarouca 2.pmd 01-08-2006, 10:5412
13O Conde de Tarouca
Sob a influência do paradigma científico difundido pelos Annales6, a História
Diplomática cedeu, pois, lugar à História das Relações Internacionais. A partir
de então, novas questões se colocaram aos historiadores em geral e aos investi-
gadores de história política em particular.
Hoje parece pacífico afirmar que, ao colocar no centro das preocupações da
investigação histórica as explicações de carácter global sobre os sistemas polí-
ticos internacionais, a História das Relações Internacionais foi-se lentamente
transformando numa narrativa esvaziada de gente e de homens singulares.
O acontecimento cedeu a sua posição face às seriações de ocorrências do mes-
mo tipo e o indivíduo foi substituído pelos grupos sociais, agentes de práticas
colectivas.
A História das Relações Internacionais, aliás, como toda a história política,
caminhou para o rigor científico, que nos transmite uma visão do mundo muito
racional, mas que ignora o imponderável da vida e a importância das pessoas.
Talvez por isso, uma nova geração de historiadores, da qual se destaca o nome
de Lucien Bély, liberta da história quantitativa e serial, não teve dúvidas em
enveredar por uma História da Diplomacia entendida como o estudo do diálogo
entre os Estados, mas também das técnicas, dos métodos e das ideias que lhe
estiveram associados. Paralelamente, a História da Diplomacia voltou a dar um
papel de revelo à observação dos principais agentes das negociações, quer
fossem soberanos, quer fossem embaixadores, ministros, ou mesmo simples
informadores. A História da Diplomacia deixou de valorizar apenas os resulta-
dos de uma negociação para, recorrendo a outras fontes não oficiais, destacar a
importância dos meios utilizados durante as negociações. Também, ao evidenci-
ar o secretismo das negociações, contribuiu para clarificar a natureza de alguns
dos recursos disponíveis e como foram utilizados pelos diversos intervenientes,
Por fim, ao reconhecer que qualquer negociação podia resultar não apenas de
um plano previamente elaborado, mas ser fruto de circunstâncias fortuitas, a
História da Diplomacia projectou de novo o acontecimento e o individual para
um lugar de relevo, assumindo-se como um compromisso entre a antiga História
Diplomática e a mais recente História das Relações Internacionais.
Uma vez clarificados os conceitos utilizados, passamos a precisar o tempo e
o espaço sobre os quais incide o nosso livro.
Da investigação sobre o corpo diplomático à biografia do 4.º Conde de
Tarouca.
Escolheu-se como ponto de partida, em termos europeus, o Congresso de
Vestefália (1648), uma vez que se considerou ser um momento de viragem na
diplomacia continental. Com efeito, a partir de então ocorreram modificações
profundas na diplomacia do Estado Moderno, cujos efeitos se reflectiram, fun-
damentalmente, nas técnicas de informação, de negociação e de representação,
que eram a essência do “métier” do diplomata.
Conde Tarouca 2.pmd 01-08-2006, 10:5413
14 Isabel Maria de Lima Cluny Summavielle
Na nossa obra, sobre D. Luís da Cunha e a ideia da diplomacia em Portugal,
Lisboa, Livros Horizonte, 1999, verificámos que a história da diplomacia se pres-
tava a diversas abordagens, umas mais centradas no conjunto de ideias sobre
diplomacia divulgadas em Portugal, outras orientadas para a análise da prática
da diplomacia. Na altura optámos por dar atenção à construção da ideia de di-
plomacia em Portugal, deixando para mais tarde a pesquisa sobre a prática da
diplomacia durante o mesmo período.
Assim, quando retomámos o trabalho, a opção estava tomada, uma vez que
era a prática da diplomacia a investigação que nos faltava empreender. Esta pros-
seguiu em duas direcções: em primeiro lugar, a reconstrução da história do “fun-
cionalismo” diplomático, tendo em conta as sucessivas nomeações para as cortes
europeias7. Em relação a este ponto procurámos explicar as iniciativas, os gestos,
as decisões, bem como as intenções que estiveram na origem de determinadas
opções do poder régio em matéria de nomeações para as cortes da Europa, durante
os reinados de D. Pedro II e de D. João V.
Razões de ordem metodológica obrigaram-nos a dividir a pesquisa sobre a
composição do corpo diplomático em Portugal em dois grandes momentos, an-
tes e depois da Guerra da Sucessão de Espanha, e, embora a intenção não fosse
fazer uma história quantitativa ou serial da diplomacia na época moderna, hou-
ve a preocupação de esclarecer os critérios das nomeações para as embaixadas e
quantificá-las.
Esta abordagem permitiu compreender que, no tocante aos critérios de no-
meações de diplomatas para a Europa, a questão fundamental passava pela com-
preensão do tipo de representação que o monarca entendia como mais vantajosa
em determinado momento da vida política do reino. Assim, distinguimos dois
tipos de nomeação, uma de negociação, outra de representação, sendo a ambas
subjacente a ideia de serviço do rei. Do sucesso desta tipificação resultaria o
prosseguimento do trabalho, já que pretendíamos verificar se a critérios distin-
tos de nomeação, por parte do poder central, obedeciam objectivos diferentes.
Terminada a observação sobre os critérios de nomeação do corpo diplomáti-
co, desde meados do século XVII até meados do XVIII, e definidos os tipos de
embaixadores que ao serviço do rei estadeavam nas cortes europeias, impunha-
-se desenvolver a outra vertente da obra, que consistia em aprofundar a história
da prática da diplomacia, desde a redacção dos documentos até aos resultados
finais das negociações.
Ora, como anunciámos, a opção consistiu em centrar a investigação em torno
de uma figura relevante da diplomacia portuguesa, o 4.º conde de Tarouca, cuja
vida percorreu as épocas já mencionadas. Na definição das balizas temporais acei-
támos como ponto de partida a Restauração (1640), data que não só coincidia com
a existência de uma diplomacia portuguesa autónoma, mas tambémcom a conso-
lidação da Casa Vilar Maior a que Tarouca pertencia e, como data limite da inves-
tigação, considerámos o ano de 1738, data da sua morte.
A opção biográfica, pelo estudo da figura do conde de Tarouca, apresentava
como vantagem dar a conhecer umas das correspondências diplomáticas mais
Conde Tarouca 2.pmd 01-08-2006, 10:5414
15O Conde de Tarouca
completas existentes em arquivos portugueses. As fontes, para o livro no seu
conjunto, e uma vez que se tratava de um estudo sobre o 4.º Conde de Tarouca e
a diplomacia na Época Moderna foram, preferencialmente, o Arquivo Tarouca,
depositado na Biblioteca Nacional. Nesse espólio encontrámos reunida uma vasta
documentação que permitiu seguir a par e passo, não só a vida do diplomata,
mas também da sua Casa de nascimento, Vilar Maior/Alegrete, bem como a Casa
Tarouca à qual se associou pelo casamento. As mesmas fontes permitiram ainda
investigar, detalhadamente, toda a prática de diplomacia que envolveu a figura
do embaixador, dos diplomatas seus contemporâneos e do governo do reino.
O volume da correspondência não impediu que a sua leitura fosse feita de
forma tão exaustiva quanto possível8 e a partir dela surgiu a ideia de que este
trabalho de investigação daria prioridade ao espírito da época. Deixar o conde
de Tarouca dialogar connosco, transcrever sempre que possível as suas palavras,
pôr o leitor em contacto com o seu estilo “morango” e a “prosa moscatel,”99 quando
se correspondia com a família e com a sua escrita depurada, simples e concisa,
quando se dirigia ao governo do reino.
Ao longo deste livro, as citações serão constantes, e por vezes extensas, mas
as vantagens que o leitor poderá retirar do contacto directo com a fonte fez-nos
manter essa opção, pese embora a censura de se sobrecarregar o texto com ex-
tractos longos que podiam ser consultados, eventualmente, em anexos. Não foi
essa a nossa decisão. Considerámos haver cartas e documentos muito mais em-
polgantes, ou esclarecedores, quando contextualizados no tempo e que a sua
leitura singular retirar-lhes-ia parte da força e por vezes até sentido10.
Na primeira parte da obra, centrada em torno da origem social do embaixador
e do alvorecer da diplomacia portuguesa após a Restauração, uma das dificulda-
des que tivemos de ultrapassar foi a difícil articulação entre a História Social
– caminho a explorar quando se pretende traçar o perfil de um Embaixador
nascido no seio de uma das Casas mais influentes do Portugal restaurado – e a
História da Diplomacia, que se atém às práticas diplomáticas do Embaixador,
enquanto representante do poder régio, mas também ao diálogo entre Estados,
aos métodos e meios usados para manter esse diálogo. Para superar tal dificulda-
de recorremos a trabalhos recentes sobre elites sociais no Antigo Regime que nos
permitiram apreender a origem social dos embaixadores e nos abriram portas
para investigar as motivações da sua actuação, a formação intelectual que deti-
nham e as remunerações pelas quais se batiam. Destes trabalhos destacamos
como fundamentais os de Nuno G. Monteiro, com especial destaque para a obra
O Crepúsculo dos Grandes11.
Depois de entrecruzar as diversas informações recolhidas na bibliografia sobre
História Social e da Diplomacia, foi nosso propósito dar atenção às mais recentes
obras sobre História Militar12, por considerar que a guerra e paz faziam parte do
mesmo universo da negociação diplomática, principalmente numa época em que
a carreira militar e as funções de embaixador andavam muitas vezes associadas.
Para a segunda parte, que abarca a participação portuguesa no Congresso de
Utreque, uma vez que o conde de Tarouca foi um dos principais protagonistas da
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16 Isabel Maria de Lima Cluny Summavielle
diplomacia portuguesa de representação, utilizámos fundamentalmente docu-
mentação existente no Arquivo Tarouca da Biblioteca Nacional e os arquivos da
Academia das Ciências, embora pontualmente tivéssemos recorrido a arquivos
particulares13 e aos arquivos dos Ministérios dos Negócios Estrangeiros francês e
austríaco.
Paralelamente, consultámos uma vasta bibliografia actualizada e especializa-
da que um pouco por toda a Europa tem vindo a ser produzida nos últimos anos
sobre as questões relacionadas com a diplomacia do final do século XVII e o
congresso de Utreque14. Todas as obras da autoria ou dirigidas por Lucien Bély,
Espions et ambassadeurs au temps de Louis XIV, Fayard, 1990, La société des princes
XVIe-XVIIIe siècles, Fayard, 1999, Guerre et paix dans l’Europe du XVIIe siècle, SE-
DES, 1991, L’invention de la diplomatie, Puf, 1998, L’Europe des traités de
Westphalie, Puf, 2000. Sobre a mesma temática há que considerar: La paix de
Westphalie (1648), une histoire sociale, XVIIe-XVIIIe siècles, Claire Gantet, Berlin,
2001. As Actas da Exposição comemorativa do Congresso de Vestefália 1648, la
paix de Westphalie vers l’Europe moderne, M.A.E, Paris, 1998; catálogo da expo-
sição 1648 War and Peace in Europe, ed. Klaus Bussman and H. Schilling.
P Kintz, Munster e Onasbruck, 1999. G Livet, 350e anniversaire des traités de
Westphalie, une société à reconstruire, Pr. Univ. Strasbourg, 1999.
Por fim, para o último ponto, centrado na actividade diplomática do conde
de Tarouca na Holanda e em Viena de Áustria, recorremos, mais uma vez, às
fontes já mencionadas anteriormente e aos arquivos da Torre do Tombo. A biblio-
grafia sobre a diplomacia portuguesa desta época, relativamente às questões
europeias, revelou-se penosamente escassa, principalmente se a compararmos
com a historiografia europeia recente sobre a matéria. Por outro lado, o relativo
esquecimento a que Portugal foi votado nessas obras dificultou, por vezes, a
compreensão da política externa portuguesa no contexto internacional.
Esclarecida a questão das fontes e a sua utilização ao longo da biografia, com-
petia verificar se o conde de Tarouca, tal como D. Luís da Cunha, se teria ou não
destacado por uma reflexão teórica própria sobre a ideia de diplomacia, ou se a
sua actuação contribuíra para alterações da prática de diplomacia ao nível da
representação do soberano, da organização do trabalho do diplomata e da arte
de negociar. Foi em busca dessa explicação que partimos para a leitura dos docu-
mentos.
A sua vida até 1709 desenrolou-se em Lisboa, apesar da viagem que empre-
endeu na companhia do pai e da passagem pelo exército. Dessa época pouco
ficou registado. Mas desde a sua nomeação para Londres, até compartilhar com
D. Luís da Cunha um dos momentos cimeiros das negociações diplomáticas
europeias do século XVIII, o Congresso da Paz de Utreque, ficou-nos um manan-
cial de documentação que possibilitaria a explicação de toda a prática diplomá-
tica portuguesa num período particularmente rico das relações internacionais.
A elaboração de uma biografia, como ponto de referência para o estudo mais
alargado da diplomacia portuguesa no tempo de D. Pedro II e D. João V implicou,
evidentemente, alguns riscos. O primeiro foi o de confundir a biografia de um
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17O Conde de Tarouca
diplomata com a História da Diplomacia. Para evitar qualquer confusão dedicá-
mos a primeira parte à análise das origens da Casa Alegrete/Tarouca e da compo-
sição do corpo diplomático português na época em questão. Da confluência dos
dois estudos pensámos poder responder a questões, como: qual a importância
da diplomacia de negociação nos primórdios da Restauração e qual a evolução
que sofreu no sentido da diplomacia de representação nas épocas subsequentes?
Qual o papel desempenhado pela Casa Vilar Maior/Alegrete nesta alteração? De-
sejámos, igualmente, esclarecer as razões da participação de Portugal na Guerra
da Sucessão de Espanha e clarificar o papel da diplomacia portuguesa ao longo
do conflito.
Definidos, em termos gerais, os campos que a pesquisa devia percorrer passá-
mos à figura de João Gomes da Silva, 4.º Conde de Tarouca, partindo do estudo
da Casa dos marqueses de Alegrete a que pertencia.A investigação empreendida sobre a origem da Casa Vilar Maior/Alegrete
apresentou vários obstáculos, dos quais se destaca a impossibilidade do estabe-
lecimento de balizas temporais muito rígidas. Interessava detectar as origens
sociais do Diplomata, bem como os motivos que elevaram a sua família à Gran-
deza. De igual modo pretendíamos verificar se existia tradição de prática diplo-
mática na família e, em última instância, reconhecer como essa prática tinha
contribuído para o acesso à Grandeza. Uma vez realizada a análise sobre as ori-
gens familiares e verificada a existência de tradição de representação diplomáti-
ca no seio da Casa Alegrete/Tarouca16, pareceu-nos útil inserir a questão no
conjunto mais vasto das práticas de representação diplomática das diversas Ca-
sas aristocráticas. Ou seja, tentar fazer comparações, sobre um tempo relativa-
mente longo, de modo a podermos apresentar o perfil do Embaixador do Antigo
Regime e compará-lo com o objecto do nosso estudo, o conde de Tarouca.
Um dos objectivos era pois inserir o percurso individual de João Gomes da
Silva, 4.º conde de Tarouca, no âmbito mais vasto da política portuguesa e no
espaço mais restrito do grupo social a que pertencia, de modo a apreender as
diversas facetas da sua personalidade e integrar a sua figura no contexto de afir-
mação e posterior declínio da Casa Alegrete na corte portuguesa de então. Ou-
tro, era esclarecer as relações existentes entre as Casas dos Grandes e o favor
régio.
Assim, na primeira parte acompanhámos o percurso do jovem Tarouca desde
a sua primeira deslocação ao Palatinado até ao seu envolvimento e participação
militar na Guerra da Sucessão de Espanha. Seguidamente assistimos à sua no-
meação para a corte de Londres, sem carácter, seguida da nomeação como pri-
meiro Plenipotenciário de Portugal ao Congresso de Utreque.
A questão que se nos colocava era explicar por que razão Tarouca partia sem
carácter para Londres, numa missão relativamente “apagada”, apesar de perten-
cer à casa Alegrete, uma das mais influentes da corte. Quais as motivações que o
levaram a aceitar a alteração da 1.ª Instrução que o designava Plenipotenciário
ao Congresso de paz? Estaria ele consciente e preparado para as dificuldades
que iria enfrentar na corte inglesa? Quanto tempo ficaria afastado de Lisboa e
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18 Isabel Maria de Lima Cluny Summavielle
qual a recompensa a que aspirava ao regressar ao reino, uma vez cumprido o
serviço do rei? Para estas e outras questões quisemos encontrar resposta ao lon-
go do livro.
Concluído o primeiro ponto da dissertação prosseguiu-se com a pesquisa so-
bre A Diplomacia Moderna e a participação portuguesa no Congresso da Paz de
Utreque.
Nesta parte, a obra iria incidir sobre três aspectos que julgámos fundamen-
tais: primeiro, conhecer qual a actuação do conde de Tarouca em Haia e depois
no Congresso de Utreque, prestando particular atenção à actividade diplomáti-
ca, sem esquecer as teias de relações públicas e particulares que estabeleceu;
segundo, entender os acontecimentos internacionais, políticos e militares, ocor-
ridos entre 1710-1713, bem como o desfecho algo inesperado da Guerra da Su-
cessão de Espanha. Por último, verificar a actuação da diplomacia europeia, ao
longo das diversas fases das negociações de paz, relacionando-a sempre que
possível com a evolução dos acontecimentos políticos e militares nos diferentes
teatros onde se desenrolou a Guerra da Sucessão de Espanha.
Esclarecidos os aspectos mencionados ficava a interrogação sobre qual seria
afinal o percurso do conde de Tarouca, enquanto diplomata. Representaria o
percurso normal do diplomata de representação? Qual a razão por que, diferen-
temente dos outros nobres titulares, não regressou ao país depois de cumprida a
missão em Utreque? O que o fez permanecer na Holanda durante vários anos?
Por que não se aproximou do reino e da Casa que deixara e da família que tanto
parecia prezar? Por que não fora remunerado, nem nomeado para o Conselho de
Estado? Como explicar que uma missão aparentemente temporária, e de repre-
sentação, se prolongasse no tempo e se transformasse numa missão de negociação?
Seria sobre essa alteração na vida do conde de Tarouca, mas também sobre as
alterações da diplomacia europeia que, na terceira parte do livro, nos propuse-
mos reflectir.
Explicar o rumo da diplomacia portuguesa, uma vez terminada a Guerra da
Sucessão de Espanha e identificar o papel desempenhado pelo conde de Tarouca
como Embaixador na Holanda e em Viena, constituía umas das prioridades.
O estudo devia atender ao “destino” individual de Tarouca, mas também com-
preender as relações internacionais após o Congresso de Utreque.
Desse modo a parte final deste livro incidiu em três momentos-chave do per-
curso do embaixador. O primeiro esclareceu sobre os anos de permanência na
Holanda e as tentativas de regressar ao país, ou pelo menos de se aproximar do
reino, focando as razões do desentendimento entre o Embaixador e a corte de
Lisboa e investigando os fundamentos do seu afastamento da corte, em aparente
contradição com a sua permanência ao serviço do rei. Num segundo momento,
impôs-se-nos observar, entre 1721-1725, o desempenho do conde de Tarouca
para assegurar a participação de Portugal no Congresso de Cambrai, esforço ali-
ás mal sucedido, como teremos ocasião de explicar.
Por fim, e para terminar, tornou-se-nos necessário compreender as motiva-
ções subjacentes à nomeação para Viena, revelar a actividade diplomática em
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19O Conde de Tarouca
que se envolveu até à data do seu falecimento, em 1738, encontrando finalmen-
te o perfil de diplomata que protagonizou, enquanto instrumento de execução
de determinada política externa. Se alcançámos os objectivos, não nos cabe a
nós ajuizar.
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PRIMEIRA PARTE
A CASA ALEGRETE/
/TAROUCA E A DIPLOMACIA DE REPRESENTAÇÃO
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I
AS ORIGENS DA CASA
O estudo das origens e consolidação da Casa dos Marqueses de Alegrete, à
qual pertencia João Gomes da Silva, insere-se no contexto mais alargado do acesso
à grandeza dos titulares das Casas nobres que se afirmaram em Portugal no período
posterior a 1640.
A complexidade do estudo deve-se em parte à reestruturação nobiliárquica,
bem como à multiplicação de títulos levada a cabo pela Coroa, ao longo do sécu-
lo XVII, como via para redefinir as hierarquias das Casas titulares.
Durante esse período, assistimos à substituição da antiga noção de linhagem
sobre a qual as elites se tinham habituado a pensar, pela noção de Casa que
implicava a ideia de linhagem e dos bens patrimoniais sobre os quais se exercia
jurisdição1.
Assim, a ideia de pertencer a uma Casa aristocrática obrigava todos os mem-
bros no conjunto e os primogénitos em particular a patrocinar acções que con-
duzissem ao seu acrescentamento. Destas acções a mais vulgar era o casamento.
Pelo casamento, por um lado, assegurava-se a aliança entre duas Casas/famílias,
sendo geralmente, até ao século XVII, apenas uma a titulada. Por outro, assegura-
va-se a perpetuação dos respectivos bens, assim como a descendência necessá-
ria para a sua conservação.
Se aos primogénitos era indicada, regra geral, a via matrimonial para conso-
lidar a Casa à qual pertenciam, aos filhos segundos estava reservada uma carrei-
ra eclesiástica, militar ou administrativa que possibilitasse também, através dos
serviços prestados à Coroa, contribuírem para o acrescentamento da Casa onde
nasceram, ou nalguns casos, da Casa onde ingressavam pelo casamento.
A Casa dos Telles da Silva, onde nasceu João Gomes da Silva, 4.o conde de
Tarouca por via matrimonial, consubstanciou todas as vivências das elites corte-
sãs portuguesas dos finais do século XVII, que atrás referimos.
Na verdade, o 4.º Conde de Tarouca, nasceu no seio de uma família tradicio-
nalmente ligadaao serviço da coroa, quer por serviços na corte e na administra-
ção pública, quer por desempenho de variadas embaixadas que lhe granjeou um
enorme prestígio depois da Restauração.
O modo como vamos relatar a história desta família não será certamente
irrelevante. Em primeiro lugar, procuraremos revelar as raízes desta Casa e a
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24 Isabel Maria de Lima Cluny Summavielle
partir delas evidenciaremos como o passado e tradição jogaram a favor da figura
de João Gomes da Silva, objecto do nosso estudo. Porém, não esqueceremos, que
tal como numa árvore não interessa só a raiz, mas também os ramos e a folha-
gem, também na história de uma família são os destinos individuais dos elemen-
tos que a constituem que fazem emergir as figuras que mais se destacam.
Os Silva
1. SENHORES DE UNHÃO
Reconstituir a genealogia dos Telles da Silva, condes de Vilar Maior/Marque-
ses de Alegrete, obrigou-nos a recuar até Fernão Telles de Menezes, 4.º senhor de
Unhão, da linhagem dos Silva.
Não nos interessa fazer aqui apenas uma reconstituição genealógica da famí-
lia. Interessa-nos sim, compreender quando se dividem e se entrecruzam os ra-
mos dos Silva, quando se constitui o património das Casas a que deram origem,
bem como as ligações que estabeleceram e que lhes facultaram, em certos ra-
mos, o acesso à Grandeza.
Interessa-nos também verificar como a família, e os diversos ramos que
a compuseram, se estabeleceu na cidade de Lisboa, de modo a compreender a aproxi-
mação aos círculos de poder ou, noutros casos, o afastamento dos centros de decisão.
Voltemos pois a Fernão Telles de Menezes, 4.º senhor de Unhão. Casado com
D. Maria de Vilhena, institui morgadio, em 1483, com a obrigação do adminis-
trador usar o nome Telles2.
O filho, Rui Telles de Menezes, receberia ainda por testamento da mãe, as
terras herdadas dos Telles Albuquerque, a saber, Parada, Pousadela e Gestaçô3.
A irmã de Rui Telles foi D. Joana de Vilhena foi casada com D. João de Menezes,
1.º conde de Tarouca4.
Rui Telles de Menezes seria o 5.º senhor de Unhão. Este primogénito dos
Telles de Menezes foi Vedor e Mordomo-mor da rainha D. Catarina, mulher de
D. Manuel, tendo contraído matrimónio com D. Guiomar de Noronha, da qual
teve vários filhos. O primogénito, Manuel Telles de Menezes, teve descendência
e o bisneto Fernão Telles de Menezes, viria receber o título de 1.º conde de Unhão5.
Chegava assim a Casa dos senhores de Unhão à Grandeza com título.
2. OS ALCAIDES DE MOURA
Entretanto, os representantes de um ramo secundário desta família, procura-
riam também eles, alcançar status e património que lhes permitisse aceder à
nobreza de corte. Seria Bráz Telles de Menezes, irmão de Manuel Telles de
Menezes e filho secundogénito de Rui Telles de Menezes que iria dar corpo a
esta aspiração, ao tornar-se alcaide de Moura.
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25O Conde de Tarouca
Morador da Casa Real de D. Manuel e alcaide-mor de Moura desde
1551 casou com D. Catarina de Brito. Dos vários filhos que teve deste matrimónio
destacamos: Rui Telles de Menezes, João Gomes da Silva, António Telles de
Menezes e Fernão Telles de Menezes.
O filho primogénito, Rui Telles de Menezes, foi também alcaide de Moura.
O outro filho, António Telles de Menezes, foi bispo de Lamego, fundador do
Convento das Chagas que deixou em padroado ao sobrinho, filho do irmão, João
Gomes da Silva.
Por seu turno, Fernão Telles de Menezes tornou-se regedor da cidade de
Lamego. Participou nos combates de Chaul (1568), Ormuz, Diu e Malabar, sendo
feito foi governador da Índia, em 1581. No regresso doou, em conjunto com a
mulher, D. Maria de Noronha, as terras que possuía em Campolide e na Cotovia
(1597 e 1603) à Companhia de Jesus, a fim de esta poder instalar o Noviciado.
Quando morreu, em 1605, a capela-mor destinada aos dadores não estava ainda
construída6, sendo o seu túmulo depositado na Igreja de S. Roque, até 1623,
altura em que regressou à Cotovia.
Por último, resta-nos apresentar João Gomes da Silva.
Ao contrário dos irmãos não usou o nome Telles de Menezes. Por ser filho
secundogénito e portanto afastado das regras da varonia, os pais optaram neste
caso, como acontecia por vezes, por lhe dar o nome que consideravam ser mais
relevante, neste caso João Gomes da Silva.
Segundo os genealogistas, como Felgueiras Gayo7, João Gomes da Silva, deu
continuidade a um ramo dos Silva que viria, mais tarde, a constituir a Casa Vilar
Maior/Alegrete como recompensa pelos serviços prestados à Coroa.
Assim, assistimos de novo a um filho segundo que se destaca da Casa onde
nasceu – alcaides de Moura – para criar um novo ramo.
O referido João Gomes da Silva foi embaixador de D. Sebastião em Roma e mais
tarde Presidente do Conselho da Fazenda e Conselheiro de Estado de Filipe I e foi
nomeado Alcaide-mor de Seia, na Ordem de Avis. Senhor de “grandes talentos”8 fez
vínculo no qual sucedeu o filho, tendo adquirido em 1589 casas na rua da Oliveira,
freguesia da Trindade, onde deu início às relações da família com a zona lisboeta do
Carmo. À data da morte, em 1592, deixou aos descendentes o privilégio de terem
oratório privado, graça concedida por Gregório XIII em 20 de Agosto de 1578. Casa-
do, em primeiras núpcias, com D. Guiomar Henriques, dela teve um filho, Luís da
Silva, que lhe sucedeu. O segundo matrimónio foi com D. Maria Mendonça.
3. OS ALCAIDES DE SEIA
O filho de João Gomes da Silva, Luís da Silva, tal como o pai, foi alcaide-mor
e comendador de Seia na Ordem de Avis, governador da Relação do Porto, vedor
da Fazenda, conselheiro de Estado, mordomo-mor e padroeiro do Mosteiro das
Chagas de Lamego. Como atrás referimos este padroado chegou-lhe por herança
do bispo de Lamego, seu tio.
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26 Isabel Maria de Lima Cluny Summavielle
Luís da Silva casou com D. Mariana de Lencastre, filha de D. Guiomar de Cas-
tro9 e de D. Francisco de Faro, Senhor do Vimeiro – também ele vedor da Fazenda,
conselheiro de Estado e cuja linhagem remontava aos primeiros duques de
Bragança. A ascendência de D. Mariana permitiu-lhe ser aia de D. Teodósio.
Dois anos antes de falecer, em 1641, D. Mariana mandou construir na capela
da sacristia do Carmo, em Lisboa, a sepultura do marido, Luís da Silva, falecido
pouco tempo antes, em 18 de Setembro de 1636.
Da união de D. Mariana de Lencastre com Luís da Silva, nasceram vários
filhos dos quais se destacam o primogénito, D. João Gomes da Silva; Fernão Telles
de Menezes e António Telles da Silva.
O sucessor da casa paterna foi como é natural D. João Gomes da Silva10, fami-
liar do Santo Ofício desde 1627, alcaide-mor e comendador de Seia. Por morte
do pai herdou a casa da rua da Oliveira. A filha mais velha, D. Mariana Lencastre
e Silva, sua herdeira, contraíu matrimónio em 1659, com o 2.º conde de Sarzedas,
Luís da Silveira, que daria início à construção do Palácio de Palhavã em S. Se-
bastião da Pedreira11.
Fernão Telles de Menezes12, irmão de D. João Gomes da Silva, alcaide-mor de
Seia, era casado com D. Mariana Mendonça e por não ter herdado nenhuma das
casas que o pai tinha na Trindade foi viver para a Mouraria nas casas que cons-
tituíam o dote da mulher.
Voltaremos à figura de Fernão Telles de Menezes mais adiante. Por agora vamo-
-nos deter num outro elemento da família, António Telles da Silva13, irmão mais
novo dos anteriores.
3.1. António Telles da Silva
António Telles da Silva pertenceu à Ordem de Malta, que abandonou sem ter
professado. Seguiu a carreira das armas, tendo participado na armada que com-
bateu na restauração da Baía em 1625.
A recompensa não se fez esperar muito. Em 1634 era capitão-mor das naus
da carreira da Índia e recebia 100$000 réis de renda anual.
Um ano depois foi-lhe concedida mercê de trazer para Portugal, sem pagar
fretes, 300 quintais de pau-preto, 15 caixas de roupa e seda, 12 escravos,
100 quintais de lacre, 30 de gengibre e outros tantos de cânhamo.
Apesar dos benefícios concedidos por Filipe III, António Telles da Silva,em
1640, aderiu ao movimento de libertação, lutando lado a lado com o irmão, Fernão
Telles da Silva, alferes-mor a quem competiu, na hora da independência,
desfraldar o estandarte e proclamar D. João IV rei de Portugal.
Em 1641 António Telles da Silva foi nomeado conselheiro de Guerra, como
recompensa da bravura demonstrada quando se dirigiu para a casa de Miguel de
Vasconcelos. Um ano depois, 1642, foi promovido no cargo de governador do
Estado do Brasil, tendo-lhe sido prometido na altura o título de conde de Vilar
Maior. Em Abril do mesmo ano habilitou-se a Familiar do Santo Ofício14.
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27O Conde de Tarouca
A sorte não o favoreceu. António Telles da Silva viria a falecer vítima de um
naufrágio, em 1650, quando regressava do Brasil, sem deixar descendente.
A fortuna considerável de que dispunha, avaliada em cerca de 80 000 cruza-
dos em dinheiro e numerosos bens de raiz, exceptuando os bens que deixou
à Misericórdia de Lisboa, foi legada ao irmão, Fernão Telles de Menezes.
Efectivamente o engrandecimento de Fernão Telles de Menezes sucedeu a
partir do momento em que foi designado como herdeiro universal do irmão.
3.2. O testamento de António Telles da Silva e o engrandecimento de Fernão
Telles de Menezes
Quando Fernão Telles de Menezes foi nomeado administrador do morgado
instituído pelo irmão viria também a receber o título de conde de Vilar Maior
prometido pelo rei, anos antes, a António Telles da Silva como recompensa dos
serviços prestados. Ora, se o seu engrandecimento se deve em parte ao legado do
irmão, parece pertinente debruçarmo-nos sobre o testamento15 e as normas por
ele instituídas.
As preocupações que nortearam em vida António Telles da Silva estão paten-
tes na redacção do documento e, de certa maneira, ditaram as orientações que a
casa Vilar Maior/Alegrete adoptaria no futuro.
Em primeiro lugar impunha o apelido Silva para os administradores dos
morgados. Em segundo lugar estabelecia a transmissão do morgadio por varonia.
No caso de descendência feminina, e casando esta, o marido da morgada adop-
taria o nome Silva, bem como os descendentes.
Por fim, o testamento proibia a divisão do morgado e os casamentos com
pessoas de nação hebraica. É interessante constatar que esta referência à pureza
de sangue e interdição de ligações fora do círculo dos cristãos velhos, aparece
pela primeira vez por escrito e chama a nossa atenção para a filiação puritana da
casa Vilar Maior/Alegrete, filiação essa que daria origem, anos mais tarde, a uma
acusação por parte da Mesa do Desembargo do Paço16.
De facto as últimas vontades de António Telles foram inteiramente cumpridas
pelo irmão, Fernão Telles de Menezes, seu herdeiro universal, uma vez que o irmão
mais velho, João Gomes da Silva, não fora contemplado no referido testamento.
As razões que levaram António Telles a não o nomear devem-se a jamais ter
aceite a decisão deste integrar os bens de sua mãe, D. Mariana de Lencastre, no
morgado, transformando-os em propriedade vinculada, afastando-o a ele e ao
outro irmão, Fernão Telles de Menezes, da herança. Afinal os mesmos motivos
que estiveram na origem da sua partida para o Brasil, depois para a Índia e nova-
mente para o Brasil, onde acabou por fazer fortuna.
As desavenças entre António Telles e João Gomes da Silva estiveram pois na
base do engrandecimento de Fernão Telles de Menezes e explicam a formação de
mais um ramo dos Silva permitindo perceber como nasceu a casa dos condes de
Vilar Maior.
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28 Isabel Maria de Lima Cluny Summavielle
Assim damos por concluído um dos objectivos que inicialmente nos tínha-
mos proposto – reconstituir as origens da família, para entender como os Silva
se subdividiram em: condes de Unhão (Menezes), alcaides de Moura (Menezes)
e alcaides de Seia (Silva).
Ao longo desta curta incursão na genealogia verificamos também como a
existência da propriedade vinculada obrigava os secundogénitos a procurarem
meios que lhes permitissem manterem-se. Sentimos as suas preocupações em
conservar o nome de família, constituindo-se em ramos colaterais.
No caso em estudo tornou-se evidente que assistimos à possibilidade de uma
Casa se formar a partir de um filho segundo – António Telles da Silva e seu
herdeiro Fernão Telles de Menezes. Pensamos provar, a partir de agora, que essa
possibilidade não só se verificou, como a Casa recém-formada, acabaria por ul-
trapassar em Grandeza a casa de origem, o que de certo modo acabaria por lhe
acrescentar prestígio.
Enunciados mais uma vez os objectivos que orientaram o estudo da genealogia
dos Silva, resta-nos acrescentar que apesar das aparentes divisões a família man-
teve, entre si, laços que lhe permitiram manter viva a noção de linhagem. Os fre-
quentes entre cruzamentos matrimoniais, detectados ao longo das diversas gerações,
seriam reputados, em linguagem demográfica actual, de forte espírito endogâmico.
Vejamos pois como Fernão Telles de Menezes deu continuidade à Casa que o
irmão tanto ansiara instituir.
Fernão Telles de Menezes, 1.º Conde de Vilar Maior – avô do 4.º Conde de
Tarouca
Quando desejamos referir a origem da Casa Vilar Maior/Alegrete é a Fernão
Telles de Menezes que devemos recuar.
Tal como referimos anteriormente, D. Fernão Telles de Menezes, foi
comendador de Moura na Ordem de Aviz, alcaide-mor e comendador-Mor de
Albufeira na mesma Ordem. Serviu na Flandres, na Itália e mais tarde no Brasil.
À data da Restauração da independência desempenhava, como fizemos notar, o
ofício de alferes-mor.
Em 1641 foi nomeado por D. João IV coronel e, em Março do mesmo ano,
despachado no cargo de Conselheiro de Guerra. No mês de Novembro alcançou
o posto de Fronteiro-mor e Governador das Armas da Beira e da Cidade. Pouco
tempo depois foi-lhe concedida mercê da Comenda de Albufeira.
Ora, é precisamente o contexto em que surge esta comenda que torna bastan-
te elucidativo o percurso do alferes-mor.
Em Agosto de 1641 tinha terminado o processo político no qual Fernão Telles
de Menezes participou na qualidade de juiz de nomeação régia17. Os acusados
de conjura a favor do governo de Espanha foram executados18. Dos sentenciados
constavam os nomes do 7.º marquês de Vila Real, Luís de Noronha Menezes e do
filho, 1.º duque de Caminha, D. Miguel de Noronha Menezes.
Conde Tarouca 2.pmd 01-08-2006, 10:5428
29O Conde de Tarouca
O processo revelar-se-ia incómodo para Fernão Telles de Menezes. Os impli-
cados eram seus parentes. Pelo lado da mãe, D. Mariana de Lencastre, era primo
de D. Luísa de Castro, casada com D. Duarte de Menezes, 3.º conde de Tarouca19.
A irmã deste, D. Juliana de Menezes, era casada com Luís de Noronha Menezes,
7.º marquês de Vila Real e, portanto, mãe do 1.º duque de Caminha, D. Miguel
de Noronha Menezes.
Assim, Fernão Telles de Menezes20, acabou por julgar e condenar à morte o
cunhado de sua prima, bem como o filho deste. Na mesma altura, os bens dos
marqueses de Vila Real foram confiscados para a coroa e D. João IV atribui-os ao
seu filho D. Pedro.
À situação melindrosa a que se viu submetido o alferes-mor quis fugir o 3.º
conde de Tarouca, refugiando-se em Espanha21, procurando abrigo na corte
filipina, talvez por não querer denunciar os parentes, ou por estar também im-
plicado no golpe. Os bens da sua Casa, apreendidos pela coroa serviriam, pouco
tempo depois, para custear as despesas dos embaixadores portugueses em
Munster22.
Ao revelar-se neste processo muito próximo das posições régias, Telles de
Menezes, acabaria por receber a Comenda de Albufeira – propriedade até à data
do conde de Tarouca – como prova do reconhecimento da sua lealdade aos
Bragança e o seu percurso político posterior constituiu, de certa forma, uma
prova de confiança de D. João IV na sua pessoa.
Participou activamente na campanha da Beira, em 1642, continuando ao lon-
go do ano de 1643, ao lado de D. Sancho Manoel, mais tarde conde de Vila Flor23,
por mercê de Afonso VI, em 1667.
Em 1644 foi nomeado governador da Relação do Porto, talcomo o pai. Foi
ainda regedor da Justiça até 1648. Em 1649 entrou ao serviço de D. Teodósio.
Deve ter sido por esta época que D. João IV lhe concedeu o título de 1.º conde de
Vilar Maior, em recompensa pelos serviços prestados.
Entre 1650 e 1653 ocupou o cargo de regedor da Casa da Suplicação. Na
altura, já tinha herdado os bens que lhe legara o irmão António Telles da Silva.
Em 1654 foi promovido a conselheiro de Estado24 e a fortuna que dispunha per-
mitiu-lhe, ao longo dos vários anos em que serviu a coroa, não levar mais orde-
nado que o de regedor da Justiça e governador do Porto.
O percurso político de Fernão Telles de Menezes orientou-se no sentido da
prestação de serviços ao soberano que aclamara em 1640, do mesmo modo que
o seu percurso militar revelava o ideal de nobreza como ordem guerreira, cujos
êxitos militares justificavam os privilégios.
Procuremos agora detectar como se articulou este projecto político e militar
de Fernão Telles de Menezes com a sua vida privada e recordemos que seria este
o avô paterno do 4.º conde de Tarouca.
A vida conjugal passou-a ao lado de D. Mariana Mendonça, filha de Simão da
Cunha, Trinchante do rei25, com quem casou.
Devemos lembrar que D. Mariana Mendonça era irmã do padre jesuíta Nuno
da Cunha, que até à data do seu casamento estivera incumbido de governar a
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30 Isabel Maria de Lima Cluny Summavielle
casa da Mouraria. Ora, este padre foi responsabilizado, em 1768, de ter realizado
a união da nobreza puritana, na irmandade de Santa Engrácia. Segundo teste-
munhos da época a sua influência na Corte e no Santo Ofício era grande, na
medida em que contava com o apoio de seu outro irmão, Manoel da Cunha,
inquiridor, capelão-mor e arcebispo de Lisboa.
Estas informações conduzem-nos de novo às ligações da família Telles da
Silva com o puritanismo, e embora Fernão Telles de Menezes não apareça como
directamente implicado, o seu casamento com D. Mariana Mendonça permite
explicar a sua participação no compromisso da união puritana da nobreza fir-
mado na irmandade de Santa Engrácia no ano de 166326.
Ao longo da vida Fernão Telles de Menezes procurou cumprir as disposições
testamentárias impostas pelo irmão, António Telles da Silva, das quais constava
a aquisição de bens de raiz. Uma das aquisições à coroa foi precisamente a quin-
ta das Lapas. Outras foram a quinta da Bogalheira, e metade do reguengo de
Torres Vedras. Paralelamente preocupou-se em aumentar os terrenos que pos-
suía na Mouraria, investimento que tornou possível, anos mais tarde, a edificação
do Palácio Alegrete.
Durante os anos em que viveu em Lisboa, Telles de Menezes estabeleceu-se
com a família na Mouraria. As casas tinham anteriormente pertencido a Tristão
da Cunha, trisavô de D. Mariana e esta recebera-as como dote, em 1630, altura
em que se casou com Fernão Telles de Menezes.
Sobre as obras do palácio e as dificuldades económicas que atravessaram os
futuros condes de Vilar Maior há uma interessante notícia de um familiar27.
Foi a D. Mariana de Mendonça, condessa de Vilar Maior, que se ficou dever o
início da construção da Casa da Quinta das Lapas28, edifício que seria concluído
pelo filho e que é hoje considerado um das Casas mais aristocráticas da região de
Torres Vedras29.
Do matrimónio de D. Mariana Mendonça com Fernão Telles de Menezes nas-
ceram vários filhos. O mais velho, Manoel Telles da Silva, sucedeu na casa do
pai e no morgado instituído pelo tio, António Telles da Silva, com a obrigação de
perpetuar o apelido.
Manoel viria a usar o título de 2.º conde de Vilar Maior e o apelido Telles da
Silva até 1687, altura em que, por serviços prestados à coroa e por mercê de
D. Pedro II recebeu o título de marquês de Alegrete30. Seria ele o pai do futuro
4.º conde de Tarouca.
Manoel Telles da Silva, 2.º conde de Vilar Maior, 1.º marquês de Alegrete
Manoel Telles da Silva, 2.º conde de Vilar Maior, Senhor de Alegrete, alcaide-
-mor e comendador de Albufeira, comendador de Moura na Ordem de Aviz e
das comendas dos Azeites e Lagares de Soure, na Ordem de Cristo, gentil-ho-
mem da câmara do rei D. Pedro II e D. João V, conselheiro de Estado e do Despa-
cho, nasceu em 13 de Fevereiro de 1641 e faleceu em 12 de Setembro de 1709.
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31O Conde de Tarouca
Baptizado na igreja de Santa Justa teve por padrinhos o conde de Vila Nova
de Cerveira e a condessa de Arcos31.
O 2.º conde de Vilar Maior casou-se com D. Luísa Coutinho, filha de D. Nuno
Mascarenhas32, senhor de Palma, comendador de Castelo de Vide e de D. Brites
Castello Branco (ou Menezes) filha de D. Francisco Castelo Branco, que foi o
2.º conde de Sabugal. Deste matrimónio nasceram 15 filhos, dos quais seis mor-
reram ainda crianças.
Fernão Telles da Silva (1662-1734), 3.º conde de Vilar Maior, 2.º marquês de
Alegrete.
Nuno da Silva, (1666-1703), Reitor da Universidade de Coimbra.
António Telles da Silva, (1667-1699), arcediago na Sé de Lisboa, Lente em
Cânones na Universidade de Coimbra.
João Gomes da Silva, 4.º conde de Tarouca, Embaixador (1671-1738).
D. Mariana de Castello Branco (1664-1701), casada com Francisco de Mello
monteiro-mor.
Margarida Coutinho, (1674-1695), casou com D. Pedro Manoel, conde de Ata-
laia.
D. Catarina de Menezes (1677-?), casou com D. Filipe de Sousa, capitão da
Guarda alemã.
D. Isabel (1668-?) freira-abadessa, no convento das Descalças da Madre de
Deus de Lisboa.
D. Francisca Coutinho (1686-?), casou com D. Francisco Portugal, 2.º marquês
de Valença.
Por fim, Bernardo Telles, fora do matrimónio, monge de Cister em Alcobaça33.
O primogénito chamava-se, tal como o avô paterno, D. Fernão Telles, mas na
qualidade de herdeiro do tio – António Telles da Silva – usou o nome Telles da
Silva. Nasceu a 15 de Julho de 1662, tendo sucedido na casa do pai.
A vida de Manoel Telles da Silva, 2.º conde de Vilar Maior, orientou-se desde
sempre pela prestação de serviços à coroa.
Em 1655, segundo o assento dos livros da Casa Real era moço fidalgo e três
anos depois escudeiro-fidalgo.
A actividade militar foi iniciada em 1661 na qualidade de capitão de uma
companhia de cavalos de ordenança da cidade de Lisboa. Nessa data assentou
praça de soldado no Alentejo, com “dous criados montados à sua custa”.
Entretanto habilitou-se a familiar do Santo Ofício. O processo salientava que
o pai do habilitado era irmão de João Gomes da Silva – também familiar – e de
Francisco da Silva Menezes, deputado da inquisição. Pelo lado da mulher,
D. Luísa Coutinho, referia-se que seu irmão era bispo de Elvas e Inquisidor do
Conselho Geral33.
Semelhante ascendência afastava definitivamente qualquer suspeita sobre
impureza de sangue e como afirma Francisco Bethencourt, na História das
Inquisições34, ao integrar o corpo de familiares do Santo Ofício o nobre juntava
ao “sistema tradicional da linhagem e da nobreza de nascimento” um novo sinal
de distinção social: a pureza de sangue.
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32 Isabel Maria de Lima Cluny Summavielle
Em 1662 Manoel Telles da Silva voltou ao Alentejo e participou activamente
na campanha “nas occaziões que então teve a cavalaria de ir a Castella tomar
lingoas […] E sem embargo de ter ordem expressa para se recolher a sua casa,
perseverar na Campanha”36.
Ao espírito guerreiro acrescentou o conde de Vilar Maior um profundo
empenhamento no trabalho das fortificações. Reconhecido entre pares, Manoel
Telles da Silva no ano de 1663 participou ao lado do marquês de Marialva, na
qualidade de coronel de um terço das ordenanças de Lisboa, na capitulação de
Évora, cidade que seria definitivamente recuperada em Julho do mesmo ano
após a batalha do Ameixial.
Sobre a participação do conde de Vilar Maior nas campanhas da restauração,
existe uma interessante publicação de Carlos da Silva Tarouca37. Segundo o
documento, a mercê da comenda de S. João de Alegrete, concedido a Manoel
Telles da Silva, ficou a dever-se ao seu enorme esforço durante as campanhas do
Alentejo, ao qual aliou a modéstia,pois teria dispensado as prerrogativas de
coronel para não retardar o serviço de recuperação da praça de Évora. A mesma
fonte refere-o como pacificador do motim desencadeado em Lisboa em 1663.
No ano de 1669 tomou posse do lugar de regedor das Justiças da Casa da
Suplicação37 e em 1672 foi nomeado para o cargo vedor da Fazenda da Reparti-
ção de África, sendo depois transferido para vedor da Fazenda da Repartição do
Reino, em 1681. Pouco anos antes, em 1679, tinha alcançado o lugar de Conse-
lheiro de Estado. Contava então 38 anos.
As razões do valimento de Manoel Telles da Silva são apontadas nas Memóri-
as do conde de Povolide no relato do processo de anulação de casamento de
D. Maria Francisca de Sabóia com Afonso VI. Segundo o autor o processo esteve
na origem do afastamento do conde de Castelo Melhor e permitiu o valimento
do conde de Vilar Maior38
No entanto, o conde de Povolide acrescenta que nas cortes reunidas para
discutir o estatuto a atribuir a D. Pedro, após o afastamento de Afonso VI, o
conde de Vilar Maior votou a favor deste “governar na forma em que governa”,
enquanto que outros, entre os quais se incluíam o duque de Cadaval, o conde
de Miranda e o de Vila Verde, votaram a favor da coroação de D. Pedro como
rei.
Sobre a formação do conde de Vilar Maior conhece-se a instrução humanista
e o gosto pela História, tendo deixado várias obras publicadas40.
Considerado, segundo relatos da época, um dos homens mais poderosos do
seu tempo, a sua influência dever-se-ia ao bom acolhimento que gozava junto do
rei e da Infanta D. Isabel, filha de D. Pedro II e de D. Maria Francisca de Sabóia.
Ainda segundo as mesmas fontes, o 2.º conde de Vilar Maior partilhava a sua
influência na corte com dois filhos: D. Fernão Telles da Silva e João Gomes da
Silva.
O mais velho e seu sucessor no título, D. Fernão Telles da Silva, era o 3.º
conde de Vilar Maior, futuro 2.º marquês de Alegrete (1662-1731), o outro, João
Gomes da Silva, viria ser o 4.º conde de Tarouca, por casamento.
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33O Conde de Tarouca
Segundo o conde de Povolide, durante o reinado de D. Pedro II, além do con-
de de Vilar Maior, gozavam de grande prestígio e poder junto do rei, o duque de
Cadaval40, o padre confessor Manoel Fernandez41, o marquês de Fronteira, o con-
de de Coculim42 e D. Francisco de Mascarenhas.
Apesar da crescente influência junto da corte e do rei, seria a morte da rainha
Maria Francisca de Sabóia (1683) que permitiria a Manoel Telles da Silva acres-
centar à brilhante carreira na administração, o prestígio de uma representação
diplomática, já que um novo jogo de alianças matrimoniais iria aproximar Portu-
gal do ramo austríaco da Casa Habsburgo, em detrimento da anterior aproxima-
ção à França e, nessa alteração, o conde participou activamente, dando
continuidade, através dos seus serviços, a uma tradição familiar na área da di-
plomacia.
Antes dele já João Gomes da Silva, seu bisavô, representara Portugal em Roma
e Fernando Telles de Faro43, da família da sua avó paterna, D. Mariana de Lencastre,
tinha sido embaixador na Holanda, entre 1658-59, embora a sua actuação tives-
se ficado famosa na história da diplomacia por ser um exemplo de infidelidade
do embaixador ao soberano que o enviara44.
A partir de 1686 a Casa dos condes de Vilar Maior surgirá, frequentemente,
relacionada com representações ao mais alto nível o que influenciará o seu acres-
centamento ligado, inquestionavelmente, aos rumos da diplomacia portuguesa
durante os reinados de D. Pedro II e D. João V.
É precisamente sobre a função de representação do conde de Vilar Maior, que
faremos incidir o nosso estudo.
A nomeação de Manoel Telles da Silva – Conde de Villar Maior – Embaixador
Extraordinário
Em 1686 foi necessário negociar o segundo casamento de D. Pedro II com
D. Maria Sofia de Neubourg45. A escolha de uma princesa alemã para futura
mulher de D. Pedro II limitaria a dependência de Portugal em relação à casa
Bourbon, numa altura em que a estabilidade europeia estava ameaçada.
O duque de Neubourg, seu pai, Filipe Guilherme (1615-1690) era católico e
tinha integrado a Liga do Reno (1651). Com uma enorme prole, as suas filhas
dispunham de fama de fecundidade, razão pela qual eram muito procuradas
para alianças matrimoniais. Eleonora tinha casado em 1676, com o imperador
Leopoldo I da Áustria. Maria Ana casou, em 1690 com Carlos II, rei de Espanha,
numa tentativa desesperada de através deste segundo matrimónio assegurar a
sucessão da casa reinante Habsburgo46.
Doroteia-Sofia desposou sucessivamente dois irmãos, duques de Parma. Pri-
meiro, em 1690, casou com Eduardo de Farnésio47 e em 1694 com Francisco de
Farnésio. Por fim, em 1694, a filha, Hedvige Isabel, uniu-se matrimonialmente
a João Sobieski, eleito em 1674 rei da Polónia, com o apoio das potências
europeias.
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34 Isabel Maria de Lima Cluny Summavielle
A esta complicada teia de alianças matrimoniais acrescia o mal-estar vivido
na Europa causado, entre outras razões, pela pretensão francesa de impor como
sucessora no Palatinado, Carlota Isabel48, mulher de Filipe, duque de Orleães,
irmão de Luís XIV, dando origem à formação da Liga de Ausburgo49. O Império
aliou-se à Espanha, em 1686, para pôr fim às ameaças francesas e fazer cumprir
o estabelecido na Paz de Vestefália.
As pretensões francesas não foram alcançadas e Madame Palatine, que man-
teve em determinado momento da sua vida um contencioso com Madame de
Maintenon, esposa morganática de Luís XIV, precisamente por nunca ter perdi-
do a ligação com a Alemanha, viu-se afastada definitivamente da sucessão.
Assim, as circunstâncias político-diplomáticas em que Portugal devia nego-
ciar a nova aliança matrimonial eram difíceis, tanto mais que não pertencia a
nenhumas das coligações.
Inicialmente D. Pedro enviou para a Alemanha António de Freitas Branco
“ministro togado e juiz das Coitadas […] sem carácter a ver e trazer os retratos
das Princesas em que se falava para El-rei escolher uma rainha”50.
A missão era secreta e obrigou Freitas Branco a viajar incógnito. Segundo os
relatos da época deu-se a conhecer aos alemães quando segurou entre as mãos um
rosário de contas. O Enviado foi bem sucedido e quando recolheu a Portugal foi
substituído por Manoel Telles da Silva, 2.º conde de Vilar Maior, escolhido para
representar o soberano português na cerimónia a realizar na Alemanha. Para o
efeito, o 2.º conde de Vilar Maior foi nomeado Embaixador Extraordinário51.
Na sua obra o conde de Povolide elucida-nos sobre o percurso de Manoel
Telles da Silva. O autor considera Francisco Correia, mestre de D. Pedro, posteri-
ormente Secretário de Estado e tesoureiro do rei como o responsável pela nome-
ação do jovem infante Telles da Silva, para o lugar de camarista do monarca.
Assim, a proximidade do soberano, e a amizade e confiança do Secretário de
Estado, parece ter contribuído para a escolha do 2.º conde de Vilar Maior como
Embaixador Extraordinário.
Devemos notar que uma das razões invocadas pelos nobres, para se esquiva-
rem a missões no estrangeiro, era a enorme despesa que estas implicavam. Ora,
neste caso, esse obstáculo fora de certa forma ultrapassado, uma vez que ao
contrário de outros embaixadores do mesmo período, que suportavam do seu
bolso as deslocações que efectuavam, Telles da Silva teve a sua embaixada di-
rectamente financiada pela coroa.
Uma embaixada extraordinária, como o próprio nome indica, tratava-se de
uma missão diplomática temporária e de representação do soberano ao mais alto
nível e, uma vez recebida a Instrução, a pública e a secreta, o conde partiu para
o Palatinado, onde foi recebido segundo o cerimonial que constava em Vestefália52.
Planeada ao pormenor esta missão, cujo o relato ficar-se-ia a dever ao secretá-
rio da embaixada, António Rodrigues da Costa, fez mobilizar os esforços de di-
versos representantes portugueses dispersos pelas cortes europeias.
Assim, segundo a Instrução de D. Pedro II53 o conde de Vilar Maior,poderia
contar com o apoio do Enviado em França, Salvador Taborda, do Enviado em
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35O Conde de Tarouca
Londres, Simão de Sousa Magalhães, dos Residentes em Roma e em Madrid,
Domingos Barreiro, José de Faria, bem como dos irmãos Nunes da Costa Resi-
dentes na Holanda e na Alemanha, respectivamente.
Uma breve descrição dos percursos de vida das figuras citadas permitir-nos-
-á compreender melhor a orgânica da prática diplomática.
Salvador Taborda após ter estudado Direito Civil na Universidade de Coimbra
exercera os cargos de Desembargador da Relação do Porto, Fiscal da Junta do
Três Estados e de Conselheiro da princesa Isabel. Simão de Sousa Magalhães,
também estudou Direito Canónico na Universidade de Coimbra, tornar-se-ia ca-
valeiro da Ordem de Cristo e familiar do Santo Ofício. Domingos Barreiros era
Lente em Canônes, estudou na Universidade de Coimbra, sendo posteriormente
cónego da Sé do Porto. Por último, José Faria estudara Direito Civil em Coimbra
e tal como os outros enviados ou residentes exercera as funções de Fiscal da
Casa Real, Desembargador da Casa da Suplicação, Conselheiro da Fazenda, ca-
valeiro da Ordem de Cristo, foi nomeado, em 1695, por D. Pedro II, cronista-mor
do reino e guarda-mor da Torre do Tombo.
Podemos pois concluir que, quer os nomes mencionados, quer os respectivos
cargos, revelam que nenhum dos nossos representantes nas cortes europeias
tinha a estatura social do conde de Vilar Maior, quando este partiu em 1686 para
Heidelberg, porém todos possuíam uma sólida formação jurídica que lhes per-
mitia apoiarem a missão extraordinária de Manoel Telles da Silva.
Na comitiva que o acompanhava seguia também um dos seus filhos, João
Gomes da Silva, que tomaria contacto, pela primeira vez, com a arte de negociar,
e tal como referiu Caetano de Sousa foi essa observação que lhe permitiu, anos
mais, tarde brilhar no teatro da diplomacia europeia54.
O conde guiou os primeiros passos do filho João na aprendizagem do “ofí-
cio”55 de embaixador. Muito jovem assistiu como referimos, em Julho de 1687,
ao êxito da entrada pública de Manoel Telles da Silva na corte de Heidelberg.
Seguidamente participou na viagem de regresso à pátria, no mês seguinte,56 acom-
panhando a futura rainha de Portugal. A entrada em Lisboa da comitiva régia,
imortalizada em numerosos relatos da época, ter-lhe-ia ficado gravada na me-
mória pois, anos mais tarde (1713-14), tentou reproduzir o brilho desta celebra-
ção ao comemorar os nascimentos dos infantes de Portugal. Quando em 1687 o
jovem João Gomes da Silva regressou à corte tinha razões para estar grato ao pai.
Ter percorrido a Europa integrado na sua comitiva permitiu-lhe tomar contacto
com a faceta mais sedutora da diplomacia de representação.
A Manoel Telles da Silva, por sua vez, a missão desempenhada conferiu-lhe
fama de hábil negociador. Segundo Caetano de Sousa o conde teria sido “um dos
mais excelentes ministros do reino, quer pelo talento nas negociações, quer pela
capacidade de resolver os problemas57.”
Opiniões semelhantes expressaram Colbatch e Daupineaut, citados nas Me-
mórias sobre Portugal no reinado de D. Pedro II58.
Segundo Teófilo Daupineaut, Manoel Telles seria o único “homme d’état en-
tre tous ceux que je viens de nommer” e acrescentou “les conseils de celuici
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36 Isabel Maria de Lima Cluny Summavielle
étoient soustenus de l’opinion de sa prudence” concluindo “Le marquis
d’Allegrete veut être gratté un peu du côté de l’intégrité, qu’il est un véritable
Portugais désintéressé, qui ne panche d’un coté ni de l’autre, qu’il n’a point
d’affection que pour son Roy et pour sa patrie”. O único defeito que o fidalgo
francês lhe assacava era o seu nepotismo59.
Na mesma linha, embora mais crítica da figura do marquês, era a Instrução
(1692) que o abade d’Estrées recebeu do rei de França. O perfil que traçava do
ministro de D. Pedro II, Manoel Telles da Silva, era o de um homem trabalhador,
patriota, embora pouco hábil politicamente.
Por seu turno Torcy, descreveu-o de forma pouco elogiosa. Atribuindo-lhe
algumas qualidades, das quais destacava ser um ministro com estudos citando
Tácito60 frequentemente durante as conversas, salientava ser muito tímido e re-
servado no trato61. Todavia, os ministros franceses, apesar das opiniões desfavo-
ráveis, reconheciam que D. Pedro II tinha grande admiração por Manoel Telles
da Silva.
Com efeito, segundo a Instrução do abade d’Estrées, o conde de Vilar Maior
depois de realizar a embaixada ao Palatinado teria aumentado o seu poder junto
do rei e, devido às suas qualidades, teria mesmo suplantando, em alguns aspec-
tos, a influência do duque de Cadaval, alcançando em 24 de Agosto de 1687 o
título de marquês de Alegrete62.
Com a concessão do título de marquês de Alegrete a Manoel Telles da Silva,
chega a bom termo o estudo que inicialmente nos propusemos fazer, ou seja
explicar as origens e a consolidação da Casa Vilar Maior/Alegrete.
Até ao momento procurámos esclarecer como os Telles da Silva, um dos ra-
mos colaterais dos senhores de Unhão alcançaram, primeiro, o título de condes
de Vilar Maior por serviços militares prestados à coroa, seguidos de serviços na
administração e justiça durante o período de consolidação da Casa de Bragança
(1640-1650). Depois observámos como a aproximação aos círculos de decisão
política permitiu a concessão do título de marqueses de Alegrete por serviços de
representação diplomática (1687).
Falta agora explicar as razões da coroa ao indicar Manoel Telles Silva, e a casa
dos condes de Vilar Maior a que pertencia, como seu representante na Alema-
nha em detrimento de outras opções.
Ora, os motivos da nomeação de Manoel Telles da Silva, não são possíveis de
compreender sem analisar os critérios de escolha do pessoal envolvido na práti-
ca diplomática, ao longo do século XVII e início do século XVIII e vulgarmente
designados pelo termo Embaixadores.
Como salientámos desde início, uma das intenções do nosso estudo é expli-
car a prática diplomática em Portugal, escolhendo como ponto de viragem na
diplomacia europeia o Congresso de Vestefália. Assim, escolhemos este momen-
to para fazer um pequeno historial das práticas diplomáticas em Portugal, no
período que medeia entre a Restauração (1640) e a Guerra da Sucessão de Espanha
(1703), uma vez que consideramos que a nomeação de Manoel Telles da Silva se
integra e acabará por encerrar, como pretendemos provar, um dos períodos da
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37O Conde de Tarouca
História da Diplomacia portuguesa na época moderna. Falta porém explicar a
razão porque dividimos o estudo da formação do corpo diplomático, no Portugal
Restaurado em dois grandes momentos: antes e depois da Guerra da Sucessão de
Espanha.
Pensamos que Portugal ao intervir num conflito europeu (1703-1713), com
dimensões totalmente diferentes de todos palcos de guerra onde até então se
tinha movido, foi obrigado a fazer um esforço de adaptação, quer em termos
militares e administrativos, quer em termos de representação diplomática. Esse
esforço, que noutros países da Europa já vinha sendo desenvolvido desde o iní-
cio do século XVII, em Portugal só pode desenvolver-se a partir de meados do
século XVII e dele resultou uma nova ideia de diplomacia que se irá impor lenta-
mente a partir do século XVIII, como adiante veremos.
Todavia nem sempre assim foi. Iremos verificar que na altura em que D. João IV
chegou ao poder, e nos reinados subsequentes, o país não dispunha ainda de
uma rede de embaixadas permanentes junto das principais cortes, o que impediu
a existência de um corpo diplomático com funções reconhecidas, deixando-se
ao zelo dos diversos intervenientes no processo o estabelecimento de contactos
diplomáticos que viriam a revelar-se muito úteis para o reconhecimento da so-
berania da dinastia de Bragança.
Detenhamo-nos pois nas práticas de diplomacia no período em questão.
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II
AS NOMEAÇÕES

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