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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA - UFSC CENTRO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO - CED CURSO DE PEDAGOGIA - TURMA 9308 PARQUES INFANTIS NO BAIRRO CAMPECHE (FLORIANÓPOLIS-SC): A CRIANÇA COMO SUJEITO DE DIREITOS NA CONJUNTURA DE URBANIZAÇÃO (1989-2019) CAROLINA DO AMARANTE Florianópolis – SC 2019 1 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA - UFSC CENTRO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO - CED CURSO DE PEDAGOGIA - TURMA 9308 PARQUES INFANTIS NO BAIRRO CAMPECHE (FLORIANÓPOLIS-SC): A CRIANÇA COMO SUJEITO DE DIREITOS NA CONJUNTURA DE URBANIZAÇÃO (1989-2019) Trabalho Conclusão do Curso de Graduação em Pedagogia do Centro de Ciências da Educação da Universidade Federal de Santa Catarina como requisito para a obtenção do Título de Licenciatura em Pedagogia. Orientadora: Professora Dra. Carolina Picchetti Nascimento. Carolina do Amarante Florianópolis – SC 2019 3 Ficha de identificação da obra elaborada pelo autor através do Programa de Geração Automática da Biblioteca Universitária da UFSC. Amarante, Carolina do Parques Infantis no Bairro Campeche (Florianópolis-Sc): A Criança como Sujeito de Direitos na Conjuntura de Urbanização (1989-2019) / Carolina Amarante; orientadora, Carolina Picchetti Nascimento. Florianópolis, SC, 2019. 56 p. Trabalho de conclusão de curso - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências da Educação. Curso de Pedagogia, Florianópolis, 2019. Inclui referências. 1. Curso de Pedagogia. 2. Parques Infantis. 3. Bairro Campeche. 4. Criança como sujeito de direitos. 5. Planos Diretores. I. Picchetti Nascimento, Carolina. II. Universidade Federal de Santa Catarina. Curso de Graduação em Pedagogia. III. Título. 4 Carolina do Amarante Parques Infantis no Bairro Campeche (Florianópolis-SC): A criança como sujeito de direitos na conjuntura de urbanização (1989-2019) Este trabalho de conclusão de Curso em Pedagogia do Centro de Ciências da Educação da Universidade Federal de Santa Catarina foi avaliado e aprovado por banca examinadora composta pelos seguintes membros: Florianópolis, 14 de dezembro de 2019. Prof.(a), Dr.(a) Carolina Picchetti Nascimento Orientador(a) -Instituição UFSC Prof.(a), Dr.(a) Jocemara Triches Avaliador(a) -Instituição UFSC Prof.(a), Dr.(a) Mônica Teresinha Marçal Avaliador(a) Prof.(a), Dr.(a) Astrid Baecker Avila Avaliador (a) -Instituição UFSC Certificamos que esta é a versão original e final do trabalho de conclusão do curso que foi julgado adequado para obtenção do título de Graduação em Pedagogia do Centro de Ciências da Educação da Universidade Federal de SantaCatarina. Prof.(a), Dr.(a) Jocemara Triches Coordenador (a) -Instituição UFSC Prof.(a), Dr.(a) Carolina Picchetti Nascimento Orientador(a) - Instituição UFSC 4 Aos meus pais, Roque e Selma, que sempre me disseram que o maior presente que eles poderiam me dar em vida era a Educação. 4 Um sonho de Juana (Eduardo Galeano) Ela perambula pelo mercado de sonhos. As vendedoras estenderam sonhos sobre grandes panos no chão. Chega ao mercado o avô de Juana, muito triste porque faz muito tempo que não sonha. Juana o leva pela mão e ajuda-o a escolher sonhos, sonhos de marzipã ou algodão, asas para voar dormindo, e vão-se embora os dois tão carregados de sonhos que não haverá bastante noite. 7 AGRADECIMENTOS O primeiro e maior agradecimento deste Trabalho de Conclusão de Curso dedico aos meus pais Roque e Selma do Amarante que me apoiaram neste caminho de formação e também por acreditarem que o maior presente que eles poderiam me dar em vida seria o da Educação. Gostaria de dedicar esta pesquisa também a minha sobrinha Eduarda do Amarante Martins, a Duda, a criança do meu coração, pois ela me ensina a ser uma pessoa melhor. Além disso, quero deixar meus agradecimentos sinceros aos amigos e colegas da turma 2016.1, que conheci neste período, como estudante do Curso de Pedagogia, que marcaram estes anos e na convivência com eles eu fui aprendendo o quão importante é a nossa formação humana para nos tornarmos professores. Em especial para as amigas Juliana Breuer Pires, Elizabete Enedina de Souza, Pricila Kalbusch, Beatriz Espíndola, Ariele Franco Gomes e Maria Luiza Vieira Mafra. E para as amigas das outras fases que também foram marcantes nessa trajetória que foram Elisa Costa Garcia e Mônica Cunha dosSantos. Agradeço a Profª. Dra. Carolina Picchetti Nascimento, minha orientadora neste Trabalho de Conclusão de Curso. Que aceitou orientar meu tema! Professora, deixo aqui meus agradecimentos sinceros porque sua tranquilidade e paciência me ensinaram que não devemos desistir mesmo nos momentos difíceis de escrita, mas ao contrário devemos ter persistência e um olhar sempre atento para as aprendizagens que acontecem no caminho da pesquisa. Obrigada Carol pela sua atenção e escuta nos momentos mais desafiantes desse trabalho! Sou grata! Por fim, agradeço também as professoras, Dra. Jocemara Triches que desde a primeira fase do curso de Pedagogia me encantou com suas aulas politizadas e seu jeito cativante de ensinar de maneira dinâmica e leve. E sem contar o carinho que sempre teve comigo durante essa trajetória da UFSC. A professora Dra. Mônica Teresinha Marçal que nessa trajetória do Curso de Pedagogia me ensinou que a formação humana sempre acontece com momentos de alegria, risadas, choros, desabafos, trocas e olhar atento na relação com o outro. E não poderia faltar meu agradecimento a professora Dra. Astrid Baecker Avila que mesmo com pouco tempo de aula na minha trajetória acadêmica na Pedagogia eu já a admirava pela sua forma de ensinar. E sem contar que mesmo antes de ter tido aulas com ela já me sentia acolhida em momentos de conversas nos corredores da UFSC e também quando ia assistir as suas aulas sem ser ainda sua aluna. A Deus, por essa conquista! 8 RESUMO A presente pesquisa teve como objetivo analisar os parques infantis e em que medida a ideia de criança como sujeito de direitos se realiza por meio destes no processo de disputas de projetos de urbanização no bairro Campeche (Florianópolis, SC – Brasil), do ano de 1989 ao ano de 2019. Para tal, buscou-se analisar se as políticas públicas consideram o espaço como um direito para as crianças e se este se concretiza a partir dos parques infantis no respectivo bairro, descrevendo como os documentos contemporâneos da Constituição da República de 1988 (BRASIL, 1988), o ECA (BRASIL, 1990), o Marco da Primeira Infância (BRASIL, 2016) e os planos diretores que regulam sobre o uso social das grandes cidades e dizem sobre o espaço para a criança. Metodologicamente, realizou-se uma pesquisa bibliográfica, documental e um trabalho de campo para mapeamento dos parques existentes na região. Este estudo procurou discutir os parques infantis na perspectiva da formação do pedagogo considerando ainda o processo de disputas e contradições envolvido em um projeto histórico de pensar esse espaço para a criança. Ao final deste foi possível identificar que essas propostas de leis, em que pese seus avanços em relação ao reconhecimento das crianças como sujeitos de direitos, não tratam diretamente da regulamentação e responsabilização do poder públicoem promover espaços específicos para a infância brasileira. Pondera-se, então, que os espaços públicos brasileiros, no caso específico dos parques infantis ou playgrounds, podem ser considerados como possibilidades e formas de sociabilidade para a criança como sujeito de direitos no contexto das cidades, embora não se efetivem como tal. Palavras chave: Parques Infantis. Bairro Campeche. Criança como sujeito de direitos. Planos Diretores. http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/155571402/constitui%C3%83%C2%A7%C3%83%C2%A3o-federal-constitui%C3%83%C2%A7%C3%83%C2%A3o-da-republica-federativa-do-brasil-1988 8 ABSTRACT This study aimed to analyze the playgrounds and in which sense the idea of children as subjects of rights is expressed in them through the process of disputes of projects of urbanization in Campeche neighborhood (Florianópolis, SC - Brazil), from 1989 to 2019. Moreover, this study inquired how these playground enable the activity of playing of children from 0 to 12 years in the neighborhood of Campeche. Considering this, it was proposed to analyze whether public policies consider space as a right for children and whether this right is materialized in the playgrounds in the respective neighborhood. In this way, this study sought to analyze the playgrounds considering the perspective of the teacher formation, inferring about the process of disputes and contradictions involved in a historical project of thinking this space for the child. It is about understanding how contemporary documents regulating the social use of big cities, named as master plans, say about space forchildren. Keywords: Playgrounds. Campeche neighborhood. Child as a subject of rights. Master Plans. 10 LISTA DE FIGURAS Figura 01: Parque Infantil da Lagoa Pequena. Acervo pessoal da autora.. 39 Figuras 02 e 03: O entorno do Parque Infantil da Lagoa Pequena. Acervo pessoal da autora....................................................................... 40 Figura 04: Parque Infantil da Lagoa Pequena. Acervo pessoal da autora.. 41 Figuras 05 e 06: Os brinquedos do Parque Infantil da Lagoa Pequena. Acervo pessoal da autora....................................................................... 41 Figuras 07 e 08: Parque Infantil da Avenida Pequeno Príncipe. Acervo pessoal da autora.................................................................................... 42 Figura 09: Os brinquedos do Parque Infantil da Avenida Pequeno Príncipe. Acervo pessoal da autora........................................... 43 Figuras 10, 11 e 12: Os brinquedos do Parque Infantil da Avenida Pequeno Príncipe. Acervo pessoal da autora........................................... 43 11 LISTA DE IMAGENS Imagem 13: Figura produzida por Monique Osmarina Daniel, no ano de 2015. Localização do bairro do Campeche em Florianópolis. (AMARANTE, 2016, p. 121)................................................................................................ 55 Imagem 14: Figura do mapa do bairro Campeche. Nesta imagem é possível observar onde se localizam as duas Avenidas analisadas nesta pesquisa: A Avenida Pequeno Príncipe e a Avenida Campeche onde se encontram os dois parques infantis públicos analisados. Disponível em: <http://www.clicrbs.com.br/sites/swf/plano_diretor/campeche.html>. Acesso em: 13 de agosto de2019................................................................ 55 http://www.clicrbs.com.br/sites/swf/plano_diretor/campeche.html 12 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente IPUF - Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis PACUCA - Parque Cultural do Campeche 13 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO....................................................................................................... 14 2 SEÇÃO I - CRIANÇA COMO SUJEITO DE DIREITOS: A BRINCADEIRA COMO UM DOS DIREITOS DAINFÂNCIA....................... 21 2.1 AS POLÍTICAS PÚBLICAS BRASILEIRAS PARA A INFÂNCIA: OS ESPAÇOS COMO DIREITOS ADQUIRIDOS E CONQUISTADOS................... 24 2.2 PARQUES INFANTIS BRASILEIROS: ESPAÇOS NAS CIDADES E A IDEIA DE CRIANÇA COMO SUJEITO DE DIREITOS................................................... 29 3 SEÇÃO II - OS PLANOS DIRETORES DO BAIRRO CAMPECHE (1989- 2019): E OS ESPAÇOS PARA O BRINCAR....................................................... 34 4 SEÇÃO III - OS PARQUES INFANTIS PÚBLICOS: COMO O ESPAÇO POTENCIALIZA OU IMPEDE A CRIANÇA COMO SUJEITO DE DIREITOS NO BAIRRO CAMPECHE............................................................... 38 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................. 48 6 REFERÊNCIAS...................................................................................................... 51 7 ANEXOS.................................................................................................................. 55 14 1. INTRODUÇÃO A motivação deste Trabalho de Conclusão de Curso surgiu, sobretudo, a partir de questionamentos sobre as condições para o brincar das crianças moradoras do bairro do Campeche, localizado no sul da Ilha de Santa Catarina, tendo em vista compreender quais são as possibilidades para se efetivar a condição das crianças como sujeitos de direitos nas grandes cidades (GONÇALVES, 2015). Foi na disciplina de Educação e Infância III, cursada no ano de 2016, que percebi a relevância desta temática para as reflexões do pedagogo, mediante a observação de espaços infantis e de brincadeiras.1 Partindo do pressuposto de que a criança tem o direito constitucional à infância, promover condições para garantir um desenvolvimento físico, psicológico e intelectualmente saudável, passa pela garantia do direito de brincar (GONÇALVES, 2015). Autores como Philippe Ariès (1981) e Suely Amaral Mello (2007) contrariam ideias como a de que a infância é apenas “uma fase da vida”, ou seja, para que a infância seja um tempo e espaço determinante para o desenvolvimento da personalidade, para capacitar o sujeito a internalizar regras sociais básicas, para criar consciência histórica e para a criação de mecanismos essenciais para o convívio em sociedade, é preciso que os adultos e, em especial, os professores, compreendam que as crianças vivenciam a infância a partir de uma determinada “condição infantil” (CHARLOT, 1979), o que permite a existência de diferentes “infâncias” e o que passa, por exemplo, pelas condições existentes para a apropriação dobrincar. Dessa forma, compreende-se a necessidade de identificar como se apresentam os espaços especificamente destinados à infância e brincadeiras em grandes cidades: como estes espaços possibilitam a existência de infância(s) e quais são as políticas públicas direcionadas à criação/manutenção de espaços especificamente destinados/voltados para a infância? Como justificativa ao objeto desta pesquisa está a compreensão de que a brincadeira é uma das atividades centrais das crianças em nossa sociedade, um meio para que elas se apropriem do mundo em que vivem e se constituam comosujeitos. Para o desenvolvimento da pesquisa adotamos como empiria dois espaços públicos destinados à criança e ao brincar no bairro do Campeche (Florianópolis- SC). O recorte 1 A respeito da discussão sobre Infância(s) apresentada nesta pesquisa, destaco os estudos realizados na disciplina Educação e Infância III em 2016 e proposto pela professora Jucirema Quinteiro e sintetizado em um trabalho intitulado “As políticas públicas nos bairros de Florianópolis: como as crianças são observadas como sujeitos de direitos nesses respectivos espaços” juntamente com as acadêmicas Ariele F. Gomes e Juliana B. Piresrealizado. 15 geográfico se justifica pelo fato do localser exemplar de alguns dos fenômenos que têm ocorrido em grandes cidades (por exemplo, a crescente especulação imobiliária e a convivência de espaços públicos e privados para atividades dos moradores), além de suas características específicas (a permanência entre urbano e rural) e, não menos importante, por ser um dos bairros mais populosos de Florianópolis. Por fim, ressalto também o fato de ter uma proximidade vivencial com este bairro, não apenas como moradora, mas como pesquisadora.2 Diante disso, é importante destacar o fato de que o Campeche vem apresentando uma ocupação urbana de forma intensa e acelerada, transformando a estrutura espacial da localidade. Desde o ano de 2000 ele vem sendo urbanizado verticalmente com condomínios de alto padrão, porém ainda se percebe um bairro sem infraestrutura adequada. Há problemas com a locomoção, por exemplo, em razão da inexistência de calçadas em algumas vias e, em outras, com a falta de segurança nelas; também não há rede coletora nem tratamento final adequado dos esgotos sanitários em toda a região (AMARANTE, 2016). Além disso, a comunidade local permanece mal atendida em termos de espaços delazer. O Campeche, após os embates políticos por seu ordenamento, apresenta fortes características de desenvolvimento urbano, no entanto esta região ainda permanece com alguns aspectos rurais. De maneira geral, esta região estaria mais aos moldes urbanos da proposta elaborada pelo Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis (IPUF) do que das características de um bairro preservado ecologicamente e/ou com a forma rural. Essas características do bairro podem ser analisadas em um trecho do documento do Plano de Desenvolvimento Campeche do ano de19953. A atuação da Prefeitura de Florianópolis tem sido quase nula em termos de controle da ocupação, mesmo nas áreas urbanas da região do Campeche. Os loteamentos disfarçados em desmembramentos ou condomínios são regra geral, em zonas urbanas ou rurais, contando com o beneplácito da Prefeitura. As edificações irregulares, da ordem de dezenas por mês, são encorajadas pela ausência da fiscalização e punição, e pelas periódicas leis de regularização de obras clandestinas aprovadas pela Câmara. A própria degradação ambiental que já começa a se esboçar na região, é incentivada pela falta de fiscalização e educação ambiental, e pela não implantação de parques e reservas ecológicas por parte da Prefeitura. A coleta de impostos é reduzida pela clandestinidade, por um cadastramento desatualizado e pela classificação rural da maioria das propriedades. A infraestrutura planejada não é implantadapelacarênciaderecursoseporpolíticaspopulistasdenãodesapropriar 2 Pesquisa de mestrado em História. A Derrubada do Bar do Chico no Bairro Campeche: Embates de uma História do Tempo Presente em Florianópolis (1989-2011) (AMARANTE, 2016). 3 A respeito do Plano de Desenvolvimento Campeche do ano de 1995 pode-se apontar que este é uma atualização do o Plano de Desenvolvimento Integrado da Planície Entremares, Campeche e região - do ano de 1989, que será analisado na segunda seção desta pesquisa. 16 ninguém. Em decorrência, o planejamento de longo prazo é inviabilizado pela falta de continuidade e ações concretas. (Florianópolis, Plano de Desenvolvimento Campeche. Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis, 1995, p. 48) Na última década, o Campeche recebeu vários investimentos em infraestrutura, a exemplo da pavimentação das suas principais vias, como a Avenida Pequeno Príncipe e a Avenida Campeche (Imagem 14).4 Além disso, o Bairro vem perdendo características rurais e se transformando em um bairro misto, com comércio, serviços, escolas públicas e privadas, creches, posto de saúde, prédios e condomínios residenciais. Acresce que, nesta perspectiva de crescimento urbano, os espaços mudaram fazendo com que muitas crianças de 0 a 12 anos tenham como espaço prioritário para brincar os condomínios residenciais e não mais as ruas. Ainda assim, pode-se verificar que existem espaços infantis públicos no bairro, como o existente no entorno da Lagoa Pequena, localizada na Avenida Campeche. Este dispõe de um parque infantil construído de madeira com balanços, gangorras e outrosbrinquedos. As observações cotidianas desses espaços destacados acima me fizeram questionar as condições da(s) infância(s) e, por consequência, a situação das crianças de 0 a 12 anos no Campeche para viverem essa etapa da vida especificamente em relação ao acesso à atividade de brincar. Este cenário inicial, envolvendo minhas vivências como moradora do bairro do Campeche e minha trajetória formativa no curso de Pedagogia, levaram-me a formular uma primeira problemática para esse trabalho de conclusão de curso: pensar como as políticas públicas para o bairro do Campeche foram desenvolvidas e em quais condições, pois esta região apresenta uma urbanização acelerada, o que muitas vezes resulta com que as crianças de 0 a 12 anos sejam reservadas dentro de condomínios residenciais, muitas vezes sem a possibilidade de compartilharem e socializarem em outros espaços públicos. Sobre este aspecto são necessários um cuidado metodológico, no intento de problematizar as questões urbanas dentro do contexto da expansão da urbanização da cidade de Florianópolis para o bairro do Campeche e suas possíveis relações com as condições para o desenvolvimento da brincadeira por parte das crianças que vivem no bairro. A capital catarinense se configura como um destino turístico que atrai expressivo número de visitantes todo ano em busca de bem-estar junto à natureza. Esta é a forma que a mídia constantemente veicula imagens da cidade - incluindo o Campeche - atraindo 4 Destacamos desde já que a Avenida Pequeno Príncipe e a Avenida Campeche serão enfatizadas neste trabalho devido ao fato de que essas localidades são as mais evidenciadas nos planos diretores estudados para esta pesquisa. 17 investimentos de capital e estimulando a expansão imobiliária. Nesse contexto, ressalta-se a relevância de compreender o papel do poder público manifesto, por exemplo, na elaboração do Plano Diretor, visando o entendimento da dinâmica de configuração do espaçourbano. Sabe-se que a organização espacial da cidade de Florianópolis busca se regrar no Plano Diretor, cuja primeira versão é de 1950. Entretanto, o Plano de Desenvolvimento da Planície Entremares, Campeche e região, elaborado pelo IPUF no ano de 1989, propôs uma cidade voltada para o setor turístico o que, de certa forma, acabou deixando de lado os interesses da comunidade residente no bairro, bem como o desenvolvimento sustentável da região proposto no Plano Diretor Comunitário do ano de 1999 (LOCH; SANTIAGO; WALKOWSKI,2008). Nesse sentido, nota-se que as construções imobiliárias, cada vez mais presentes na localidade, são os reflexos mais visíveis desse processo de expansão da urbanização de Florianópolis em direção ao Campeche. A planície do Campeche tem limite com as regiões da Lagoa da Conceição, Joaquina, Manguezal do Rio Tavares, Costeira do Pirajubaé e Tapera. Esta planície litorânea vem sofrendo, desde o início da década de 1990, transformações em suas áreas de ocupação urbana e no bairro como um todo. Essas transformações permitem refletir a quem deve servir o Plano Diretor da região do bairro do Campeche ou a quem tem servido. Sendo assim, emerge como problemática central desta pesquisa a análise das condições de efetivação da criança como sujeito de direitos no Campeche, considerando o contexto da especulação imobiliária no bairro e disputas políticas (por exemplo, entre os Planos Diretores do IPUF do ano de 1989 e o Plano Diretor Comunitário de 1999), elegendo como objeto de investigação a análise dos espaços que possibilitam a existência da(s) infância(s) e do brincar, como os parques infantis ou osplaygrounds5. Diante disso,este trabalho justifica-se pela necessidade de problematizar questões urbanas e políticas como de cidadania, classe e lazer, visando compreender as condições existentes e/ou necessárias de existir para que a criança se efetive como um sujeito de direitos. Em especial, faz-se relevante compreenderas concepções de espaços infantis e de brincadeiras 5 A respeito desse conceito “é importante ressaltar que o termo playground surgirá em 1868 inicialmente relacionado com o aparecimento dos primeiros recreios escolares americanos, caracterizando um quintal aberto apropriado aos folguedos infantis. Ainda na primeira fase do chamado Movimento de Parques norte-americano, será incorporado aos parques urbanos e demais espaços livres públicos construídos naquele período, a partir de propósitos pedagógicos e sociais (CRANZ, 1982 apud NIEMEYER, 2002, p. 42). Além disso, o significado da palavra é de origem inglesa “playground” pode-se traduzir “play (jogo, divertimento) e ground (terreno, pátio), que significa pátio para brincadeiras.”. Disponível em: <https://www.significados.com.br/playground/>. Acesso em: 11 de ago. de 2019. https://www.significados.com.br/playground/ 18 que têm permeado a possibilidade das crianças vivenciarem sua condição de infância em grandes cidades. Temos, então, por objetivo, analisar as condições que permitem ou impedem a realização da concepção de criança como sujeito de direitos, a partir dos parques infantis, no contexto de urbanização do Campeche considerando as disputas de projetos de urbanização por meio dos planos diretores do ano de 1989 ao ano de 2019. Assim sendo, pode-se destacar que a lei municipal, conhecida como Plano Diretor, elaborada pela prefeitura em conjunto com a sociedade civil e encaminhada a Câmara de Vereadores para aprovação, é considerada um instrumento da política de desenvolvimento municipal e que tem como finalidade determinar o que não pode e o que pode ser construído em cada parte do mesmo. (AMARANTE, 2016, p. 36). Além disso, pode-se apontar que nesta pesquisa serão analisados os três planos diretores do bairro Campeche que são: o Plano Diretor de Desenvolvimento da Planície Entremares para o bairro Campeche, do ano de 1989, o Plano Comunitário para a Planície do Campeche, proposta para um desenvolvimento sustentável, de 1999 e o Plano Diretor do IPUF de 2014. Ainda, a respeito da ideia de espaço, mais especificamente da infância, que será analisado neste trabalho irá aparecer de forma mais direta na última seção. Disso, podemos destacar que este conceito nesta pesquisa relaciona-se para além do direito ao espaço quase que restrito à instituição escolar, mas como outras formas como local de exercício de uma atividade humana, por exemplo, o brincar por meio dos parques infantis. Ou seja, o espaço aqui é compreendido como uma “síntese” de uma determinada intencionalidade humana e não a simples sensorialidade do lugar; como local/materialidade com propósito e na perspectiva dos espaços público e privado. Em que pese a importância de pesquisas anteriores (AMARANTE, 2016; NIEMEYER, 2002) há uma necessidade de compreender os processos a partir dos quais os espaços específicos disponíveis e apropriados para as crianças no bairro Campeche existem, contribuindo para o debate acerca dos limites e desafios impostos à vivência da condição infantil nas grandescidades. Dentre os objetivos específicos deste estudo estão: a) Identificar nos planos diretores da cidade, a existência de políticas de delimitação de espaços urbanos coletivos direcionados ao direito da criança debrincar; b) Mapear os espaços construídos no bairro do Campeche direcionados ao brincar das crianças; 19 c) Analisar a constituição estrutural dos parques infantis construídos no bairro Campeche; d) Inferir as concepções educativas desses espaços para constituição do brincar. ComopossívelsíntesedesteestudoestáoesforçodecaracterizarobairrodoCampeche, como exemplar de um bairro em contexto acelerado de urbanização, do ponto de vista da “criança como sujeito de direitos”, em especial por meio dos parques infantis. O presente trabalho organiza-se, metodologicamente, a partir de pesquisa bibliográfica sobre a criança como sujeito de direitos e sobre os espaços infantis e de brincadeiras, e de um estudo documental dos três planos diretores do bairro do Campeche, entre os anos de 1989 aos anos 2019 – (o Plano Diretor de Desenvolvimento da Planície Entremares para o bairro Campeche, do ano de 1989, o Plano Comunitário para a Planície do Campeche, proposta para um desenvolvimento sustentável, de 1999 e o Plano Diretor do IPUF de 2014) - e das três legislações brasileiras que tratam sobre a infância que são: a Constituição da República de 1988 (BRASIL, 1988), o ECA (BRASIL, 1990) e o Marco da Primeira Infância (BRASIL, 2016). As legislações e orientações brasileiras para a infância e os planos diretores para o Campeche, do período entre 1989 e após anos 2000, foram analisadas com o objetivo de identificar se estes dispositivos legais se atentam às crianças e suas necessidades, notadamente em relação aos espaços para o brincar. Como parte deste estudo documental, foi realizado um trabalho de campo para a observação quantitativa e qualitativa dos espaços especificamente direcionados à atividade de brincar visando discutir em que medida esses locais existentes no bairro permitem realizar a concepção de criança como sujeito de direitos. Para este trabalho de campo, que procurou mapear quantitativamente os locais onde existiam parques infantis no bairro, elegeu-se como recorte geográfico as ruas e servidõeslocalizadas entre a Avenida Pequeno Príncipe e a Avenida Campeche, em virtude do destaque que tais avenidas têm no Plano Diretor para o bairro. Pretendeu-se, para tal, elaborar algunscritérios para a observação, construídos a partir de concepções sobre infância e sobre o ato de brincar. Os critérios iniciais para a observação foram: facilidade de acesso aosusuários; equipamentos que compõe esses espaços e se esses são adequados à faixa etária de0-12 anos. Este Trabalho de Conclusão de Curso está dividido em três seções: “Criança como sujeito de direitos: A brincadeira como um dos direitos da infância”, que discute a(s) infância(s) para o desenvolvimento dos sujeitos, como esta tem sido compreendida ao longo da história e como é verificada nosespaçosinfantisbrasileiros; e “Os planos diretores do bairro Campeche http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/155571402/constitui%C3%83%C2%A7%C3%83%C2%A3o-federal-constitui%C3%83%C2%A7%C3%83%C2%A3o-da-republica-federativa-do-brasil-1988 20 (1989-2019): E os espaços para o brincar”, dedicado em como as políticas públicas dos planos diretores são moldadas no espaço urbano do Bairro. Por fim, a seção “Os parques infantis públicos: como o espaço potencializa ou impede a criança como sujeito de direitos no bairro Campeche”, que se propõe a analisar a forma como os parques infantis no bairro vêm sendo ordenados, a partir da década de 2000. Além disso, apresentamos a seção de sínteses em que buscamos retomar as problemáticas e o objeto de pesquisa proposto, elaborando algumas considerações finais sobre este processo de investigação e sobre suas contribuições para minha formação comopedagoga. 21 2 CRIANÇA COMO SUJEITO DE DIREITOS: A BRINCADEIRA COMO UM DOS DIREITOS DA INFÂNCIA A infância é uma construção social, é um modo particular de pensar o ser humano com pouca idade, e foi sendo elaborada e constituída ao longo dos séculos, acompanhando as modificações no mundo do trabalho/modo de produção, na composição familiar e no cotidiano da vida das crianças e na institucionalização da educação nessa etapa da vida (creches, jardins de infância, escolas). Nesse sentido, a infância pode ser compreendidacomo: [...] não só uma construção social, mas também histórica, ética, política,cultural e as crianças são sujeitos que constroem a pátria, que têm direitos e devem ser educadas e cuidadas com base na proteção, provisão e participação. A infância é uma variável da análise social que não pode ser inteiramente divorciada de outras variáveis como classe social, gênero ou pertença étnica. (SILVA, 2012, p. 234) No entanto, é importante reconhecer que esse conceito de infância só foi possível a partir de transformações históricas, pois nem sempre foi compreendida como uma construção social e cultural. Nesse sentido, cada experiência é determinada de modo diferente de acordo com o lugar e a sociedade em que se constituem. Esta é a importância de analisar o contexto social e cultural ao se discutir a infância. Segundo Ariès, “Até por volta do século XII, a arte medieval desconhecia a infância ou não tentava representá-la. É difícil crer que esta ausência se devesse à incompetência ou à falta de habilidade. É mais provável que não houvesse lugar para infância neste mundo” (ARIÈS,1981, p. 50). As crianças eram vistas como “adultos em miniaturas”, não havia preocupação com as características e peculiaridades infantis. Caracterizava-se a infância como um vir a ser, onde estas podiam realizar as mesmas atividades que os adultos, podendo até frequentar os mesmos lugares, sem restrição ou censura. Como se pode observar na seguinte citação: A noção de infância é moderna, começando a “adquirir pertinência (...) a partir dos finais do século XVII e especialmente do século XVIII” (...). Tendo em vista que antes disso as crianças não eram reconhecidas como sujeitos com especificidade própria, sendo estas tratadas e representadas como adultos em miniatura, uma vez que trabalhavam, comiam, divertiam-se e dormiam em meio aos adultos, é possível estabelecer uma curiosa analogia com as diversas crianças de contextos periféricos de nossos dias. Com o advento da industrialização e a procura de mão de obra infantil, a nossa criança contemporânea retorna, então, ao seu antigo status de “adulto em miniatura”, condição que não lhe confere qualquer sentimento de infância e trata de incorporá-la no contexto social do adulto tão logo adquira capacidade de viver sem a efetiva solicitude de seus pais e obtenha “um certo grau de discernimento de si e do mundo” [...]. (ALMEIDA, 2006, p.549) 22 A concepção de infância que conhecemos hoje é, assim, historicamente construída. Cada época marca uma concepção diferente para esses sujeitos de “pouca idade”, formadas por características sociais, políticas, econômicas e culturais. A criança passou a ser percebida como um sujeito social, detentora de direitos apenas na contemporaneidade. Nesta perspectiva, a pesquisadora Mello (2007) aponta que a concepção de criança pode ser compreendida a partirdas: [...] relações com o mundo que a cerca. Esse novo conceito de criança informado pela teoria histórico-cultural – e também construído a partir da observação das crianças num ambiente com múltiplas possibilidades de vivências – aponta que, diferentemente do que pensávamos até pouco tempo atrás, a criança não é um ser incapaz, frágil e dependente absoluto da atenção do adulto para dirigir sua atividade. Ao contrário, a criança que surge da observação e da teoria que a vê como um ser histórico-cultural é, desde muito pequena, capaz de explorar os espaços e os objetos que encontra ao seu redor, de estabelecer relações com as pessoas, de elaborar explicações sobre os fatos e fenômenos que vivencia. (MELLO, 2007, pp. 89-90) Com a Declaração dos Direitos Humanos, em 1948, houve a necessidade de organizar e reivindicar uma legislação efetiva que desse proteção às crianças, pois mesmo com os avanços nesse sentido ainda não havia, por parte das políticas públicas, garantias a fim de que estes direitos fossem respeitados. O direito à infância, ao seu pleno desenvolvimento, o direito aos cuidados e à segurança necessária à obtenção de uma vida digna, ainda não era considerado como um dever de toda a sociedade, tampouco eram colocados em prática. Começaram a surgir os primeiros sinais de sua efetivação, primeiramente a partir de discussões internacionais sobre os Direitos Humanos. Um fato exemplar deste momento é a Doutrina da Proteção Integral da Organização das Nações Unidas, que foi inserida na legislação brasileira pelo artigo 227 na Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), tornando-se um marco ao propor uma visão de criança como sujeito de direitos (GONÇALVES, 2015). Mais tarde, estes direitos foram regulamentados no Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA (BRASIL, 1990), lei federal que normatiza a concepção da criança como cidadã, o que significa entendê-las como sujeito de direitos que merecem proteção integral, principalmente por encontrarem-se em condições especiais de desenvolvimento. Diante do exposto, pode-se perceber muitos avanços sobre como a criança é vista em nossa sociedade. O significado da infância estende-se para além dos cuidados básicos: ela salvaguarda o desenvolvimento integral da criança (o amplo atendimento às suas necessidades, a busca por uma educação e um currículo adequados à sua condição, centrados naqualificaçãoeinteraçãocomomundoatravésdediferentesformasdeexpressãoe/ou 23 linguagem e outras formas de assimilação do conhecimento além da escola, as diferentes relações que existem na comunidade, nas famílias e nas organizações culturais). A determinação do Estado para o atendimento às crianças em idade pré-escolar, mesmo que repleto de lacunas e sem o devido investimento para um atendimento de qualidade possibilitou “um salto” em relação à valorização pedagógica das brincadeiras, contribuindo a este importante papel que é o “brincar” na infância, pois “brincar deve se constituir em atividade permanente e sua constância dependerá dos interesses que as crianças apresentam nas diferentes faixas etárias”. (BRASIL,1998). Como visto, durante o século XVII, a infância não era percebida com “olhar especial”. Ariès explica que "[...] não existia uma separação tão rigorosa como as brincadeiras e os jogos reservados às crianças e as brincadeiras e jogos dos adultos. Os mesmos jogos eram comuns a ambos.". (ARIÈS, 1981, p.88). O ato de brincar não foi sempre considerado como uma atividade voltada especificamente para as crianças. É posterior a concepção de que no brincar as crianças são introduzidas ao meio em que estão inseridas de uma maneira “lúdica”, ou seja, sem fins utilitários diretos, porém voltada à realidade, como um modo de assimilar e recriar a experiência sócio cultural. Nesse sentido, o conceito de brincadeira aqui é analisado também pelo viés de Vigotski (2008), que aponta que esta pode ser compreendida como uma forma de atividade principal ou guia, ou seja, aquela que governa as principais ações em determinado momento do desenvolvimento das crianças. Este autor salienta a satisfação que a brincadeira propicia à criança, porém aponta que a conceituação de brincadeira somente pelo princípio da satisfação não pode ser considerada correta, pois esta deve levar em conta a necessidade intelectual, os desejos irrealizáveis, os impulsos afetivos, entre outros. Por exemplo, quando a criança quer ser um motorista e dirigir um carro e utiliza da imaginação e de instrumentos que a permitam imitar esta atividade, característica do mundo adulto, em suas brincadeiras, o seu prazer será tanto maior quanto sua avaliação de que conseguiu representar bem o papel social que orientou sua atividade. Sabe-se, hoje, que a criança se desenvolve pela experiência social exatamente nestas interações que estabelece desde cedo. Além disso, esta concepção de brincadeira como apropriação e aprendizagem do mundo deve estar interligada para além da escola, as crianças devem se perceber neste processo e no mundo como sujeitos. Nesta perspectiva, a pesquisadora SuelyAmaral Mello (2007, p. 90) compreende a infância como “(...) o tempo emqueacriançadeveseintroduzirnariquezadaculturahumanahistóricaesocialmente 24 criada, reproduzindo para si qualidades especificamente humanas”. Diante disso, pode-se apontar sobre aspectos da infância que: Ao verificar-se uma equivocada abordagem sociológica do mundo da criança e da infância, que a concebe como categoria uniforme, universal e homogênea, torna-se imprescindível propor a sua desconstrução e subsequente reconstrução com base em conceitos de heterogeneidade e autonomia. Ao perceber-se na criança o verdadeiro ator social de suas ações, um ser ativo dotado de sentido de competência na sociedade em que vive, espera-se construir um novo sentido de valorização da experiência da infância, longe da visão idealizada do adulto que, ao olhar para trás, contempla sua própria infância. (ALMEIDA, 2006, p. 550-551) Toda a história de disputas em torno do significado da infância e da criança como um sujeito de direitos pode ser percebida no contexto social, político, econômico e cultural da nossa sociedade contemporânea que, mesmo avançando teoricamente neste sentido, na prática ainda apresenta uma considerável distância da efetivação desejada desta concepção. Exemplo disso está na análise, realizada neste trabalho, do bairro do Campeche, no que tange a existência de espaços para o brincar como expressões de políticas públicas. 2.1 AS POLÍTICAS PÚBLICAS BRASILEIRAS PARA A INFÂNCIA: OS ESPAÇOS COMO DIREITOS ADQUIRIDOS ECONQUISTADOS Nesta subseção busca-se analisar como as legislações e orientações que abordam a infância e tratam da construção do(s) espaço(s) específicos para o brincar. Dessa forma, pode- se apontar como fontes de estudo deste trabalho a Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), o ECA, Estatuto da Criança e do Adolescente, (BRASIL, 1990) e o Marco da Primeira Infância (BRASIL, 2016). A Constituição Federal de 1988 é a normativa que abrange todas as leis que regulamentam o Brasil. Desse modo, esta Constituição garantiu a posição de que esse funcionamento pleno de direitos deveria se dar, com o qual o país deu início a um momento histórico baseado nas vigências das liberdades públicas e de solidez das instituições democráticas (SCHWARCZ; STARLING, 2015). No ECA, são apresentados os direitos e os deveres do Estado, da Família e da Sociedade Brasileira no que se refere à criança e ao adolescente. No Marco da Primeira Infância são abordadas as normativas relacionadas às políticas públicas que se referem ao período considerado da primeira infância, até os seis anos de idade da criança. Assim, pode-se inferir a importância através desses documentos para perceber como que os espaços 25 especificamente destinados à infância são considerados ou não um direito que deveria ser garantido para todos os cidadãos brasileiros e que apresentam, nas orientações e legislações estudadas neste trabalho, variadas análises na perspectiva histórica contemporânea. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 é a atual Carta Magna do Brasil. Ela é a última a consolidar a transição de um regime autoritário, que foi a DitaduraMilitar vigente entre 1964 e 1985, para um democrático, que é conhecido como o período histórico da Nova República, que vai até os dias de hoje. Além disso, a Constituição Federal de 1988 não só restabeleceu a inviolabilidade de direitos e liberdades básicas como instituiu uma amplitude de preceitos progressistas, como a igualdade de gêneros, criminalização do racismo, proibição total da tortura e direitos sociais, de responsabilidade do Estado, como educação, trabalho e saúde para todos. Embora seja conhecida pelo apelido de "Constituição Cidadã", ela até hoje recebe críticas pela sua grande incoerência entre o declarado ou previsto na lei e o efetivado na realidade brasileira, que, quase três décadas depois, continua desigual (SCHWARCZ; STARLING, 2015). A partir da análise das orientações e legislações da Constituição Federal de 1988, pode- se destacar aquelas que foram mais enfáticas em relação à concepção dos espaços infantis, como verificam-se nos seguintes excertos extraídos da respectiva Constituição: “CAPÍTULO VII. Da Família, da Criança, do Adolescente, do Jovem e do Idoso Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010).§”. (BRASIL,1988) A partir do excerto da Constituição da República de 1988, pode-se questionar o direito aos espaços públicos como não sendo contextualizado diretamente dentre os direitos sociais brasileiros. Embora o acesso a estes ambientes seja considerado um direito social que se restringe ao lazer, verifica-se que não se trata dele diretamente nas legislações, geralmente, de um acesso indiretamente relacionado a este aspecto citado. Nesse sentido, pode-se compreender que os espaços públicos devem ser construídos nas cidades brasileiras como um direito a ser garantido para as crianças de 0 a 12 anos, pois: A (in) visibilidade da infância na sociedade adulta contemporânea aponta para a complexa natureza de sua condição social. Incapaz de agir por si própria em um mundo cercado por perigos dos mais diversos, à criança é vetada uma participação http://www.infoescola.com/historia-do-brasil/regime-militar/ http://www.infoescola.com/historia-do-brasil/regime-militar/ http://www.infoescola.com/historia/nova-republica/ http://www.infoescola.com/sociologia/racismo/ http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc/emc65.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc/emc65.htm http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/155571402/constitui%C3%83%C2%A7%C3%83%C2%A3o-federal-constitui%C3%83%C2%A7%C3%83%C2%A3o-da-republica-federativa-do-brasil-1988 26 social efetiva sob o argumento de que necessita de proteção, o que evidencia um pensamento puramente paternalista, em face da velha teoria que concebe as crianças como “homúnculos”, ou seres humanos em miniatura, desprovidos de especificidades própria e originalidade. (ALMEIDA, 2006, p. 546, grifos no original) Diante do seguinte excerto, cabe refletir a respeito dos desafios e estratégias vinculados à ideia dos espaços infantis como direito das crianças, com qualidade mesmo diante da desigualdade social e econômica do país. Logo, pode-se refletir em que momento esta lei contribui para efetivar a ideia/concepção de crianças como sujeitos dedireitos. Já o ECA – Lei 8.069, de 13 de julho de 1990 – apresenta um avanço democrático ao regularizar as conquistas relativas aos direitos da Criança e do Adolescente consolidado no Artigo 227 da Constituição Federal de 1988. O ECA é a normatização, num sentido amplo, do artigo 227 da Constituição, consagrando a Doutrina da Proteção Integral para as crianças e adolescentes. O Estatuto da Criança e do Adolescente, com vários títulos, capítulos e artigos propõe garantir a nossa última Constituição, a partir dos direitos fundamentais. O ECA resgata o valor da criança e do adolescente como seres humanos, sujeitos de direitos, que devem receber o máximo de dedicação em virtude de sua condição peculiar de pessoas em desenvolvimento. Desse modo, eles passam a ser percebidos como seres em desenvolvimento, tanto do ponto de vista físico quanto psicológico e social. O Estatuto exige um tratamento prioritário, e, para garanti-lo, obriga o conjunto da política, da economia e da organização social a operar um reordenamento; a revisar prioridades políticase de investimentos; a colocar em questão o modelo de desenvolvimento e respectivo projeto da sociedade, excludente e desigual, que desconhece, na prática, a criança e o adolescente como sujeitos de direitos. Os artigos apontam que os eixos devem funcionar de maneira articulada: órgãos governamentais e não governamentais. A sociedade civil possui importante papel político para garantir a continuidade das políticas públicas. O Ministério Público só se pronuncia quando provocado, embora tenha o papel de vigiar o cumprimento da lei. Assim, cabe à sociedade civil fazer uma articulação entre os três eixos para garantir que as políticas públicas sejam universais, suficientes e mais adequados às normas do Estatuto. Com relação às orientações sobre a possibilidade de pensar os espaços infantis, verifica-se nos seguintes excertos extraídos do referidodocumento: 27 Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. [...] Art. 16. O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos: I - ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais;IV - brincar, praticar esportes e divertir-se; [...] Art. 59. Os municípios, com apoio dos estados e da União, estimularão e facilitarão a destinação de recursos e espaços para programações culturais, esportivas e de lazer voltadas para a infância e a juventude. (BRASIL, 1990) A partir dos trechos destacados do ECA, percebemos que o direito aos espaços públicos não é apresentado diretamente dentre os direitos sociais brasileiros. Pois, embora o acesso a estes ambientes seja considerado um direito social que se restringem aos aspectos citados do brincar e do lazer, verifica-se ainda que este seja tratado nas legislações, geralmente, de um acesso indiretamente assim como na Constituição Federal de 1988. Acresce que, a lei Marco da Primeira Infância - 13.257 (BRASIL, 2016), estabelece uma série de direitos das crianças de 0 a 6 anos completos. Logo, de acordo com esta lei, é dever do Estado assegurar políticas, programas e serviços que atendam essa faixa etária, com o objetivo de assegurar o desenvolvimento integral da criança. O artigo que foi mais enfático com a concepção de espaços infantis na perspectiva das políticas públicas verifica-se no seguinte excerto extraído da respectivaLei: “Art. 5o Constituem áreas prioritárias para as políticas públicas para a primeira infância a saúde, a alimentação e a nutrição, a educação infantil, a convivência familiar e comunitária, a assistência social à família da criança, a cultura, o brincar e o lazer, o espaço e o meio ambiente, bem como a proteção contra toda forma de violência e de pressão consumista, a prevenção de acidentes e a adoção de medidas que evitem a exposição precoce à comunicação mercadológica.* Este um artigo garante a assistência física, social, cultural e moral, familiar isto é garante na integra a vida da criança. (BRASIL, 2016) O Marco Legal da Primeira Infância (13.257/2016), como podemos perceber, firmou- se como Lei tardiamente no contexto histórico educacional brasileiro. Esta enfatiza o papel da criança como cidadã e apresenta a garantia dos direitos infantis. A Lei também aponta o necessário trato das políticas públicas, como a saúde, a educação, a assistência, a cultura, o brincar, o lazer e o espaço, dentre outras, para tornar a criança sujeito de direitos. Dessa forma, fortalece a responsabilização conjunta da família, da sociedade e do Estado pelos cuidados durante ainfância. No que se refere ao espaço, pode-se ressaltar que esse foi citado nas legislações e orientações como um direito das crianças. Além disso, pode-se analisar como um avanço do que se refere às políticas públicas ofertadas para garantir esse direito para as crianças. 28 Logo, a criança passou a ser observada como um sujeito social detentora de direitos apenas no contexto histórico contemporâneo e, mais especificamente, a partir do espaço da “escola”. Nesse sentido, os autores Altino Filho e Lourival Filho (2013, p. 56) apontam que “a concepção de criança e infância, que caracteriza como substantivos plurais é recente e vem tomando corpo na contemporaneidade”. Estes autores analisam esta ideia de infância que se direciona no pensamento de um conceito heterogêneo e de um amplo interesse em conhecer e compreender as experiências de vida das crianças. Disso, podemos relacionar que as políticas públicas destinadas para as crianças foram se introduzindo na história. Como pode-se observar no seguintetrecho: Essa nova ordem, a partir da segunda metade do século XIX, foi determinante para as novas gerações tornarem-se alvo de investimento e de políticas públicas, sendo as crianças consideradas o “futuro da nação”. Assim, a infância na modernidade capitalista foi delineada com base na divisão do trabalho, apartando-se da figura do adulto, e conferindo-lhe práticas materiais diversas. Também se procedeu à organização de instituições sociais especializadas (como creches, pré-escolas, escolas, pediatria, etc.). A partir daí, o discurso acerca das crianças tendia a excluí- las das situações de trabalho e a incluí-las em um processo de escolarização compulsória [...] a gênese do(s) “sentimentos da infância” desenvolveu uma consciência de alteridade das crianças em relação aos adultos, que é decisiva para essa construção histórica, com um contínuo, dinâmico e distinto (em face da Antiguidade) processo de desenvolvimento desde [...] a modernidade. (FILHO; FILHO, 2013, p.55) Acresce que o significado da infância se estende além dos cuidados básicos, ela assegura o desenvolvimento integral da criança, o amplo atendimento às suas necessidades, como a procura por uma educação adequada a sua condição, centrada na qualidade e interação dessas com o mundo, através de diferentes formas de expressão e de assimilação do conhecimento além da escola, ou seja, os diferentes vínculos que existem na comunidade, nas famílias e entre outros espaços. Diante do exposto, o direito aos espaços infantis, apresentam sinais de sua efetivação no Brasil, primeiramente a partir da Constituição Federal de 1988 que se torna um marco, propondo uma visão de criança como sujeito de direitos. É neste contexto histórico de redemocratização do país que estes aspectos específicos da infância ganham notoriedade no conjunto de direitos assegurados pela Lei. Mais tarde estes direitos foram regulamentados no ECA, sendo esta lei que formaliza a concepção da criança como cidadã, o que significa entendê-las como sujeito de direitos que merecem proteção integral. 29 O Marco da Primeira Infância de 2016 pode ser considerado um avanço em termos de legislações e orientações relacionadas ao período da primeira infância, e mais especificamente quanto aos direitos aos espaços infantis como políticas públicas, noBrasil. Portanto, toda a análise dos espaços infantis, nas legislações e orientações brasileiras nos documentos estudados nesta análise, possibilitou perceber que a legitimação desses direitos, mesmo avançando de maneira tardia nas concepções expressas nas legislações, na prática, ainda apresenta uma considerável distância da efetivaçãodesejada. 2.2 PARQUES INFANTIS BRASILEIROS: ESPAÇOS NAS CIDADES E A IDEIA DE CRIANÇA COMO SUJEITO DEDIREITOS Os espaços públicos brasileiros, especificamente os parques infantis ou playgrounds, podem ser considerados como possibilidade para efetivar a ideia da criança como sujeito de direitos no contexto das cidades. Esses espaços podem ser entendidos como locais de mediação social, cultural e político entreas crianças e a realidade que as cerca. O pesquisador Zabalza (1998) apresenta através de Battini como pode ser conceituado o espaço, mais especificamente o infantil: Segundo o professor Enrico Battini, da Faculdade de Arquitetura da Universidade de Turim, estamos acostumados a considerar o espaço como um volume, uma caixa que poderíamos até encher. No entanto, o mesmo autor diz que “é necessário entender o espaço como um espaço de vida, no qual a vida acontece e se desenvolve: é um conjunto completo”. Essa concepção do espaço como caixa é uma abstração dos adultos. No entanto, “para as crianças pequenas o espaço é aquilo que nós chamamos de espaço equipado, ou seja, espaço com tudo o que efetivamente o compõe: móveis, objetos, odores, coisas duras e moles, coisas longas e curtas, coisas frias e coisas quentes, etc.”. “O espaço é antes de mais nada luz: a luz que nos permite tanto a nós como à criança vê-lo, conhecê-lo e, portanto, ao mesmo tempo, compreendê-lo, recordá-lo, talvez para sempre”. (p.24). Battini apresenta uma visão muito vitalista do espaço. Visão que se adapta bem à forma que as crianças têm de abordar o mesmo. (BATTINI, 1982, p. 24 apud ZABALZA, 1998, p.230-231) Ainda, ao considerar as cidades com a existência de seus espaços infantis e perceber que estes podem proporcionar condições de ser criança podemos compreender os possíveis significados da(s) infância(s) presentes. Nessa perspectiva, entre os anos de 1935 a 1938, pode-se destacar um fato histórico interessante no país para se pensar os espaços infantis no viés das políticas públicas, que foi o momento no qual o escritor, pesquisador, educador e poeta Mário de Andrade, assumindo o cargo de chefe do Departamento de Cultura de São Paulo, criou o projeto “Parques Infantis de Mário de Andrade”, que teve como proposta a construção desses locais para as crianças que 30 eram os filhos (as) da classe trabalhadora. Sobre a importância desse projeto para a conjuntura histórica do período destaca-se que: Os parques infantis da Prefeitura de São Paulo foram destinados à recreação das crianças pobres da cidade, especialmente os filhos de operários. O primeiro a ser instalado foi o Parque Infantil Pedro II. Em seguida surgiram o Parque Infantil da Lapa e do Ipiranga. Posteriormente, e por último, instalou-se o Parque Infantil de Santo Amaro. Até 1938, ano da saída de Mário de Andrade do Departamento de Cultura, estes foram os únicos em funcionamento na cidade. Muitos outros, porém já estavam projetados. Seriam instalados “todos em bairros de trabalho ou de pobreza, imediações de escolas ou fábricas, enfim onde pudesse ser mais útil socialmente.”. Além da recreação orientada por educadores, essas crianças recebiam nos parques assistência média e dentária, educação sanitária e higiênica, roupas e alimentação. (ABDANUR, 1994, p. 268) O projeto dos “Parques Infantis de Mário de Andrade”6 foi pensado como espaços infantis acessíveis, para as crianças das famílias de classes operárias brasileiras. Sendo assim, foram significativos para apontar que na gestão do escritor foi viável constituir um plano governamental de educação para além da instituição escolar por meio do qual foi possível garantir o direito à infância dessas crianças. De acordo com o pesquisador Carlos Augusto da Costa Niemeyer (2002), foi durante o contexto político instável dos anos 1930 que surgiram os Parques Infantis em São Paulo. Disso, percebe-se que esta experiência de lazer desenvolvida por intelectuais da cultura nacional como Mário de Andrade procuravam por soluções efetivas para atenuar a crise social existente no contexto de consolidação do industrialismo brasileiro. O pesquisador Niemeyer (2002) discorre sobre o contexto histórico dos “Parques Infantis de Mário de Andrade”, destacando que: Paralelo ao discurso da higiene social, visível na expansão da educação física e seus atributos moralizadores, dá-se o incremento do discurso pedagógico geminado a partir do ideal escolanovista emergido no Brasil no início dos anos 1930, elegendo os processos educativos como prioridade na ação social. Nesse aspecto, o aparelho escolar ganha importância como instrumento formador do caráter nacional e como veículo de incorporação da classe trabalhadora à nova ordem cívica republicana. Disciplina, saúde, educação e trabalho reúnem-se ao ideal positivista de “ordem e progresso”, voltados ao dever de consolidar uma nação civilizada, à altura das ambições nacionalistas que emergiam naqueles anos de otimismo desenvolvimentista.Asegundametadedadécadade1930assistiráaosurgimento 6 A respeito do término do projeto dos “Parques Infantis de Mário de Andrade” pode-se relacionar com o período histórico da Ditadura do Estado Novo, que foi o regime político brasileiro instaurado por Getúlio Vargas em 1937 e que vigorou até o ano de 1945. Nesse sentido, pode-se apontar como os parques infantis inserem-se em um contexto de disputas políticas, sociais e culturais no país. De acordo com o pesquisador Carlos Augusto da Costa Niemeyer (2002, p. 131), “o contínuo desmantelamento de diversos projetos em andamento pelo Departamento de Cultura será um duro golpe para quem se entregara de corpo e alma ao sonho nobre de produzir e socializar cultura em meio a um regime oficial conservador. Do ponto de vista da promoção da cultura, no sentido em que era tratada pelos modernistas, a administração Prestes Maia – na chefia do executivo municipal - não será pródiga nesteaspecto.” 31 dos primeiros Parques Infantis paulistanos, como aparelho “peri-escolar”, dentro da visão republicana de “sanear pela educação”, incorporando objetivos reformadores codificados e adaptados à realidade programática dos dimensionamentos arquitetônicos. Carregando ideais de reforma social, os novos equipamentos lúdico- culturais surgem como proposta avançada de inclusão da classe trabalhadora na nova sociedade educada e moralizada que se pretendia construir. Conteúdo este, que permanecerá basicamente o mesmo até o esgotamento do modelo nos anos 1970. (NIEMEYER, 2002, p. 172) Neste mesmo período histórico, pode-se apontar o sociólogo Florestan Fernandes (2004) que pesquisou, nos anos de 1940, as “trocinhas”, ou seja, os grupos de rua formados pela vizinhança na cidade São Paulo, cuja finalidade era brincar, agrupados por gênero, classe social e etnias. Enquanto os meninos brincavam na rua, jogavam futebol, e às vezes lutavam entre grupos, as meninas costumavam brincar dentro de casa, pois não podiam sair na rua assim como os meninos. Diante disso, o pesquisador Perrotti (1991) sobre a “cultura das ruas”, baseando-se nos debates de Florestan Fernandes (2004), compreendeque: Nesse sentido, como mostrou Florestan Fernandes ao estudar os grupos infantis do bairro do Bom Retiro, em São Paulo – as conhecidas “trocinhas do Bom Retiro” -, os grupos infantis serviam como espaço de troca, de assimilação, de integração da diversidade cultural que nos caracteriza, preparando os futuros adultos para a convivência com a diferença, a aceitação do outro, condição fundamental à constituição de uma sociedade democrática. Em outras palavras, os grupos infantis desde cedo preparavam as crianças para a tolerância, inscrevendo-a em suas sensibilidades, uma vez que o desejo de brincar conduzia ao equilíbrio, ocasionando a integração das diferenças de modo natural, sem artifícios ou imposições. Portanto, a “cultura das ruas” era manifestação de ordem sociológica, mas também de ordem política na medida em que permitia a diversidade ser expressa, vivida, discutida, reconhecida, harmonizada num jogo de interações que vão sendo definidas e redefinidas em função das possibilidades e dos interesses do grupo. (PERROTTI, 1991, p.27) No entanto, Florestan Fernandes (2004) aponta que a constituição e conformação dos ideários de classe, gêneroe etnia pelas crianças, ou seja, a “harmonia” dentro do grupo se dava frequentemente, em meio a ações de muitasviolências. Acresce que, na trajetória histórica de políticas públicas para os espaços infantis no país aconteceu um processo, a partir da década de 1960, em que a possibilidade de viver a “cultura das ruas” passa a se tornar limitada para as crianças desse período. Como se pode observar no seguinte trecho do pesquisador Perrotti (1991): Todavia, as mudanças gerais ocorridas no país, a partir sobretudo dos anos 60, iriam pôr em crise os modos tradicionais de inserção da infância na vida sociocultural. Nessa época, nos grandes aglomerados, começa a se processar um movimento de recolhimento crescente da infância nos espaços domésticos e em instituições especializadas (creches, escolas), dando origem a um novo modelo de participação na cultura, marcado pelo distanciamento dos espaços públicos. Segundo tal ordem, a rua deixa de ser um espaço de convivência lúdica para se tornar apenas ponto de passagem, espaço utilitário de ligação, corredor. Ao invés de manter seu caráter tradicional de lugar de permanência, transfere tal papel para os espaços domésticos e 32 os especializados, instituindo como norma o que chamei de confinamento cultural da infância. (PERROTTI, 1991, p. 25) Além disso, Florestan Fernandes (2004) compreende que as crianças das classes ricas, já brincavam menos na rua naquela época, porém o que ocorre é uma ampliação desse fato para a “maioria” das crianças. A partir dessas experiências no país em relação aos espaços infantis no viés das políticas públicas nas cidades, torna-se possível perceber a existência de disputa política por condições físicas para que as crianças apresentem possibilidades de lazer, interações e brincadeiras, ou seja, “(...) falar da condição de criança remete à consideração de uma criança concreta, socialmente determinada em um contexto de classes sociais antagônicas.” (MIRANDA, 1985, p. 128-129). Dessa forma, pode-se apontar que o planejamento de espaços infantis nas cidades a partir da presença de parques é indicativo de que as sociedades procuram assegurar as condições sociais de ser criança e as compreendem como sujeitos sociais, culturais e históricos e que interferem de maneira direta no local onde vivem. Desta forma, concordamos que “a história das crianças e da infância revela as marcas, as ideias, as práticas sociais, as políticas públicas que cada sociedade produz no sentido de ‘cuidar’ e ‘educar’ suas crianças.” (SILVA, 2012, p.234). Nesse sentido, podemos apontar o pesquisador Niemeyer (2002) que possibilita inferir sobre a intencionalidade arraigada ou que motivou a construção desses parques na Europa e para alguns no Brasil, ou seja, uma concepção utilitária, de higienização, adestramento etc., o que Mario de Andrade almejava com eles uma primeira contradição ou disputa de concepções e o que os sujeitos concretos “fizeram” com a existência desses parques talvez, tendo uma relação menos utilitária do que sepropunha. Além disso, nesta breve revisão sobre os parques infantis como possibilidade para a criança exercitar sua condição como sujeito de direitos no país percebemos que a existência ou não destes permitem compreender aspectos de diferenciação na concepção de infância no contexto capitalista de produção. Ou seja, a proposta de transformar espaços públicos em parques infantis para que as crianças desfrutem o tempo livre para a diversão, lazer e o brincar inserem-se na perspectiva democrática de acesso ao direito acidade. Assim sendo, torna-se importante apontar que esses espaços públicos, no caso específico dos parques infantis ou playgrounds, podem assegurar o direito de ser criança e eles possibilitam o brincar, a brincadeira e perceber que ela tem possibilidades de ser um ator social no contexto dascidades. 33 Disso, pode-se destacar a importância da análise dos planos diretores no contexto das grandes cidades, pois estes buscam direcionar a forma dos planejamentos urbanos e permitem perceber de que forma os espaços são pensados, dentre eles, os espaços especificamente voltados à infância. Portanto, a análise dos planos diretores do bairro Campeche, dos anos 1989 aos anos 2019, permitirá compreender como estes apresentam a infância em suas propostas. Ou seja, como os documentos contemporâneos que regulam sobre o uso social das grandes cidades: os planos diretores dizem sobre o espaço para a criança. Desta forma, pensar como a(s) infância(s) é planejada dentro desses espaços urbanos pode levar ao entendimento de como as crianças e as brincadeiras são representadas e pensadas nestas localidades, em especial, por meio dos parques infantis. 34 3. OS PLANOS DIRETORES DO BAIRRO CAMPECHE (1989-2019): E OS ESPAÇOS PARA OBRINCAR No final da década de 1980, o bairro Campeche localizado em Florianópolis (SC), caracterizava-se por um lento processo de urbanização e carência de serviços públicos. Esta situação foi inferida no Plano de Desenvolvimento Campeche (1995)7, documento que constava que “em termos de lazer, as comunidades estão muito mal atendidas. Não há rede coletora nem tratamento final adequado dos esgotos sanitários em toda a região. Os postos de saúde são classificados como regulares ou ruins” (IPUF, 1995). Essa conjuntura contribuiu para a criação de um plano diretor para a região. Nesta seção, o objetivo é analisar como o conceito de criança8 é tratado na conjuntura de urbanização no bairro Campeche, do ano de 1989 aos anos 2019, em especial por meio dos parques infantis. Para isso será demonstrado o histórico da expansão urbana do Campeche, os espaços existentes para as crianças, de 0 a 12 anos, e como a criança é percebida pelas propostas de políticas públicas no viés do direito a cidade. A partir do Plano Diretor de Desenvolvimento da Planície Entremares para o bairro Campeche, do ano de 19899 foi possível entender que o processo de planejamento da urbanização serviu como uma tentativa ordenadora do espaço físico e de promover sua inscrição no mercado turístico em nível nacional e internacional. A antropóloga Márcia Fantin (2000) descreve que o rápido crescimento aconteceu devido ao desenvolvimento do setor imobiliário e turístico visando promover o lugar como um espaço de excelência para se viver. Nos anos 90, em meio ao processo de globalização, o turismo torna-se agenda imprescindível nos debates, aguçada ainda mais com a organização do Mercosul, que se descortina como um novo mercado adesafiar as cidades – especialmente 7 A respeito do Plano de Desenvolvimento Campeche (1995) pode-se afirmar que este é considerado uma das versões atualizadas do primeiro plano diretor para o Campeche que é o Plano de Desenvolvimento da Planície Entremares, Campeche e região elaborado pelo IPUF no ano de 1989. 8 A respeito da quantidade aproximada de crianças na cidade de Florianópolis pode-se apontar os dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) que são de 2010, do último censo, que entre o grupo de 0 a 4 anos erade23.499crianças;entreogrupode5a9anoserade23.753crianças;entreogrupode10a14anosde 28.471 crianças e também adolescentes. Disponível em: <https://cidades.ibge.gov.br/brasil/sc/florianopolis/pesquisa/23/25888?detalhes=true>. Acesso em: 13 de agosto de 2019. 9 A respeito do primeiro plano diretor efetivo para o bairro Campeche, do ano de 1989, pode-se relacionar ao artigo da Constituição Federal de 1988 que aponta no “CAPÍTULO II - DA POLÍTICA URBANA. Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. (Regulamento)(Vide Lei nº 13.311, de 11 de julho de 2016). § 1º O plano diretor, aprovado pela CâmaraMunicipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.”. https://cidades.ibge.gov.br/brasil/sc/florianopolis/pesquisa/23/25888?detalhes=true http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/LEIS_2001/L10257.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Lei/L13311.htm 35 Florianópolis, que se autodenomina “Capital Turística do Mercosul”. Em sintonia com as transformações advindas do processo de globalização da economia e mutações no mercado de trabalho, que acena para o crescimento do setor de serviços e novos usos do tempo livre, reforça-se a discussão da chamada vocação para o turismo (indicando que Florianópolis ‘escolheu o caminho certo’) e da necessidade de incrementar a indústria do entretenimento, do turismo e do lazer. (FANTIN, 2000, p.75) Neste trabalho, o estudo dos planos diretores da região da planície do Campeche, em especial o plano diretor vigente desde o ano de 1989 – o Plano de Desenvolvimento da Planície Entremares para a região do bairro Campeche - teve como objetivo compreender que as ações do urbanismo buscavam modernizar o bairro na ideia de Florianópolis tornar-se a “Capital Turística do Mercosul” e, para isso, o Campeche alteraria suas estruturas sociais, culturais e ambientais (ZANELA, 1999). Com a aprovação do Plano de Desenvolvimento da Planície Entremares, Campeche e região, de 1989, altamente destrutivo e insustentável hidricamente, a comunidade organizada em assembleia decidiu elaborar seu próprio plano, o Plano Comunitário para a Planície do Campeche, proposta para um desenvolvimento sustentável, de 1999. Este tinha como proposta a criação de uma infraestrutura urbana com fins educativos e a promoção do desenvolvimento individual a partir da educação, geração de empregos anuais e não só de temporada, além de incentivo do desenvolvimento do patrimônio ambiental e da cultura local, estimulando a expansão da economia familiar e do mercado regional. (BARBOSA; BURGOS; TIRELLI, 2003, p.158). Entre os anos de 1989 a 1999 ocorreram embates entre a comunidade local e o IPUF sobre questões como atendimento aos aspectos mais elementares, como implantação imediata de redes de águas e esgoto, de maneira ecologicamente compatível; melhoria dos postos de saúde; ampliação de escolas; melhoria do transporte coletivo; dentre outros. Contudo, um pedido ganhava destaque: a criação de áreas de preservação, como as dunas da praia do Campeche, pois estas corriam o risco de serem ocupadas dentro daquela concepção de urbanização. (AMARANTE,2016). A partir dos aspectos da proposta desses planejamentos urbanos da comunidade para o bairro analisado pode-se verificar que não havia ainda nada citado e documentado diretamente a respeito da construção de espaços infantis e de brincadeiras para as crianças da localidade. No entanto, o mais próximo que pode ser observado é a ideia de promover o desenvolvimento da educação e cultura local, mas nada referenciando a responsabilidade em promover locais para que as crianças de 0 a 12 anos pudessem interagir, brincar e vivenciar sua(s) infância(s) coletivamente neste período. 36 Foi possível analisar, a partir do histórico de expansão urbana para o Campeche, uma realidade ainda precária da infância neste bairro por causa da falta de políticas públicas que regulassem sobre o uso social das grandes cidades, os planos diretores, voltados a respeito do espaço para a criança. De maneira geral, as políticas públicas na região ainda estavam distantes de serem consideradas “desenvolvidas”, ainda que nesta região existisse propostas de torná-la inserida na ideia da “Capital Turística do Mercosul”. Logo, podemos inferir que a concepção de infância a partir da realidade social dessas crianças estava longe de considerá-las como sujeitos de direitos na cidade de Florianópolis devido ao fato da inexistência dos parques infantis no Campeche neste momento. Disso, essa situação permite compreender que a ideia de transformar espaços públicos em parques infantis para que as crianças desfrutem o tempo livre para a diversão, lazer e o brincar inserem-se na perspectiva de perceber que elas tem possibilidades de ser um ator social no contexto dascidades. As disputas em torno do Plano de Desenvolvimento da Planície Entremares, Campeche e região (1989), possibilitam observar as precárias políticas públicas de inserção da criança como um sujeito de direitos, considerando que não havia nem calçadas que assegurassem a segurança das crianças ou algum parque para exercerem seu direito de brincar. No entanto, podemos apontar o sociólogo Florestan Fernandes (2004) para pensar sobre o brincar na rua e que essa era uma possibilidade para as crianças do Campeche formarem os grupos pela vizinhança no bairro cuja finalidade era brincar, ou seja, realizar a sua condição de criança. Diante disso, pode-se apontar a proposta que o IPUF, a partir do Plano de Desenvolvimento da Planície Entremares, Campeche e região - do ano de 1989, buscou construir para o bairro, com o objetivo de conceber um projeto completo para a criação de um Parque Tecnológico na região do Campeche, acabou não sendo efetivada. Essa era uma concepção industrial que inovaria a paisagem no sul da Ilha de Santa Catarina, especialmente a do Campeche, buscando vincular alta tecnologia com ecologia, indústria e preservação ambiental.No entanto, a partir desse Plano Diretor (1989) ocorreram conseqüências para a urbanização do bairro, pois o capital imobiliário passou a investir no sul da Ilha de Santa Catarina, sobretudo a partir da década de 2000, promovendo o crescimento do Campeche, que se tornou destino turístico e residencial. É perceptível o boom imobiliário através da multiplicação de condomínios fechados de altopadrão. Neste período do desenvolvimento urbano do bairro têm-se os vestígios da proposta desse Plano Diretor, que deu lugar aos discursos de venda da cidade e do próprio bairro, ouseja, a urbanização analisada no Campeche, a partir dos empreendimentos imobiliários, faz parte de políticas intraurbanas e/ou do marketing urbano da cidade para projetá-la como mercadoria. O que permite concluir que este projeto de viés capitalista se insere como ordenador espacial para 37 a cidade. (AMARANTE, 2016, p. 214). Entende-se que o bairro, como qualquer outro lugar, está integrado com todo o globo. Assim sendo, observa-se que Florianópolis acaba tornando-se uma espécie de mercadoria a qual um dos interesses dos governos locais tornou-se a venda da cidade. Para a pesquisadora Sugai (2015) esta perspectiva da cidade como mercadoria faz com que os governos locais procurem por recursos externos para que haja novos investimentos na região e com isso, difunde imagens favoráveis do município e buscando inserir a cidade nos circuitos nacionais e/ou globais. Além disso, submetendo a cidade em negociações financeiras entre as esferas públicas e privadas, ou seja, atraindo investimentos de capital e estimulando a expansão imobiliária na localidade. As construções imobiliárias, cada vez mais presentes no bairro, são os indícios mais visíveis desse processo de venda de Florianópolis. Ao longo da análise dos planos diretoresobservou-se no bairro a busca por uma padronização elitizada para uma região até poucasdécadas atrás com características rurais e que acabou tornando a sua paisagem natural como mercadoria, ou seja, procurou-se expandir o crescimento urbano e turístico no Campeche. Dessaforma,apropostadeapresentarosparquesinfantisdoCampeche,procuranestaanálise dar foco tanto aos espaços públicos e coletivos quanto aos de caráter privados, construídos a partir dos embates entre os respectivos planos diretores analisados. Ao apresentar a existência destes pode-se observar as concepções explícitas ou implícitas de criança e como se articulam com
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