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EVANGELHOS SINÓTICOS
CURSOS DE GRADUAÇÃO – EAD
Evangelhos Sinóticos – Prof.a Dra. Elisa Rodrigues
Meu nome é Elisa Rodrigues e sou natural de Osasco, São 
Paulo. Tenho Bacharelado em Teologia e Doutora em Ciências 
da Religião, área de Literatura e Religião do Mundo Bíblico 
(Universidade Metodista de São Paulo). Também sou Bacharel 
em Sociologia e Política (Fundação Escola de Sociologia e Política 
de São Paulo) e Doutoranda em Ciências Sociais, área de Cultura 
e Política (Universidade Estadual de Campinas). Pesquiso temas 
relacionados à religião, especialmente, Hermenêutica de Textos 
Sagrados (Judaico-cristãos) e a recepção dessa literatura pelos 
protestantismos, neo-pentecostalismos e catolicismos. Além de 
artigos publicados em periódicos especializados em Teologia e 
Religião, participei do livro intitulado Palavra de Deus, Palavra da Gente (Editora Paulus) 
e escrevi o livro O que é Teologia? (MK Editora).
e-mail: e_rodrigues@yahoo.com
Fazemos parte do Claretiano - Rede de Educação
EVANGELHOS SINÓTICOS
Elisa Rodrigues
Batatais
Claretiano
2014
Fazemos parte do Claretiano - Rede de Educação
© Ação Educacional Claretiana, 2014 – Batatais (SP)
Versão: ago./2014
 
 
 
 
 
   
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
  226 R611e 
 Rodrigues, Elisa 
 Evangelhos Sinóticos / Elisa Rodrigues – Batatais, SP : Claretiano, 2014. 
 194 p. 
 ISBN: 978-85-8377-159-3 
 
 1. Sinóticos. 2. Evangelhos. 3. Gêneros literários. 4. Perspectivas Teológicas. 
 I. Evangelhos Sinóticos. 
 
          
  
 
 
 
 
 
 CDD 226
Corpo Técnico Editorial do Material Didático Mediacional
Coordenador de Material Didático Mediacional: J. Alves
Preparação 
Aline de Fátima Guedes
Camila Maria Nardi Matos 
Carolina de Andrade Baviera
Cátia Aparecida Ribeiro
Dandara Louise Vieira Matavelli
Elaine Aparecida de Lima Moraes
Josiane Marchiori Martins
Lidiane Maria Magalini
Luciana A. Mani Adami
Luciana dos Santos Sançana de Melo
Patrícia Alves Veronez Montera
Raquel Baptista Meneses Frata
Rosemeire Cristina Astolphi Buzzelli
Simone Rodrigues de Oliveira
Bibliotecária 
Ana Carolina Guimarães – CRB7: 64/11
Revisão
Cecília Beatriz Alves Teixeira
Felipe Aleixo
Filipi Andrade de Deus Silveira
Paulo Roberto F. M. Sposati Ortiz
Rafael Antonio Morotti
Rodrigo Ferreira Daverni
Sônia Galindo Melo
Talita Cristina Bartolomeu
Vanessa Vergani Machado
Projeto gráfico, diagramação e capa 
Eduardo de Oliveira Azevedo
Joice Cristina Micai 
Lúcia Maria de Sousa Ferrão
Luis Antônio Guimarães Toloi 
Raphael Fantacini de Oliveira
Tamires Botta Murakami de Souza
Wagner Segato dos Santos
Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução, a transmissão total ou parcial por qualquer 
forma e/ou qualquer meio (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação e distribuição na 
web), ou o arquivamento em qualquer sistema de banco de dados sem a permissão por escrito do 
autor e da Ação Educacional Claretiana.
Claretiano - Centro Universitário
Rua Dom Bosco, 466 - Bairro: Castelo – Batatais SP – CEP 14.300-000
cead@claretiano.edu.br
Fone: (16) 3660-1777 – Fax: (16) 3660-1780 – 0800 941 0006
www.claretianobt.com.br
SUMÁRIO
CADERNO DE REFERÊNCIA DE CONTEÚDO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 9
2 ORIENTAÇÕES PARA ESTUDO ......................................................................... 10
3 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 30
4 E-REFERÊNCIAS ................................................................................................ 30
UNIDADE 1 – INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS SINÓTICOS
1 OBJETIVOS ........................................................................................................ 31
2 CONTEÚDOS ..................................................................................................... 31
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE ............................................... 32
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE .............................................................................. 33
5 O QUE É EVANGELHO? ..................................................................................... 34
6 MUNDO SOCIAL DAS PRIMEIRAS COMUNIDADES 
CRISTÃS "ESPELHADO" NA LITERATURA ......................................................... 40
7 SABEDORIA E CRÍTICA SOCIAL NAS ORIGENS CRISTÃS ................................. 43
8 CONFLUÊNCIA DE HORIZONTES CULTURAIS ................................................. 52
9 IDENTIDADE SOCIAL DAS PRIMEIRAS COMUNIDADES CRISTÃS ................. 54
10 PRIMEIRAS COMUNIDADES CRISTÃS: ITINERANTES OU LOCAIS? ............... 57
11 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS ........................................................................ 63
12 CONSIDERAÇÕES ............................................................................................. 63
13 E-REFERÊNCIAS ................................................................................................ 64
14 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................... 65
UNIDADE 2 – O PROBLEMA SINÓTICO E AS ORIGENS CRISTÃS
1 OBJETIVOS ........................................................................................................ 67
2 CONTEÚDOS ..................................................................................................... 67
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE ............................................... 68
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE ............................................................................... 69
5 O PROBLEMA SINÓTICO E A CRÍTICA DAS FONTES ....................................... 69
6 O "OLHAR" PARA DENTRO DAS FONTES ......................................................... 73
7 FONTES SINÓTICAS .......................................................................................... 76
8 A COMPOSIÇÃO DOS EVANGELHOS ............................................................... 83
9 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS ........................................................................ 87
10 CONSIDERAÇÕES ............................................................................................. 87
11 E-REFERÊNCIAS ................................................................................................ 89
12 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................... 89
UNIDADE 3 – A HIPÓTESE DE "Q" - A FONTE DOS DITOS DE JESUS
1 OBJETIVOS ........................................................................................................ 91
2 CONTEÚDOS ..................................................................................................... 91
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE ............................................... 92
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE ............................................................................... 93
5 GÊNESE DA HIPÓTESE FONTE Q – A FONTE DOS DITOS DE JESUS ............... 93
6 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS ........................................................................ 105
7 CONSIDERAÇÕES ............................................................................................. 106
8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................... 107
UNIDADE 4 – O EVANGELHO DE MARCOS
1 OBJETIVOS ........................................................................................................ 109
2 CONTEÚDOS ..................................................................................................... 109
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE............................................... 110
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE ............................................................................... 110
5 SOBRE A AUTORIA E DATAÇÃO ........................................................................ 111
6 CHAVES METODOLÓGICAS .............................................................................. 114
7 CONJUNTURA HISTÓRICO-SOCIAL .................................................................. 117
8 ALGUNS CONTEÚDOS DO EVANGELHO DE MARCOS ................................... 122
9 O "CRISTO DA FÉ" NO EVANGELHO DE MARCOS ........................................... 124
10 UMA LEITURA POLÍTICA DE MARCOS ............................................................ 126
11 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS ........................................................................ 132
12 CONSIDERAÇÕES .............................................................................................. 132
13 E-REFERÊNCIA .................................................................................................. 133
14 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 134
UNIDADE 5 – EVANGELHO DE MATEUS
1 OBJETIVOS ........................................................................................................ 135
2 CONTEÚDOS ..................................................................................................... 135
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE ............................................... 136
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE ............................................................................... 136
5 EVANGELHO DE MATEUS E A TRADIÇÃO........................................................ 137
6 EVANGELHO DE MATEUS E A PESQUISA MODERNA ..................................... 139
7 OS CONTEÚDOS DO EVANGELHO DE MATEUS .............................................. 141
8 LUGAR DE ORIGEM E AUTORIA DO EVANGELHO .......................................... 148
9 HISTÓRIAS EVOCADAS POR MATEUS ............................................................. 151
10 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS ....................................................................... 161
11 CONSIDERAÇÕES ............................................................................................. 161
12 E-REFERÊNCIAS ................................................................................................ 162
13 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 163
UNIDADE 6 – EVANGELHO DE LUCAS
1 OBJETIVOS ........................................................................................................ 165
2 CONTEÚDOS ..................................................................................................... 165
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE ............................................... 166
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE ............................................................................... 166
5 FRAGMENTOS DE HISTÓRIA. TESTEMUNHOS SOBRE LUCAS ...................... 168
6 ESTÁGIOS DA ESCRITA DO EVANGELHO E AUTORIA ..................................... 170
7 TEMAS LITERÁRIOS E DISCUSSÕES SOBRE LUCAS ........................................ 175
8 MEMÓRIAS DA TRADIÇÃO JUDAICA EM LUCAS ............................................ 183
9 PROPOSTAS DE ESTRUTURA PARA LUCAS ...................................................... 189
10 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS ........................................................................ 190
11 CONSIDERAÇÕES ............................................................................................. 191
12 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 192
EA
D
CRC
Caderno de 
Referência de 
Conteúdo
1. INTRODUÇÃO
O estudo de Evangelhos Sinóticos consiste na investigação 
de parte da chamada "literatura neotestamentária", produzida no 
século 1º da Era Cristã e que constitui um dos blocos de textos da 
Bíblia. Os Evangelhos Sinóticos Mateus, Marcos e Lucas são assim 
denominados porque seriam "espelhos" um do outro, diferente-
mente do evangelho de João, cuja estrutura, forma escrita e teo-
logia guardariam especificidades. Em outras palavras, esses três 
evangelhos repetiriam os conteúdos por meio de formas de apre-
sentação semelhantes (gêneros literários), além de mensagens e 
teologias comuns. 
Tais literaturas despertam interesse entre estudiosos de teo-
logia, de história e outras disciplinas da área de ciências humanas, 
mas também no grande público. Isso ocorre porque a literatura 
bíblica é passível de novas interpretações a cada período histórico. 
© Evangelhos Sinóticos10
Ela é polissêmica e reverberante. É característica dessa literatura a 
linguagem inventiva, narrativa, poética e, de modo geral, simbóli-
ca, que lhe proporciona um caráter de constante atualidade.
As pessoas lêem os Evangelhos Sinóticos e encantam-se. São 
atraídas pela aparência histórica, pelas informações biográficas, 
pela beleza literária e pelo caráter ético-normativo típico da pro-
clamação de Jesus, expressa na escrita dos redatores. 
Os Evangelhos, portanto, trazem algo do Jesus Histórico e 
muito do Jesus Proclamado. Trazem conteúdos da mensagem do 
reino de Deus, da salvação para humanidade e da restauração da 
dignidade humana. Cada qual com especificações típicas de seus 
interesses relacionados às suas questões, aos problemas das pri-
meiras comunidades, de suas audiências. O estudo dos Evangelhos 
Sinóticos possibilita, mesmo que timidamente, a reconstituição 
das origens cristãs por meio do conhecimento de suas crenças, de 
seus dilemas, de seus problemas sociais, de suas expectativas e 
perguntas mais frequentes. Muitos dilemas, problemas sociais, ex-
pectativas e perguntas que as sociedades atuais ainda partilham.
Nesse sentido, vale notar que o aprofundamento nos temas 
relacionados ao estudo dos Sinóticos constitui importante instru-
mento para a compreensão do legado cristão à cultura ocidental. 
Após esta introdução aos conceitos principais, apresenta-
mos, a seguir, no Tópico Orientações para Estudo, algumas orien-
tações de caráter motivacional, dicas e estratégias de aprendiza-
gem que poderão facilitar o seu estudo. 
2. ORIENTAÇÕES PARA ESTUDO 
Abordagem Geral
Aqui, você entrará em contato com os assuntos principais 
deste conteúdo de forma breve e geral e terá a oportunidade de 
aprofundar essas questões no estudo de cada unidade. No entan-
Claretiano - Centro Universitário
11© Caderno de Referência de Conteúdo
to, essa Abordagem Geral visa fornecer-lhe o conhecimento básico 
necessário a partir do qual você possa construir um referencial te-
órico com base sólida – científica e cultural – para que, no futuro 
exercício de sua profissão, você a exerça com competência cogniti-
va, ética e responsabilidade social. 
Para iniciar o aprendizado e a reflexão sobre os Evangelhos 
Sinóticos, vamos conhecer um pouco desses documentos tão valo-
rizados pela cristandade ao longo dos séculos, em função de suas 
narrativas de conteúdo histórico, biográfico e simbólico. 
Sabemos que os evangelhos sinóticos são Mateus, Marcos 
e Lucas. Nosso objetivo geral é compreender porque essas três 
fontes são estudadas em conjunto e quais os motivos que as tor-
nam documentos tão importantes para a compreensão das ori-
gens cristãs.
Objetivos específicos
• Apresentar a discussão inicial a cerca do que é um gênero 
literário "evangelho", bem como caracterizar seus princi-
pais conteúdos.
• Apontar a relação entre os conteúdos, as formas literárias 
e as teologias que constituem os evangelhos e seus con-
textos históricos e sociais específicos.
• Caracterizar a importância do estudo dos Evangelhos Si-
nóticos para o conhecimento da modalidade religiosa 
cristianismo.
Para começo de conversa, o que é "evangelho"?
O termo substantivo "evangelho" (euaggeliou) pode ser en-
contradoseis vezes no Antigo Testamento, com dois sentidos: 
• "boas novas" (Cf. 2 Sm 18:20, 25, 27; 2 Re7:9); 
• "recompensa por boas notícias" (2 Sm 4:10; 18:22).
© Evangelhos Sinóticos12
Vejamos a referência de 2 Sm 18:20: Ioab lhe disse: "Tu não 
serias hoje portador de uma boa notícia. Levá-la-ás noutro dia, 
mas hoje não levarias uma boa noticia, porque se trata da morte 
do filho do rei".
Esse duplo sentido para evangelho nos ajuda a perceber o 
poder efetivo da palavra. A palavra falada é comparável ao seu 
conteúdo: más notícias trazem tristeza e boas notícias causam ale-
gria. Nesses termos, a palavra é portadora de poder e efetua o que 
proclama.
Entre os gregos, evangelho era o termo técnico para "novas 
vitórias" em batalhas militares ou, em determinados contextos de 
jogos, como os olímpicos. Mas além desse uso, o mais importante 
para nosso estudo foi o feito no culto imperial. 
No período de domínio romano, o imperador reuniu em sua 
pessoa a noção de homem divino e de salvador. Isso é também o 
que a palavra evangelho aponta: o governante é divino por natu-
reza. Seu poder se estende para homens, animais, terra e mar. O 
evangelho – materializado no governante – é o salvador do mundo 
e aquele que redime as pessoas de suas dificuldades. 
Assim, o imperador assumiu para si as características da an-
tiga deusa grega chamada "Túkhe".
De acordo com Mircea Eliade (1978. p. 236), a ideia de sal-
vação tem a ver com o esforço de desprestigiar a terrível deusa 
Túkhe, que quer dizer Sorte, Fortuna. Na narrativa mítica grega, ela 
poderia trazer tanto felicidade como má sorte. Ela manifestava-se, 
também, como anágkê ou heimarmenê, que pode traduzir-se por 
necessidade ou destino. 
O destino era controlado pelos caprichos astrais dessa deu-
sa. Esse fatalismo só cessaria com a convicção "de que certos Se-
res divinos são independentes do Destino" . Durante o período de 
império romano em que era obrigatório o culto ao imperador, os 
atributos da deusa foram assumidos por César: grande homem e 
deus, ao mesmo tempo.
Claretiano - Centro Universitário
13© Caderno de Referência de Conteúdo
Assim, em função de ser o imperador mais do que um ho-
mem comum, seus decretos eram considerados mensagens de 
alegria e suas ordens eram consideradas escritos sagrados. O que 
ele dizia era um ato divino e implicava em boas coisas e salvação 
para os homens. 
Disso, podemos concluir que o culto imperial e a Bíblia com-
partilham a mesma visão de ascensão ao trono de alguém que intro-
duziria uma nova era e traria paz ao mundo. Era, nesse sentido, um 
evangelho para os homens. No caso dos romanos, esse alguém seria 
o imperador. Mais tarde, para os cristãos, esse alguém seria Jesus, 
aquele que na tradição judaica era conhecido como Messias.
Como podemos entender essa semelhança na forma de pen-
sar de gregos, romanos e cristãos?
Por um lado, devemos lembrar que os primeiros cristãos 
eram judeus, muitos deles já helenizados em função de anos de 
dominação romana e, por outro lado, vale destacar que muitos 
dos primeiros convertidos ao cristianismo eram de procedência 
romana, o que implica no cruzamento das tradições judaica e gre-
co-romana. Outro fator que deve ser considerado é que o estudo 
comparado de fontes do período antigo revela que essas noções 
eram comuns daquele tempo, portanto, algo tipicamente oriental. 
O conteúdo do evangelho cristão que pode ser entendido 
como diferente do evangelho imperial é a proclamação da Basiléia 
thou theou: a mensagem do Reino de Deus.
Devemos notar com atenção que o Novo Testamento fala 
a linguagem de seus dias. Trata-se de uma proclamação popular 
e realística. Um saber humano que diz respeito à atitude de um 
grupo restrito de discípulos de Jesus de "esperar por" algo, de ter 
"esperança" de novas.
Esses primeiros cristãos estavam a espera da realização de 
um evangelho, do qual alguns até poderiam ser envergonhados, já 
que esse evangelho era um "escândalo".
© Evangelhos Sinóticos14
Os cegos recobram a vista e os coxos andam direito, os leprosos 
são purificados e os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e a Boa 
Nova é anunciada aos pobres, e feliz de quem não cair por causa 
de mim! (Mt 11:5).
No léxico cristão, portanto, evangelho significa sōtēria, isto 
é, salvação para o homem, mas sōtēria implica metanoia, que é 
arrependimento para o julgamento. Os próprios textos bíblicos re-
latam que essa noção de salvação e, principalmente, de ressurrei-
ção, soava estranha para muitos e alguns reagiam com ironia. Veja 
At 17:32: "Às palavras "ressurreição dos mortos", uns zombavam, 
outros declararam: "Nós te ouviremos sobre isso noutra ocasião".
Mas, para os primeiros seguidores de Jesus, a ideia de sal-
vação e de ressurreição era uma convicção alegre e real: pela pe-
nitência chegaria-se ao julgamento e a alegria, o que significava 
graça e salvação. Nesse sentido, César e Cristo, o imperador sobre 
o trono e o desprezado rabbi na cruz, confrontavam-se um ao ou-
tro. Ambos eram o evangelho para o homem. Eles tinham muito 
em comum. Todavia, eram originários de mundos diferentes. Um 
traria um reino de justiça para aqueles que se dobrassem perante 
ele, aqui na terra. Outro traria um reino de justiça para aqueles 
que fossem súditos dele por toda a eternidade. 
Enquanto judeus eram dominados e colonizados por César, 
diante o imperador Jesus, os judeus entendiam-se como filhos e 
retomando a tradição da Bíblia Hebraica: eles eram a nação esco-
lhida para reinar junto do Messias, que, para os cristãos, era Jesus 
de Nazaré.
O evangelho de Cristo consistia na proclamação (kerigma) 
do Reino de Deus. O cerne desse evangelho era a vinda do Reino, 
o que implicava imediatamente no estabelecimento de um novo 
governo: um governo divino de paz e de justiça, cujo único gover-
nante seria o próprio Cristo.
Mas o que é evangelho nos sinóticos?
Claretiano - Centro Universitário
15© Caderno de Referência de Conteúdo
Com frequência, Marcos usou a palavra evangelho nos ditos 
de Jesus. Além dos usos em Mc 1:1 (Princípio do Evangelho de 
Jesus Cristo, Filho de Deus) e em 1:14 (Depois que João foi preso, 
veio Jesus para Galileia proclamando o Evangelho de Deus), pode-
mos notar que os textos paralelos de Marcos em Mateus e em Lu-
cas não empregam esse termo, mas fazem menção do significado 
da palavra.
Observe o quadro sinótico a seguir:
Pois aquele que quiser 
salvar a sua vida, irá 
perdê-la; mas, o que 
perder a sua vida por 
causa de mim e do 
Evangelho, irá salvá-la 
(Mc 8:35)
Pois aquele que quiser 
salvar a sua vida, vai 
perdê-la, mas o que 
perder a sua vida por 
causa de mim, vai 
encontrá-la (Mt 16:25 - 
10:39)
Pois aquele que quiser 
salvar a sua vida vai 
perdê-la, mas o que 
perder a sua vida por 
causa de mim, esse a 
salvará (Lc 9:24) 
Nos versos que lemos, Marcos emprega o termo "evange-
lho", já Mateus e Lucas dão a entender que o evangelho é o pró-
prio Cristo. Como visto, os trechos paralelos de Marcos (Mt 16:25; 
Lc 9:24) não têm a palavra evangelho. 
Em paralelos de Marcos, elas apareceriam em Mc 13:10=Mt 
24:14 e Mc 14:9=Mt 26:13. Isso pode indicar que Lucas dependeu 
de estratos mais antigos de Marcos para a redação de seu evange-
lho e, também, que as ocorrências de evangelho em Marcos e Ma-
teus indicam que esses evangelhos são mais antigos do que Lucas, 
o que lhes confere maior grau de autenticidade. 
Esse ponto pode ser melhor entendido à luz da leitura de 
Marcos.
O importante é sabermos que os Evangelhos não são repro-
duções estenográficas, isto é, transcrições imediatas, dos ensinos 
de Jesus. Tampouco se pode afirmar que sejam registros oficiais de 
sua atividade na condição de mestre. Na forma original, os Evange-
lhos eram tradição oral.
© Evangelhos Sinóticos16
O evangelho é comparado com Cristo, com seu nome (Mt 
19:29) e com o Reino de Deus (Lc 18:29). A atitude do Antigo Tes-
tamento e dos judeus para com os gentios – sua exclusão do reino 
messiânico e, ainda, da participação na salvação–, foi resolvida por 
Jesus. Ele limitou a si mesmo, entendendo-se como conteúdo cen-
tral de sua proclamação, para Israel. Durante seu tempo de vida, 
não permitiu que seus discípulos levassem essa mensagem para 
além das fronteiras de sua própria terra (cf. Mc 7:27; Mt 15:24, 
26, 10;5). Mas, na era messiânica, muitas nações o conheceriam, 
conforme Mt 8:11 e Lc 13:29.
Agora que sabemos o significado do termo "evangelho" e o 
que ele implica, vamos compreender porque os evangelhos Mar-
cos, Mateus e Lucas foram denominados "sinóticos".
A primeira coisa a se saber é que esse termo vem da palavra 
grega synposis, entendida como "ver em conjunto". 
Os evangelhos sinóticos, portanto, são narrativas sobre a 
vida e o ministério público de Jesus, que podem ser lidas em con-
junto porque apresentam uma estrutura parecida, com conteúdos 
que se repetem e gêneros e formas literárias recorrentes. Portan-
to, são como "espelhos" uns dos outros.
A palavra "sinótico" foi empregada pela primeira vez para 
designar o estudo comparativo de Mateus, Marcos e Lucas, no fi-
nal do século 18, pelo estudioso alemão chamado Johann Jacob 
Griesbach.
Como exposto, a palavra "evangelho" (Boa notícia) foi atri-
buída aos quatro primeiros escritos do Novo Testamento, mas des-
ses quatro, apenas os três primeiros foram considerados parecidos 
entre si, a ponto de receberem o nome de sinóticos.
O que mais os aproxima é o fato de apresentarem os ensinos 
de Jesus por meio de histórias a seu respeito, que vão do batismo 
até sua morte e ressurreição. Todavia, cada um dos evangelhos 
narra esses eventos de forma peculiar, considerando o que cada 
comunidade entendeu e assumiu dos ensinos do Nazareno.
Claretiano - Centro Universitário
17© Caderno de Referência de Conteúdo
O problema sinótico e a crítica das fontes
A despeito de serem considerados sinóticos, uma leitura 
atenta dos evangelhos Marcos, Mateus e Lucas revela que existem 
algumas diferenças entre esses textos. A percepção de que os si-
nóticos não eram tão semelhantes entre si deu origem ao que se 
convencionou chamar de "O problema sinótico".
O problema sinótico consiste na constatação de que existem 
diferenças e semelhanças na redação dos evangelhos. Essa cons-
tatação é explicada pelo entendimento de que os autores de tais 
textos, no processo de elaboração de cada evangelho, acrescenta-
ram à tradição escrita, narrativas acerca da vida e dos ensinos de 
Jesus, conhecidas pela tradição oral. Isso significa que cada autor, 
ao descrever a história de Jesus, utilizou livremente memórias e 
fontes que estavam à disposição. 
A escola que investiga essas particularidades do texto bíblico 
é chamada "Crítica das Fontes". Ela se dedica à análise dos está-
gios que formaram a produção dos evangelhos. Ela faz e procura 
responder a seguinte pergunta: que fontes escritas os evangelistas 
empregaram na formulação de seus evangelhos?
Tal questão interessa tanto ao historiador do cristianismo 
primitivo, quanto ao exegeta ou ao indivíduo que tem relação de 
fé com os textos bíblicos. Para respondê-la, a academia de estudos 
bíblicos da Alemanha, representada pela escola da Crítica das For-
mas, elaborou o conceito de comunidade "por trás" do evangelho 
e formulou o entendimento de que se o Sitz im Leben, isto é, a 
situação vivencial de uma comunidade pudesse ser bem compre-
endida, o texto – o evangelho que a comunidade produziu –, seria 
lido corretamente. 
Martin Dibelius, um dos mais importantes críticos da forma, 
em 1934 definiu Sitz im Leben como o estrato histórico e social em 
que precisamente aquelas formas literárias foram desenvolvidas. 
Já em 1969, W. Marxsen foi o primeiro a introduzir três Sitze im 
Leben: 
© Evangelhos Sinóticos18
• O Jesus Histórico (a situação de atividades de Jesus).
• A crítica das formas (a situação da igreja primitiva). 
• A crítica da redação (a situação do evangelista na criação 
do Evangelho).
A situação do "Jesus Histórico" seria uma espécie de leitura 
exegética dos evangelhos preocupada em reconstruir a história do 
homem Jesus de Nazaré, que viveu e expressou-se materialmente 
na Galileia e nos lugares onde esteve. Essa exegese busca recom-
por a pessoa de Jesus, à luz das informações que se repetem sobre 
ele nos diferentes evangelhos, entendidos como fontes próximas 
do período em que ele viveu e atuou.
A situação da igreja primitiva seria a leitura dos evangelhos 
preocupada em esclarecer, quais as peculiaridades de cada fonte 
que indicam as questões que mobilizaram a escrita de cada evan-
gelho. Esse estágio pressupõe que conteúdos teológicos que va-
riam de um evangelho para o outro, tem a ver com as perguntas 
que diferentes grupos cristãos faziam entre si. Isso implica que a 
igreja primitiva, isto é, as comunidades cristãs das origens eram di-
ferentes, tinham expectativas diferentes e, provavelmente, enten-
diam diferentemente os ensinos do Jesus de Nazaré. O que pode 
indicar o uso de biografia, profecia, sabedoria, poesia e outras for-
mas literárias?
Isso está em conexão com a crítica da redação que, como 
terceiro estágio de crítica literária, investiga a situação do evan-
gelista, ou dos redatores do evangelho, por ocasião da criação de 
seu texto. Nesse estágio, busca-se identificar as fontes usadas pelo 
redator ou redatores. Também se investiga a relação entre o con-
texto histórico-social com a redação do texto.
Ao longo dos séculos 19 e 20, todo esse aparato metodológico 
tem proporcionado muitas conclusões sobre os evangelhos. A tradi-
ção da igreja e suas conclusões por tanto tempo veiculadas, como 
a sequência dos evangelhos formada por Mateus, Marcos, Lucas e 
João, têm sido, muitas vezes, confirmada e outras tantas negada.
Claretiano - Centro Universitário
19© Caderno de Referência de Conteúdo
O que inicialmente podemos dizer é que a crítica literária 
verificou que as semelhanças na estrutura dos evangelhos, no uso 
das palavras e na sequência das narrativas sugerem que entre os 
evangelhos existiu alguma dependência e talvez o compartilha-
mento de fontes. 
Podemos verificar isso na comparação de pequenos estratos 
dos evangelhos e na estrutura geral dos evangelhos sinóticos. Veja 
o exemplo:
MARCOS 13 MATEUS 24 LUCAS 21
1 Jesus se retirava do 
Templo, quando um de 
seus discípulos lhe disse: 
"Mestre, olha que pedras, 
que construções!"
2 Jesus lhe disse: "Estás 
vendo essas grandes 
construções? Não ficará 
pedra sobre pedra: tudo 
será destruído". 
3 Estando ele assentado, 
no monte das Oliveiras, 
defronte do Templo, 
Pedro, Tiago, João 
e André, à parte, 
perguntavam-lhe: 
4 "Dize-nos quando é que 
isto acontecerá e qual será 
o sinal de que tudo isso 
vai acabar".
1 Jesus saíra do Templo e 
estava indo embora. Seus 
discípulos adiantaram-
se, a fim de chamar-
lhe a atenção para as 
construções do Templo
2 Tomando a palavra, 
ele lhes disse: "Estais 
vendo tudo isso, não é? 
Em verdade vos declaro, 
aqui não ficará pedra 
sobre pedra: tudo será 
destruído".
3 Estando ele assentado, 
no monte das Oliveiras, 
os discípulos adiantaram-
se para ele, à parte, e 
lhe disseram: "Dize-nos 
quando isto acontecerá 
e qual será o sinal da 
tua vinda e do fim do 
mundo!".
5 Como alguns falassem 
do Templo, da sua 
ornamentação de belas 
pedras e dos ex-votos, 
Jesus disse:
6 "Do que contemplais, 
dias virão em que não 
restará pedra sobre 
pedra: tudo será 
destruído".
7 Eles lhe perguntaram: 
"Mestre, quando é que 
acontecerá isso e qual 
será o sinal de que isso irá 
se realizar?"
As três narrativas têm, evidentemente, estilos diferentes 
de apresentar o mesmo conteúdo, que é a destruição do Templo. 
Aqui não vamos discutir a respeito da referência ao Templo se era 
a construção de fato ou uma metáfora para a morte e ressurreição 
de Jesus em três dias. 
Interessa-nos comparar as narrativas e indicar as diferenças. 
No que tange ao conteúdo central do pronunciamento de Jesus, o 
© Evangelhos Sinóticos20
conteúdo não varia, apenas o estilo: "não ficará pedrasobre pedra, 
tudo será destruído. O que chama a atenção é que a introdução 
de cada evangelho dá detalhes diferentes: Marcos fala que Jesus 
se retirava do Templo com os discípulos; Mateus diz que Jesus se 
retirava e estava indo embora quando os discípulos se adiantaram 
com o objetivo de chamar a atenção de Jesus para o Templo; por 
fim, Lucas fala de ornamentação e de belas pedras.
Marcos e Mateus falam de uma cena posterior, quando Je-
sus e seus discípulos já no monte das Oliveiras voltaram a falar da 
destruição do Templo. Os discípulos queriam saber quando isso 
ocorreria. Marcos diz quem eram os discípulos (Pedro, Tiago, João 
e André), ao passo que Mateus não os nomeia. Lucas não faz refe-
rência ao monte das Oliveiras e tampouco diz os nomes de quem 
acompanhava Jesus. Todos os três, no entanto, dizem que os discí-
pulos desejavam saber quando ocorreria a destruição.
Tudo isso indica que esse diálogo deve, de fato, ter ocorrido. 
Mas não podemos precisar se ocorreu no mesmo dia e no mes-
mo ambiente. Lucas dá a impressão de continuidade, já Marcos 
e Mateus dão a entender que o diálogo ocorreu em dois tempos, 
possivelmente, em ambientes diferentes já que na primeira cena 
estavam nas redondezas do Templo e na segunda, estavam reuni-
dos no monte das Oliveiras.
Embora essa breve comparação não comprometa o conte-
údo central da narrativa, indica, no mínimo, que havia diferenças 
entre os redatores dos evangelhos, seja na forma de descrever as 
narrativas – quanto ao estilo e uso do grego – seja no que julga-
vam ser indispensável à narrativa. De todo modo, como destacam 
alguns estudiosos, essa combinação de correspondência e discor-
dância também alcança a estrutura geral dos evangelhos.
Portanto, é possível perceber que os três evangelhos seguem 
praticamente: 
1) a mesma ordem de acontecimentos;
Claretiano - Centro Universitário
21© Caderno de Referência de Conteúdo
2) omitem informações que podem ser encontradas nos 
outros dois evangelhos; 
3) apresentam incidentes que os demais não relatam; 
4) possuem algumas diferenças quanto à ordem de um 
evento em, pelo menos, um dos dois evangelhos.
Na busca por uma hipótese que explicasse correspondências 
e disparidades entre os evangelhos sinóticos, emergiram algumas 
possibilidades que apresentaremos, a seguir, brevemente: 
1) Dependência comum de um evangelho original (um pro-
to-evangelho) – foi proposta por G. E. Lesing (em 1771), 
escritor e crítico alemão. Sustentou que a relação entre 
os sinóticos teria ocorrido com base no uso independen-
te de uma fonte original, escrita em hebraico ou aramai-
co. Essa hipótese foi duramente criticada, principalmen-
te, a partir do século 20. 
2) Dependência comum de fontes orais – foi proposta por J. 
G. Herder e, posteriormente, J. K. L. Gieseler (em 1818). 
Eles sustentaram a dependência dos sinóticos a partir de 
um sumário oral relativamente conhecido, sobre a vida 
de Cristo. Essa hipótese foi mais aceita durante o século 
19. 
3) Dependência comum de um número cada vez maior de 
fragmentos escritos – foi proposta por F. Schleiermacher 
(s. d.), também conhecido por ter cunhado a hermenêu-
tica bíblica na Alemanha. Ele propôs que circulavam di-
versos fragmentos de tradição sobre Jesus no meio das 
primeiras comunidades cristãs, escritos pelos apóstolos. 
Tais fragmentos cresceram gradualmente e foram incor-
porados aos evangelhos sinóticos.
4) Teoria da Interdependência –sustenta que dois dos au-
tores usaram uma ou mais fontes para a elaboração do 
seu evangelho. Essa teoria é geralmente mais aceita pe-
los estudiosos.
A proposta da interdependência entre os evangelhos é a ge-
ralmente mais aceita. Sugere, a partir da análise de paralelismos 
sequenciais entre os evangelhos sinóticos, que podemos obser-
var Mateus e Marcos juntos em oposição à Lucas, e Lucas e Mar-
© Evangelhos Sinóticos22
cos juntos em oposição à Mateus, porém, Mateus e Lucas não se 
opõem à Marcos. 
Assim, surge o "argumento da sequência" que apresenta 
Marcos como o termo médio no relacionamento entre os sinó-
ticos. Isso significa que o evangelho de Marcos seria a fonte usa-
da tanto por Mateus como por Lucas para a composição de seus 
evangelhos. 
Essa hipótese explica as correspondências entre os três pri-
meiros evangelhos. As diferenças, portanto, estariam relacionadas 
ao estilo e às particularidades de Mateus e de Lucas, vinculadas 
principalmente às expectativas do grupo com o qual se importa-
vam e para o qual procuravam promover a fé em Jesus.
Todos esses estudos e hipóteses acerca da redação dos evan-
gelhos desencadearam, ainda, outras questões relacionadas prin-
cipalmente à veracidade das narrativas e dos acontecimentos so-
bre a vida, os ensinos e os milagres realizados por Jesus de Nazaré. 
Embora esse tenha sido um período difícil para a pesquisa sobre 
Jesus e para a teologia, é importante destacar que dessa época 
surgiram novas possibilidades de compreensão acerca do signifi-
cado do movimento cristão e da sua abrangência.
Essas novas possibilidades devem ser valorizadas porque re-
fletem a tentativa de estudiosos e religiosos modernos de tornar o 
conteúdo dos evangelhos cada vez mais próximo do nosso século.
Nesse sentido, mesmo que entendamos por "canônicos" os 
primeiros quatro evangelhos: Mateus, Marcos, Lucas e João, de-
vemos saber que essa disposição não reflete a ordem cronológica 
de composição dessas fontes. Tampouco indica que são os únicos 
escritos judaico-cristãos desse gênero. Isso porque existem outros 
evangelhos que não foram considerados canônicos pelos concílios 
da igreja, a partir do século 3º, mas que são testemunhos das dife-
rentes tradições sobre Jesus que circulavam entre os grupos cris-
tãos das origens.
Claretiano - Centro Universitário
23© Caderno de Referência de Conteúdo
Apesar das diferentes hipóteses quanto à origem do cânon 
assim como o conhecemos hoje, é quase consenso entre os biblis-
tas que Marcos teria sido o primeiro evangelho redigido e que os 
outros (Mateus e Lucas) teriam se inspirado em seu material para 
compor suas versões. 
Por essa razão, os evangelhos de Marcos, Lucas e Mateus 
são chamados "sinóticos" e, nesse caso, o termo "sinótico" indica 
a qualidade de terem informações em comum.
Para terminar, é relevante compreender a citação a seguir:
Há muito tempo já se percebeu que esses três evangelhos apre-
sentam materiais paralelos numa estrutura semelhante e com fre-
qüência na mesma seqüência de perícopes individuais (...) a reda-
ção das respectivas passagens paralelas em quaisquer dois ou três 
desses evangelhos é muitas vezes quase a mesma, ou tão próxima, 
que certamente se deve concluir pela existência de algum tipo de 
relação literária (KOESTER, 2005. p. 48).
Espero que essa síntese tenha evidenciado o quão impor-
tante é o estudo comparativo dos evangelhos sinóticos e o quanto 
esse estudo pode revelar sobre o Jesus histórico e as primeiras 
comunidades cristãs. Para isso, conhecer os evangelhos em sua 
estrutura, sua redação e formas literárias pode nos ajudar muito. 
Isso sem falar do contexto histórico e social, âmbitos dos quais a 
redação não se descola. Para quem quer fazer bons estudos bíbli-
cos, boas exegeses ou simplesmente saber mais a respeito de Je-
sus e seu ministério, é absolutamente necessária a leitura conjunta 
dos sinóticos.
Bom estudo!
Glossário de Conceitos
O Glossário permite a você uma consulta rápida e precisa 
das definições conceituais, possibilitando-lhe um bom domínio 
dos termos técnico-científicos utilizados na área de conhecimento 
dos temas tratados em Evangelhos Sinóticos. Veja a seguir a defi-
nição dos principais conceitos:
© Evangelhos Sinóticos24
1) Kerigma: também escrito na forma querigma. Termo 
grego que significa "Proclamação", utilizado nos evange-
lhos para apontar a proclamação do Reino de Deus.
2) Perícope: termo utilizado para indicar uma unidade lite-
rária que pode ser um capítulo ou um conjunto de ver-
sos. Trata-se de um bloco de versos comsentido único.
3) Exegese: trata-se da disciplina que se dedica à tradução 
de textos a partir de suas línguas originais e interpretação.
4) Apocalíptica: além de constituir um sistema de interpre-
tação da história, é, também, considerada uma matriz 
de espiritualidade baseada em dualismo, cujo conteúdo 
diz respeito à experiência religiosa de caráter extático e 
visionário e, geralmente, versada em linguagem simbóli-
ca-mítica. A literatura apocalíptica pode ser identificada 
sob compreensões cristológicas sobre Jesus de Nazaré, 
no Apocalipse de João, na narrativa de conversão de Pau-
lo e no cristianismo pós-paulino. Todavia, a apocalíptica 
já existia sob a forma de apocalipses judaicos como Da-
niel 7-12; 1 Enoque 14-15; 4 Esdras 9,26-10,59, cap.11-
12,13 e Baruque 53-74. É notável que esses apocalipses 
foram elaborados em contextos de perseguição, a par-
tir do qual pretendia-se "revelar" aos fiéis uma visão de 
mudança e glorificação (cf. Dn 12,1) (BOER, 2011).
5) Didaqué: consistia em uma espécie de doutrina, isto é, 
Catechesis. O termo "catequese" em sentido amplo in-
clui instrução pela palavra da boca sobre qualquer as-
sunto sagrado ou profano (At 18,25; 21,21,24; Rm 2,18; 
Gl 6,6. – cf. Clem. Alex. Fragm. § 28: οὐκ ἔστι πιστεῦσαι 
ἄνευ κατηχήσεως), mas é especialmente aplicado ao 
ensino cristão, tanto de um tipo elementar apropriado 
para novo convertido, ou, como na famosa Escola Ca-
tequética de Alexandria, estendido para alta interpreta-
ção da Escritura Sagrada e a exposição da filosofia cristã. 
O primeiro saber exemplar do trabalho catequético é 
a "Doutrina dos doze apóstolos", que Atanásio nomeia 
entre os "livros não incluídos no Cânon, mas apontado 
pelos Pais para ser lido por aqueles que recentemente 
vieram a nós, e desejam ser instruídos na palavra sagra-
da" (Festal Epist. 39. 2010).
Claretiano - Centro Universitário
25© Caderno de Referência de Conteúdo
6) Qunram: os Escritos de Qunram e seus estratos 4Q In-
truction e 4QMysteries constituem o conjunto literário 
conhecido como Os Rolos do Mar Morto. Khirbert Qun-
ram é um conjunto de ruínas que fica na praia ocidental 
do Mar Morto. Os escritos achados foram redigidos em 
hebraico e em aramaico e foram conhecidos do grande 
público a partir de 1948, graças a descoberta acidental 
de um jovem pastor beduíno chamado Muhamed edh-
-Dhib. 4Q Instruction diz respeito à sigla que indica um 
manuscrito de conteúdo instrutivo na Caverna 4. Da 
mesma forma, 4Q Mysteries diz respeito ao manuscri-
to Mistério encontrado na Caverna 4. Ao todo são 11 
as cavernas em que foram descobertos os manuscritos, 
provavelmente, produzidos por um grupo sectário de ju-
deus (VERMES, Geza, 1997).
Esquema de Conceitos-chave
Para que você tenha uma visão geral dos conceitos mais 
importantes deste estudo, apresentamos, a seguir (Figura 1), um 
Esquema dos Conceitos-chave. O mais aconselhável é que você 
mesmo faça o seu esquema de conceitos-chave ou até mesmo o 
seu mapa mental. Esse exercício é uma forma de você construir o 
seu conhecimento, ressignificando as informações a partir de suas 
próprias percepções. 
É importante ressaltar que o propósito desse Esquema dos 
Conceitos-chave é representar, de maneira gráfica, as relações en-
tre os conceitos por meio de palavras-chave, partindo dos mais 
complexos para os mais simples. Esse recurso pode auxiliar você 
na ordenação e na sequenciação hierarquizada dos conteúdos de 
ensino. 
Com base na teoria de aprendizagem significativa, entende-se 
que, por meio da organização das ideias e dos princípios em esque-
mas e mapas mentais, o indivíduo pode construir o seu conhecimen-
to de maneira mais produtiva e obter, assim, ganhos pedagógicos 
significativos no seu processo de ensino e aprendizagem. 
© Evangelhos Sinóticos26
Aplicado a diversas áreas do ensino e da aprendizagem es-
colar (tais como planejamentos de currículo, sistemas e pesquisas 
em Educação), o Esquema dos Conceitos-chave baseia-se, ainda, 
na ideia fundamental da Psicologia Cognitiva de Ausubel, que es-
tabelece que a aprendizagem ocorre pela assimilação de novos 
conceitos e de proposições na estrutura cognitiva do aluno. Assim, 
novas ideias e informações são aprendidas, uma vez que existem 
pontos de ancoragem. 
Tem-se de destacar que "aprendizagem" não significa, ape-
nas, realizar acréscimos na estrutura cognitiva do aluno; é preci-
so, sobretudo, estabelecer modificações para que ela se configure 
como uma aprendizagem significativa. Para isso, é importante con-
siderar as entradas de conhecimento e organizar bem os materiais 
de aprendizagem. Além disso, as novas ideias e os novos concei-
tos devem ser potencialmente significativos para o aluno, uma vez 
que, ao fixar esses conceitos nas suas já existentes estruturas cog-
nitivas, outros serão também relembrados. 
 Nessa perspectiva, partindo-se do pressuposto de que é 
você o principal agente da construção do próprio conhecimento, 
por meio de sua predisposição afetiva e de suas motivações in-
ternas e externas, o Esquema dos Conceitos-chave tem por ob-
jetivo tornar significativa a sua aprendizagem, transformando o 
seu conhecimento sistematizado em conteúdo curricular, ou seja, 
estabelecendo uma relação entre aquilo que você acabou de co-
nhecer com o que já fazia parte do seu conhecimento de mundo 
(adaptado do site disponível em: <http://penta2.ufrgs.br/eduto-
ols/mapasconceituais/utilizamapasconceituais.html>. Acesso em: 
11 mar. 2010). 
Claretiano - Centro Universitário
27© Caderno de Referência de Conteúdo
Jesus Histórico
Parábolas, ditos e 
ensinos 30 -33 EC
Morte e 
ressurreição 33 
EC
Vida Pública 01 -
33 EC
Coleção de ditos 
ou a Fonte Q 40 –
55 EC 
(Antioquia)
Evangelho de 
Marcos 64 – 70 
EC 
(Roma)
Evangelho de Lucas 70 -90 
EC 
(Lugar incerto, geralmente 
mencionado Cesaréia, 
Acaia, Decápole, Ásia 
Menor e Roma)
Evangelho de 
Matheus 80 – 90 EC 
(Antioquia da Síria)
Figura 1 Esquema dos Conceitos-chave do Caderno de Referência de Conteúdo Evangelhos 
Sinóticos
Como você pode observar, o mapa acima lhe apresenta uma 
visão geral dos conceitos mais importantes desse estudo. Seguin-
do este mapa, você poderá transitar entre um e outro conceito e 
descobrir o caminho para construir o seu processo ensino-apren-
dizagem. 
Observamos que o mapa conceitual é mais um dos recursos 
de aprendizagem que vem somar-se aqueles disponíveis no am-
biente virtual com suas ferramentas interativas, bem como as ati-
vidades didático-pedagógicas realizadas presencialmente no polo. 
Lembre-se de que você, como aluno na modalidade a distância, 
pode valer-se da sua autonomia na construção de seu próprio co-
nhecimento. 
© Evangelhos Sinóticos28
Questões Autoavaliativas
No final de cada unidade, você encontrará algumas questões 
autoavaliativas sobre os conteúdos ali tratados, as quais podem 
ser de múltipla escolha, abertas objetivas ou abertas dissertati-
vas. 
Responder, discutir e comentar essas questões, bem como 
relacioná-las com a prática do ensino de Teologia pode ser uma 
forma de você avaliar o seu conhecimento. Assim, mediante a re-
solução de questões pertinentes ao assunto tratado, você estará 
se preparando para a avaliação final, que será dissertativa. Além 
disso, essa é uma maneira privilegiada de você testar seus conhe-
cimentos e adquirir uma formação sólida para a sua prática profis-
sional. 
As questões de múltipla escolha são as que têm como respos-
ta apenas uma alternativa correta. Por sua vez, entendem-se por 
questões abertas objetivas as que se referem aos conteúdos 
matemáticos ou àqueles que exigem uma resposta determinada, 
inalterada. Já as questões abertas dissertativas obtêm por res-
posta uma interpretação pessoal sobre o tema tratado; por isso, 
normalmente, não há nada relacionado a elas no item Gabarito. 
Você pode comentar suas respostas com o seu tutor ou com seus 
colegas de turma.
Bibliografia Básica
É fundamental que você use a Bibliografia Básica em seus 
estudos, mas não se prendasó a ela. Consulte, também, as biblio-
grafias complementares.
Figuras (ilustrações, quadros...)
Neste material instrucional, as ilustrações fazem parte inte-
grante dos conteúdos, ou seja, elas não são meramente ilustra-
tivas, pois esquematizam e resumem conteúdos explicitados no 
texto. Não deixe de observar a relação dessas figuras com os con-
Claretiano - Centro Universitário
29© Caderno de Referência de Conteúdo
teúdos estudados, pois relacionar aquilo que está no campo visual 
com o conceitual faz parte de uma boa formação intelectual. 
Dicas (motivacionais)
Este estudo convida você a olhar, de forma mais apurada, 
a Educação como processo de emancipação do ser humano. É 
importante que você se atente às explicações teóricas, práticas e 
científicas que estão presentes nos meios de comunicação, bem 
como partilhe suas descobertas com seus colegas, pois, ao com-
partilhar com outras pessoas aquilo que você observa, permite-se 
descobrir algo que ainda não se conhece, aprendendo a ver e a 
notar o que não havia sido percebido antes. Observar é, portanto, 
uma capacidade que nos impele à maturidade. 
Você, como aluno dos cursos de Graduação na modalidade 
EaD, necessita de uma formação conceitual sólida e consistente. 
Para isso, você contará com a ajuda do tutor a distância, do tutor 
presencial e, sobretudo, da interação com seus colegas. Sugeri-
mos, pois, que organize bem o seu tempo e realize as atividades 
nas datas estipuladas. 
É importante, ainda, que você anote as suas reflexões em 
seu caderno ou no Bloco de Anotações, pois, no futuro, elas pode-
rão ser utilizadas na elaboração de sua monografia ou de produ-
ções científicas.
Leia os livros da bibliografia indicada, para que você amplie 
seus horizontes teóricos. Coteje-os com o material didático, discu-
ta a unidade com seus colegas e com o tutor e assista às videoau-
las. 
No final de cada unidade, você encontrará algumas questões 
autoavaliativas, que são importantes para a sua análise sobre os 
conteúdos desenvolvidos e para saber se estes foram significativos 
para sua formação. Indague, reflita, conteste e construa resenhas, 
pois esses procedimentos serão importantes para o seu amadure-
cimento intelectual.
© Evangelhos Sinóticos30
Lembre-se de que o segredo do sucesso em um curso na 
modalidade a distância é participar, ou seja, interagir, procurando 
sempre cooperar e colaborar com seus colegas e tutores.
Caso precise de auxílio sobre algum assunto relacionado a 
este Caderno de Referência de Conteúdo, entre em contato com 
seu tutor. Ele estará pronto para ajudar você. 
3. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
KOESTER, H. Introdução ao Novo Testamento: história e literatura do cristianismo 
primitivo. Vol. 2. São Paulo: Paulus, 2005
VERMES, G. Os Manuscritos do Mar Morto. São Paulo: Mercuryo, 1997.
4. E-REFERÊNCIAS 
BOER, M. A influência da apocalíptica judaica nas origens do cristianismo: gênero, 
cosmovisão e movimento social. Tradução de Paulo Augusto de Souza Nogueira. (Arquivo 
er19cap1.pdf). Editora Metodista Digital. Disponível em: <http://editora.metodista.br/
revista_rel_19.htm>. Acesso em: 2 ago. 2011,
FESTAL EPIST. 39. Compare com Clem. Alex. Strom. V. c. x. § 67. Γάλα μὲν ἡ κατήχησις 
οἱονεὶ πρώτη ψυχῆς τροφὴ νοηθήσεται. Christian Classics Ethereal Library. Catechetical 
Instruction. In: Chapter II. — Catechetical Instruction. Disponível em: <http://www.ccel.
org/ccel/schaff/npnf207.ii.iii.ii.html?highlight=didaché#highlight>. Acesso em: 2 ago. 
2011.
1
EA
D
Introdução ao Estudo dos 
Sinóticos
1. OBJETIVOS
• Conhecer e introduzir o debate acadêmico sobre história 
social do cristianismo das origens.
• Estabelecer relação entre os contextos histórico, político 
e cultural e a escrita dos Evangelhos Sinóticos.
• Demonstrar que os motivos que influenciaram a redação 
dos Evangelhos estavam vinculados à necessidade de re-
gistrar as tradições, as memórias e os ensinamentos de 
Jesus por meio de uma tradição escrita.
2. CONTEÚDOS
• Definições: o que é Evangelho e o que é Sinótico.
• Literatura bíblica.
• Sabedoria e crítica social nas origens cristãs.
• Confluência de horizontes culturais.
• Identidade social das primeiras comunidades cristãs.
© Evangelhos Sinóticos32
3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE
Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que 
você leia as orientações a seguir:
1) Ao estudar esta primeira unidade, tenha em mãos uma 
Bíblia ou o Novo Testamento, a fim de identificar na fon-
te as citações bíblicas que serão apontadas. Sugerimos 
as traduções: Bíblia de Jerusalém e ou A Bíblia Sagrada, 
traduzida por João Ferreira de Almeida (versão atualiza-
da).
2) Uma sinopse dos Evangelhos Sinóticos também oferece 
instrumental adequado para a compreensão dessa e das 
próximas unidades. Sugerimos a seguinte sinopse: KO-
NINGS, J. Sinopse dos evangelhos de Mateus, Marcos e 
Lucas e da "Fonte Q". São Paulo: Loyola, 2005. (Coleção 
Bíblica 45).
3) Outros recursos como dicionários, dicionários de termos 
em grego e mapas também são úteis para a compreen-
são dos conteúdos a seguir.
4) Leia esta unidade e as próximas sem perder de vista que 
os textos do Novo Testamento constituem uma literatu-
ra matizada em um período histórico específico e, como 
toda produção literária, os evangelhos falam, também, 
a respeito do seu tempo, da cultura da época, de cos-
tumes, de práticas e ideias típicas desse período e de 
comunidades de pessoas que viveram esse tempo.
5) Para saber mais a respeito do teólogo alemão Karl Bar-
th e de sua teologia (que estudaremos nesta unidade), 
consulte o site Bíblia World Net. Disponível em: <http://
www2.uol.com.br/bibliaworld/igreja/estudos/karl001.
htm>. Acesso em: 30 out. 2011.
6) Para ampliar seus conhecimentos a respeito do teólogo 
Rudolf Bultmann e de sua teologia existencial, consulte: 
PIRES, Frederico Pieper. Mito e hermenêutica. O desafio 
de Rudolf Bultmann. São Paulo: Emblema, 2005.
7) Amplie seus conhecimentos e leia: THEISSEN, Gerd. So-
ciologia da Cristandade Primitiva. São Leopoldo: Sino-
dal, 1987, p. 11.
Claretiano - Centro Universitário
33© U1- Introdução ao Estudo dos Sinóticos
8) Para saber mais a respeito da Didaqué, consulte: IZIDO-
RO, José Luiz. Didaché: doutrinas dos doze apóstolos. 
In: Oracula 3/6 (2007): 90-113. (ISSN 1807-8222). Dis-
ponível em: <http://www.oracula.com.br/site/index.
php?option=com_content&task=view&id=56&Item
id=49>. Acesso em: 30 out. 2011. 
4. INTRODUÇÃO À UNIDADE 
Nesta introdução aos evangelhos, vamos estudar o conjunto 
formado pelos "Sinóticos". Esse termo vem da palavra grega "syn-
posis", entendida como "ver em conjunto". Os Evangelhos Sinó-
ticos, portanto, são narrativas sobre a vida e o ministério público 
de Jesus, que podem ser lidas em conjunto porque apresentam 
uma estrutura parecida, conteúdos que se repetem e gêneros e 
formas literárias recorrentes. Portanto, são como "espelhos" uns 
dos outros.
Veremos, também, nesta unidade, que a palavra "sinótico" 
foi empregada pela primeira vez para designar o estudo compara-
tivo de Mateus, Marcos e Lucas no final do século 18, pelo estudio-
so alemão J. J. Griesbah.
Em relação à palavra "evangelho" (Boa notícia) é importante 
entendermos que ela nomeia quatro escritos do Novo Testamento 
(NT), os três primeiros foram considerados parecidos entre si (a pon-
to de receberem o nome de Sinóticos). O que mais os aproxima é o 
fato de apresentarem os ensinamentos de Jesus por meio de histó-
rias a seu respeito que vão do batismo até sua morte e ressurreição. 
No entanto, o evangelho de João não será contemplado 
neste Caderno de Referência de Conteúdos em razão de não ser 
classificado como sinótico. Segundo a pesquisa bíblica, o evange-
lho de João destaca-se por ter redação complexa e tardia, assim 
compreendida em função de seus desdobramentos teológicos e 
da acentuada influência filosófica grega que o torna marcadamen-
te diferente dos primeiros três evangelhos.
© Evangelhos Sinóticos34
Nesta primeira unidade,vamos estudar o contexto histórico, 
social e cultural no qual as primeiras comunidades cristãs se for-
maram. Em decorrência dessa descoberta, vamos compreender de 
modo mais acurado como esse "pano de fundo" motivou e influiu 
na redação dos Evangelhos Sinóticos. Vamos perceber, ainda, que 
as origens cristãs e os textos que esses grupos produziram foram 
condicionados por situações de controvérsias, tensões e disputas 
típicas daquele período, o século 1º da Era Cristã (EC). 
Vamos, pois, iniciar nossos estudos?
5. O QUE É EVANGELHO?
O termo substantivo "evangelho" (euaggeliou) pode ser en-
contrado seis vezes no Antigo Testamento (AT), com dois sentidos: 
primeiro "boas novas" (cf. 2Sm 18,20,25,27; 2Rs 7,9) e segundo 
"recompensa por boas notícias" (2Sm 4,10; 18,22). 
Esse duplo sentido para o "evangelho" nos ajuda a perceber 
o poder efetivo da palavra. A palavra falada é comparável ao seu 
conteúdo: más notícias trazem tristeza e boas notícias causam ale-
gria. Nesses termos, a palavra é portadora de poder e efetua o que 
proclama.
Entre os gregos, "evangelho" era o termo técnico para "no-
vas vitórias" em batalhas militares ou, em determinados contextos 
de jogos, como os olímpicos. Mas, além desse uso, o mais impor-
tante para o nosso estudo foi feito no culto imperial. 
No período de domínio romano, o imperador reuniu para si a 
noção de homem divino e de salvador. Isso é, também, o que a pa-
lavra "evangelho" aponta seu significado e poder: o governante é 
divino por natureza. Seu poder se estende para homens, animais, 
terra e mar. 
O "evangelho" – materializado no governante – é o salvador 
do mundo e aquele que redime as pessoas de suas dificuldades. 
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35© U1- Introdução ao Estudo dos Sinóticos
Assim, o imperador assumiu para si as características da antiga 
deusa grega chamada "Túkhe". 
Informação Complementar –––––––––––––––––––––––––––––
De acordo com Mircea Eliade, a ideia de salvação teve origem no esforço de des-
prestigiar a terrível deusa "Túkhe" (a Sorte, a Fortuna). Na narrativa mítica grega, 
ela poderia trazer tanto felicidade como má sorte. Ela manifestava-se também 
como "anágkê" ou "heimarmenê", Necessidade ou Destino respectivamente. O 
Destino era controlado pelos seus caprichos astrais. Esse fatalismo só cessaria 
com a convicção "de que certos Seres divinos são independentes do Destino". 
Nos cultos de mistério de Ísis e Osíris, por exemplo, a deusa proclamaria o poder 
de prolongar a vida de seus adoradores: "Conquistei o Destino e o Destino me 
obedece". Mais tarde, a deusa Fortuna tornou-se um dos atributos de Ísis (cf. 
MIRCEA, Eliade. História das crenças e das idéias religiosas. São Paulo: Zahar, 
1978. p. 236).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Em função de ser o imperador mais do que um homem co-
mum, seus decretos eram tidos como mensagens de alegria e suas 
ordens eram consideradas escritos sagrados. O que ele dizia era um 
ato divino e implicava em boas coisas e salvação para os homens. 
O culto imperial e a Bíblia compartilham a visão de ascensão 
ao trono, que introduziria uma nova era e traria paz ao mundo. 
Era, nesse sentido, um evangelho para os homens. 
O estudo comparado de fontes do período antigo revela que 
essas noções eram comuns daquele tempo, portanto, algo tipica-
mente oriental. Contudo, algum conteúdo do evangelho do Novo 
Testamento pode ser entendido como oposto ao evangelho impe-
rial, por exemplo, no que diz respeito à proclamação da Basiléia 
thou theou (do reino de Deus).
Assim, o que devemos notar com atenção é que o NT fala 
a linguagem de seus dias. Trata-se de uma proclamação popular 
e realística. Um saber humano de esperar por algo, de esperança 
nova, que indicava a espera pela realização de um evangelho, do 
qual alguns poderiam ser envergonhados, já que era um "escânda-
lo" (cf. Mt 11,5; Rm 1,16; 1Cor 1,17,23; 2Tm 1,8; Mc 8,35). 
No léxico cristão, portanto, "evangelho" significa sōtēria (sal-
vação) para o homem, mas sōtēria implica metanóia (conversão) e 
© Evangelhos Sinóticos36
julgamento. Os próprios textos bíblicos relatam que essa noção de 
salvação soava estranha e muitos devem ter reagido com ironia (At 
17,32). Entretanto, para os primeiros seguidores de Jesus, tratava-
-se de uma convicção alegre e real: pela penitência, chegava-se a 
alegria e ao julgamento, o que significava graça e salvação. 
Desse modo, César e Cristo, o imperador sobre o trono e o 
desprezado rabbi na cruz, confrontavam-se um ao outro. Ambos 
eram o evangelho para o homem. Eles tinham muito em comum. 
Todavia, eram originários de mundos diferentes.
O evangelho de Cristo consistia, pois, na proclamação 
(kerigma ou querigma) do reino de Deus. O cerne desse evangelho 
era a vinda do Reino, o que implicava imediatamente no 
estabelecimento de um novo governo: um governo divino de paz e 
de justiça, cujo único governante seria o próprio Cristo.
Você deve estar se perguntando, mas o que é evangelho nos 
Sinóticos?
Com frequência, Marcos usa "evangelho" nos ditos de Jesus. 
Deixando de lado apenas as referências Mc 1,1 (Princípio do Evan-
gelho de Jesus Cristo, Filho de Deus) e 1,14 (Depois que João foi 
preso, veio Jesus para Galiléia proclamando o Evangelho de Deus), 
podemos notar que os textos paralelos de Marcos em Mateus e 
em Lucas não empregam esse termo, o que sugere que a palavra 
"evangelho" pode não ter sido usada em estratos mais antigos de 
Marcos. Vamos entender melhor o Evangelho Sinótico observando 
o Quadro 1 a seguir. 
Os textos bíblicos citados estão de acordo com a versão da Bíblia 
de Jerusalém, tradução em língua portuguesa diretamente dos ori-
ginais, publicada pela Sociedade Bíblica Católica Internacional e 
Paulus.
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37© U1- Introdução ao Estudo dos Sinóticos
Quadro 1 Sinótico 
Cumpriu-se o tempo 
e o reino de Deus está 
próximo. "Arrependei-vos 
e crede no Evangelho". 
Mc 1,15
A partir desse momento, 
começou Jesus a pregar e 
a dizer: "Arrependei-vos, 
porque está próximo o 
reino dos Céus". 
Mt 4,17
Ensinava (edidasken) 
em suas sinagogas e era 
glorificado por todos. 
Lc 4,15
Pois aquele que quiser 
salvar a sua vida, irá 
perdê-la; mas, o que 
perder a sua vida por 
causa de mim e do 
Evangelho, irá salvá-la.
Mc 8,35
Pois aquele que quiser 
salvar a sua vida, vai 
perdê-la, mas o que 
perder a sua vida 
por causa de mim vai 
encontrá-la.
Mt 16,25 (10,39)
Pois aquele que quiser 
salvar a sua vida vai 
perdê-la, mas o que 
perder a sua vida por 
causa de mim, esse a 
salvará.
Lc 9,24 
Jesus declarou: "Em 
verdade vos digo que não 
há quem tenha deixado 
casa, irmãos, irmãs, 
mãe, pai, filhos ou terras 
por minha causa ou por 
causa do Evangelho, que 
não receba cem vezes 
mais desde agora, neste 
tempo, casas, irmãos 
e irmãs, mãe e filhos e 
terras, com perseguições; 
e, no mundo futuro, a 
vida eterna. (...)".
Mc 10,29-30
E todo aquele que tiver 
deixado casas ou irmãos, 
ou irmãs, ou pai, ou mãe, 
ou filho, ou terras, por 
causa do meu nome, 
receberá muito mais e 
herdará a vida eterna.
Mt 19,29
Jesus lhes disse: "em 
verdade vos digo, não há 
quem tenha deixado casa, 
mulher, irmãos, pais ou 
filhos por causa do reino 
de Deus, sem que receba 
muito mais nesse tempo 
e, no mundo futuro, a 
vida eterna".
Lc 18,29-30
Como podemos observar, os trechos paralelos de Marcos 
não têm a palavra "evangelho". Elas apareceriam em Mc 13,10; 
Mt 24,14 e Mc 14,9, Mt 26,13. Isso pode indicar que Lucas de-
pendeu de estratos mais antigos de Marcos e que as ocorrências 
de "evangelho" em Marcos e Mateus podem ter sido acréscimos 
à tradição oral.
Esse ponto pode ser melhor entendido à luz da leitura de 
Marcos: Mc 13,10 (É necessário que primeiro o Evangelho seja pro-
clamado para todas as nações) parece incompatível com Mc 7,27 
(com paralelos em Mt 15,24,26; 10,5). 
© Evangelhos Sinóticos38
No primeiro, Jesus apontou que a proclamação do Reino de-
veria ser levada a todos. No segundo,Jesus negou a mensagem 
de salvação para os não judeus, o que levanta a suspeita de que 
Marcos 13,10 tenha sido uma interpolação dentro do discurso es-
catológico, feita em decorrência do sucesso das missões entre gen-
tios. Da mesma forma, alguns estudiosos têm dúvidas quanto ao 
trecho de Marcos 14,3-9, em especial, os versos 8 e 9, visto que a 
perícope não parece harmonizar com os versos que a antecedem 
e que vêm subsequentemente. Assim, não sabemos ao certo se os 
ditos de Jesus que dizem respeito ao evangelho são originais e se 
foram ditos por Jesus mesmo.
Quanto a isso, a crítica das fontes não encontrou consenso. 
O importante é sabermos que os Evangelhos não são reproduções 
estenográficas, isto é, transcrições imediatas, dos ensinamentos 
de Jesus. Tampouco, pode-se afirmar que sejam registros oficiais 
de sua atividade como mestre. Na forma original, os Evangelhos 
eram tradição oral.
A Crítica das fontes pode ser chamada de crítica literária e surgiu 
no século 18 EC. Ocupa-se de investigar a obra e sua autoria à luz 
de seu contexto histórico. Preocupa-se em investigar os documen-
tos que serviram como fontes para a composição dos materiais 
bíblicos.
Entendido esse ponto, a pergunta mais pertinente é se o ter-
mo "evangelho" foi usado por Jesus ou atribuído a ele pela Tradi-
ção? A pergunta se Jesus usou ou não a palavra evangelho resulta 
na questão sobre a concepção que tinha a seu próprio respeito, se 
tinha ou não consciência messiânica.
O que podemos concluir a esse respeito é que, de fato, a 
proclamação de Jesus era de "boas novas" e que ele era o único a 
proclamá-las naquela expressão, apontando para o reino de Deus. 
Se ele compreendeu que era o Filho de Deus que podia morrer e 
viver novamente, ele também percebeu que ele mesmo era o con-
teúdo da mensagem de seus discípulos. 
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39© U1- Introdução ao Estudo dos Sinóticos
Nesse caso, seu evangelho não era um novo ensino. Ele tra-
zia a si mesmo, o que foi dado com sua pessoa constituía o conte-
údo do evangelho, consequentemente, "thou euaggeliou" implica 
para os discípulos o des-velamento do segredo messiânico. 
Entender essa mensagem demanda fé. Algo que caracteri-
za esse evangelho como diferente da expectativa (do evangelho) 
grega e da judaica. Esse evangelho vem acompanhado da noção 
de conversão, isto é, pelo arrependimento é que se poderia obter 
a alegria, a Vida. 
Em Marcos 8,35 e 10,29, o evangelho não se refere a ativida-
de missionária. O "evangelho" é comparado com Cristo, com seu 
nome (Mt 19,29) e com o reino de Deus (Lc 18,29). A atitude do 
Antigo Testamento e dos judeus para com os gentios – sua exclu-
são do reino messiânico e, ainda, da participação na salvação – foi 
resolvida por Jesus. Ele limitou a si mesmo, entendendo-se como 
conteúdo central de sua proclamação, para Israel. 
Durante seu tempo de vida, não permitiu que seus discípulos 
levassem essa mensagem para além das fronteiras de sua própria 
terra (cf. Mc 7,27; Mt 15,24,26). Mas, na era messiânica, muitas 
nações o conheceriam, (cf. Mt 8,11 e Lc 13,29).
Portanto, isso nos leva a compreender que o conteúdo cen-
tral da proclamação de Jesus é o reino de Deus, e o reino como 
evento escatológico (cf. Mc 13,10; Mt 24,14). Trata-se do evange-
lho do reino proclamado para Israel que será declarado para todo 
o mundo: o evangelho da salvação para todos os que crerem. 
Para saber mais sobre esse assunto leia: KITTEL, Gerhard; FRIE-
DRICH, Gerhard (Eds.). Theological dictionary of the New Testa-
ment. 10 volumes. Michigan: W. B. Eerdmans, 1972-1989 (1º ed-
ição, 1964-1974, reimpresso em 1999). Ref. NT: 2098.
© Evangelhos Sinóticos40
6. MUNDO SOCIAL DAS PRIMEIRAS COMUNIDADES 
CRISTÃS "ESPELHADO" NA LITERATURA
Como já podemos perceber, o gênero dos textos tem relação 
com a cosmovisão e a situação vivencial da época em que foram 
concebidos. O gênero evangelho significa "boas novas", portanto, 
não em função de uma definição moderna, mas em decorrência 
do sentido que essa palavra recebeu do sentido atribuído a ela nos 
meios em que era usada. Por isso, dizemos que os textos projetam, 
em nível literário, traços e indícios dos grupos sociais em que esta-
beleceram suas relações cotidianas e tradições culturais-religiosas. 
Doravante, investigaremos um pouco mais desses contextos e tra-
dições que subjazem o Novo Testamento.
A fim de explicitar o "pano de fundo" dos textos neotesta-
mentários, o estudioso Gerd Theissen (1987) desenvolveu sua pes-
quisa acerca das primeiras comunidades cristãs com o instrumen-
tal da sociologia da literatura. Antes de chegar a esse recurso de 
análise, porém, reconheceu a importância da crítica da forma e da 
história da religião como chaves metodológicas de leitura que nos 
permitem formular reconstruções do que teria sido o ambiente so-
cial no período das primeiras comunidades cristãs e da formação 
dos Evangelhos Sinóticos.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
A Crítica da forma ocupa-se, principalmente, em analisar unidades dentro dos 
documentos e fontes que contenham formas específicas – projeções de tipos de 
fala – que teriam sido próprias de certas situações existenciais do cotidiano isra-
elita. Ocupa-se em relacionar as formas, por exemplo, poéticas, como eventos 
reais aos quais teria alguma ligação (julgamentos, casamentos, festas religio-
sas, celebrações, procissões etc.). Surgiu no século 20 da EC. Busca identificar 
elementos relacionados ao cotidiano de Israel e incorporados ao texto, como 
fórmulas, tipos literários fixos, vocabulário próprio ao evento e lugar, que indi-
quem evidências da forma literária. Apresentou bons resultados, por exemplo, no 
estudo dos Salmos (24; 45; 121; 132 e outros).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Theissen (1987) admitiu que houve certo retrocesso na pes-
quisa sociológica durante o século 20; entretanto, atribuiu esse 
retrocesso à teologia dialética de Karl Barth e a hermenêutica exis-
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41© U1- Introdução ao Estudo dos Sinóticos
tencial de Rudolf Bultmann (uma crítica que pode ser relativiza-
da, tendo em vista o comprometimento que ambos os teólogos 
tinham com suas respectivas comunidades cristãs na Alemanha). 
Para Theissen (1987), essas duas linhas de estudo dos textos 
neotestamentários inverteram a pergunta pelo Sitz im Leben (situ-
ação vivencial), para a questão religiosa da fé e do indivíduo. Isso 
significa que esses teólogos interpretaram o Novo Testamento, 
bem como os Sinóticos, não a partir de seus contextos históricos-
-sociais específicos, mas a partir do que tais textos significavam 
para a cristandade contemporânea. 
Assim, a leitura voltava-se mais para o significado da mensa-
gem, em perspectiva existencial, do que para a reconstrução das 
origens cristãs. Em contrapartida, tanto a história da forma quanto 
a história da religião perguntavam pelo fundo social da redação 
dos Sinóticos. 
Para Theissen (1987), os textos cristãos primitivos, funda-
mentalmente "(...) são textos de uma comunidade, que têm uma 
dimensão social". 
Consequentemente, a investigação sociológica da Bíblia 
deve ser desenvolvida a partir de dois princípios:
• da história contemporânea; 
• do método histórico-formal. 
O primeiro princípio, da história contemporânea, investiga 
a estrutura social palestina no mundo antigo e, o segundo, torna 
acessível o perfil dos grupos sociais que estão por trás dos Sinóti-
cos (THEISSEN, 1987). 
Com base nessas chaves, portanto, podemos entender que, 
antes de ser redação, o texto denota o relato de certa época. Logo, 
traz na sua composição elementos que denunciam aspectos da 
cultura, da religiosidade e da política que constituíram o ethos da 
comunidade que o concebeu e, concomitantemente, o leu. 
© Evangelhos Sinóticos42
Isso é o que chamamos relação dialógica entre texto e grupo 
social que o elabora: à medida que o texto é elaborado e dado à 
audiência, é dado também à reflexão e à mudança.Assim, o texto 
não permanece o mesmo porque propõe algo para a comunidade 
que o experimenta em seu cotidiano, apropriando-se do texto e 
ressignificando-o fluidamente. Portanto, a dinâmica entre gênero, 
texto e interlocutor, é circular e ao mesmo tempo material, visto 
que os textos abordam temas do cotidiano das comunidades, sa-
bedoria, profecia e crítica social.
Além disso, é necessário considerar que o contexto em que 
se dão os acontecimentos das origens cristãs é marcado pela con-
fluência de dois mundos. Confluência ocasionada pelo encontro 
de gregos e judeus, pela mútua influência que uma cultura exer-
ceu sobre a outra, o que gerou novos e diferentes horizontes de 
compreensão sobre estrutura social, política, cultura e religião 
para ambos os povos. Algo que exerceu forte apelo na formação 
do cristianismo do século 1º.
Em seus estudos sobre o Novo Testamento, o autor Joaquim 
Jeremias (1983) perguntou exatamente pela relação entre os âm-
bitos que constituem a vivência cotidiana dos judeus e as suas 
ideias religiosas. Para ele, os textos neotestamentários deixariam 
transparecer aspectos sociopolíticos e religiosidade popular carac-
terísticas do tempo de Jesus.
Para justificar que a literatura bíblica, em especial, os Sinóti-
cos "espelham" contextos históricos e sociais das primeiras comu-
nidades cristãs, Theissen (1987, p. 15) propôs que "assim como a 
história contemporânea evoluiu para história social, assim também 
a história da forma se desenvolveu para sociologia da literatura", 
diferenciando-se em três aspectos da história da forma clássica. 
Assim, é preciso saber que a sociologia da literatura objetiva: 
• Verificar a situação e o lugar vivencial desses grupos, si-
tuando-os junto com sua literatura no âmbito de toda a 
sociedade. 
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43© U1- Introdução ao Estudo dos Sinóticos
• Explorar os interesses sociológicos das comunidades e es-
clarecer suas condições não-religiosas.
• Investigar as relações concretas e modos de relaciona-
mentos que subjazem o texto. 
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
A transmissão das palavras de Jesus no cristianismo primitivo é um problema so-
ciológico, sobretudo, pelo fato de Jesus não haver fixado suas palavras literaria-
mente. Uma tradição literária pode preservar-se durante um determinado perío-
do, mesmo que não tenha significado algum para o comportamento das pessoas 
ou quando suas intenções se contrapõem a esse comportamento (THEISSEN, 
1987). 
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
De acordo com essa perspectiva metodológica, o estudo dos 
Sinóticos busca clarificar as "relações concretas" entre os grupos 
sociais – as audiências – dos evangelhos e os âmbitos sociopolíti-
cos, culturais e religiosos indicados nos interstícios desses textos. 
Portanto, esse "caminho" de estudo dos Sinóticos prioriza a iden-
tificação do mundo social subjacente à formação de cada Evan-
gelho, como instrumento que nos possibilita verificar a própria 
dinâmica interna dos grupos sociais projetados pelos evangelhos, 
entendidos como fontes do período.
Podemos entender que essa será a perspectiva que adotare-
mos para estudar os Evangelhos Sinóticos, conforme verificaremos 
adiante.
7. SABEDORIA E CRÍTICA SOCIAL NAS ORIGENS CRIS-
TÃS
Conhecer o mundo social dos cristãos das origens não é uma 
tarefa fácil. Principalmente, quando esse "mundo social" está nos 
olhos de quem vê. É comum que os leitores modernos, sejam lei-
gos, líderes eclesiásticos, teólogos, historiadores ou estudantes, 
ao interpretarem a literatura bíblica, projetem suas próprias ex-
pectativas sobre o que teria sido o mundo dos tempos de Jesus. 
Por causa dessas projeções, ora os evangelhos parecem libertários 
© Evangelhos Sinóticos44
– em função de leituras mais politizadas –, ora se tornam mais es-
pirituais ou até mesmo, mais esotéricos. As diferentes formas de 
compreender os evangelhos ocorrem em função dos "óculos" de 
cada intérprete.
Nos últimos anos, a academia de estudos bíblicos tem apre-
sentado diferentes versões sobre vida, ministério e movimento de 
Jesus. Ora ele aparece como sábio, conforme um modelo filosófi-
co grego, ora se torna uma figura profética/messiânica, de acordo 
com a tradição judaica. Dessa forma, decorrem desses modelos 
diversas reconstruções das comunidades cristãs das origens: po-
litizadas, dadas à sabedoria, escatológicas etc. Todas as leituras, 
no entanto, amparam-se na exegese dos mesmos textos neotesta-
mentários e, em especial, nos Evangelhos Sinóticos.
A esse respeito, o estudioso F. Gerald Downing propôs:
We do not know enough about Jesus to allow us to construct a cle-
ar account of the primitive church because we do not know enough 
about the primitive church to allow us to construct a clear account 
of Jesus (cf. DOWNING, F. G. The Church and Jesus. In: SBT 2.10 
(1968): p. 51).
(Não conhecemos o suficiente a respeito de Jesus que nos permita 
construir uma hipótese clara sobre a igreja primitiva porque não 
conhecemos o suficiente sobre a igreja primitiva que nos permita 
construir uma hipótese clara sobre Jesus). 
Com esse trocadilho em mente, vamos conhecer algumas 
hipóteses a respeito da história de Jesus a partir dos evangelhos 
sinóticos, aqui entendidos como nossas fontes primárias.
Influências gregas na formação e no estilo dos evangelhos
Considerando os evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas em 
conjunto, alguns pesquisadores perceberam que esses textos pos-
suíam coleções de ditos de sabedoria muito usados no período do 
século 2º antes da Era Cristã. 
No contexto grego, essas coleções tinham como objetivo as-
segurar a memória e preservar os ensinos de certos filósofos. Os 
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45© U1- Introdução ao Estudo dos Sinóticos
compêndios de ditos de sabedoria eram conhecidos como Vita ou 
Bios, pois pretendiam transmitir os ensinos das escolas – das li-
nhas filosóficas – e, ao mesmo tempo, serviam como propaganda 
do programa filosófico de certos mestres. 
Como introdução dessas coleções, alguns textos possuíam 
as biografias dos mestres que destacavam feitos, virtudes, atitude 
em relação à matéria, política, projetos e glórias desses filósofos. 
Tais virtudes colecionadas indicavam a capacidade de cada mestre 
responder às questões de seu tempo. 
Nos evangelhos, assim como na Fonte Q (ou Fonte dos Ditos 
de Jesus, que explicaremos no decorrer da unidade), Jesus é apre-
sentado de modo semelhante, isto é, como espécie de sábio que 
com seu discurso – um programa de vida ético e moral – arregimen-
tava seguidores por onde passava. A proclamação (querigma) dis-
corria sobre o certo e o errado, sobre o bem e o mal e, assim como 
outros filósofos, tecia considerações críticas sobre o modo de vida 
daqueles que se submetiam ao jugo imperial (DOWNING, 1994). 
As diversas escolas tratavam de ganhar novos seguidores por meio 
de discursos (...). Este dogma era o único caminho para a felicidade. 
O kerigma cristão também falava da ignorância dos homens, pro-
metia dar-lhes um conhecimento melhor e, como todas as filoso-
fias, fazia referência a um mestre que possuía e revelava a verdade 
(JAEGER, 1965. p. 21).
Algumas importantes características aproximam os evange-
lhos dessas coleções de ditos: 
• Apresentação de Jesus como mestre e profeta que ensina 
com discursos.
• Discursos eram compostos por ditos de sabedoria inseri-
dos em histórias, isto é, molduras narrativas. 
• Sabedoria expressa nos ditos era produzida conforme a si-
tuação vivencial dos grupos para os quais eram proferidos 
em decorrência do contexto histórico-social específico.
Os ditos de sabedoria estariam presentes não apenas nos 
evangelhos canônicos, mas também em outros que, posterior-
© Evangelhos Sinóticos46
mente, foram considerados apócrifos – como o Evangelho de Tomé 
–, o que indica que esse estilo literário era utilizado por gregos e 
por judeus, talvez, por ser típico do período, algo "popularizado" 
em função de uma culturamediterrânea. Concordando com esse 
argumento, o pesquisador John Kloppenborg admitiu certa proxi-
midade entre a retórica grega e as fontes como Provérbios e Abot 
(Ditos dos Pais), nesse ponto, foi apoiado, ainda, pelo pesquisador 
James M. Robinson.
Para entender melhor esse assunto, veremos, a seguir, um 
exemplo:
O programa ético de Jesus poderia ser identificado em al-
guns estratos neotestamentários como, por exemplo, em Mateus 
8,18-22 e Lucas 9,57-62. 
Quadro 2 Comparativo das perícopes 
Mateus 8,18-22 Lucas 9,57-62
18 Vendo Jesus que estava cercado 
de grandes multidões, ordenou que 
partissem para a outra margem do lago.
19 Então, chegou-se a ele um escriba e 
disse: "Mestre, eu te seguirei para onde 
quer vás". 
20 Ao que Jesus respondeu: "As raposas 
têm tocas e as aves do céu têm ninhos; 
mas o Filho do Homem não tem onde 
reclinar a cabeça".
21 Outro dos discípulos lhe disse: 
"Senhor, permite-me primeiro ir enterrar 
meu pai".
22 Mas Jesus lhe respondeu: "Segue-me 
e deixa que os mortos enterrem seus 
mortos".
57 Enquanto prosseguiam viagem, 
alguém lhe disse na estrada: "Eu te 
seguirei por onde quer que vás".
58 Ao que Jesus respondeu: "As raposas 
têm tocas e as aves do céu, ninhos; mas 
o Filho do Homem não tem onde reclinar 
a cabeça".
59 Disse a outro: "Segue-me". Este 
respondeu: "Permite-me ir primeiro 
enterrar o meu pai".
60 Ele replicou: "Deixa que os mortos 
enterrem seus mortos; quanto a ti, vai 
anunciar o reino de Deus.
61 Outro disse-lhe ainda: "Eu te seguirei, 
Senhor, mas permite-me primeiro 
despedir-me dos que estão em minha 
casa". 
62 Jesus, porém, lhe respondeu: "Quem 
põe a mão no arado e olha para trás não 
é apto para o reino de Deus".
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47© U1- Introdução ao Estudo dos Sinóticos
O Quadro 2 apresentado anteriormente indica algumas di-
ferenças e similaridades entre os trechos de Mateus e Lucas. Não 
há diferenças significativas de conteúdo, mas na forma da escrita. 
Enquanto Mateus acentua que Jesus era seguido por multidões 
e fala da travessia de um lago, Lucas menciona apenas que Jesus 
estava em uma viagem, indo por uma estrada. Mateus fala de um 
escriba que se dirige a Jesus em uma pergunta. Lucas não especifi-
ca quem é a pessoa que questiona Jesus. A despeito dessas obser-
vações, entretanto, os ditos de sabedoria podem ser identificados 
em Mateus 8,20,22 e Lucas 9,58, 60,62.
As diferenças seguem. Enquanto Mateus cessa a narrativa 
no verso 22, Lucas dá continuidade à história com a inserção de 
dois outros versos. Neles, Jesus conversa com outro seguidor des-
conhecido, o que não seria muito, caso não houvesse a introdução 
do tema "reino de Deus", feita nos ditos dos versos 60 e 62 de 
Lucas.
Daí surge o questionamento: Mateus omitiu esses dois ver-
sos ou Lucas os acrescentou?
Parece-nos provável que Lucas tenha acrescido esses versos, 
isso porque seria o Evangelho escrito mais tardiamente, portan-
to, distante dos eventos relacionados a Jesus. Todavia, a peculia-
ridade do acréscimo, que introduziu à perícope o tema "reino de 
Deus" (matéria típica da apocalíptica judaica e dos tempos de crise 
ocasionados pelo não retorno imediato de Jesus) levanta dúvida 
quanto à inserção tardia. 
Tradicionalmente, a escrita de Lucas tem sido interpretada 
como "endereçada aos gentios", o que exclui o tratamento do 
tema "reino de Deus" em perspectiva judaica. Mas, a escrita de 
Mateus mais elaborada, sucinta e carregada de termos judaicos, 
sugere que esse Evangelho teria recebido maior tratamento na re-
dação. Mateus teria, portanto, mais interesse na audiência judai-
ca e, pelo caráter elaborado do texto, supõe-se que o trabalho de 
compilação dos redatores foi maior nesse Evangelho.
© Evangelhos Sinóticos48
Ao ler atentamente as perícopes de Mateus 8,18-22 e Lucas 
9,57-62, verificamos nos ditos de Jesus inseridos nas narrativas se-
melhanças entre a figura de Jesus dos evangelhos e a figura de um 
sábio que apresenta seu programa ético aos discípulos, bem ao 
modo grego:
Quadro 3 Ditos de sabedoria
DITOS DE SABEDORIA TEMAS
"As raposas têm tocas e as aves do céu têm 
ninhos; mas o Filho do Homem não tem onde 
reclinar a cabeça".
O profeta/sábio não tem parada, portanto, 
não tem vínculo com lugar ou quaisquer bens 
materiais.
"Segue-me e deixa que os mortos enterrem 
seus mortos".
O profeta/sábio não tem vínculos com família 
ou pátria; antes, é avesso às configurações 
sociais típicas.
"Quem põe a mão no arado e olha para 
trás não é apto para o reino de Deus".
O profeta/sábio se entrega inteiramente 
ao seu programa de vida (proclamação/
filosofia), na expectativa de obter 
algo maior – a felicidade (nos termos 
filosóficos) ou o reino de Deus (nos 
termos judaico-cristãos).
Nessa perspectiva, para seguir Jesus, tanto quanto para se-
guir o programa de um filósofo antigo, era necessário ceder a trí-
ade: 
• não ter apego aos bens materiais; 
• não ter apego a vínculos sociais (tribos, clãs, famílias); 
• não ter apego a lugares geográficos. Ser, portanto, desar-
raigado e itinerante. 
Segundo essa abordagem, os itinerantes desligavam-se das 
instituições – clã, família, comunidade – e assumiam postura autô-
noma (Mt 8,14; Lc 12,52-53). Os primeiros cristianismos, de certa 
forma, ainda vinculados às velhas estruturas por múltiplos laços e 
obrigações, com os carismáticos itinerantes ganharam novo aspec-
to. "O conceito de carismático indica que seu papel não era uma 
forma de vida institucionalizada, (...) baseava-se num chamado ex-
terno incondicional" (THEISSEN, 1997. p. 16).
Claretiano - Centro Universitário
49© U1- Introdução ao Estudo dos Sinóticos
Esse conjunto de princípios assemelhava-se ao programa 
ético-filosófico propagado pelos cínicos, grupo de filósofos atuan-
tes na Decápole por volta do século 1º (SILVA, 1996). Evidências 
que poderiam confirmar a influência do mundo helênico sobre as 
comunidades cristãs das origens. 
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Jesus nasceu, cresceu e atuou na Galiléia. Local formado por aldeias e cultura 
camponesa. Contudo, ao seu redor estavam cidades helenizadas como Tiro, Sí-
dom e Ptolemaida. Assim, o intercâmbio cultural deveria ser acentuado, propor-
cionando trocas simbólicas nos sistemas interpretativos de ambas as tradições 
culturais. Para se aprofundar no assunto leia: MEEKS, H. C. Os primeiros cris-
tãos urbanos. O mundo social do apóstolo Paulo. São Paulo: Edições Paulinas, 
1992. (Coleção Bíblia e Sociologia); e do mesmo autor, o capítulo: Early Christia-
nity in the Galilee: Reassessing the evidence from the Gospels. In: Lee I. Levine 
(Ed.). The Galilee in the Late Antiquity. Cambridge, Massachusetts and London: 
Harvard University Press, 1992. p. 3-22.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
A tríade mencionada anteriormente é confirmada por Theis-
sen. Ele entendeu que os primeiros cristãos eram itinerantes e se 
caracterizavam por três tipos de comportamentos:
1) "As palavras de Jesus apresentam uma ética de pessoa sem 
pátria, sem querência. O chamado do seguimento significa: 
renúncia à stabilitas loci (posição estável)" (Mt 8,20 = Lc 9,58; 
Didaqué 11.8).
2) "Os ditos representavam uma ética a-familiar. A renúncia à sta-
bilitas loci inclui o rompimento dos laços familiares" (Lc 14,26; 
Mt 10,29; Mt 8,22 = Lc 9,60).
3) "(...) a terceira característica da tradição das palavras é a crítica 
à riqueza e à propriedade" (Mc 10,17ss; Mt 1,19-21; Mt 10,25.) 
(THEISSEN, 1987, p. 37-40). 
Essas características que traçavam o perfil do cristão-itine-
rante tornariam-no mal visto pelos judeus tradicionais (Mc 6,4), 
que preservavam a moral familiar. O comportamento desses itine-
rantes era difícil de se justificar segundo os costumes judaicos. O 
comportamento recomendado ao itinerante era que: 
• Não permanecesse mais que um dia no mesmo lugar (Di-
daqué 11,6). 
© Evangelhos Sinóticos50
• Fizesse voto de pobreza (não deveria levar consigo dinhei-
ro, nenhuma sacola, nem sandália,nem bordão, apenas 
uma túnica (cf. Mt 10,10; Didaqué 11,6).
Didaqué: Capítulo 11 - Os Apóstolos e Profetas ––––––––––– 
6 - Na sua partida, o apóstolo não leve nada, a não ser o pão necessário até a 
seguinte estação; se, porém, pedir dinheiro é falso profeta. 
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Além disso, o desmantelamento da família como condição 
necessária para o fim dos tempos (Lc 12,52) e o novo paradigma 
de família destacavam a missão de anunciar o Reino. Os familia-
res mais íntimos do cristão-itinerante eram aqueles que com ele 
anunciavam as palavras de Jesus (Mc 3,35). 
Aquele que renunciasse à pátria, à família e à riqueza rejeita-
va as preocupações cotidianas. Destarte, libertar-se-ia do jugo da 
materialidade (cf. Mt 6,25-34).
O radicalismo ético da tradição das palavras de Jesus é um radica-
lismo itinerante. Ele somente pode ser praticado e transmitido sob 
condições extremas de vida: somente quem está desligado das re-
lações do mundo, somente quem abandonou casa, mulher e filhos, 
quem deixou aos mortos enterrar os seus mortos e toma os pássa-
ros e os lírios como exemplo pode renunciar à moradia, à família, à 
propriedade, ao direito e à defesa. Somente em tais circunstâncias 
podem ser transmitidas semelhantes orientações sem que caiam 
do descrédito (THEISSEN, 1987, p. 41). 
Assim, as palavras de Jesus expressas na forma de ditos de 
sabedoria conclamavam o interlocutor a desenvolver certa postu-
ra ética que assumia posição de inadequação à religião judaica e 
ao Estado romano. O cristão-itinerante era aquele que rompia com 
os vínculos ligados à tradição judaica e assumia o perfil marginali-
zado, de auto-estigmatizado.
Através da auto-estigmatização, a pessoa assume conscientemente 
as imputações negativas para com isso redefini-las e transformar a 
culpa em graça. Não se trata de um masoquismo inútil, mas de um 
tipo de estratégia que testa não apenas a força e poder, mas tam-
bém a impotência dos seus destinatários 
Claretiano - Centro Universitário
51© U1- Introdução ao Estudo dos Sinóticos
(...) A auto-estigmatização empurra o adversário para o déficit de 
legitimidade, coloca em dúvida seus valores e procura revertê-los. 
Com isso, elimina a estigmatização.
(...) Ao confirmar o estigma como valor próprio, a pessoa estigmati-
zada se torna modelo para muitos e atrai a simpatia e a compaixão. 
Os tipos principais de auto-estigmatização são exibicionismo, pro-
vocação, ascese e êxtase (VOIGT, 1999. p. 49). 
Mas, como propomos inicialmente, se entendermos que a 
literatura bíblica espelha e projeta o cotidiano das comunidades 
no desenvolvimento de sua teologia, modo dialógico, os ensina-
mentos do Nazareno, bem como de seus discípulos, norteavam a 
experiência religiosa de tais grupos sem, contudo, desautorizar a 
Lei, a tradição judaica e as memórias dos patriarcas. Os próprios 
ensinamentos de Jesus originaram-se no judaísmo, seja para criti-
cá-lo, complementá-lo ou reforçá-lo. A religião judaica constituía a 
base de Israel. Tratava-se do que conferia sentido ao povo. Portan-
to, foi o que também contribuiu para a formação do cristianismo.
Decorre disso, assim, que a identidade social das primeiras 
comunidades cristãs estava marcada por elementos da tradição 
religiosa judaica.
Os evangelhos sinóticos, como espelho da teologia e do 
mundo social desses primeiros cristãos, trazem características da 
situação vivencial desses grupos. Assim, sabedoria e crítica social, 
elementos característicos do judaísmo antigo, constituíram as lin-
guagens fundantes da experiência religiosa e da identidade dos 
primeiros cristãos. Esses elementos em conjunto forjaram a base 
do cristianismo como horizontes culturais sobre os quais repousou 
as expectativas dos primeiros cristãos.
Mas, como se possibilitou essa confluência? Quais os pro-
cessos que contribuíram para o encontro de tradições distintas no 
bojo do cristianismo? Tentaremos responder essas questões no 
próximo tópico.
© Evangelhos Sinóticos52
8. CONFLUÊNCIA DE HORIZONTES CULTURAIS
Duas foram as vias pelas quais o cristianismo se assentou: 
processos políticos e culturais. De um lado, a política imperial ex-
pansionista forneceu a linguagem universalizante, "urbana" e éti-
ca. De outro, o judaísmo contribuiu com arcabouço simbólico, com 
memória e noções de religião.
Na primeira instância, o intercâmbio sócio-político desenvol-
vido em função das conquistas e intervenções entre as culturas do 
Mediterrâneo e, posteriormente, com a helenização do Oriente, 
proporcionou o que a Antropologia cultural denomina apropriação 
e re-significação de linguagens (GEERTZ, 1997).
As culturas dos povos do Mediterrâneo Antigo foram cons-
tituídas de elementos comuns. Se analisadas comparativamente – 
por exemplo, por meio da história comparada das religiões – pode-
mos identificar estruturas simbólicas convergentes entre os povos 
do mundo antigo. É ilustrativo, desse ponto, o compartilhamento 
de mitos e mitemas, de simbolismos religiosos, cúlticos e rituais, 
de concepções de sistema de governo, por exemplo.
Assim, admitir apenas a influência grega sobre a formação 
do cristianismo é insuficiente para compreender a história de suas 
ideias. Além do contexto de dominação romana, da cultura helê-
nica e dos contatos com o pensamento ocidental, outro conjunto 
de saberes e de experiências é fundante para as origens cristãs, a 
saber: a matriz judaica.
Tradições culturais de judeus e de gregos nos Sinóticos
A experiência religiosa das primeiras comunidades não se 
deu de modo unívoco no âmbito em que circularam os ditos de Je-
sus, memórias sobre seus ensinamentos e possíveis materiais que 
serviram como subsídios para os Evangelhos.
Alguns grupos cristãos se destacaram pelo caráter apocalíp-
tico, outros pela crítica social-profética e outros pela sabedoria. A 
Claretiano - Centro Universitário
53© U1- Introdução ao Estudo dos Sinóticos
maneira como a identidade religiosa de cada grupo se estabeleceu, 
entretanto, não se desenvolveu a partir de regra fixa. Na mesma 
comunidade o elemento apocalíptico, a crítica social-profética e a 
sabedoria poderiam estar presentes, como verificamos em Lucas 
9,57-62, por exemplo.
Portanto, a discussão quanto às influências na redação dos 
Sinóticos não pode ficar circunscrita à sabedoria dos filósofos cíni-
cos. A sabedoria contida nessas fontes também decorre da tradi-
ção sapiencial judaica, que foi transmitida oralmente e teve seus 
primeiros registros em Provérbios e Jó. No período pós-exílico, foi 
representada pelos livros Sabedoria e Sirácida, chegou à sapiência 
de Qunram (também conhecidos como Rolos do Mar Morto) em 
4Q Instruction e 4Q Mysteries e, no século 1º pode ser identificada 
no Testamento dos 12 Patriarcas, que deixou instruções sapien-
ciais para os filhos de Israel.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
O debate quanto à autoria e local de redação dos Testamentos é muito amplo, 
desde hipóteses que concedem a autoria para judeus-cristãos do século 1º da 
EC até proposições de que teriam sido escritos já no século 2º da EC, a partir 
dos escritos neotestamentários. Nesses casos, os pesquisadores tendem a situ-
ar os Testamentos na Síria. Mas, há pesquisadores que consideram a redação 
judia, talvez qumrânica, do século 1º AEC (70-40 AEC, época dos Salmos de 
Salomão), na Palestina. Em todo caso, quanto ao lugar de composição há maior 
consenso de que teria sido produzido no Egito helenístico, em função dos poucos 
conhecimentos sobre a Palestina que o autor demonstra. 
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Portanto, no contexto histórico e social que subjaz aos Si-
nóticos, sabedoria e profecia constituíram elementos fundantes e 
em diálogo. Isso indica que a sabedoria presente nos Evangelhos 
não pode ser atribuída tão-somente aos gregos. As fronteiras en-
tre cultura helena e cultura judaica, diante do avanço do Estado ro-
mano, do estabelecimento da polis e da propagação do helenismo, 
tornavam-secada vez mais tênues. A troca de informação cultural 
era inevitável e aconteceu, mas não se pode afirmar que o cristia-
nismo das origens tenha rompido com o judaísmo.
© Evangelhos Sinóticos54
Entretanto, o intercâmbio não foi aceito "ecumenicamente". 
Basta lembrar que a "contaminação" da religião e da cultura ju-
daica era constantemente evitada, por considerar abominável o 
contato com a impureza pagã, nem sempre cristãos-judeus con-
cordaram com a conversão dos gentios. As próprias lideranças de 
Jerusalém que mantinham relações com as autoridades romanas 
eram constantemente criticadas pelos contatos. Roma permitia 
que os judeus prestassem culto a Iahweh, desde que não esque-
cessem as obrigações tributárias, os impostos diziam respeito às 
obrigações para com o Estado (Mt 22,21; Mc 12,14-17; Lc 20,22-
25), mas isso não evitou a crítica social às lideranças religiosas sub-
missas ao Império.
Fariseus, escribas e saduceus, apesar de se declararem au-
toridades judaicas, constituíam parte da elite local favorecida pela 
relação de patrocínio que possuíam junto à ordem imperial. Nesse 
sentido, o "outro", opositor e adversário na redação mateana, era 
constituído pelo Império Romano e sua extensão servil intitulada 
hipócrita formada pelos partidos fariseus, escribas e saduceus (Mt 
6,2,5,16; 22,18; 23,13-15,23,25,27,29; 24,51) (RODRIGUES, 2007). 
Mesmo que indesejados, os contatos entre judeus e roma-
nos ocorreram muitas vezes; prova disso é repulsa pela contami-
nação evidente no material mateano. Embora esse seja um aspec-
to da redação mateana, sua aparição indica o intercâmbio e, a esse 
respeito, nos ocuparemos a seguir.
9. IDENTIDADE SOCIAL DAS PRIMEIRAS COMUNIDA-
DES CRISTÃS 
A antropologia cultural propõe "que não existem de fato 
homens não-modificados pelos costumes de lugares particulares, 
nunca existiram [...]" (GEERTZ, 1989, p. 47). Isso podemos perce-
ber no exame dos Sinóticos. 
Notamos que as convergências éticas dos cristãos primitivos 
e dos filósofos cínicos podem ser comparadas em três aspectos: 
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55© U1- Introdução ao Estudo dos Sinóticos
• a existência apátrida;
• o rompimento com a tradição da família; 
• a renúncia à propriedade. 
Assim, como os cristãos que circulavam pelos povoados e 
aldeias propagando os ensinamentos de Jesus, os cínicos compor-
tavam-se à moda itinerante. A analogia se estabelece em função 
de fatores estruturais, mas não exatamente em função de "corres-
pondências históricas" e dependência.
O movimento dos primeiros cristãos, portanto, não pode ser 
enquadrado em uma perspectiva unívoca, lembrando que a ima-
gem da Igreja, como foi consolidada na visão constantiniana, deve-
-se a Eusébio de Cesareia (263-339 EC). Um historiador que serviu 
aos interesses de Constantino para justificar a construção de uma 
religião e teologia que servissem aos propósitos do Império. 
Existem dois erros sobre a origem do cristianismo no perío-
do que vai de 30-70 da Era Cristã: o primeiro de origem cronológi-
ca, baseado na interpretação dos quatro evangelhos, e o segundo 
de origem geográfica, com base nos Atos dos Apóstolos. É errôneo 
interpretar a fundação da Igreja no mesmo período em que se deu 
a atuação do Jesus Histórico ou logo em seguida a sua morte-res-
surreição. Antes da Igreja, houve o movimento de Jesus, "onde co-
existiu pluralidade de tendências e seitas, unidas certamente por 
um mesmo espírito e a tradição primitiva do batismo e eucaristia" 
(RICHARD, 1995, p. 8-9).
Por isso, a interpretação geográfica que se baseia no ma-
terial lucano como principal narrativa da origem do cristianismo, 
esconde aspectos relevantes para reconstrução da história da cris-
tandade. Isso porque apresenta as origens no Ocidente, na direção 
que vai de Jerusalém a Roma, passando por Antioquia, Galácia, 
Éfeso, Corinto e outras.
© Evangelhos Sinóticos56
Informação Complementar –––––––––––––––––––––––––––––
O Mediterrâneo, que foi espaço de expansão do cristianismo, era um espaço 
fechado: ao oeste, pelo imenso e inexplorado Oceano Atlântico; ao norte, pelas 
selvas impenetráveis do norte da Europa e ao sul, pelo grande deserto do Saara. 
O Império Romano ocupava somente o centro deste espaço 
"(...) A Palestina e a Síria estavam fundamentalmente abertas para o oriente, 
ligadas a essas regiões pelo caminho da seda. Este é o marco fundamental das 
origens do cristianismo" (RICHARD, 1995, p. 9).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Se o argumento geográfico não é suficiente para desqualifi-
car a chegada do Império Romano e toda a influência que exerceu 
sobre a cultura judaica, ele serve, no mínimo, para relativizar os ar-
gumentos que enfatizam a influência ocidental nas origens cristãs 
e nos Evangelhos Sinóticos.
Os evangelhos sinóticos são tradições que fundem gêneros 
literários, assim como a experiência dos primeiros cristãos fundiu 
elementos da cultura helênica e judaica. Essas fontes expressam o 
"caldeirão cultural" formado no século 1º, composto pelas ques-
tões e expectativas cotidianas dos vários cristãos espalhados pela 
Galileia e arredores. 
No debate sobre campo e cidade, refletem-se, também, as 
trocas culturais, visto que as origens cristãs se projetam para o 
mundo, emergindo de pequenas aldeias – com artesãos, pescado-
res e figuras simples –, em direção às cidades helenizadas. Na me-
dida em que o processo de helenização do Oriente se ampliava, o 
mundo social dos primeiros cristãos fundia elementos característi-
cos da realidade camponesa, mas também de elementos urbanos 
(NOGUEIRA, 1999, p. 29-40).
A identidade social das primeiras comunidades deve ser 
entendida à luz de um conjunto de relações mais amplas do que 
imaginamos comumente. Se por um lado Roma representava um 
império dominador, por outro, os povos e as culturas dominadas 
não poderiam ser classificadas apenas como passivas.
Nesse espectro relacional, é que a noção de identidade se 
constrói a partir de processos de relação que envolvem negação e 
Claretiano - Centro Universitário
57© U1- Introdução ao Estudo dos Sinóticos
assimilação do "outro". O que implica dizer que nem os gregos-ro-
manos permaneceram os mesmos, nem os judeus-cristãos man-
tiveram uma cultura pura, como se verifica nos Evangelhos e na 
literatura neotestametária de modo geral.
Tendo em vista esse quadro histórico e político da situação 
em que viveram os cristãos das origens, como eles teriam se orga-
nizado após o movimento de Jesus?
10. PRIMEIRAS COMUNIDADES CRISTÃS: ITINERAN-
TES OU LOCAIS?
Na hipótese de Theissen, o movimento de Jesus que origi-
nou os primeiros cristianismos iniciou com a itinerância de cará-
ter missionário. Para esse autor, os itinerantes eram autônomos e 
baseavam-se num chamado "externo incondicional". 
Os carismáticos itinerantes não eram um fenômeno marginal no 
movimento de Jesus. Foram eles que marcaram as tradições mais 
antigas e constituem o fundo social para a maior parte da tradição 
sinótica, especialmente a tradição dos ditos de Jesus (logia) (THEIS-
SEN, 1997, p. 18).
Seguindo nessa perspectiva, as comunidades locais per-
maneciam dentro do judaísmo, sem pretensão de formar igreja. 
Entende-se que havia pequenos núcleos de simpatizantes que 
recebiam os "carismáticos itinerantes". Seriam famílias que aco-
lhiam em suas casas os cristãos de passagem. Na região palestina, 
somente em Jerusalém (At 1ss) e Judeia (Gl 1), existiram comuni-
dades locais. Outras pertenciam a regiões helenizadas como Cesa-
reia, Ptolemaida, Tiro, Sidom, Antioquia e Damasco (cf. At 10,1ss; 
21,3-7; 11.20; 9.10). 
Theissen usou o termo "carismático" segundo a definição de 
M. Weber, que afirma: 
Denominamos carisma uma qualidade pessoal considerada extra-
cotidiana (na origem, magicamente condicionada, no caso tanto 
dos profetas quanto dos sábios curandeiros ou jurídicos, chefes de 
caçadores e heróis de guerra) e em virtude da qual se atribuem a 
© Evangelhos Sinóticos58
uma pessoa poderes ou qualidadessobrenaturais, sobre-humanos 
ou, pelo menos, extracotidianos específicos ou então se a toma 
como enviada por Deus, como exemplar e, portanto, como líder 
(WEBER, 2004. p. 141). 
Os adeptos são considerados "dominados" por Weber e os 
carismáticos, portanto, seriam os "dominadores" cuja autoridade 
é reconhecida pelos "adeptos". Esse reconhecimento é "consoli-
dado em virtude de provas – originariamente, em virtude de mila-
gres – e oriundo da entrega à revelação, da veneração de heróis ou 
da confiança no líder" (WEBER, 2004. p. 158-159).
Nessas comunidades, havia certa regulamentação de condu-
ta – nas comunidades da Ásia, essa regulamentação era fornecida 
pelas cartas de Paulo –, que concedia parâmetros para o compor-
tamento e o convívio social dos primeiros cristãos. 
A pluralidade de interpretações que caracterizava os cristia-
nismos pode-se verificar na maneira como os primeiros cristãos 
atendiam aos ensinamentos de Jesus. Enquanto itinerantes eram 
mais contundentes nas suas críticas ao Templo e às lideranças ju-
daicas, os cristãos de comunidades locais conformavam-se à tole-
rância e aos preceitos da Lei judaica, tendo como base esperança 
do retorno de Jesus. Dessa forma, "havia (...) um ethos diferencia-
do para carismáticos itinerantes e para simpatizantes residentes" 
(THEISSEN, 1997, p. 22-24).
As lideranças e autoridades dessas comunidades funciona-
vam conforme o número de integrantes. Os itinerantes constitu-
íam as autoridades em pequenos núcleos. Em geral, os assuntos 
eram decididos de modo comum e em grupos maiores se esta-
beleciam bispos e diáconos. Para se regulamentar a pertença em 
comunidade local, não havia critério rígido determinado. Prova-
velmente, o batismo tornou-se um ritual iniciatório (cf. Mt 28,19; 
Didaqué 7), mas com o tempo adquiriu, também, outras funções.
Capítulo 7 - Instrução sobre o batismo. 
1. No que diz respeito ao batismo, batizai em nome do Pai e do 
Filho e do Espírito Santo em água corrente (cf. Mt 28,19).
Claretiano - Centro Universitário
59© U1- Introdução ao Estudo dos Sinóticos
2. Se não tens água corrente, batiza em outra água; se não pude-
res em água fria, faze-o em água quente.
3. Na falta de uma e outra, derrama três vezes água sobre a cabe-
ça em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo.
4. Mas, antes do batismo, o que batiza e o que é batizado, e se ou-
tros puderem, observem um jejum; ao que é batizado, deverás 
impor um jejum de um ou dois dias (THEISSEN, 1997, p. 24-25). 
Em função desse quadro, Theissen (1997, p. 26) sugeriu que:
A investigação de comunidades locais demonstrou que elas preci-
sam ser entendidas a partir de seu relacionamento complementar 
com os carismáticos itinerantes. O radicalismo dos carismáticos 
itinerantes tornava-se possível apenas com a base material nas co-
munidades locais. Eram elas que, até certo ponto, os aliviavam de 
preocupações cotidianas 
(...). Uma ética escalonada unia e diferenciava as duas formas so-
ciais do movimento de Jesus. 
Em oposição a essa hipótese, R. A. Horsley (2000) afirmou 
que os primeiros cristãos saíam do campo para a cidade, o que jus-
tificaria o desmantelamento das famílias e a elaboração de novos 
modelos de agrupamentos cujo ideal seria comunitário, de par-
tilha e de igualdade. Algo que ajudaria esses cristãos a suportar 
as angústias e as pressões cotidianas. Para Horsley (2000), as co-
munidades locais tiveram prioridade na formação dos primeiros 
cristianismos.
Horsley (2000) argumentou que a partir da revisão de evi-
dências arqueológicas e literárias houve pouco mais que uma fina 
camada de cultura cosmopolita nas cidades da Baixa Galileia, no 
início do século 1º EC. Quanto à proposição de um "Jesus quase-
-cínico", Horsley afirmou, ainda, que seria problemático descon-
siderar outras evidências na pesquisa sobre a recepção dos cam-
poneses galileus às influências exercidas sobre eles por Séforis e 
Tiberíades. Segundo esse autor, os relatos de Josefo sobre os even-
tos em 4 AEC indicam que houve forte reação aos governantes e 
suas políticas urbanas.
© Evangelhos Sinóticos60
É difícil (...) compreender como a influência cínica especificamente 
se adaptaria às circunstâncias peculiares dos galileus coagidos a se 
ajustarem, econômica e culturalmente, à presença urbana recen-
temente intensificada em seu meio. Temos a sensação geral que 
os filósofos cínicos eram de fato "não-convencionais" ou "contra-
culturais" 
[...] Isso se adaptaria melhor à situação de uma cultura convencio-
nal antiga. Tanto a cultura judaica como a cultura helenístico-roma-
na, porém, teriam sido relativamente novas na Galiléia e presentes 
principalmente nas cidades-capitais (HORSLEY, 2000, p. 159). 
Segundo esse argumento, os primeiros cristãos não teriam 
assimilado tão arrebatadoramente influências cínicas ou culturais 
imperiais do mundo cosmopolita grego. Isso porque tanto cultu-
ra judaica como grega estavam presentes na Galileia não havendo 
uma cultura convencional. 
Jesus e seu movimento pareciam ter sido 'cínicos' de um modo 
mais profético de 'consciência de classe', com relação a reis em 
seus palácios e banquetes refinados ou extravagantes entre a eli-
te (cf. Lc 7,24-25; 14,16-24; Mc 6,17-29). Também não há motivo 
para acreditar que Jesus e outros artesãos e camponeses de baixo 
nível estivessem assimilando influências culturais imperiais e/ou 
urbano-cosmopolitas mais do que o estiveram os rabis mais tarde, 
que estavam mais expostos a essas influências em Diocesaréia e 
em Tiberíades (HORSLEY, 2000, p. 159).
Para conciliar as duas abordagens, a de Theissen (1997) e a 
de Horsley (2000), propomos algumas observações atentas.
Em primeiro lugar, deve-se esclarecer que na hipótese de 
Theissen (1997, p. 16) a "estrutura interna do movimento de Je-
sus era determinada pela interação de três papéis: os carismáticos 
itinerantes, seus simpatizantes nas comunidades locais e o Reve-
lador"; logo, podemos entender que a itinerância não se sobrepu-
nha à vontade da comunidade local. Haveria, antes, interdepen-
dência entre os movimentos. 
No primeiro momento, a itinerância teria ocorrido como for-
ma de anunciar as palavras de Jesus. Por esse meio, foram forma-
das as primeiras comunidades cristãs que se fixaram em aldeias e 
povoados. 
Claretiano - Centro Universitário
61© U1- Introdução ao Estudo dos Sinóticos
Os cristãos itinerantes formaram um grupo que seguia os 
ensinamentos de Jesus com radicalismo ético e social. Eles assu-
miram o estigma de marginalizados e excluídos, por isso, identifi-
caram-se com a figura do Filho do Homem. Seguiram a missão de 
anunciar o reino e perpetuar a tradição das palavras do Nazareno. 
No segundo momento, a existência desse grupo favorecia a exis-
tência das comunidades locais. 
Assim, vale lembrar que a tradição das palavras de Jesus foi 
transmitida inicialmente de modo oral por apóstolos, missioná-
rios, catequistas, profetas e discípulos de Jesus. A oralidade era 
característica do povo judeu como recurso de ensino e meio de 
perpetuar a tradição. 
Os textos Dt 6,6; 11,18; 12,28; 17,19; 29,9 e 31,12 expressam a 
importância que os judeus atribuíam à tradição oral.
Nos textos que formam a tradição sinótica e em João, as 
"palavras" (logias) podem ser encontradas em destaque. Sejam as 
palavras proclamadas pelos profetas (confirmadas no Novo Testa-
mento), sejam as palavras proferidas por Jesus, ou as palavras en-
sinadas pela Tradição. 
Na recorrência das "palavras", há forte indicativo de que o 
ethos judaico considerava a tradição oral de extrema relevância. 
Essa tradição foi herdada pelas primeiras comunidades cristãs, 
cuja identidade religiosa tem como aspecto constituinte a tradição 
oral. 
Destacamos os seguintes textos que denunciam a importância 
dada à tradição oral: Mt 7,24; 10,14; 24,35; Lc 3,4; 6,47.
O movimento que teve por mola propulsora a itinerância de 
cristãos perpetuou a tradição oral, implementando o reino de Deus 
por meio das palavras de Jesus. A propaganda dos ensinamentos© Evangelhos Sinóticos62
de Jesus, desenvolvida por meio desses itinerantes, engrossou as 
fileiras de seguidores do Nazareno. Alguns, identificados com a 
condição dele, romperam seus vínculos sociais e religiosos, a fim 
de exercerem o papel de discípulos-missionários de Jesus. Outros 
permaneceram nas comunidades e adaptaram sua maneira de vi-
ver, conforme as palavras de Jesus. Assim, a hipótese de um mo-
vimento de cristãos que circulava entre povoados e aldeias não 
desqualifica a hipótese de um cristianismo local.
Texto Complementar: Evangelho ou Biografia? –––––––––––
Para que foram escritos os evangelhos? Vimos acima que não foi apenas para 
repetir aquilo que Jesus fez e falou, mas sim para estimular as comunidades 
com seu exemplo. A necessidade de fortalecer as comunidades levou a dar aos 
evangelhos esse formato e o jeito que conhecemos. É hora de aprofundar essas 
afirmações.
Se isso é verdade, podemos também dizer que os evangelhos não têm como 
finalidade dar informações sobre Jesus, mas levar as pessoas a se comprome-
terem com ele. Isso fica evidente na conclusão do evangelho segundo João, em 
20,30-31. Vamos comentar este texto, que nos esclarece muita coisa a respeito 
dos evangelhos todos.
Primeiramente ali se diz que na escrita do evangelho não se teve a intenção de 
registrar tudo o que Jesus fez, nem mesmo todos os seus "sinais". Se a finalida-
de do evangelho fosse contar a vida de Jesus tim-tim por tim-tim, não poderia ter 
ocorrido esse processo de escolha daquilo que deveria ser escrito e do que podia 
ser deixado e que talvez pudesse ser retomado em outro momento.
Mas o que definiu esta escolha? Quais os critérios usados? Aí vem o outro ponto 
importante: "Estes sinais foram escritos para que vocês acreditem" (Jo 20,31a). 
Quando os evangelhos foram escritos pensou-se primeiramente no "vocês", na 
comunidade! Foram os problemas e desafios do cotidiano da comunidade que 
conduziram o processo de escrita do evangelho, e inclusive da escolha do que 
teria de fazer parte da narração. Para atender às necessidades da comunidade 
foram inseridos alguns textos e deixados de fora tantos outros.
No caso da comunidade de João, por exemplo, o ambiente era de perseguição, 
ameaças inclusive de morte. Resultado: vamos encontrar em Jo 9 um longo re-
lato sobre alguém que enfrentou as autoridades com coragem, mesmo tendo 
sido expulso da sinagoga: o cego de nascença. Uma postura bem diferente da 
de seus pais (9,21-22)! E ainda: o evangelho segundo João é tão diferente dos 
demais porque sua comunidade vive uma situação específica, que o evangelho 
quer encarar de frente! Assim acontece com os demais evangelhos.
Como já foi falado, a finalidade da escrita do evangelho é convencer as pessoas 
de realmente aderir a Jesus e comprometer-se com seu projeto. Veja novamente 
Lc 1,1-4: o v.4 mostra claramente que o objetivo do evangelho é confirmar na fé.
Daí que o crer esteja diretamente ligado à certeza e à luta pela vida: "para que 
vocês acreditem que Jesus é o messias, o filho de Deus, e para que, acreditando, 
vocês tenham a vida em seu nome" (Jo 20,31). O evangelho deve servir para a 
Claretiano - Centro Universitário
63© U1- Introdução ao Estudo dos Sinóticos
comunidade de fé descobrir onde está a verdadeira vida, que apostas e opções 
deve fazer, que valores e propostas deve assumir. Como dizia um padre, assas-
sinado por seu compromisso com a gente sem-terra desse país: "Prefiro morrer 
defendendo a vida do que viver defendendo a morte". 
Fonte: Extraído de: RODRIGUES, M. P. (Org.); RODRIGUES, E. (et.al.) Palavra 
de Deus, palavra da gente. As formas literárias da Bíblia. São Paulo: Paulus, 
2004. p.83-84.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
11. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Ao término desta unidade, sugerimos que você procure co-
mentar, discutir e sintetizar os conteúdos aqui apresentados. Para 
tanto, destaque os principais pontos do debate acadêmico sobre 
a história social do cristianismo das origens. Essa revisão é rele-
vante à medida que lhe permite perceber quais conteúdos você 
compreendeu e assimilou e, quais devem ser retomados mais de-
tidamente. Lembre-se de que o ensino à distância requer do aluno 
autonomia e disciplina, mas também atitude cooperativa na cons-
trução do aprendizado. As perguntas que faremos a seguir visam 
auxiliá-lo na elaboração de sua síntese:
1) Qual a relação entre os contextos histórico, político e cultural que os primei-
ros cristãos e as primeiras comunidades cristãos vivenciaram e a escrita dos 
Evangelhos Sinóticos?
2) Elenque motivos e razões que teriam conduzido à redação dos Evangelhos.
3) Qual a relevância de registrar as tradições, as memórias e os ensinamentos 
de Jesus por meio de uma tradição escrita?
12. CONSIDERAÇÕES 
Finalizando essa primeira etapa de nosso estudo sobre os 
Sinóticos, pudemos compreender que o termo "evangelho" bem 
como a palavra "sinótico" estão vinculadas a sentidos bem práti-
cos: boas novas e espelho. Portanto, os Evangelhos versam a res-
peito das boas novas anunciadas por Jesus de Nazaré, que têm 
como conteúdo central a proclamação do reino de Deus. 
© Evangelhos Sinóticos64
Essa proclamação requeria de seus adeptos fé e arrepen-
dimento, que implicavam a conversão e a salvação. Era, portan-
to, um evangelho totalmente diferente dos que até então foram 
anunciados entre gentios e judeus. Por essa razão, aqueles que 
aceitavam a proclamação de Jesus promulgada por meio de ensi-
namentos, de ditos de sabedoria, de profecias e outros gêneros, os 
primeiros cristãos, formaram o movimento de Jesus, seguido das 
comunidades.
Tais grupos, inseridos no contexto político, social e cultural 
do Império Romano, vivenciaram sua crença dentro de um mun-
do social adverso, repleto de tensões, de controvérsias e disputas 
entre as diversas tradições culturais, as lideranças, os partidos e as 
pessoas de modo geral. 
Assim, os Evangelhos Sinóticos, entendidos como fontes do 
período (século 1º EC), "espelham" tal realidade por meio de seus 
conteúdos, de suas formas literárias e de suas tendências. São 
relatos de época que exprimem literariamente a diversidade do 
mundo social do qual emergiram as primeiras comunidades, carac-
terizadas pelos "encontros" e "desencontros" entre os horizontes 
culturais greco-romanos e judaicos. 
Portanto, da confluência da matriz judaica e da matriz helê-
nica resultou uma nova identidade: a identidade social e religiosa 
dos cristãos, que se pautavam nas "palavras" de Jesus.
13. E-REFERÊNCIAS
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out. 2011.
Claretiano - Centro Universitário
65© U1- Introdução ao Estudo dos Sinóticos
14. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
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Brasília/São Paulo: UnB/Imprensa Oficial, 2004.
EA
D
2
O Problema Sinótico e as 
Origens Cristãs
1. OBJETIVOS
• Formular de maneira breve as principais hipóteses de for-
mação dos Sinóticos. 
• Indicar a interdependência dos Sinóticos em relação ao 
Evangelho de Marcos.
• Demonstrar a relevância dos Sinóticos para a compreen-
são das origens cristãs.
2. CONTEÚDOS
• Problema sinótico e crítica das fontes.
• Hipóteses quanto à formação dos Evangelhos.
• Inventário da tradição de Jesus a partir das fontes escri-
tas.
• Aspectos dos quais decorrem as diferenças entre os Evan-
gelhos.
© Evangelhos Sinóticos68
3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE
Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que 
você leia as orientações a seguir:
1) Tenha à disposição para consulta uma Bíblia. Se possível 
tenha mais de uma versão, a fim de conferir as diferen-
ças na tradução.
2) Leia atentamente a unidade e conceda atenção às refe-
rências bibliográficas indicadas. Algumas dessas referên-
cias podem ser obtidas pela Web. A leitura de tais indica-
ções tem por finalidade complementar as informações 
apresentadas nessa unidade e oferecer oportunidade de 
ampliar seus conhecimentos por meio de instrumental 
teórico sofisticado.
3) Faça a leitura desta unidade quantas vezes forem possí-
veis. Esse conteúdo é pré-requisito para a compreensão 
das unidades posteriores e lhe oferecerá condições teó-
ricas para assimilar as características dos evangelhos de 
Marcos, Mateus e Lucas.
4) Sugerimos a leitura da referência a seguir, como impor-
tante subsídio para a compreensão do problema sinóti-
co: KÜMMEL, Werner Georg. Introdução ao Novo Testa-
mento. São Paulo: Paulinas, 1982, p. 33-93.
5) Para saber mais a respeito do Evangelho de João, consul-
te: KONINGS, Johan. Evangelho segundo João. Amor e fi-
delidade. Petrópolis/São Leopoldo: Vozes/Sinodal, 2000, 
425p. (Comentário Bíblico); MATEOS, Juan e BARRETO, 
Juan. O evangelho de São João. Análise lingüística e co-
mentário exegético. São Paulo: Edições Paulinas, 1989. 
923p.
6) Para saber mais a respeito da literatura apocalíptica e da 
relação desse conjunto literário com as origens cristãs, 
recorra à revista eletrônica Oracula, no site disponível 
em: <www.oracula.com.br>. Acesso em: 13 nov. 2011. 
Veja ainda: NOGUEIRA, Paulo Augusto de Souza; OT-
TERMAN, Monika; ADRIANO FILHO, José. Apocalíptica 
cristã-primitiva. Uma leitura para dentro da experiência 
religiosa e para além do cânon. In: Revista de Interpreta-
Claretiano - Centro Universitário
69© U2- O Problema Sinótico e as Origens Cristãs
ção Bíblica Latino-Amerciana 42/43(2002): 162-190; RO-
DRIGUES, Elisa. O Anúncio do Reino de Deus em Q9.57-
62. Expectativas Apocalípticas e Sabedoria Cotidiana no 
discurso do Filho do Homem (Dissertação de Mestrado 
do Curso de Pós-Graduação em Ciências da Religião. São 
Bernardo do Campo: Umesp, 2003). 
4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Vimos na unidade anterior que o tema da redação dos livros 
que compõem o cânon da Bíblia judaico-cristã é amplo e marcador 
de uma longa trajetória de pesquisas e estudos sobre as tradições 
da Bíblia hebraica e do Novo Testamento. Como já vimos, esses 
estudos focalizam as recorrências e as interseções entre judaís-
mo e cristianismo, a partir do Império Romano, do helenismo e 
da difusão e trocas simbólicas entre culturas do povo de Israel e 
das civilizações vizinhas. Contudo, apesar do volume de informa-
ções que essa história envolve, esta unidade se centrará no deba-
te acerca dos Sinóticos, como fontes do período e da Crítica das 
Fontes como metodologia que visa compreender as motivações e 
contextos próprios de redação de cada Evangelho.
A breve exposição a seguir se concentrará, de um lado, nas 
hipóteses de formação dos Sinóticos, considerando, em especial, a 
interdependência dos Sinóticos em relação ao Evangelho de Mar-
cos e, de outro, no debate da relevância dos Sinóticos para a com-
preensão das origens cristãs.
5. O PROBLEMA SINÓTICO E A CRÍTICA DAS FONTES
O problema sinótico consiste na constatação de que existem 
diferenças e semelhanças na redação dos evangelhos. Essa consta-
tação explica-se pelo entendimento de que os autores de tais tex-
tos, no processo de elaboração de cada Evangelho, acrescentaram 
à tradição escrita narrativas acerca da vida e dos ensinamentos de 
© Evangelhos Sinóticos70
Jesus, conhecidas pela tradição oral. Isso significa que cada autor, 
ao descrever a história de Jesus, utilizou livremente memórias e 
fontes que estavam à disposição. 
A escola que investiga essas particularidades do texto bí-
blico é chamada"Crítica das Fontes". Ela se dedica à análise dos 
estágios que conformaram a produção dos Evangelhos. "Ela faz 
e procura responder a seguinte pergunta: Que fontes escritas ( ) 
os evangelistas empregaram na compilação de seus evangelhos?" 
(CARSON, 1992, p. 31-38).
Tal questão interessa tanto ao historiador do cristianismo 
primitivo, quanto ao exegeta ou ao indivíduo que tem relação de 
fé com os textos bíblicos. Para respondê-la, a academia de estudos 
bíblicos da Alemanha, representada pela escola da Crítica das For-
mas elaborou o conceito de comunidade "por trás" do Evangelho 
e formulou o entendimento de que se o Sitz im Leben (situação 
vivencial) de uma comunidade pudesse ser bem compreendido, 
o texto (evangelho que a comunidade produziu) seria lido corre-
tamente. 
Martin Dibelius, um dos primeiros dos mais importantes 
críticos da forma, em 1934 definiu Sitz im Leben "como o estrato 
histórico e social em que precisamente aquelas formas literárias 
foram desenvolvidas" (s. d). Já em 1969, W. Marxsen foi o primeiro 
a introduzir três Sitze im Leben: 
• O Jesus Histórico (a situação de atividades de Jesus).
• A Crítica das Formas (a situação da Igreja primitiva). 
• A Crítica da Redação (a situação do evangelista na criação 
do Evangelho).
Consequentemente, as décadas de 1960 e 1970 testemu-
nharam uma onda de estudos nos Evangelhos que se preocupou 
com a situação das comunidades subjacentes a cada texto. 
Eventualmente, eram usados alguns métodos da área das 
ciências sociais para a reconstrução das comunidades subjacen-
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71© U2- O Problema Sinótico e as Origens Cristãs
tes aos Evangelhos. Uma das obras que utilizou a sociologia para 
compreender e reconstruir o painel cultural das origens cristãs foi 
Sociologia do movimento de Jesus, de Gerd Theissen, publicado 
pela primeira vez no Brasil em 1977, que estudamos na unidade 
anterior. Obviamente, existem muitos outros trabalhos que em-
pregaram essa metodologia. De tais estudos explodiram uma série 
de conclusões e resultados diferentes.
Em 1979, Luke Timothy Johnson criticou um trabalho que 
reconstruía a comunidade de Lucas. Para Johnson, descrições ge-
rais dos leitores fazem injustiça ao texto e destroem o sentido e a 
intenção literária. Em outras palavras, Timothy considerou simpló-
ria essa reconstrução, pois reduzia o texto a apenas uma projeção, 
reflexo da comunidade, desprezando os aspectos literários da nar-
rativa, a construção da redação e os interesses vinculados a essa 
produção.
Em 1988, Dale Allison – um importante comentarista do 
Evangelho de Mateus – argumentou que o termo "comunidade 
lucana", por exemplo, não deveria ser usado para o Evangelho de 
Lucas, visto que o evangelho pode ter tido a interferência de reda-
tores especializados.
No volume que trata das apropriações para reconstrução da 
comunidade mateana (BALCH, 1991), Jack Dean Kinsbury conce-
deu uma surpreendente advertência sobre a prática metodológica 
de atribuir os Evangelhos às comunidades.
Em 1992, Graham Stanton, no livro A Gospel for a new peo-
ple (Um evangelho para um novo povo), discutiu a possibilidade de 
se descobrir a comunidade mateana, a partir do próprio texto de 
Mateus. Ele admitiu que a reconstrução sobre essas linhas podem 
exigir muito da imaginação disciplinada do historiador. 
Posteriormente, Stanton mostrou que alguns dos mais re-
centes trabalhos sobre outros primeiros escritos cristãos podiam 
ser considerados "lembranças" (pistas) do ambiente de Mateus, 
traçando possíveis contextos de dentro do judaísmo e dos primei-
© Evangelhos Sinóticos72
ros cristianismos. Para Stanton, a chave metodológica "é notar que 
o Evangelho não é uma carta, visto que uma carta não fornece 
janelas claras sobre a situação social dos receptores" (s. d.).
Ainda em 1992, Frederik Wisse argumentou em um artigo in-
titulado Historical method and the Johannine community (Método 
histórico e a comunidade joanina) que a hipótese usada para de-
terminar as circunstâncias históricas da composição do Evangelho 
de João por meio de dados indiretos é altamente problemática.
Wisse denominou impressionante que os estudiosos dos 
Evangelhos classificassem essa literatura como única e transpa-
rente quanto à situação histórica das comunidades. Para ele, esse 
tipo de abordagem e prática metodológica revela que os estudio-
sos têm dificuldade de enfrentar o desapontamento diante das 
conclusões justificadas por evidências muito limitadas e interesses 
próprios.
Bengt Holmberg (1990) comentou que o postulado de uma 
correlação completa e positiva entre um texto e o grupo social que 
transmitiu e recebeu esse texto é implausível. Ler as narrativas 
do Evangelho como se fossem alegorias da forma de vida de cada 
igreja é um tanto sem imaginação. 
Assim, Stephen Barton chama de "explosão de interesse" 
a essa corrente de estudo do Novo Testamento. Tais abordagens 
que desenvolvem ênfases teológicas sobre a igreja e as comunida-
des subjacentes aos Evangelhos podem ser inapropriadas (KLINK, 
2004).
Kinsbury concordou com essa crítica e admitiu que "o texto 
em si mesmo não é observado como o interesse primário, mas 
como um veículo para recepção de outra coisa; em outras pala-
vras, a situação social da comunidade" (KLINK, 2004, p. 64).
De acordo com essa análise, a exegese dos Evangelhos, que 
busca apenas reconstruir as comunidades "por trás" do texto, co-
loca à margem cultura, valores próprios do período antigo e outras 
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73© U2- O Problema Sinótico e as Origens Cristãs
informações que poderiam ser importantes para entender as ori-
gens cristãs, o surgimento do cristianismo e os processos sociocul-
turais que motivaram a escrita dos Evangelhos. 
A crítica, portanto, recai sobre um tipo de exegese que tem 
"obsessão" pelas reconstruções de comunidades sem considerar 
que tais reconstruções podem ser idealizadas, conforme a pers-
pectiva de cada comentarista e, nesse sentido, materializam as 
projeções dos próprios exegetas fincadas no seu próprio tempo e 
ideologias.
Tais reflexões críticas sobre a noção de "comunidade por 
trás do texto" não invalidam essa possibilidade de chave metodo-
lógica, mas evidenciam que a exegese deve atentar para outros 
âmbitos que subjazem à produção do texto. Ou seja, entender o 
período histórico, os códigos de comportamento da época, como 
tais códigos determinavam as sociabilidades e, ainda, subsidiavam 
a produção cultural. Essas "comunidades por trás do texto" não 
estavam à parte desses processos.
6. O "OLHAR" PARA DENTRO DAS FONTES
Sabemos que a Crítica das Fontes, em parte, foi responsável 
pela criação do conceito comunidade mateana, lucana, marcana 
e joanina. Embora reconheçamos os limites metodológicos dessa 
abordagem, devemos entender que a Crítica das Fontes ofereceu-
-nos um importante legado teórico para compreensão do conjunto 
sinótico. Legado esse que contribuiu para o desenvolvimento de 
outras abordagens como a Crítica Literária.
A Crítica Literária verificou que as semelhanças na estrutura 
dos Evangelhos, no uso das palavras e na sequência das narrativas, 
sugerem que entre os Evangelhos existiu alguma dependência e, 
talvez, o compartilhamento de fontes. 
Obviamente, tais recorrências no uso das palavras necessi-
tam ser verificadas, inicialmente na língua original, que é a língua 
© Evangelhos Sinóticos74
grega koinê (o termo grego que se refere à língua usada pelos au-
tores neotestamentários. Diz respeito à língua falada nos tempos 
de Jesus, espécie de grego popular que reunia expressões do gre-
go clássico e do aramaico).
Assim, como nas traduções se podem verificar semelhanças, 
a comparação das narrativas bíblicas também evidencia certas in-
terrupções abruptas, construções não comuns e omissões que cor-
respondem às diferenças.
Vejamos o Quadro 1 a seguir:
Quadro 1 Sinótico
Mc 2,10-11 Lc 5,24 Mt 9,6
10 Ora, para que saibais 
que o Filho do Homem 
tem sobre a terra 
autoridade para perdoarpecados – disse ao 
paralítico: 11 Eu te mando: 
Levanta-te, toma o teu 
leito e vai para tua casa.
24 Mas, para que saibais 
que o Filho do Homem 
tem sobre a terra 
autoridade para perdoar 
pecados – disse ao 
paralítico: Eu te ordeno: 
Levanta-te, toma o teu 
leito e vai para tua casa.
06 Ora, para que saibais que 
o Filho do Homem tem 
sobre a terra autoridade 
para perdoar pecados – 
disse, então, ao paralítico: 
Levanta-te, toma o teu 
leito, e vai para tua casa.
Conforme verificamos no exemplo anterior, no texto de Ma-
teus não aparece a expressão "Eu te mando" ou "Eu te ordeno", 
conforme Marcos e Lucas. Além disso, o texto de Mateus não dis-
corre sobre o buraco no teto que foi aberto pelos amigos do paralí-
tico. Tais omissões, embora não comprometam o conteúdo central 
da narrativa, indicam que havia diferenças entre os evangelistas, 
seja na forma de descrever as narrativas – quanto ao estilo e uso 
do grego – seja no que julgavam ser indispensável à narrativa. Des-
se modo, como destacam alguns estudiosos: "Essa combinação de 
correspondência e discordância também alcança a estrutura geral 
dos evangelhos" (CARSON, 1992, p. 29).
Portanto, é possível perceber que os três Evangelhos: 
1) seguem praticamente a mesma ordem de acontecimen-
tos;
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75© U2- O Problema Sinótico e as Origens Cristãs
2) omitem informações que podem ser encontradas nos 
outros dois Evangelhos;
3) apresentam incidentes que os demais não relatam;
4) possuem algumas diferenças quanto à ordem de um 
evento, em pelo menos um dos dois Evangelhos.
Na busca por uma hipótese que explicasse correspondências 
e disparidades entre os Sinóticos, emergiram diversas possibilida-
des; relacionamos brevemente algumas delas a seguir: 
Dependência comum de um Evangelho original (proto-evangelho) 
– proposta de G. E. Lesing (1771), escritor e crítico alemão. Susten-
tou que a relação entre os Sinóticos poderia ter-se dado a partir do 
uso (independente) de uma fonte original escrita em hebraico ou 
aramaico. Esta hipótese foi duramente criticada, principalmente, a 
partir do século 20.
Dependência comum de fontes orais – proposta por J. G. Herder e 
posteriormente, J. K. L. Gieseler (1818). Eles sustentaram a depen-
dência dos Sinóticos em função de certo sumário oral relativamen-
te fixo sobre a vida de Cristo. Esta hipótese foi mais aceita durante 
o século 19. 
Dependência comum de um número cada vez maior de fragmentos 
escritos – F. Schleiermacher foi responsável por propor que entre a 
igreja primitiva circulavam diversos fragmentos de tradição sobre 
Jesus, escritos pelos apóstolos. Tais fragmentos cresceram gradual-
mente e foram incorporados aos Evangelhos Sinóticos. 
Teoria da interdependência – sustenta que dois dos autores usa-
ram uma ou mais fontes para a elaboração do seu evangelho. Esta 
teoria é geralmente mais aceita pelos estudiosos (CARSON, 1992, 
p. 31-32). 
Essa última proposta de interdependência, com a qual con-
cordamos, suger,e a partir da análise de paralelismos sequenciais 
entre os Evangelhos Sinóticos, que podemos observar Mateus e 
Marcos juntos em oposição a Lucas, e Lucas e Marcos juntos em 
oposição a Mateus, porém, Mateus e Lucas não se opõem a Mar-
cos. 
Assim, surge o "argumento da sequência" que apresenta 
Marcos como o termo médio no relacionamento entre os Sinóticos. 
Isso significa que o Evangelho de Marcos seria a fonte usada por 
© Evangelhos Sinóticos76
Mateus e Lucas na composição de seus evangelhos. Essa hipótese 
explica as correspondências entre os três primeiros evangelhos. 
As diferenças, portanto, estariam relacionadas ao estilo e às 
particularidades de Mateus e de Lucas, vinculadas principalmente 
às expectativas do grupo com o qual se importavam e procuravam 
promover a fé em Jesus.
Todos esses estudos e hipóteses acerca da redação dos Evan-
gelhos desencadearam, ainda, outras questões relacionadas prin-
cipalmente à veracidade das narrativas e dos acontecimentos so-
bre a vida, os ensinamentos e os milagres realizados por Jesus de 
Nazaré. Embora esse tenha sido um período difícil para a pesqui-
sa sobre Jesus e para a teologia, é importante destacar que desta 
época surgiram novas possibilidades de compreensão acerca do 
significado do movimento cristão e da sua abrangência.
A despeito dos séculos e das tendências de interpretação, os 
Sinóticos continuam a representar importantes fontes de estudo 
e de investigação para aqueles que desejam conhecer o período 
antigo e como as sociedades viveram, produziram cultura, religião, 
cultura e política.
7. FONTES SINÓTICAS
Podemos entender por "canônicos" os primeiros quatro 
evangelhos: Mateus, Marcos, Lucas e João. Dos quatro elencados, 
apenas os primeiros três são considerados Sinóticos. Essa disposi-
ção, no entanto, não reflete a ordem cronológica de composição 
dessas fontes e tampouco indica que são os únicos escritos judai-
co-cristãos desse gênero.
Apesar das diferentes hipóteses quanto à origem do cânon 
assim como o conhecemos hoje, é quase consenso entre os biblis-
tas que Marcos teria sido o primeiro evangelho redigido – o termo 
médio – e que os outros (Mateus e Lucas) teriam se inspirado em 
seu material para compor suas versões. Ainda, outro material cha-
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77© U2- O Problema Sinótico e as Origens Cristãs
mado Fonte dos Ditos ou Fonte Q, sobre a qual discorreremos mais 
atentamente na sequência, teria sido usada livremente por cada 
um dos redatores dos Evangelhos. O esquema a seguir ilustra essa 
hipótese (THEISSEN, 2002, p. 45). 
Algo importante a se acrescentar é que, seguindo nessa 
perspectiva, Mateus e Lucas poderiam ter materiais próprios que 
empregaram para a redação de seus evangelhos, eles foram cha-
mados "M" de Mateus e "L" de Lucas. 
Por essa razão, os Evangelhos de Marcos, Lucas e Mateus 
são chamados "Sinóticos", que significa "espelhos" e, nesse caso, 
o termo "sinótico" indica a qualidade de terem informações em 
comum.
"Há muito tempo já se percebeu que esses três evangelhos apre-
sentam materiais paralelos numa estrutura semelhante e com fre-
qüência na mesma seqüência de perícopes individuais (...) a reda-
ção das respectivas passagens paralelas em quaisquer dois ou três 
desses evangelhos é muitas vezes quase a mesma, ou tão próxima, 
que certamente se deve concluir pela existência de algum tipo de 
relação literária" (KÖESTER, 2005, p. 48). 
O Evangelho de João, embora tenha sido reconhecido como 
canônico, distingue-se dos outros três por causa do uso do grego, 
da linguagem e da teologia, especialmente, em função dos longos 
discursos atribuídos a Jesus. Por essa razão, não foi considerado 
sinótico. Outro aspecto interessante é que o Evangelho de João 
apresenta alta complexidade no uso do grego, em muitos casos, 
muito próxima da forma filosófica da retórica grega. 
A palavra "cânon" é o empréstimo semítico de certo termo 
que, etimologicamente, significa (1) "junco", passou a designar (2) 
"vara de medir" e, posteriormente, (3) "regra", "padrão" ou "nor-
ma". Mas, somente em um momento posterior passou a indicar 
"lista" ou "tabela". Durante os séculos 1º e 3º EC, o vocábulo refe-
riu-se especificamente ao conteúdo normativo doutrinário e ético 
da fé cristã. Já por volta do século 4º, passou a designar a lista de 
livros que constituem o Antigo e o Novo Testamento. Atualmente 
© Evangelhos Sinóticos78
esse sentido é o mais comum: "coleção encerrada de documentos 
que constituem Escritura autorizada" (BITTENCOURT, 1993, p. 24).
Os cristãos do século 1º não dispunham de um cânon para 
o Novo Testamento. Inicialmente dependiam da (1) pregação dos 
apóstolos e (2) dos livros (rolos, pergaminhos), que hoje conhe-
cemos como o cânon do Antigo Testamento ou Bíblia hebraica, a 
Tanak, cujo Quadro 2, a seguir, mostra como ela se dividia.
Quadro 2 Divisão da Tanak
Torá (A Lei) Gn, Ex, Lv, Nm e Dt
Nebiim (Os Profetas) Os Anteriores: Js, Jz, Sm (1 e 2 considerados em 
conjunto), Rs (1 e2 em conjunto);
Os Posteriores: Is, Jr, Ez e o Rolo dos Doze: Os, Jl, Am, 
Ab, Jn, Mq, Na, Hab, Sf, Ag, Zc e Ml.
Ketubim (Os Escritos) Poesia e Sabedoria: Sl, Pr, Jó.
Com a atuação dos discípulos de Jesus e o crescimento das 
comunidades cristãs, foi necessário que, de algum modo, a tra-
dição fosse normatizada a fim de que as informações sobre vida, 
ensinamentos e feitos de Jesus não se perdessem. 
Como se sabe, após os eventos morte, ressurreição e ascen-
são de Jesus aos céus, o grupo de seguidores e de discípulos do Na-
zareno, durante muito tempo, transmitiu as histórias, as memórias 
e os ensinamentos de Jesus por meio da oralidade. Isso implica, 
como dizem os mais velhos, que "quem conta um conto, aumenta 
um ponto". Um ditado popular levado a sério pelos estudiosos da 
Bíblia que entenderam que, em parte, as diferenças no material de 
cada Evangelho pode ser explicada pelo acesso a diferentes fon-
tes orais que cada um dos redatores pode ter tido no processo de 
compilação das tradições sobre vida e ministério de Jesus.
Desse modo, deu-se a passagem da tradição oral para a tra-
dição escrita que não eram excludentes, mas dialógicas. Isso quer 
dizer que a tradição oral alimentava os escritos e o contrário tam-
bém ocorria. Tal relação entre oralidade e escrita implica que a 
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79© U2- O Problema Sinótico e as Origens Cristãs
compilação dos Evangelhos, ao modo de cada redator, foi seletiva. 
A seleção, entretanto, deve ser entendida à luz do conjunto de ex-
pectativas e das questões que cada grupo de seguidores e preten-
dentes à conversão faziam às lideranças cristãs do período.
Sabemos que os anos que se seguiram após a morte de Je-
sus, o líder que tantos judeus aguardavam e que não correspon-
deu às esperanças de muitos deles, foram difíceis. As expectativas 
de muitos não se concretizaram: os judeus permaneceram sob do-
mínio romano, a cultura e a religião judaica não retomaram seu 
lugar de centralidade na vida do povo judeu e o helenismo avan-
çava, "descaracterizando" a tradição dos patriarcas de Israel. Para 
muitos judeus, as promessas messiânicas não se concretizaram em 
Jesus e isso significava o fracasso de mais um profeta. 
Em contrapartida, amparado pelas visões e relatos a respei-
to da ressurreição e ascensão de Jesus aos céus, alguns dos discí-
pulos de Jesus começaram a profetizar o seu retorno sob a forma 
de rei. Era a tradição profética e apocalíptica conhecida desde a 
Bíblia Hebraica, que se apresentava sob nova forma, apropriada e 
re-significada pelos discípulos de Jesus. Para justificar a promessa 
de seu retorno futuro, recorreram à autoridade da profecia judai-
ca. Assim, Jesus foi aclamado o Filho do Homem:
Naqueles dias, porém, depois daquela tribulação, o sol escurecerá, 
a lua não dará a sua claridade, as estrelas estarão caindo do céu, e 
os poderes que estão nos céus serão abalados. E verão o Filho do 
Homem vindo entre as nuvens com grande poder e glória. Então 
ele enviará os anjos e reunirá seus eleitos, dos quatro ventos, da 
extremidade da terra à extremidade do céu (Mc 13,24-27). 
O Filho do Homem, um título conhecido da tradição judaica e 
que já havia sido usado para descrever aquele que viria para livrar 
os filhos de Iahweh do jugo da Babilônia, em (Dn 7,13-14), foi re-
tomado pelos redatores dos Evangelhos e atribuído ao Nazareno.
O mesmo epíteto pode ser encontrado em Daniel 8,17 como 
referência ao próprio profeta Daniel. Filho do Homem (bem ‘Adam), 
que pode ser traduzido, também, por Filho da Humanidade, ou 
© Evangelhos Sinóticos80
simplesmente ser humano, foi o nome pelo qual o anjo Gabriel 
chamou Daniel para ajudar-lhe a desvendar as visões que teve. Em 
geral, esse título é bastante usado pela literatura apocalíptica e foi 
atribuído, também, a outros profetas como Elias, Ezequiel, Melqui-
sedec e João Batista. A imagem do Filho do Homem correspondia a 
de um ser celestial com feições humanas, seria uma representação 
do próprio Iahweh e não somente um anjo. 
(...) o que significa a expressão "huis tou anthrōpou" do ponto de 
vista puramente filológico? Teremos de remontar ao aramaico: 
"huis tou anthrōpou" corresponde ao aramaico "barnascha". "Bar", 
como se sabe, é o equivalente aramaico do hebraico "ben", filho. 
Encontramos esse termo em diversos nomes próprios tais como 
Barnabé, Barjonas, Bartolomeu etc. "Nascha", derivado da mesma 
raiz que o hebraico "isch", plural, "anaschin", significa "homem". 
(...) "Barnascha" é, portanto, em aramaico, aquele que pertence 
à espécie humana e significa "homem" (cf. CULMANN, 2001, p. 
183).
Informação ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
"Do meio de seus irmãos lhes suscitarei um profeta semelhante a ti; e porei as 
minhas palavras na sua boca, e ele lhes falará tudo o que eu lhe ordenar" (Dt 
18,18). Palavras como essas compõem a tradição judaica desde os tempos de 
Moisés. Elas marcaram o modelo do líder, profeta e salvador que libertaria Is-
rael da opressão e castigaria os inimigos com a destruição. Figuras marcantes 
representadas pelos profetas, porta-vozes de Deus, situaram-se na trajetória de 
Israel ganhando destaque pelo anúncio da mensagem de Iahweh. Em seus dis-
cursos ficavam evidenciadas as palavras fortes de arrependimento e retomada 
dos princípios estabelecidos pelo único Deus por meio das leis mosaicas. A cons-
ciência criada pelo arrependimento e retomada da vida piedosa são temas que 
permeiam o Antigo Testamento principalmente nos escritos proféticos. Assim, 
profecia e apocalíptica estavam enraizadas no seio das primeiras comunidades 
cristãs de herança judaica como elementos fundantes do ethos desses grupos. 
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Para alguns judeus, o Filho do Homem era comparável a João 
Batista ou Elias:
Enquanto ele estava orando à parte achavam-se com ele somente 
seus discípulos; e perguntou-lhes: Quem dizem as multidões que eu 
sou? Responderam eles: Uns dizem: João, o Batista; outros: Elias; e 
ainda outros, que um dos antigos profetas se levantou. Então lhes 
perguntou: Mas vós, quem dizeis que eu sou? Respondendo Pedro, 
disse: O Cristo de Deus (Lc 9,18-20; cf. também At 3,17-22).
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81© U2- O Problema Sinótico e as Origens Cristãs
As palavras de Jesus elencadas nos Evangelhos apontam para 
a caracterização do Nazareno como Filho do Homem, profeta e fi-
lho de Deus (Lc 13,34; 20,9-18; Mt 23,27). Todavia, esse ponto da 
pesquisa não encontra consenso, pois, segundo alguns estudiosos, 
Jesus não tinha autoconsciência messiânica e nunca se intitulara o 
Messias (BULTMANN, 1951, p. 30). Algo que estaria explicitado no 
uso de terceira pessoa para se referir ao Filho do Homem. 
A identificação dessa expressão tipicamente judaica na re-
dação dos Evangelhos, que chamamos "campo semântico", ajuda-
-nos a perceber a dependência que essa literatura, bem como o 
movimento de Jesus e os primeiros discípulos tinham da história 
de Israel e de toda a cultura desse povo, que de certo modo condi-
cionava as origens cristãs. 
Além de encontrarmos a expressão Filho do Homem em tex-
tos do Antigo e do Novo Testamento, a mesma expressão pode ser 
identificada em trechos da literatura pseudoepígrafa, como 1Eno-
que e 4Esdras, importantes documentos do período. 
Assim, história, tradição, profecias, a vida de Jesus e os seus 
ensinamentos precisavam ser conciliados. Todas essas informações 
necessitavam ser condensadas, harmonizadas e coerentemente 
organizadas num relato que correspondesse às expectativas dos 
judeus convertidos ao movimento de Jesus, que respondesse às 
questões dos gentios e dos judeus helenizados que se convertiam 
ao Nazareno e, finalmente, que atendesse às reivindicações dos 
judeus zelosos da Lei.
Isso justifica, de certo modo, as diferenças entre os Evange-
lhos, já que cada sinótico teria dedicado sua escrita a audiências 
específicas, umas com mais presença judaica, outras com mais 
presença gentílica e outras audiênciasmistas.
De acordo com o inventário que John Dominic Crossan (1994, 
p. 465-472) elaborou sobre a tradição de Jesus em diferentes fon-
tes escritas, com exceção da Fonte Q, os primeiros escritos cristãos 
são do apóstolo Paulo e não dos redatores dos Evangelhos. 
© Evangelhos Sinóticos82
Para desenvolver esse inventário, Crossan (1994) utilizou em 
parte a pesquisa de Helmut Köester (2005) em sua obra Introdu-
ção ao Novo Testamento. Desse modo, num primeiro estrato situ-
ado entre os decênios 30 e 60 EC, poderíamos relacionar:
1) A Primeira Epístola de Paulo aos Tessalonicenses – escri-
ta em Corinto, no final da década de 50 EC.
2) A Epístola de Paulo aos Gálatas – escrita em Éfeso, entre 
52-53 EC. 
3) A Primeira Epístola de Paulo aos Corintos – escrita em 
Éfeso, entre 54-55 EC. 
4) A Fonte Q ou Fonte dos Ditos – composta por volta de 50 
EC, provavelmente, em Tiberíades, Galileia.
O segundo estrato entre os anos de 60 e 80 EC, seria consti-
tuído por:
1) O evangelho "secreto" de Marcos – composto talvez no 
início da década de 70 EC, espécie de material próprio 
do evangelista. 
2) O Evangelho de Marcos – segunda versão em que te-
ria deixado narrativas anteriores de lado em função da 
interpretação indevida de gnósticos. Escrita ao final da 
década de 70 EC. 
3) O Evangelho de Mateus – escrita em torno de 90 EC, em 
Antioquia da Síria. Baseado em Marcos e em Q. 
4) O Evangelho de Lucas – talvez tenha sido escrito antes 
da década de 90 EC, mas certamente antes de João 1-20. 
Também baseou-se em Marcos e em Q, principalmente 
para compor sua narrativa anterior à paixão. 
5) O Evangelho de João – primeira versão escrita no início 
do século 2o, sob a pressão causada pela ascendência 
sinótica.
O terceiro estágio de composição da tradição de Jesus, so-
mente a partir dos livros canônicos e dos Evangelhos, portanto, 
teria sido entre 120 e 150 EC, ou seja, já no século 2º. Ocasião em 
que o Evangelho de João é acrescido pelo capítulo 21.
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83© U2- O Problema Sinótico e as Origens Cristãs
Esse quadro cronológico nos oferece uma imagem de como 
se formou a tradição cristã e, de certo modo, explicita a importân-
cia dos escritos paulinos para a sistematização da fé dos primeiros 
cristãos.
 No entanto, há de se reconhecer que não tendo sido Paulo, 
uma testemunha ocular da vida, do ministério e dos ensinamentos 
de Jesus, a legitimidade de seus escritos e de seus depoimentos 
sobre Jesus tenha sido contestada inicialmente.
É preciso reconhecer, ainda, que Paulo falava não do Jesus 
Histórico, mas do Cristo da fé, aquele que conhecera no caminho 
para Damasco. Tratava-se, portanto, do Cristo com o qual tinha 
tido experiência por intermédio de uma visão. 
O Jesus da história, esse ele conheceu por meio dos relatos 
de terceiros. Eram esses relatos, era essa oralidade que, a cada 
dia, se movimentava sendo acrescida, diminuída, transformada e 
reinventada, em função de tantas perguntas que se faziam sobre a 
concretização das promessas de Jesus. 
8. A COMPOSIÇÃO DOS EVANGELHOS
Ao perceber que os Sinóticos têm versões diferentes para a 
vida e ministério público de Jesus de Nazaré, surge a pergunta: o 
que motivou cada autor a compor seu próprio evangelho?
Embora essa questão seja relevante, objeto de longa discus-
são entre biblistas, as razões que motivaram cada evangelista na 
escrita de seu texto não são completamente conhecidas, visto que 
existe uma imensa lacuna temporal, espacial e geográfica entre os 
redatores e os intérpretes modernos. Esse hiato abre a possibili-
dade de se tecer conjecturas, mas essas hipóteses não são com-
pletamente amparadas, de modo que vários pesquisadores têm 
sugerido algumas probabilidades para explicar as diferenças entre 
os textos. Entre elas, destacamos: 
© Evangelhos Sinóticos84
1) O crescimento de grupos que se denominavam cristãos 
nos domínios do Império, na segunda metade do século 
1º EC.
2) O aumento da circulação de escritos contendo histórias, 
ensinamentos e tradições de Jesus.
3) A diversificação das tradições a respeito da mensagem 
de Jesus em função da experiência e da interpretação de 
cada grupo de seguidores de Jesus.
4) A necessidade de responder questões específicas que 
esses grupos propunham aos discípulos próximos de Je-
sus.
5) A expectativa quanto ao movimento cristão, se judaico, 
intrajudaico ou de negação do judaísmo.
6) A necessidade de se explicar a relação dos ensinamentos 
de Jesus de Nazaré com o judaísmo e as recomendações 
quanto à religião de Israel, quanto a leis e rituais de pu-
reza, quanto aos tributos e quanto à obediência às auto-
ridades romanas e judaicas.
Evidentemente, essas possibilidades não encerram todo o 
quadro de expectativas das primeiras comunidades cristãs em re-
lação ao que Jesus de Nazaré havia pregado. Por isso, com o estu-
do das fontes, das formas e dos gêneros literários que compõem 
os livros sagrados da Bíblia judaico-cristã, a academia de exegese 
abriu-se para perceber que as literaturas canônicas e não-canô-
nicas eram expressões da cultura oral que se tornaram fonte es-
crita e origem da Tradição. Nas palavras de Jean Batany: "O oral 
escreve-se, o escrito quer-se imagem do oral, de qualquer modo é 
feita referência à autoridade de uma voz" (LE GOFF, 2002, p. 383). 
De acordo com o historiador marxista britânico Eric Hobsbawm, a 
ideia de Tradição como entendida hoje deve sua origem ao surgi-
mento da escrita que em certa medida materializou a cultura oral ( 
HOBSBAWM, E.; RANGER, T., 1983).
Assim, os Evangelhos constituem testemunhos – posterior-
mente autorizados pelos concílios da Igreja – acerca da experiên-
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85© U2- O Problema Sinótico e as Origens Cristãs
cia religiosa e de fé dos primeiros cristãos que são documentos 
históricos disponíveis para a pesquisa sobre (1a) as origens cristãs 
e o (2b) Jesus Histórico.
A possível descontinuidade do estilo de alguns desses mate-
riais indica, provavelmente, maior proximidade entre o texto e a 
realidade de quem o produziu. Consequentemente, maior inser-
ção no processo sociocultural com o qual estava em relação. Re-
conhecendo a amplitude desse debate, entendemos que mesmo 
em fontes não-canônicas existem vozes do passado judaico-cristão 
que necessitam ser ouvidas a fim de que a história desses movi-
mentos religiosos não seja contada apenas "de cima para baixo".
O estudo das fontes valoriza essas vozes e experiências re-
ligiosas que se materializaram por meio da narrativa, da história, 
da profecia, da poesia, dos hinos, das cartas e outros gêneros lite-
rários. Paul Thompson, precursor da escola da história oral, que 
escreveu The voice of the past. Oral history, de 1983, (A voz do 
passado. História oral) defendeu o valor das fontes orais como 
predecessores à escrita. 
No caso da tradição judaico-cristã, jamais teremos acesso a 
esse tipo de fontes. Mas, eventualmente, os textos não-canônicos 
como os pseudoepígrafos e chamados "apócrifos" podem sinali-
zar para esses "ecos" do passado, por meio da linguagem que em-
pregam, dos símbolos e imagens que emprestam do judaísmo e 
do cristianismo e que frequentemente recriam e atribuem novos 
significados às histórias que estão disponíveis na Bíblia hebraica. 
Esses usos podem lançar luz sobre a compreensão do movimento 
de Jesus, das primeiras comunidades cristãs e da redação da Bíblia 
judaico-cristã.
Por causa da pluralidade de tradições em torno de Jesus, mui-
tos estudiosos entendem que não havia apenas "um" cristianismo, 
mas certamente o século 1º conheceu vários "cristianismos" pro-
piciados pelo espalhamento da tradição dos ensinamentos de Je-
sus na Palestina e regiões próximas. Nessa ocasião, houve grande 
© Evangelhos Sinóticos86
efervescência religiosa que originou comunidades com tendências 
ortodoxas, místicas, sapienciais e proféticas. Como foi dito, nos 
primeiros anos que se seguiram à morte-ressurreição-ascenção de 
Jesus não havia cânon bíblico fechado quenorteasse a experiência 
dos primeiros cristãos. 
Para Pablo Richard (1995, n. p. ) existe: 
(...) uma falsa imagem da origem do cristianismo como movimento 
único, com uma só estrutura institucional e corpo doutrinal, onde 
a diversidade teria vindo depois. Existiria uma unidade e ortodoxia 
primitiva e uma dispersão posterior com múltiplas heresias. Identi-
fica-se unidade com ortodoxia e diversidade com heresia. Tudo isso 
é contrário à realidade histórica. Desde seus inícios, o cristianismo 
apresenta as mais variadas tendências e surgem os mais diversos 
modelos de Igreja (...). 
Essa possibilidade de compreensão dos Evangelhos, assim 
como de outros escritos do período, tem despertado os biblistas 
para certo fenômeno que se acreditava ser típico da modernida-
de: a diversidade de interpretações. Isso implica que a despeito da 
noção de tradição unívoca que a Igreja tem buscado sustentar ao 
longo dos últimos dois mil anos, a experiência e a fé cristã dos que 
crêem em Jesus têm se revelado mais fluidas e criativas do que 
objetivam alguns de seus líderes.
Isso nos leva a concluir que a diversidade de grupos cristãos 
em torno das tradições de Jesus é algo que sempre caracterizou 
a projeção do cristianismo na história da humanidade. Destarte, 
identificar diversidade na composição dos Evangelhos não com-
promete a importância desses registros como fontes do período 
para os estudiosos, tampouco como registros de fé para os fiéis.
Texto complementar: Mitologia e estudo da Bíblia: o século 
19 e os começos –––––––––––––––––––––––––––––––––––––
O estudo crítico dos mitos e a aplicação dos frutos deste estudo aos materiais 
da Bíblia Hebraica e do Novo Testamento (NT) começou muito antes do período 
moderno. Nos primeiros séculos, os Pais da Igreja começaram a deformar mitos 
religiosos como resultado da deificação de heróis de antigas culturas e alegorizar 
o que poderia ser visto como mito na Bíblia. Entretanto, a pesquisa se interessou 
pela mitologia que re-surgiu dramaticamente durante o curso do século XIX na 
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87© U2- O Problema Sinótico e as Origens Cristãs
Alemanha, na Inglaterra e em outros lugares. Assim, quanto ao estudo científico 
dos mitos, incluindo a possível presença de materiais míticos na Bíblia, é normal-
mente aceito que começou no século XIX.
Há diversas razões para o notável aumento na atenção dispensada à mitolo-
gia no século XIX, entre pesquisadores genericamente e entre pesquisadores 
bíblicos em particular. Primeiramente, os movimentos românticos deram ênfa-
se sobre um tipo de imaginação primeva com interesse ressurgido em função 
de antigas fontes de expressões poéticas da humanidade, incluindo, como dito 
acima, todos os antigos mitos. Segundo, alguns resultados iniciais tornaram-se 
avaliáveis a partir de uma intensa investigação histórica da Bíblia, que teve início 
no século anterior e que então dominaria o século seguinte atribuindo aos últimos 
cem anos o título de "século histórico". 
Estes resultados sugerem que muitas das histórias que encontramos na Bíblia 
Hebraica e no NT resultam não de um testemunho visual ou qualquer coisa pare-
cida, antes são resultado de um longo processo de tradições comunitárias. Este 
mesmo processo que é o responsável pela criação e preservação dos mitos, uma 
conclusão óbvia foi que mitos e tradições bíblicas poderiam ser estudadas frutife-
ramente juntas. Finalmente, este século presenciou a descoberta de um grande 
número de mitos extrabíblicos os quais eram muito similares a muitos incidentes 
bíblicos. Por exemplo, no final da terceira parte do século XIX, os pesquisadores 
puderam ler um escrito mesopotâmico sobre o dilúvio (agora se sabe que se trata 
de uma composição épica do Gilgamesh) que foi identificado em grande parte 
com o relato do Gênesis 6-9. Essas descobertas eventualmente forçaram os 
pesquisadores a reconsiderar o relacionamento entre mitologia e tradição bíblica.
Extraído de: Anchor Bible Dictionary, p. 945-947.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
9. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Confira, na sequência, as questões propostas para verificar 
seu desempenho no estudo desta unidade:
1) De que maneira os evangelhos de Mateus e Lucas apresentam interdepen-
dência em relação ao evangelho de Marcos, considerado como termo inter-
mediário?
2) De que modo podemos o estudo e a compreensão da formação dos sinóti-
cos pode contribuir para o clareamento das origens cristãs?
10. CONSIDERAÇÕES 
Compreendemos nesta unidade que o problema sinótico 
identificado pela crítica literária consiste na verificação de que os 
Sinóticos espelham um período histórico importante para a cris-
© Evangelhos Sinóticos88
tandade, o tempo das origens. Todavia, essa projeção não foi feita 
segundo os mesmos padrões de escrita e as mesmas prioridades.
A formação dos Evangelhos deu-se no decorrer de um longo 
período e envolveu a reunião de memórias, de tradições orais so-
bre Jesus e seus ensinamentos e, fragmentos escritos. Um ponto 
comum entre pesquisadores é que alguns desses materiais foram 
compartilhados e que Marcos teria sido usado tanto por Mateus 
quanto por Lucas. Decorre dessa afirmação que Marcos foi ponto 
de concordância entre os demais evangelistas e que isso ocorreu 
em função de sua proximidade dos anos 30 EC.
Lucas e Mateus, portanto, tiveram mais tempo para seleção, 
compilação e redação de seus materiais. Por essa razão, a escrita 
de seus textos é, às vezes, mais detalhada, com descrições porme-
norizadas e possíveis acréscimos típicos do trabalho editorial, cuja 
intencionalidade primeira é enriquecer o material.
Conhecemos o inventário de fontes escritas apresentado por 
Crossan que evidencia não apenas a cronologia dos escritos. In-
formação importante para quem estuda o Novo Testamento. Ten-
do como ponto de partida tal relação, intuímos que a produção 
paulina, a circulação de suas cartas, a recepção desses relatos e a 
impressão que tais escritos causaram nas comunidades cristãs, no 
mínimo, despertaram as recentes lideranças cristãs em Jerusalém 
para a necessidade de fixar espécie de tradição, de memória, de 
biografia de Jesus, de modo que ele fosse caracterizado como o 
Filho de Deus, Salvador e Mestre.
Portanto, os Sinóticos são fontes do período que se pres-
taram a essa função: materializar por meio do registro escrito a 
história de Jesus e de seus feitos. Tratava-se de uma atitude de 
documentação das origens da cristandade, que, mais de dois mil 
anos depois, serviria, também, como testemunho da experiência 
religiosa e da fé desses cristãos.
Claretiano - Centro Universitário
89© U2- O Problema Sinótico e as Origens Cristãs
11. E-REFERÊNCIAS
ORACULA. - Revista Eletrônica de Pesquisas em Apocalíptica Judaica e Cristã. Disponível 
em: <http://www.oracula.com.br>. Acesso em: 13 nov. 2011.
PEJ. Projeto de Estudos Judaico-Helenísticos. Disponível em: <http://www.pej-unb.org/>. 
Acesso em: 13 nov. 2011.
12. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
BITTENCOURT, B. P. O Novo Testamento. Metodologia da pesquisa textual. Rio de Janeiro: 
JUERP, 1993. 
BRAKEMEIER, G. Reino de Deus e esperança apocalíptica. São Leopoldo: Sinodal, 1984.
BULTMANN, R. Theology of the New Testament. 2 vols. New york: Charles Scribner’s 
Sons, 1951.
CARSON, D. A. et. al. Introdução ao Novo Testamento. Tradução de Márcio Loureiro 
Redondo. São Paulo: Vida Nova, 1992. 
CROSSAN, J. D. O Jesus Histórico. A vida de um camponês judeu do mediterrâneo. Rio de 
Janeiro: Imago, 1994. 
CULMANN, O. Cristologia do Novo Testamento. São Paulo: Líber, 2001.
HOBSBAWM, E.; RANGER, T. (Orgs.). The Invention of Tradition. Cambridge: Cambridge 
University Press, 1983.
KLINK, E. W. The Gospel Community Debate: State of the Question. In: Currents in Biblical 
Research 3.1, 2004, p. 65.
KÖESTER, H. Introdução ao Novo Testamento. História e literatura do cristianismo 
primitivo. v. 2. São Paulo: Paulus, 2005.
KONINGS, J. Evangelho segundo João. Amor e fidelidade. Petrópolis/São Leopoldo: 
Vozes/Sinodal,2000. 425p. (Comentário Bíblico). 
LE GOFF, J. et al. Dicionário temático do Ocidente medieval. São Paulo: Edusc/Imprensa 
Oficial do Estado, 2002. v. 1.
MATEOS, J.; BARRETO, J. O evangelho de São João. Análise lingüística e comentário 
exegético. São Paulo: Edições Paulinas, 1989. 
NOGUEIRA, P. A. S.; OTTERMAN, M.; ADRIANO FILHO, J. Apocalíptica cristã-primitiva. 
Uma leitura para dentro da experiência religiosa e para além do cânon. In: Revista de 
Interpretação Bíblica Latino-Amerciana 42/43, 2002, p. 162-190.
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Latino-Americana 22, (1995): 8.
RODRIGUES, E. O Anúncio do reino de Deus em Q9.57-62. Expectativas Apocalípticas e 
Sabedoria Cotidiana no discurso do Filho do Homem. Dissertação de Mestrado do Curso 
de Pós-Graduação em Ciências da Religião. São Bernardo do Campo: Umesp, 2003. 
THEISSEN, G.; MERZ, A. O Jesus Histórico. Um manual. São Paulo: Loyola, 2002. (Bíblica 
33).
Claretiano - Centro Universitário
EA
D
3
A Hipótese de "Q" - A 
Fonte dos Ditos de 
Jesus
1. OBJETIVOS
• Entender o que é a hipótese da Fonte Q.
• Compreender a reconstrução da Fonte Q .
• Identificar a relevância do estudo da Fonte dos Ditos para 
a aproximação do contexto imediato posterior à morte de 
Jesus, no qual estavam inseridas as primeiras comunida-
des cristãs.
• Indicar a relevância da Fonte dos Ditos para a reconstru-
ção do Jesus Histórico e das primeiras comunidades cris-
tãs.
• Mostrar a relação entre Fonte dos Ditos e os Sinóticos.
2. CONTEÚDOS
• Gênese da hipótese Fonte Q: datação, lugar de origem, 
gêneros e formas literárias.
© Evangelhos Sinóticos92
• Estudos recentes sobre Q.
• Conclusões do pesquisador John Kloppenborg sobre a 
Fonte dos Ditos e as reações de seus debatedores.
3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE
Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que 
você leia as orientações a seguir:
1) Para que esse aprendizado seja construído de modo sa-
tisfatório, tenha em mãos uma bíblia e confira as refe-
rências que serão utilizadas.
2) Leia atentamente a unidade e, a seguir, formule uma sín-
tese com seus principais pontos.
3) Após ter lido os conteúdos que dizem respeito à Fonte 
Q, estabeleça a relação entre ditos de sabedoria e mol-
duras narrativas, as "creias". Mas atenção à diferencia-
ção entre um e outro!
4) Busque perceber a relação entre as tradições teológicas 
da hipótese de Q e os possíveis grupos que a constituí-
ram, considerando-as como "espelhos" dessas comuni-
dades.
5) Como exercício exegético, leia trechos dos Evangelhos, 
especialmente, Mateus e Lucas e identifique ditos de sa-
bedoria atribuídos a Jesus e versos que correspondem a 
narrativas formuladas pela autoria dos evangelhos.
6) Como importante leitura de referência a respeito dos 
conteúdos apresentados nesta unidade, sugerimos o ar-
tigo de periódico: Woodruff, Archibald Mulford. A fonte 
Q nas margens do mundo literário. In: Estudos da Reli-
gião 22 (2002): p. 37-71.
7) Saiba mais a respeito do Evangelho de Tomé no tópico 
Leitura complementar. Além disso, você pode consultar: 
MEYER, Marvin. O Evangelho de Tomé. As sentenças de 
Jesus. Rio de Janeiro: Imago, 1993. 
8) Para enriquecer seu conhecimento a respeito da Fonte 
Q, confira WOODRUFF, Archibald Mulford. A Fonte Q 
Claretiano - Centro Universitário
93© U3- A Hipótese de "Q" - A Fonte dos Ditos de Jesus
nas margens do mundo literário. p. 51. Alguns estudio-
sos defendem que Q, assim como outras fontes antigas 
do judaísmo, misturam gêneros. Confira ALLISON, Dale 
C. Jr. The Jesus Tradition in Q. Pennsylvania: Trinity Press 
International, 2000. p. 42.
4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Na unidade anterior, procuramos formular as principais hipó-
teses de formação dos Sinóticos, mostrando sua interdependência 
em relação ao Evangelho de Marcos. Tivemos a oportunidade de 
ver como os Sinóticos são relevantes para a compreensão das ori-
gens cristãs. Nesta unidade, vamos estudar a Hipótese da fonte Q, 
mais conhecida como "Fonte dos Ditos" ou "Fonte Q". Também, 
nesta unidade, usaremos as designações Fonte dos Ditos e Hipóte-
se de Q por nos parecerem mais adequadas ao contexto brasileiro. 
É importante entender que a Fonte dos Ditos é, ainda, uma 
hipótese, mas as publicações que versam sobre ela têm, cada vez 
mais, alcançando notoriedade em função dos argumentos sólidos 
que os estudiosos dessa fonte têm apresentado. Assim, tomar 
conhecimento desta discussão pode fornecer relevante conheci-
mento que subsidiará a aproximação dos Evangelhos Sinóticos e, 
consequentemente, das origens da cristandade.
5. GÊNESE DA HIPÓTESE FONTE Q – A FONTE DOS DI-
TOS DE JESUS
De acordo com o estudioso alemão Johann Jacob Griesbach 
(século 18), os materiais de Mateus, Marcos e Lucas estruturam-se 
de maneira semelhante em conteúdo, enfoque e sequência geo-
gráfica (THEISSEN, 2002). Por isso, Griesbach denominou os três 
evangelhos "Evangelhos Sinóticos", porém negou a hipótese de 
uma fonte de declarações de Jesus extracanônica. 
© Evangelhos Sinóticos94
Griesbach aceitava a hipótese mais antiga segundo a qual o 
livro de Mateus tem prioridade. Assim, Marcos e Lucas seriam de-
pendentes de Mateus e o teriam sintetizado. Essa hipótese foi re-
centemente defendida por Willian R. Farmer, mas não encontrou 
muito apoio entre os estudiosos da Bíblia (KÖester, 2005, p. 49).
O primeiro a propor a existência de certa coleção de decla-
rações de Jesus que teria sido incorporada aos Evangelhos foi Frie-
drich Schleiermacher (1768-1834). Sua proposta ficou conhecida 
como "hipótese do fragmento" e afirmava que a forma mais an-
tiga dos Evangelhos era constituída por diversos fragmentos que 
colecionavam tradições sobre Jesus. Tal proposta assemelhava-se 
a hipótese das Duas Fontes, explicitada na Unidade 1, já que pro-
punha a existência de uma coleção específica de Ditos de Jesus e 
outra de histórias e milagres (KÖester, 2005, p. 49). 
Segundo a hipótese das Duas Fontes, proposta de modo 
completo em 1838 por Christian Gottlob Wilke e Christian Her-
mann Weisse (1998, p. 1-96), Mateus e Lucas utilizaram material 
marcano para escrever seus evangelhos. Assim, considerou-se 
Marcos o evangelho mais antigo e que foi usado tanto por Mateus 
como por Lucas. Quanto aos paralelismos entre Mateus e Lucas, 
independentes da fonte Marcos, foram explicados com base na hi-
pótese da existência de certa fonte autônoma, constituída quase 
que exclusivamente por ditos de Jesus; daí o surgimento da Fonte 
dos Ditos de Jesus (WEISSE apud SCHWEITZER, 1998).
Por volta do século 19, essa fonte passou a ser conhecida 
como "Q" – abreviatura de Quelle, que em alemão significa "fon-
te", por isso Fonte Q. A tradução de epíteto para o português, por-
tanto, seria "Fonte fonte". Em razão dessa designação, no Brasil 
e na América Latina, os nomes mais conhecidos são: "Fonte Q"; 
"Fonte dos Ditos" ou "Fonte das sentenças de Jesus". 
Datação 
A Fonte dos Ditos possui aproximadamente 250 versos co-
muns em Mateus e Lucas que são declarações (logias) de Jesus. É 
Claretiano - Centro Universitário
95© U3- A Hipótese de "Q" - A Fonte dos Ditos de Jesus
datada entre os anos 40 e 55 EC. Contudo, essa datação não en-
contra consenso entre os pesquisadores. Parte desse material, mas 
não todo, é constituído por ensinos que demonstram alto grau de 
paralelismo verbal. Essa característica é importante, pois possibi-
lita a hipótese de ser uma fonte alternativa escrita em aramaico/
hebraico que se diferencia dos outros ensinamentos de Jesus con-
tidos nos Sinóticos, principalmente quanto à forma. A discussão 
em torno da redação de Q, identificação de estilos, do redator ou 
dos evangelistas, é contemplada pelo grupo de pesquisas The In-
ternational Q Project. 
A divisão da Fonte dos Ditos 
Para John S. Kloppenborg (1987, p. 88-101) e Leif Vaage, a 
Fonte dos Ditos divide-se em três estratos com comunidades de 
tradições religiosas e teologias diferenciadas, que assim foramclassificadas: 
• Q1: estrato sapiencial.
• Q2: estrato de tradição profético-apocalíptica.
• Q3: estrato formado pela narrativa da tentação, própria 
de Lucas 4. 
De acordo com esses pesquisadores que compõem a Escola 
de Claremont, o estrato Q1 constituiu-se a base de creias. 
E o que são "creias"?
A creia era utilizada como aforismo no sentido de máxima 
de sabedoria, isto é, era uma frase simples que trazia um princípio 
para algum ensino. A creia geralmente era atribuída a uma autori-
dade e era acompanhada por elementos característicos. As creias 
eram pequenas anedotas, centradas em uma personagem, em 
que a ênfase recaía sobre as palavras faladas pela personagem em 
uma determinada situação, ou, eventualmente, de uma ação da 
personagem. Elas serviam muito bem ao estudo da filosofia cínica 
e outras manifestações mais populares de filosofia, mas também 
© Evangelhos Sinóticos96
para generais e políticos. Uma forma rudimentar da creia pode ser 
encontrada na Fonte Q (Woodruff, 2003). 
Também é possível encontrar a definição de "creia" no texto de 
BERGER, Klaus. As formas literárias do Novo Testamento. São 
Paulo: Loyola, 1998. p. 76-88. (Bíblica 23).
Vejamos:
1) Era introduzida por "ele disse". 
2) Poderia iniciar como resposta a certa questão, por exem-
plo: "e respondendo disse". 
3) Poderia vir como resposta à exclamação originada de al-
gum fato ou circunstância. 
4) Poderia ser constituída de único período gramatical ou 
vários. 
5) Envolvia ações ou ditos, às vezes, ambos. 
6) Continha duas séries de pronunciamentos, um em res-
posta ao outro.
Para melhor exemplificar o que estudamos anteriormente, 
vamos retomar a leitura do trecho Mateus 8, que estudamos an-
teriormente. 
18 Vendo Jesus que estava cercado de grandes multidões, ordenou 
que partissem para a outra margem do lago.
19 Então, chegou-se a ele um escriba e disse: "Mestre, eu te seguirei 
para onde quer vás". 
20 ao que Jesus respondeu: "As raposas têm tocas e as aves do céu 
têm ninhos; mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabe-
ça".
21 Outro dos discípulos lhe disse: "Senhor, permite-me primeiro ir 
enterrar meu pai".
22 Mas Jesus lhe respondeu: "Segue-me e deixa que os mortos en-
terrem seus mortos".
Podemos observar que o verso 18 corresponde à introdução, 
uma espécie de moldura narrativa para a história que será apre-
sentada. Esse verso fornece o ambiente e as circunstâncias em que 
Claretiano - Centro Universitário
97© U3- A Hipótese de "Q" - A Fonte dos Ditos de Jesus
Jesus teria proclamado os ditos que seguirão. Para que isso ocorra, 
ele foi confrontado por um "escriba" (v. 19), a quem respondeu 
com um dito de sabedoria (v. 20). Em seguida, outro discípulo dis-
se algo (v. 21) que também mereceu resposta na forma de dito (v. 
22).
Reparem que os ditos, aparentemente, não possuem ligação 
direta com as perguntas que foram feitas a Jesus. Alguns especia-
listas da Bíblia sugerem que tais ditos teriam sido pronunciados 
em ocasiões diferentes e inseridos artificialmente na narrativa 
construída por Mateus e Lucas, que não se encontra em Marcos e, 
portanto, seria originária da Fonte dos Ditos.
Outra conclusão possível é que esse estrato teria paralelo 
formal e histórico com a escola filosófica cínica (cf. SILVA ,1996). 
Isso porque o estrato de Mateus 8,18-22/Lucas 9,57-62 tem para-
lelo com o estilo despojado dos filósofos cínicos que perambula-
vam pela Decápole. Os paralelos apontados estão:
1) na forma de se vestir;
2) na forma de viver conforme a natureza;
3) no desprezo pela família e pela pátria;
4) no respeito à figura do mestre e seus ensinos como pro-
grama de vida.
Burton Mack apud Mack; Vernon Robbins (1989, p. 31-67) 
apontam "creias" no estrato Q2, tais como a Cura do servo do 
Centurião (Mt 8,5-13; Lucas 7,1-10) e as histórias acerca de João 
Batista. Para esses pesquisadores, as "creias" centravam-se na fi-
gura de certo herói e tanto Jesus como João Batista poderiam ser 
compreendidos como heróis em torno dos quais essas histórias 
ocorreram. 
Assim, os ditos teriam sido colecionados em histórias cuja 
sequência de temas teológicos era interessante à comunidade. 
Nessa perspectiva, nos evangelhos, Jesus foi apresentado como 
sábio, uma forma semelhante à apresentação feita no Evangelho 
de Tomé (EvT). 
© Evangelhos Sinóticos98
Confira alguns "logias" do EvT:
14 Jesus disse-lhes: "Se jejuardes, gerareis pecado para vós; se orar-
des, sereis condenados; se derdes esmolas, fareis mal a vossos 
espíritos. Quando entrardes em qualquer país e caminhardes por 
qualquer lugar, se fordes recebidos, comei o que vos for oferecido 
e curai os enfermos entre eles. Pois o que entrar em vossa boca 
não vos maculará, mas o que sair de vossa boca – é isso que vos 
maculará."
15 Jesus disse: "Quando virdes aquele que não foi nascido de uma 
mulher, prostrai-vos com a face no chão e adorai-o: é ele o vosso 
Pai."
16 Jesus disse: "Talvez os homens pensem que vim lançar a paz so-
bre o mundo. Não sabem que é a discórdia que vim espalhar sobre 
a Terra: fogo, espada e disputa. Com efeito, havendo cinco numa 
casa, três estarão contra dois e dois contra três: o pai contra o filho 
e o filho contra o pai. E eles permanecerão solitários" (cf. Mt 10,34-
36; Lc 12,51-53).
Os "logias" da Fonte dos Ditos e os do EvT correspondem a 
ensinos cujo conteúdo nos remete às tradições sobre Jesus; porém, 
esses estratos possuem poucas narrativas. Estudiosos supõem que 
Q era literatura direcionada ao público jovem e basicamente, cons-
tituída a partir de duas formas de ditos: gnomes e creias. 
Os Gnomes eram uma coleção de sentenças usada na educação 
básica e avançada, com objetivo de fundamentar valores éticos e 
morais. 
As créias eram semelhantes a ditos de caráter persuasivo (KLO-
PPENBORG, 1987, p. 290). 
Para o estudioso Kloppenborg (1987, p. 290 e 309) existe 
certa relação entre o gênero sapiencial e a forma "creia", também 
típica da retórica grega, que consta em Q1. 
Contudo, a classificação da Fonte dos Ditos em estratos (Q1, 
Q2 e Q3) tem sido questionada em pesquisas realizadas pela ar-
queologia literária e pela retomada de estudos da apocalíptica em 
tradições antigas sobre Jesus. 
Kloppenborg, Crossan, Vaage, entre outros, defendem a es-
tratificação da Fonte dos Ditos com evidente relevância de Q1, 
tendo como argumento o gênero literário dos ditos predominante 
Claretiano - Centro Universitário
99© U3- A Hipótese de "Q" - A Fonte dos Ditos de Jesus
que seria a "creia". Assim, a Fonte dos Ditos teria grande influência 
da cultura e filosofia grega. 
Nessa pesquisa, entretanto, não é dada importância à iden-
tidade religiosa de seus leitores e às suas tradições marcadamente 
de origem judaica. Em outras palavras, trata-se de uma possibilida-
de de abordagem tanto da Fonte Q, como do EvT e dos Sinóticos 
que os toma como literatura marcada pela influência da cultura 
helênica e, nesse sentido, desconsidera a matriz judaica dessas 
produções.
Gêneros e formas literárias 
O debate em torno da hipótese de Q, especificamente rela-
cionado à redação, tem avançado nos últimos anos. Atualmente, 
os estudiosos não se concentram tão somente na busca de um 
gênero literário determinado ou da forma que seja predominante 
em todo documento. Desse modo, reconhecem que é possível en-
contrar, na mesma obra, gêneros e formas literárias de tradições 
distintas. Se em certo evangelho é possível identificar sinais da for-
ma "creia", isso não significa que seja assim por única influência da 
retórica grega, antes, indica traços dessa tradição. 
Na forma "creia", a figura de algum mestre, líder ou milagrei-
ro se destaca. É com base nesse personagem que se dão os acon-
tecimentos, como se fossem atos de uma peça: cena, provocação 
e resposta. 
Os ensinos são extraídos dessas cenas e caracterizados como 
princípios para o cotidiano dos grupos que lêem esses programas. 
Inicialmente, narrativas de milagres, curas e exorcismos, eventos 
comumente destacados na "bios" ou na "creia"grega não teriam 
tanta importância quanto a sabedoria contida nos ditos, conside-
rados "regra para a comunidade".
Assim como os Sinóticos não são estáticos, a Fonte dos Ditos 
foi constituída por certa dinâmica literária que permitiu o encon-
© Evangelhos Sinóticos100
tro de vários gêneros e formas literárias no seu texto. Entre os di-
ferentes gêneros estava a "creia". 
Essa dinâmica é que possibilitou a pluriformidade do texto 
da audiência da Fonte dos Ditos. Em face do debate promovido 
pela Crítica da Forma e da História da Religião, o texto da Fonte 
dos Ditos estaria diretamente relacionado ao Sitz im Leben de um 
grupo, uma situação vivencial composta por diversidade:
A correta compreensão da crítica da forma repousa sobre o enten-
dimento de que a literatura que surgiu da vida de determinada co-
munidade, até mesmo a comunidade cristã primitiva, emerge de 
condições e necessidades existenciais bem definidas, a partir das 
quais se desenvolvem um estilo bem definido e formas e categorias 
bem específicas. Assim, toda categoria literária tem sua 'situação 
vivencial' (BULTMANN, 1963, p. 4).
Dessas afirmações, segue que os estratos da Fonte dos Ditos: 
Q1, Q2 e Q3 refletiriam a situação de comunidades cristãs do perí-
odo. O estrato sapiencial, composto de declarações e ensinamen-
tos de Jesus, seria o mais antigo em função da proximidade dos 
acontecimentos relacionados à vida e morte de Jesus. 
O estilo mais direto, sem longas narrativas, ilustra essa pro-
ximidade. O estrato Q2, composto de declarações e narrativas em 
tom apocalíptico (com a presença de temas como a vinda do Filho 
do Homem, o julgamento e o reino de Deus) teria relação com a 
expectativa frustrada dos primeiros cristãos, em relação ao retor-
no imediato de Jesus. Por fim, o estrato Q3, teria como conteúdo 
principal a narrativa da Paixão, uma tradição já distante de Jesus, 
formulada e promulgada pelos discípulos do Nazareno como res-
posta à ansiedade que se instalara entre os primeiros cristãos.
Por essa razão, ao se proceder a leitura da Fonte dos Ditos 
não se pode falar apenas em sabedoria. Em Q também é possível 
o encontro de elementos proféticos. 
No debate acerca dos gêneros e das formas literárias, vale 
ressaltar a relação dialógica e circular entre textos e comunidades, 
autores-redatores e audiência. Dessa relação é que emergem os 
Claretiano - Centro Universitário
101© U3- A Hipótese de "Q" - A Fonte dos Ditos de Jesus
estilos literários que hoje designamos (classificações modernas) e 
que nos auxiliam a reconstruir a identidade social e religiosa dos 
cristãos por trás da Fonte dos Ditos. 
A presença dessas formas literárias é fundamental para a 
natureza da literatura sinótica, do mesmo modo como ocorre na 
Fonte dos Ditos. 
A Crítica das Formas demonstrou que os evangelhos foram 
constituídos de perícopes com formas diferentes, dentre as quais 
se destacam o relato de milagre, a "creia", o aforismo e outras mui-
tas delas identificadas na tradição judaica. Além de verificarmos a 
presença dessas formas, talvez, mais rudimentares na Fonte dos 
Ditos, igualmente, elas fazem parte dos Sinóticos, o que corrobora 
ao argumento da interdependência entre os Evangelhos.
Contudo, em razão de que as memórias, os ensinamentos 
e as tradições de Jesus teriam sido documentadas de formas tão 
diferentes?
Como dissemos anteriormente, as classificações que usamos 
hoje em dia constituem designações modernas, desenvolvidas por 
teólogos, exegetas e estudiosos de nosso tempo. Para formulá-
-las, eles usaram o referencial teórico e metodológico de nosso 
tempo, de modo que outras ciências (como a literatura, semiótica, 
história, sociologia etc.) contribuíram para as análises dos textos 
bíblicos. Elas servem como instrumentos de análise, de mediação, 
entre nós e o texto antigo: entre o nosso horizonte de conheci-
mentos e o mundo antigo.
Provavelmente, as razões que moveram os autores e redato-
res do período bíblico a escreverem dessa ou de outra forma de-
terminada, nunca nos serão absolutamente claras. Podemos intuir, 
juntamente com os críticos da forma, que essas formas têm a ver 
com situações de lamento, de esperança, de alegria ou de profun-
da crise na experiência religiosa daqueles primeiros cristãos. 
© Evangelhos Sinóticos102
Hipóteses quanto à função da Fonte dos Ditos 
Acredita-se que a Fonte dos Ditos tenha algumas funções 
que atendiam às necessidades dos primeiros cristãos. Existem 
pelo menos duas hipóteses quanto à função de Q:
1) Função catequética, por se assemelhar a um programa 
de ensino formado por ditos colecionados.
2) Função de manual, para missionários itinerantes (KLO-
PPENBORG, 1987, p. 16).
A primeira hipótese, aceita por estudiosos como Leif Vaage, 
mostra que a comunidade em torno do documento Q considerava 
essa tradição espécie de regra para seu modo de vida, pois abor-
daria temas políticos, econômicos e sociais (KLOPPENBORG, 1987, 
p. 37). 
Assim, uma conclusão possível sobre a Fonte dos Ditos é que 
com base nas "creias" que compunham essa tradição, juntamente 
com aforismos, relatos de milagres, de curas e outras narrativas 
(essas mais tardias), a fonte reunia ditos de sabedoria que serviam 
ao ordenamento dos primeiros cristãos e ao norteamento do com-
portamento deles em grupo. Os ditos teriam funcionado como 
parâmetros que em conjunto formulavam um código ético-moral. 
Esse código estabelecia uma nova postura que se diferenciava do 
costume judaico e da interpretação da Lei que faziam suas lideran-
ças, entre elas, os sacerdotes, fariseus, saduceus e escribas. 
De certo modo, os ditos atribuídos a Jesus e reunidos nessa 
fonte contestavam a autoridade e a legitimidade das normas es-
tabelecidas pela tradição judaica. Todavia, não se descolavam de 
uma lógica de pensamento e de exegese que era peculiar à religião 
dos judeus. Os ditos propiciavam as audiências, oportunidade de 
reflexão e de crítica social. 
Consequentemente, a mudança de comportamento – talvez 
pudéssemos dizer: a conversão ao cristianismo –, ou a opção pelo 
modelo de religiosidade judaica estabelecido, ocorreria mediante 
escolha.
Claretiano - Centro Universitário
103© U3- A Hipótese de "Q" - A Fonte dos Ditos de Jesus
Lembrando que a escolha não era, naquele período da his-
tória, algo individual e dado em função da vontade do sujeito, mas 
algo decidido predominantemente pela figura masculina de cada 
unidade familiar ou do clã. Atitudes individuais que colocassem 
em destaque a figura do sujeito não eram comuns naquela época. 
A noção de indivíduo como ator e sujeito da história é uma con-
cepção moderna (estabelecida a partir do século 16) e, portanto, 
recente.
Apesar de a Fonte dos Ditos ser considerada hipótese, per-
manece sempre na pauta de discussão dos estudiosos da literatura 
bíblica, ora com maior, ora com menor aceitação.
A seguir, duas leituras complementares para auxiliar na 
aprendizagem sobre o assunto tratado nessa unidade
Gestos e Palavras que Educam –––––––––––––––––––––––––
No estudo do gênero biografia, pudemos conhecer características típicas dele: 
uma personagem central, sua história com enredo (seqüência de fatos), outras 
personagens, espaço e tempo definidos. A forma créia, assim como a biografia, 
se relaciona com o gênero maior narrativa. Contudo, ela é considerada ficção e 
tem como elemento marcante a ênfase educativa. Essa forma também pode ser 
encontrada em coleções de sabedoria que eram típicas dos mestres gregos e 
tinham a função de ilustrar os princípios e os valores que deveriam ser vividos 
no cotidiano e refletidos no comportamento diário dos jovens discípulos, público 
principal dos filósofos.
As créias podem ser encontradas dentro de narrativas e se destacam pela fun-
ção pedagógica que exercem. Geralmente, a créia apresenta:
(1) breve introdução;
(2) anúncio de alguém que vai falar ou responder; 
(3) um dito de sabedoria central.
A partir desse dito, que muitos de nós conhecemos como "provérbio", o mestre 
ilustracerto ensino. É importante notar que esse ensinamento pertence a um 
programa educativo, portanto, tem o objetivo de contribuir para a formação de 
sua audiência. Neste sentido, os ditos pretendem orientar o público no desenvol-
vimento da ética, da moral e da postura que devem ter frente a sociedade.
As créias do Novo Testamento, que provavelmente foram elaboradas sob a in-
fluência dos gregos, são coleções de ditos de sabedoria que têm o objetivo de 
persuadir seus ouvintes e leitores a seguirem o modelo de conduta de Jesus. 
Neste sentido, a créia era usada como máxima, isto é, um princípio básico para 
a compreensão de alguma coisa
Você já deve ter ouvido algo parecido com isso: "Quem fala demais dá bom dia 
a cavalo", "Em boca fechada não entra mosca" ou "Em certas horas falar é prata 
© Evangelhos Sinóticos104
e calar é ouro" etc. Todas essas frases são máximas de comportamento que 
ilustram o mesmo ensinamento: antes de dizer qualquer coisa, é melhor refletir.
Assim também funciona a créia; vejamos um exemplo em Lc 9.57-62. Neste texto 
temos:
(1) uma breve introdução (v.57); 
(2) resposta de Jesus, caracterizada pela fórmula "Jesus respondeu" (v.58); 
(3) resposta de Jesus, dada na forma de um dito de sabedoria (v.58b).
Esse esquema se repete nos vv. 59-60 e 61-62. Logo, temos três créias nessa 
seqüência narrativa. A partir do dito, a comunidade atualizava certo ensino de 
acordo com seu contexto e o aplicava na sua vida. Por isso, podemos classificar 
o uso desse gênero em dois momentos. No primeiro momento, no caso dos 
gregos, era um exercício retórico praticado pelos discípulos de algum mestre 
com o objetivo de persuadir a audiência. No segundo, no caso de Jesus e seus 
discípulos, a créia era dada para que as comunidades aprendessem o modelo 
ideal de vida, de acordo com a vontade de Deus.
Em Mc 12,17, Jesus arremata brilhantemente a polêmica que alguns queriam 
levantar contra ele, usando um simples dito irônico que desconcerta os espertos 
fariseus.
Extraído de: RODRIGUES, M. P. (Org.); RODRIGUES, E. (et.al.) Palavra de 
Deus, palavra da gente. As formas literárias da Bíblia. São Paulo: Paulus, 2004. 
p.145-146.
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O Evangelho de Tomé –––––––––––––––––––––––––––––––––
O Evangelho de Tomé (EvT) é a segunda obra do Códice II de Nag Hammadi 
(NHC II 2). Descoberto em 1945, localizado em 1948 e apresentado para re-
produção fotográfica em 1957. Foi dado a conhecer em traduções francesas e 
alemãs em 1958 e editado em 1959. Somente na década de 60 atingiu os meios 
de comunicação social que propiciaram estudos desse documento. A partir de 
então multiplicaram-se as traduções. 
O documento
O EvT escrito em língua copta é muito distinto do Evangelio de Tomé o filósofo 
israelita (EvTom), que é um Evangelho da Infância cuja leitura se manteve em 
círculos eclesiásticos durante muitos séculos e só nos chegou na forma completa 
durante anos por meio de tradução eslava.
O EvT permitiu a identificação dos ditos desconhecidos de Jesus, descobertos 
fragmentariamente em grego entre os papiros de Oxirrinco (Poxyr) em 1897 e 
1903. Existem oito ditos fragmentados nesses papiros e graças a descoberta do 
EvT sabemos que correspondem a uma versão grega da mesma obra. As dife-
renças entre os textos podem se dever à tradução livre ou omissões acidentais 
(além de alterações deliberadas).
Data e lugar de composição
O manuscrito escrito em copta é do século 4o. A composição dos fragmentos 
gregos fica em torno de 150. Há hipóteses quanto à composição do documento 
variando entre século 1º e 3º. A opinião mais corrente entre os primeiros estu-
diosos é que o documento foi redigido em meados do século 3o, a partir de 140.
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105© U3- A Hipótese de "Q" - A Fonte dos Ditos de Jesus
Nos últimos anos desenvolve-se com força a tese de que o EvT é um texto inde-
pendente dos Sinóticos e que foi compilado da metade ao fim do século 1o.
Testemunhos Antigos
Há testemunhos externos desde o século 3o a respeito do EvT. Dentre os antigos 
autores eclesiásticos que o mencionam, encontram-se: Hipólito (Elen V 7,20; 
8,32), Orígenes (HomLc I 2), Eusébio de Cesaréa (E. III 25,6), Cirilo de Jeru-
salém (Cathechesis IV 36; VI 31) e Jerônimo e Ambrósio, que dependem de 
Orígenes.
Judas Tomé, o Gêmeo
É Tomé "o chamado gêmeo" (Jo 11,16; 20,24). Judas Tomé, segundo o texto 
siríaco de Cureton em João 14,22 e mencionado de Taciano, São Efrén, Corres-
pondência de Abgar, Doctrina Apostolorum é Tomé gêmeo para HchTom. Tudo 
isso está no âmbito das tradições orientais centradas na Síria. Temos aqui uma 
identificação de Judas, o irmão de Jesus e Tomé, que trará alguma confusão pos-
terior (em que Tiago e Judas Dídimo, ambos irmãos de Jesus, foram entendidos 
como gêmeos). 
Está claro que Tomé exerceu uma fascinação pela especulação gnóstica. A glori-
ficação de Tomé aparece também nos HchTm, o único dos cinco textos apócrifos 
utilizados pelos manuscritos que nos chegou por inteiro. A obra, composta em 
siríaco na primeira metade do século 3o, narra o embarque de Tomé para Índia 
e sua missão na corte do rei Gundafor, dado que nos remete à Pérsia. Também 
Eusébio de Cesárea, no começo do século 4º, atribui a Tomé a pregação do 
evangelho na Pérsia.
Gênero Literário
A designação dos ditos de Jesus como logias procede dos fragmentos de Papías 
(cf. Eusébio, H.E. III 39,1.16).
O EvT 38 se refere a esses ditos como "estas palavras", o que poderia ser a tra-
dução de logos, uma designação corrente na tradição dos Sinóticos para referir-
-se às palavras de Jesus (cf. Mt 7,24; Lc 6,47; Jo 8,52).
Os Sinóticos nos oferecem vários paralelos formulados diferentemente em di-
versos contextos. Também há diferenças nos ditos de Jesus em 1Clem 13,1-2 e 
46,7, que oferece uma composição de ditos formulados segundo um molde mais 
uniforme.
O EvT é uma mostra do gênero literário Coleção de ditos, assim como seria a 
Fonte dos Ditos. Seu descobrimento foi entendido como confirmação indireta do 
documento Q, a fonte comum de Mateus e Lucas quando não seguem Marcos, 
segundo a hipótese das "duas fontes", que é, na pesquisa atual, a hipótese pre-
dominante para explicar as relações entre os textos Sinóticos.
Apresentação baseada em: PIÑERO, Antonio (Ed.). Textos gnósticos - Biblioteca 
de Nag Hammadi II. Evangelios, hechos, cartas. Madri: Editorial Trotta, 1999. 
p. 55-78. (Colección Paradigmas: Biblioteca de las Ciencias de las Religiones).
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6. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Confira, na sequência, as questões propostas para verificar 
seu desempenho no estudo desta unidade:
© Evangelhos Sinóticos106
1) Qual a relação entre a hipótese de Q e o contexto histórico, político e cultu-
ral dos primeiros cristãos e as primeiras comunidades cristãs? 
2) Em que medida a hipótese de Q permite a reconstrução do Jesus Histórico?
3) Qual a relevância de registrar as tradições, as memórias e os ensinamentos 
de Jesus por meio de ditos de sabedoria?
4) Você concorda com a tese de que Jesus de Nazeré teria semelhanças com os 
filósofos cínicos que andavam pela Decápole?
7. CONSIDERAÇÕES 
É fascinante a hipótese da existência de uma Fonte de Ditos, 
uma coleção de ditos de sabedoria de Jesus proferidos em aramai-
co/hebraico, em ocasiões e lugares diferentes e compilados em um 
documento que se perdeu. Certamente, se fosse confirmada pela 
descoberta arqueológica da coleção, tantas vezes sugerida por his-
toriadores antigos e estudiosos modernos, seria uma descoberta 
memorável para a história da pesquisa da literatura bíblica.
Ela nos permitiria reconstruir com mais tranquilidade o que 
talvez tenha sido o cotidiano das primeiras comunidades cristãs. 
Embora não a tenhamos "em mãos", as reconstruções que têm 
sido feitas, cuidadosamente, nas últimas décadas, nos dão conta 
de que essa hipótese tem – no dizer de Archibald Woodruff, citado 
nessa apostila –, cada vez mais, "rosto, personalidade e endereço".
Para nós,estudantes e pesquisadores da literatura neotes-
tamentária, o estudo da Fonte dos Ditos é necessário, diria indis-
pensável. Prova disso são as publicações acerca desse tema, cada 
vez mais freqüentes. Estudar a Fonte dos Ditos de Jesus nos apro-
xima não apenas do Jesus Histórico e das tradições que sobre ele 
foram reunidas nos Sinóticos, mas também ajuda-nos a compre-
ender quais dessas tradições foram consideradas relevantes para 
as primeiras comunidades, a ponto de terem sido selecionadas e 
compiladas nos Evangelhos. Entender a Fonte dos Ditos nos auxilia 
a entender o movimento interno da literatura sinótica.
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107© U3- A Hipótese de "Q" - A Fonte dos Ditos de Jesus
8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
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23).
BULTMANN, Rudolf. Histoty of synoptic tradition. Oxford: Blackwell, 1963. 
CROSSAN, John Dominic. O Jesus Histórico. A vida de um camponês judeu do 
mediterrâneo. Rio de Janeiro: Imago, 1994. 
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(Bíblica 33). 
KÄHLER, Martin. The so-called Historical Jesus and the Historical Biblical Christ. 
Minneapolis: Fortress Press, 1970.
KLOPPENBORG, John S. Q Parallels. Synopsis, critical notes and concordance. Sonoma: 
Polebridge, 1987.
KLOPPENBORG, John S. The formation of Q. Philadelphia: Fortress Press, 1987.
KLOPPENBORG, John S. The Sayings Gospel Q and Quest of the Historical Jesus. In: 
Harvard Theological Review 89 (1996): 315-344.
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to John S. Kloppenborg. In: Harvard Theological Review 89/4 (1996): p. 2.
Köester, Helmut. Introdução ao Novo Testamento. História e literatura do cristianismo 
primitivo. v. 2. São Paulo: Paulus, 2005.
KÜMMEL, Werner Georg. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Paulinas, 1982. 
MACK, Burton L. A myth of innocence. Mark and Christian Origins. Philadelphia: Fortess, 
1988.
MACK, Burton L. Elaboration of the Chreia in the Hellenistic School. In: Patterns of 
Persuasion in the Gospels. MACK, Burton L. e ROBBINS, Vernon K. (Org.). Sonoma, 
California: Polebridge Press, 1989 (Foundations & Facets).
MEYER, Marvin. O Evangelho de Tomé. As sentenças de Jesus. Rio de Janeiro: Imago, 
1993.
PIÑERO, Antonio (ed.). Textos gnósticos Biblioteca de Nag Hammadi II. Evangelios, 
hechos, cartas. Madrid: Editorial Trotta, 1999. (Colección Paradigmas: Biblioteca de las 
Ciencias de las Religiones).
RODRIGUES, M. P. (et al.). Palavra de Deus, Palavra da gente. As formas literárias da 
Bíblia. São Paulo: Paulus, 2004.
ROBINSON, James M.(Ed.); HOFFMANN, Paul (Ed.); KLOPPENBORG, John S.(Ed.). The 
Critical Edition of Q: Synopsis including the Gospels of Matthew and Luke, Mark and 
Thomas: with English, German and Franch Translation of Q and Thomas. Peeters, Leuven: 
The International Q Projet, 2000.
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Reimarus to Wrede. Baltimore and London: The Johns Hopkins University Press, 1998.
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de São Paulo, 1996.
© Evangelhos Sinóticos108
THEISSEN, Gerd; MERZ, Annette. O Jesus Histórico. Um Manual. São Paulo: Loyola, 2002. 
(Bíblica Loyola 33).
WEISSE, C. H. Die evangelische Geschichte Kritisch und philosophisch bearbeitet. 2 vols. 
Leipzig, 1838. Apude SCHWEITZER, Albert. The Quest of the Historical Jesus: A Critical 
Study of its Progress from Reimarus to Wrede. Baltimore and London: The Johns Hopkins 
University Press, 1998. p. 1-96.
Woodruff, Archibald Mulford. A Fonte Q nas margens do mundo literário. In: Estudos da 
Religião 22 (2002): 37-71.
______ . Duas perícopes soltas: Jo 7:53-8:11 e Mc 16:9-20 como oferecendo pistas para 
entender a formação da literatura dos evangelhos. In: Estudos da Religião 24 (2003): 14.
EA
D
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O Evangelho de Marcos
1. OBJETIVOS
• Conhecer o panorama em que se situa o Evangelho de 
Marcos.
• Compreender a conjuntura histórico-social, datação e da-
dos sobre a autoria do Evangelho de Marcos.
• Enumerar influências sobre a redação.
• Identificar os temas teológicos do Evangelho de Marcos.
2. CONTEÚDOS
• Autoria e datação.
• Chaves metodológicas.
• Conjuntura histórico-social.
• Conteúdos do Evangelho de Marcos.
• O "Cristo da fé" no Evangelho de Marcos.
• Leitura política do Evangelho de Marcos.
© Evangelhos Sinóticos110
3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE
Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que 
você leia as orientações a seguir:
1) Para que esse aprendizado seja construído de modo sa-
tisfatório, tenha em mãos uma Bíblia e confira as refe-
rências que serão utilizadas.
2) Leia atentamente a unidade e, a seguir, formule uma sín-
tese com seus principais pontos.
3) Leia o Evangelho de Marcos integralmente, estude essa 
unidade e se possível, leia algum comentário a respei-
to desse evangelho. Atenção: Procure ler comentaristas 
apenas após você ter construído um panorama sobre 
esse evangelho, mesmo que seja inicial. Os comenta-
ristas constituem ótimo instrumental de estudo e de 
aprofundamento teórico sobre textos primários como é 
o caso do Evangelho de Marcos, mas podem apresentar 
pontos de vista deterministas e pouco afeitos a críticas 
e revisões. Por essa razão, é importante construir uma 
leitura inicial e um arcabouço teórico, a fim de que tam-
bém os comentaristas sejam lidos cautelosamente.
4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Na unidade anterior, procuramos entender o que é a hipó-
tese da Fonte Q e sua relevância para aproximação do contexto 
imediato posterior à morte de Jesus. Isso nos ajuda não apenas 
a reconstruir o Jesus Histórico, mas também entender melhor as 
primeiras comunidades cristãs. 
Nesta unidade, conheceremos um pouco mais do Evangelho 
de Marcos. Como pudemos perceber, esse tem sido o evangelho 
apontado como o mais antigo a partir do qual, tanto Mateus quan-
to Lucas tomaram material para a formulação de seus respectivos 
evangelhos.
Claretiano - Centro Universitário
111© U4- O Evangelho de Marcos
Estudar, pois, esse Evangelho e perceber com atenção a pe-
culiaridade de sua escrita de seus temas e preocupações nos aju-
dará a entender por que Mateus e Lucas consideraram necessário 
redigir material complementar, isto é, material próprio que evi-
denciasse questões que Marcos não privilegiou em sua versão dos 
acontecimentos relacionados a vida e ministério de Jesus.
Você notará que a escrita marcana é intensa e objetiva. Ape-
sar de não ter caráter biográfico, em muitas ocasiões Marcos tam-
bém usou creias e molduras narrativas para inserir os ensinamen-
tos de Jesus. Para o estudo desta unidade, como das outras que se 
seguirão continuaremos a usar a Bíblia de Jerusalém.
Então, vamos lá! 
5. SOBRE A AUTORIA E DATAÇÃO
A tradição tem atribuído a autoria do Evangelho de Marcos 
a João Marcos, seguidor próximo de Pedro (1Pd 5,13), nome que 
certamente credibiliza o conteúdo do Evangelho, mas sobre o qual 
a pesquisa nem sempre concorda. 
João Marcos foi companheiro de Paulo e Barnabé em sua 
primeira viagem missionária. O mais antigo testemunho da autoria 
de Marcos tem origem em Papias, bispo da Igreja em Hierápolis 
(cerca de 135-140 EC), testemunho que é preservado na História 
eclesiástica de Eusébio de Cesareia III, 39, 1-17. Segue o §15:
Marcos, intérprete de Pedro, fielmente escreveu - embora de for-
ma desordenada – tudo o que recordava sobre as palavras e atos do 
Senhor. De fato, ele não tinha escutado o Senhor, nem o seguido. 
Mas, como já dissemos, mais tarde seguiu a Pedro, que o instruía 
conforme o necessário, mas não compondo um relato ordenado 
das sentenças do Senhor. Portanto, Marcos em momento algum 
errou ao escrever as coisas conforme recordava. Sua preocupação 
era apenas uma: não omitir nada do que haviaouvido, nem falsifi-
car o que transmitia. 
Segundo Eusébio, Papias descreve Marcos como "intérprete 
de Pedro" e acrescenta que o relato não foi construído de modo 
© Evangelhos Sinóticos112
"ordenado", mas o fez conforme recordava. Embora a Igreja antiga 
tenha tomado cuidado em manter a autoria apostólica direta dos 
Evangelhos, os Pais da Igreja atribuíram esse Evangelho a Marcos, 
que não era um apóstolo. Assim, declaram que o Evangelho de 
Marcos foi escrito após a morte de Pedro, acontecimento ocorrido 
durante as perseguições aos cristãos feitas pelo Imperador Nero, 
aproximadamente no ano 67 EC. 
Todavia, a esse respeito, diz Kümmel (1982, p. 111):
Uma vez que Papias sustentou que Marcos está baseado na prega-
ção de Pedro, não faltaram tentativas para provar que, em Marcos, 
Pedro sobressai de maneira toda especial ou pelo menos de fazer 
remontar a Pedro parte do material utilizado por Marcos. Mas nem 
a menção de traços censuráveis do caráter de Pedro (8:33; 9:5; 
14:30s.66ss) nem as referências do papel de Pedro como porta-voz 
dos discípulos (1:36; 5:37; 8:29; 9:2; 11:21; 13:3; 14:33; 16:7) são 
suficientes para provar a afirmação de que tais dados remontam 
necessariamente a Pedro, uma vez que nada absolutamente há 
contra o fato de que tudo isso tenha sido simplesmente extraído 
da tradição. E o que há de firmemente estabelecido a respeito do 
material subjacente a Marcos e em que se teria ele baseado, como 
também a respeito da sua composição, não leva de forma alguma a 
nenhuma testemunha ocular como principal transmissor da tradi-
ção "Se Papias nada tivesse insinuado, dificilmente ter-se-ia reivin-
dicado para Pedro a autoria do material utilizado por Marcos em 
sua narração [...]. Em conseqüência, dificilmente ver-se-ia qualquer 
ligação especial entre Marcos e Pedro". 
O texto do Evangelho revela ter sido escrito antes da destrui-
ção do Templo (70 EC). Em especial, o capítulo 13, o que permite 
situar a redação desse evangelho entre os anos 64/65 e 70 EC. Essa 
posição é coerente com a crítica que Marcos tece em relação ao 
Templo e ao comportamento das lideranças religiosas.
Kümmel (1982, p. 116-117) entendeu que uma origem muito 
antiga para Marcos é pouco provável, pois "a evolução da tradição 
evangélica já se encontrava então muito desenvolvida e, em Mar-
cos 13 pode-se provavelmente perceber pelo menos a suspeita 
da aproximação da guerra judaica". Entretanto, não há referência 
clara à destruição do Templo de Jerusalém (70 EC); daí a datação 
ser sugerida entre os anos 64 e 70. Há, ainda, pesquisadores que 
Claretiano - Centro Universitário
113© U4- O Evangelho de Marcos
propõem uma data após 70, em função de uma leitura que per-
cebe no capítulo 13 o "reflexo da situação dos cristãos de Roma", 
mas os argumentos levantados para a defesa dessa opinião não 
são convincentes.
Sobre o lugar onde esse Evangelho foi escrito, também sem 
certeza, Roma tem sido apontada como lugar mais provável, com 
os testemunhos de Eusébio (História eclesiástica II, 15, 2) e Cle-
mente de Alexandria (História eclesiástica VI, 14, 6). Essa opinião 
é sustentada, ainda, pelos diversos termos latinos de uso corren-
te então, como: "módios" (4,21), "légion" (5,9,15), "spekoulá-
tor" (6,27), "denárion" (6,37), "cséstes" = "sextarius", "kênos" = 
"census" (12,14) e outros dos quais o redator de Marcos fez uso 
(KÜMMEL, 1982, p. 116). Além dos "latinismos" de Marcos, outras 
evidências são apontadas como, por exemplo, o fato de ter men-
cionado em 10,12 o direito que as mulheres têm de dissolver o 
matrimônio, que falta em Mt 5,32 e 19,9 (que seguiu a Lei judaica) 
e indicaria a atenção dada à audiência gentílica por um redator 
judeu. Mas, nesse tocante, esse é apenas um dos argumentos fa-
voráveis à escrita em Roma. 
Outros autores preferem pensar que Marcos escreveu da pe-
riferia da Palestina, tendo em vista que o Mediterrâneo antigo era 
dominado pelo Império Romano e a audiência desse Evangelho 
teria sido constituída. 
Por aqueles cujas vidas diárias suportavam o peso explorador do 
colonialismo. Um ponto de vista bastante difundido pelos teólogos 
da libertação que interpretam Marcos como texto que propõe o 
"discipulado radical (MYERS, 1992, p. 30-31).
A escola que aponta a Palestina setentrional como lugar de 
origem desse Evangelho interpreta os latinismos de modo diverso: 
eles indicariam a penetração e o espalhamento da língua e cultura 
imperial pelas colônias conquistadas. 
Essa leitura de Marcos deve ser executada com atenção e 
critério, por isso, no próximo tópico, discutiremos as bases gerais 
sobre as quais essa interpretação se assenta.
© Evangelhos Sinóticos114
6. CHAVES METODOLÓGICAS
A hermenêutica da libertação é um modelo interpretativo 
muito comum e usado principalmente na América Latina. Seu le-
gado de estudos bíblicos é ainda hoje muito profícuo. Consiste em 
um tipo de interpretação que enfoca os aspectos sociais e políti-
cos elencados pelo texto de uma perspectiva crítica, apontando as 
"lutas" entre grupos (classes), a ideologia do período, a relação de 
poder existente, a opressão/espoliação de um grupo sobre outro 
(dominantes sobre dominados) e o controle que certos grupos mi-
noritários exercem sobre outros majoritários, mas, às vezes, sem 
consciência política.
A hermenêutica de libertação visa dar "voz" a essas mino-
rias por meio de interpretações que extraiam do texto quais foram 
as estratégias de resistência e oposição dos grupos "oprimidos". 
Trata-se, portanto, de uma leitura invertida da história em que se 
privilegia não a "história oficial", mas a história contada nos inters-
tícios da redação: a história dos dominados.
O Evangelho de Marcos é um texto frequentemente inter-
pretado por essa chave. Todavia, faz-se necessário algumas obser-
vações de cunho metodológicas: 
• O referencial teórico da hermenêutica da libertação foi 
desenvolvido na modernidade e tem como principal arca-
bouço conceitual o materialismo histórico.
• O materialismo histórico foi cunhado como modelo de 
análise para compreensão de uma situação histórica es-
pecífica, a saber: na modernidade a "luta de classes" en-
tre patrões e proletários, dominantes e dominados. Os 
primeiros eram aqueles que detinham os meios de pro-
dução, enquanto os segundos detinham a "mão-de-obra" 
assalariada e, segundo Karl Marx, desenvolviam trabalho 
explorado. O excesso de trabalho não remunerado gera o 
"excedente" que é o lucro da classe patronal. Dessa rela-
ção desigual, nasce a injustiça social.
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115© U4- O Evangelho de Marcos
• Ainda, segundo esse modelo teórico, países capitalistas, 
isto é, conhecidos pela estratégia de mercado empreen-
dedor (concorrencial) são "imperialistas" que ocupam o 
centro, enquanto outros países em fase de desenvolvi-
mento ocupam a "periferia".
Embora essa explicação seja breve e por demais concisa, fica 
claro que essa construção teórica produziu conceitos como "clas-
ses sociais", "luta de classes", "burguesia", "proletariado/opera-
riado", "centro", "periferia", "imperialismo" e outras que operam 
em oposição e que são descritivas. Contudo, foram cunhadas na 
modernidade. 
O uso descuidado desse arcabouço teórico pode conduzir a 
uma exegese anacrônica, que não considera a conjuntura histórica 
específica da antiguidade e aplica indevidamente essas categorias 
a situações geopolíticas, sociais e culturais diferentes.
Nesse tocante, Ched Myers (1992, p. 29) reconheceu a afini-
dade entre o contexto histórico de Marcos e o de sociedades opri-
midas atualmente. Reconheceu, também, a importância de uma 
leitura da Bíblia que gere crítica social para animar as comunida-
des cristãs contemporâneas. Todavia, ele alertou: "[...] o imperia-
lismo da antiguidade romana era bem diferente do imperialismo 
dos tempos modernos americanos [...]".
Por isso, o uso que fez da categoria "imperialista" para desig-
nar Roma foi rodeado de cuidado metodológico, visto que a con-
cepção política de impériono Mediterrâneo antigo, seja ele egíp-
cio, babilônico, persa ou romano, não se ajusta à noção atual que 
envolve capitalismo, mercado e mão-de-obra assalariada. 
Naquele tempo, o império era centralizado na figura de um 
monarca, não havia industrialização e o sistema econômico se 
processava por outras vias que envolviam agricultura, pecuária, 
artesanato. Decorre disso que também a noção de "colônia" ou 
© Evangelhos Sinóticos116
"povos colonizados" se diferencia, pois correspondia a povos "con-
quistados" efetivamente. Diferentemente de hoje, quando se fala 
em "colonização cultural", por exemplo.
Myers (1992) foi claro ao dizer que se empenhou em estudar 
Marcos no sentido de torná-lo um "manifesto para o discipulado 
radical". Ele explicitou as suas intenções assim como as justificou 
assumindo que a exegese e a hermenêutica são ciências que "tra-
duzem" o texto, portanto, o traem. 
De certo modo, ele convidou os intérpretes a assumirem "o 
peso e a responsabilidade" de se reconhecerem como tradutores: 
"nossa situação de vida necessariamente determinará as pergun-
tas que faremos sobre o texto e, portanto, influenciará fortemente 
o que ele diz e significa para nós" (MYERS, 1992, p. 27). 
A exegese comprometida com a crítica social não é inade-
quada, tampouco incorreta, mas necessita ser amparada por 
pesquisa histórica e, principalmente, estudos que considerem o 
"tecido social" específico de cada grupo, sua cultura (costumes, 
práticas, crenças, valores e códigos), suas concepções políticas e 
modelos de organização.
De modo geral, a conjuntura histórico-social da segunda me-
tade do século 1o apresenta problemas que se agravam e situações 
de tensão entre Roma, elites locais e populações "colonizadas" 
que exigem atenção. 
O "pano de fundo" de Marcos corresponde a um período 
delicado, diferente do que Jesus de Nazaré tinha conhecido. Os 
personagens centrais dessa trama ainda são os mesmos: políticos 
romanos, elites locais, sacerdotes, fariseus, saduceus, escribas, 
seitas judaicas, colonos estrangeiros, escravos, pequenos agricul-
tores, artesãos, pescadores e tantos outros. 
Compreender essa trama é fundamental para o entendi-
mento não apenas da fonte Marcos, mas também para os outros 
Sinóticos, Mateus e Lucas, conforme veremos adiante.
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117© U4- O Evangelho de Marcos
7. CONJUNTURA HISTÓRICO-SOCIAL
A partir de 64 EC, as comunidades cristãs foram perseguidas. 
Por essa época, Pedro e Paulo morreram. Esses fatos aconteceram 
em decorrência da acusação que o imperador Nero (Figura 1) fez 
de que os cristãos teriam incendiado Roma, uma versão que nos 
chegou por meio dos apologistas. 
Fonte: Capitoline Museum, Rome. 
Figura 1 Imperador Nero, 54-68 EC. 
O contexto de perseguição e de mortes consideradas injus-
tas foi o "pano de fundo" histórico do qual emergiu a redação de 
Marcos (8,31). Mediante a constante ameaça de morte, esse Evan-
gelho trazia uma "boa notícia": a salvação era consequência da fé 
em Jesus, modelo de resistência e força. Assim, a ressurreição de 
Jesus seria realidade para todos que lhe seguissem: "O Filho do 
Homem deve sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos che-
fes dos sacerdotes e pelos escribas, ser morto e, depois de três 
dias, ressuscitar" (8,31). 
As declarações de sofrimento de Jesus repetiriam-se, ainda, 
talvez, como estímulo àqueles que se identificassem com a dor do 
Nazareno (9,31; 10,32-34). A redação de Marcos providenciou a 
© Evangelhos Sinóticos118
cruz de Jesus como lugar de alívio: "Se alguém quiser vir após mim, 
negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me", (8,34).
Embora exista um hiato entre o tempo dos eventos de Jesus 
e o tempo de Marcos, ambos situaram-se na Palestina judaica do 
segundo Templo, sob ocupação romana. Destarte, havia corres-
pondência histórica entre eles.
Essa era começou com a morte de Herodes, o Grande, (4 
a.C.). A divisão desse domínio em três tetrarquias e a subsequente 
transferência da Judeia para administração romana direta com a 
deposição de Arquelau (6 d.C.) foram acompanhadas por grandes 
manifestações de intranquilidade sociopolítica promovidas por ju-
deus nacionalistas, as quais continuaram esporadicamente até a 
irrupção da revolta judaica (66 d.C.). A era terminou com a derrota 
dos rebeldes e a destruição do Templo pelo general romano Tito 
em 70 d.C. 
Do tempo de Jesus para o tempo de Marcos, parte do quadro 
político mudou. Houve uma resistência rural à dominação romana 
na Palestina, um recrudescimento que se transformou em insur-
reição centralizada em Jerusalém. Em contrapartida, as relações 
tributárias permaneceram as mesmas, assim como o crescimento 
das seitas e do banditismo. Os partidos religiosos criticados por 
Jesus (fariseus, escribas e saduceus) permaneceram influentes.
Com efeito, as similaridades de contexto histórico-político 
permitiram que o redator de Marcos inserisse em sua narrativa, 
temas "que exerciam pressão no tempo de Marcos".
1) O Estado romano apropriava-se indiretamente dos lu-
cros dos agricultores por meio de tributos e do controle 
das mercadorias.
2) A lógica de organização da Palestina operava segundo 
dois sistemas: reciprocidade e redistribuição. O primeiro 
era baseado no clã, o qual foi herdado pelos judeus des-
de as origens tribais e consistia em um sistema de tro-
cas de presentes, produtos e doações, as quais em um 
determinado período de tempo deveriam ser retribuí-
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119© U4- O Evangelho de Marcos
das. A circulação desses presentes gerava uma dinâmica 
econômica, visto que esse "sistema de dádiva" envolvia 
reciprocidade, lealdade entre clãs, famílias e linhagens. 
Esse sistema que caracteriza uma "confederação tribal" 
remonta à Lei de Moisés e teria permanecido até os dias 
da redação de Marcos.
3) O segundo sistema, o de redistribuição, consistia na or-
ganização de trabalhadores em torno do Templo ou san-
tuário que trabalhavam nas terras do Templo e o faziam 
de armazém. O produto dessas terras cultivadas era 
redistribuído para grupos ao redor. Esse sistema contri-
buiu para a formação de pequenas aldeias, aos poucos, 
cidades que eram controladas pela classe sacerdotal ou 
pelo rei.
4) Esse tipo de economia regulada na Palestina romana era 
centralizada por Jerusalém que contava principalmente 
com a produção agrícola. 
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Essa produção provinha de solo seco (não-irrigado), constando predominante-
mente de cultura de cereal, mas incluindo também frutas secas, azeitonas, vi-
nho, linho, peixe, animais domésticos e alguns selvagens. A Galiléia era a região 
agrícola de natureza mais fértil na Palestina. Havia obviamente certo grau de 
latifundialização (grandes propriedades de terra nas mãos de estrangeiros), em-
bora não tenhamos certeza do ponto a que isso chegava. Roma muitas vezes 
concedia terras conquistadas a dinastias nativas e a propriedade das terras cada 
vez se concentrava mais nas mãos de famílias reais durante o reinado de Hero-
des, o Grande, e depois dele (37 a.C. – 4 d.C.). Na Galiléia havia fortes provas da 
persistência de pequenos grupos baseados na família, mas a alienação de terras 
e a manutenção decorrente era fato comum entre os pobres. 
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
© Evangelhos Sinóticos120
 
Fonte: Sociedades Bíblicas Unidas. 
Figura 2 Palestina nos tempos de Jesus. 
Devemos lembrar que a organização social e econômica dos 
judeus na Palestina estava relacionada à recepção da Lei. Como 
se sabe, a religião judaica era determinante para a formação do 
ethos que norteava os judeus em suas práticas sociais e políticas 
cotidianas, afinal, naquele tempo o mundo funcionava a partir da 
lógica do pensamento religioso (basta lembrar as orientações do 
Levítico). A religião ordenava o mundo e o classificava. 
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121© U4- O Evangelho de Marcos
De fato, o helenismo pode ser entendido como força queconduziu judeus à transformação de alguns de seus padrões de 
comportamento no mundo. Das aldeias às cidades, do modo de 
vida campesino para modo de vida "urbano". 
O movimento de interpenetração das culturas ocasionou 
impacto, tensões e disputas. Nesse processo, é de se supor que 
não houve apenas assimilação passiva da cultura helênica pelos 
judeus. Da mesma forma, a colonização praticada com os judeus 
deve ter sido diferente em relação à dominação exercida sobre 
outros povos. Os contatos entre povos são sempre diferentes e 
exigem adaptação de ambos os lados.
De modo algum essa perspectiva ameniza a situação de 
dominação a que Israel foi submetida; porém, a romanização da 
Palestina implicou o desalojamento de muitos agricultores e suas 
famílias e a imputação de taxas que favoreciam apenas as autori-
dades locais, submissas a Roma.
Myers (1992, p. 23) destaca que a situação política na Pales-
tina poderia ser assim resumida:
As fortunas decadentes das realezas nativas;
A administração romana direta e indireta da colônia;
O poder do sumo sacerdócio e da aristocracia clerical, inclusive o 
partido dos saduceus;
Os alinhamentos políticos mutáveis dos grupos de renovação judai-
ca, principalmente dos fariseus e dos essênios;
As várias frentes de resistência popular e de dissidência entre as 
massas. Cada uma dessas correntes contribui para a revolta de 66 
d.C. 
Com efeito, a redação do Evangelho de Marcos emerge de 
um complexo quadro político e social. Um quadro de crise que in-
cidiu sobre o redator e consequentemente em sua obra. Isso é o 
que verificaremos adiante.
© Evangelhos Sinóticos122
8. ALGUNS CONTEÚDOS DO EVANGELHO DE MAR-
COS 
O Evangelho de Marcos foi estruturado segundo a movimen-
tação de Jesus pela Palestina. As idas e vindas de Jesus têm espé-
cie de clímax na narrativa de morte e ressurreição.
Após a introdução (1,1-13), Marcos descreveu o ministério 
público de Jesus na Galileia (1,14-9,50) e na Judeia (capítulos 10-
13), que resulta na paixão e ressurreição (capítulos 14-16).
Alguns biblistas propõem que esse Evangelho pode ser lido 
como se fossem dois estratos, unidos:
• Pela confissão de Pedro de que Jesus era o Messias (8,17-
30).
• Pelo primeiro anúncio de Jesus e sua crucificação (8,31).
Em relação aos outros Sinóticos, Marcos é o menor dos evan-
gelhos. Diferentemente de Mateus, não contém genealogia e tam-
pouco se importa em explicar o nascimento de Jesus, bem como 
seus feitos na Judeia. Alguns estudiosos o chamam de "evangelho 
da ação" em função da sensação que a narrativa transmite de mo-
vimentação rápida. 
Enquanto Mateus e Lucas apresentam narrativas detalhadas 
acerca da vida e ministério público de Jesus com fios que se unem 
tecendo uma trama, Marcos é menos literário. Nesse Evangelho, 
são reconhecíveis unidades da tradição que foram transmitidas 
isoladamente ou grupos de unidades da tradição oral que foram 
juntas, como: os discursos polêmicos (2,1–3,35), as parábolas (4,1-
32), os milagres à beira do lago (4,35–5,43) e a narração da paixão.
Kümmel (1982, p. 98) sugeriu que "o evangelista teria combi-
nado entre si pequenas coleções de diversas tradições e unidades 
dispersas da tradição, resultando disso tudo uma apresentação 
mais ou menos coerente".
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123© U4- O Evangelho de Marcos
Esse Evangelho não teve preocupação de caráter biográfico 
ou cronológico. A impressão de rapidez talvez se deva a ligação 
livre que o redator fez entre os textos mediante o uso de partículas 
como: kaí, pálin, ekeîthen, en ekeínas taîs hermérais, ecselthón e 
outras. Porém, isso não significa que o trabalho do redator tenha 
sido despretensioso, de mero compilador ou apenas transmissor 
de tradições. Embora seu estilo seja simples e não omita dados da 
tradição, o redator não elenca histórias uma atrás da outra sem 
intencionalidade.
Ele fez uso de estratégias literárias a fim de preencher lacu-
nas de tempo (3,22-30 em 3,21,31-35; 5,25-34 em 5,21-24,35-43; 
6,14-29 em 6,6-13.30s; 11,15-19 em 11,12-14,20-25; 14,3-9 em 
14,1s,10s; 14,55-64 em 14,53s,66-72), implementou no Evangelho 
"visão de conjunto" inserindo resumos entre as narrativas distin-
tas (1,32-34; 3,7-12; 6,53-56) e apresentou coerente organização 
geográfica (Galileia; Galileia e adjacências; caminhada para Jeru-
salém). Na maior parte desse Evangelho, Jesus esteve presente na 
Galileia, as curtas estadas estão registradas em Tiro (7,24), Tiro e 
Sidônia (7,1) e Ceareia de Filipe (8,27). 
No mais, a presença de Jesus nessa região foi constantemen-
te registrada por Marcos; talvez por causa de algum motivo teoló-
gico, como o lugar da atividade escatológica de Jesus e do ponto 
de partida da evangelização dos gentios. Assim, Jerusalém seria o 
lugar da morte de Jesus e do ódio dos judeus contra Jesus.
Essas descrições de cenas, trajetos e lugares com frequência 
permitem que a audiência reproduza os ambientes. Mas também 
constituem um recurso retórico grego muito usado por Marcos, 
as creias. E, em especial, as creias de Marcos são novelísticas e 
dramáticas. Portanto, não se trata de um texto produzido de modo 
tão desordenado como fez crer o testemunho de Papias. 
Outra característica desse sinótico seria a pouca importância 
atribuída à Lei e aos costumes judaicos, traço pouco provável já 
que Marcos mencionou a cura de endemoninhados (1,21-28), le-
© Evangelhos Sinóticos124
prosos (1,40-45), discutiu o jejum (2,18:22), descreveu controvér-
sias com escribas (3,22-30) e fariseus (7,1-13), discutiu a estrutura 
familiar (3,31-35), detalhou o exorcismo de um geraseno (5,1-20), 
ensinou sobre o puro e o impuro (7,14-23) etc. 
Todos esses estratos dão conta de que o Jesus de Marcos 
era absolutamente judeu, inteirado dos assuntos, das práticas e 
das crenças judaicas e se propunha a discuti-las publicamente com 
as autoridades eclesiásticas da época. Ora, mesmo que o redator 
tenha sido dado a "latinismos" não se eximiu de discutir a Lei e 
a tradição judaica, mesmo que a subvertendo em muitos pontos. 
O Jesus de Marcos era crítico social e arguidor das lideran-
ças religiosas. Marcos narra a respeito de um Jesus em confronto 
com a estrutura social legitimada por uma religião que fazia uso 
inadequado da Lei. Assim, quando discorreu sobre a família, por 
exemplo:
A crítica de Jesus nada tem a ver com a fé, mas com o poder. O ata-
que se dá contra o eixo de poder da família mediterrânea, que põe 
pai e mãe sobre filho, filha e nora. 
"(...) A família é a sociedade em miniatura, o lugar onde primeiro 
e mais fundamentalmente aprendemos como amar e ser amados, 
odiar e ser odiados, ajudar e ser ajudados, abusar e ser abusados". 
Assim, "na medida em que envolve poder, convida ao abuso do po-
der e é nesse ponto preciso que Jesus a ataca (CROSSAN, 1995. p. 
74-75).
A partir do capítulo 14, o Evangelho narra a Paixão e a Res-
surreição de Jesus. Episódio que coroa a vida e o ministério de 
Jesus, visto que o coloca como aquele que se doa pelo bem da 
humanidade e dramaticamente, em capítulo anterior, Marcos pon-
tuou a razão da vinda de Jesus: "Pois o Filho do Homem não veio 
para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por 
muitos" (10,45).
9. O "CRISTO DA FÉ" NO EVANGELHO DE MARCOS
Como já foi dito, o Evangelho de Marcos não corresponde ao 
gênero biografia. Trata-se de uma interpretação acerca da vida e 
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125© U4- O Evangelho de Marcos
do ministério de Jesus; não tem caráter historiográfico, mas pode 
ser entendido como uma história, ou uma novela como alguns es-
tudiosos têm proposto. 
Como os outros Sinóticos, Marcos caracteriza Jesus. Sua ver-
são reivindica caráter crítico para o Nazareno, mas também aspec-
to de Mestre (1,22), traço messiânico e autoridade sobre:
1) satanás e espíritos malignos (1,27; 3,19-30);
2) o pecado (2,1-12);
3) o sábado (2,27-28; 3,1-6);
4) a natureza (4,35-41; 6,45-52);
5) a doença (5,21-34);
6) a morte (5,35-43);
7) as tradições legalistas(7,1-13, 14-20);
8) o Templo (11,15-18). 
A julgar pelo seu prólogo "Princípio do Evangelho de Jesus 
Cristo, Filho de Deus" (1,1) e a evocação da tradição de Isaías, Mar-
cos de fato pretendia convencer sua audiência da identidade divina 
e messiânica de Jesus, o Filho de Deus. Isso foi amparado, ainda, 
pelas narrativas do batismo (1,9-11) e da transfiguração (9,2-7), 
em que a identidade de Filho de Deus foi confirmada. 
Até mesmo os espíritos malignos reconheceram a autorida-
de, o poder e a procedência divina de Jesus (3,11 e 5,7), ocasiões 
em que os espíritos foram chamados de "impuros", uma classifica-
ção importante da cultura judaica que ordenava simbolicamente o 
mundo em "puro", "impuro", "do céu", "da terra", "da luz" e "das 
trevas"; categorias de oposição presentes na literatura judaica e 
que Marcos usou com frequência.
Além disso, Jesus é reconhecido como Filho de Deus, na Pa-
rábola dos vinhateiros homicidas (12,1-12) e na ocasião de sua 
morte, quando estrategicamente um centurião romano reconhece 
a origem divina de Jesus (15,39). Esse foi o "Cristo da fé" promulga-
do pelo Evangelho de Marcos e que subjaz aos "Cristos" apresen-
© Evangelhos Sinóticos126
tados pelos dois Sinóticos seguintes: com traços profundamente 
dependentes da tradição judaica.
Proposta de Estrutura
Introdução 1,1-13
Declaração sumária 1,1
Cumprimento da profecia do AT 1,2-3
O ministério de João Batista 1,4-8
O batismo de Jesus 1,9-11
A tentação de Jesus no deserto 1,12-13
I. O Ministério de Jesus na Galiléia 1,14–9,50
Os feitos de Jesus 1,14–6,13
Ministério fora da Galiléia 6,14–8,26
Ministério no caminho para a Judéia 8,26–9,50
II. O Ministério de Jesus na Judéia 10:1-16:20
Ministério na Transjordânia 10,1-52
Ministério em Jerusalém 11,1–13,37
A Paixão de Jesus 14,1–15,47
A Ressurreição 16,1-20
10. UMA LEITURA POLÍTICA DE MARCOS
Após termos compreendido as peculiaridades do Evangelho 
de Marcos e nos familiarizado com as produções relacionadas a 
esse texto, vamos retomar o debate sobre a perspectiva política 
de leitura de Marcos.
Em 1988, Ched Myers publicou um estudo sobre o Evange-
lho de Marcos que no Brasil foi editado com o título O Evangelho 
de São Marcos, cujo título original era: Amarrando o homem forte: 
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127© U4- O Evangelho de Marcos
Uma leitura política da história de Jesus de Marcos (Binding the 
Strong Man. A Political Reading of Mark’s Story of Jesus). Um título 
bastante sugestivo, mas que expressa exatamente o tipo de análi-
se cunhada pelo autor.
A obra foi composta em quatro blocos:
1) Discussão teórico-metodológica sobre exegese e inter-
pretação de textos bíblicos.
2) Contexto histórico-social do Evangelho de Marcos.
3) Leitura específica do texto, espécie de comentário.
4) Conclusões do autor.
Além disso, o autor redigiu um posfácio e um apêndice con-
siderando o conjunto de literaturas do mundo bíblico que podem 
ser utilizadas como fonte a fim de se estudar o "Jesus da história".
Conceitos e modelos
Desde o início de sua obra, Ched Myers redige com clareza a 
respeito dos pressupostos teóricos e metodológicos que emprega 
para construir sua análise do Evangelho de Marcos. Ele recorre a P. 
Ricoeur para dizer da "vulnerabilidade" das fontes escritas e como 
nós, intérpretes, podemos nos apropriar delas para tecer leituras 
parciais ou imparciais. 
De pronto, provocativo como sempre, Myers sugere que to-
das as interpretações de algum modo são parciais; portanto, se-
gundo seu ponto de vista, seria melhor ser parcial de modo crítico 
e comprometido com uma leitura política. 
Em busca dessa leitura política, desenvolvida com base em 
vasta bibliografia da área da ciência política, da sociologia e outras 
áreas das ciências sociais (cita Adam Smith, Carney, Marx, Weber 
entre outros), Myers emprega categorias como "centro-periferia" 
para descrever a relação do redator/autor do texto de Marcos (na 
periferia) em relação aos poderes estabelecidos em Roma (no cen-
tro). 
© Evangelhos Sinóticos128
Segundo o comentarista, esse modelo é ideal para analisar 
tanto a conjuntura histórica do período antigo, quanto estabelecer 
uma relação com a atualidade. Nesse ponto, ele recorre ao seu 
próprio posicionamento no quadro geopolítico contemporâneo: 
ele, norte-americano, radicado no "centro" e os teólogos da liber-
tação, sul-americanos, radicados na "periferia" do mundo.
A leitura de Myers coloca Roma como a ordem imperial do-
minadora do Mediterrâneo antigo. Representava o centro em rela-
ção às sociedades que conquistava e colonizava política e cultural-
mente. Como paralelo, na atualidade, esse centro é representado 
pelos Estados Unidos da América (EUA) que exerce dominação 
econômica e cultural sobre os países em desenvolvimento, por-
tanto, periféricos. 
Myers situa Marcos na periferia do mundo antigo, escreven-
do da Palestina setentrional (Galileia, entre os anos 66 e 70 EC) 
que àquela época era "barbarizada" por Roma. Refletindo acerca 
das diferenças existentes entre a exegese bíblica feita por teólogos 
do centro e teólogos da periferia, reconheceu que a interpretação 
desenvolvida em países da América Latina tem aproximado as co-
munidades cristãs da Bíblia e da centralidade que essa literatura 
pode ter na vida cotidiana dos cristãos. 
Nesse ponto, parece lamentar: "nós que nos achamos no 
centro (...) não temos outra opção senão a de 'fazer teologia na 
casa do faraó', ou seja, ficar do lado dos hebreus mesmo sendo 
cidadãos do Egito" (MYERS, 1988 n. p. ). 
De certo modo, Myers deu a entender que a situação daque-
les que se identificam com as mazelas da injustiça social freqüente 
em regiões marginalizadas têm maior afinidade com essa teologia 
de cunho crítico social, chamada Teologia da Libertação. 
Ao propor um comentário sobre o Evangelho de Marcos, 
Myers optou conscientemente por uma leitura libertadora que 
tornasse esse Evangelho um "manifesto" e que evidenciasse o "dis-
cipulado radical". Para tanto, Myers estabeleceu importante cone-
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129© U4- O Evangelho de Marcos
xão entre esse Evangelho e o movimento da apocalíptica judaica, o 
qual foi considerado muito influente sobre as origens cristãs. 
Nessa perspectiva, Daniel e o Apocalipse foram considerados 
"manifestos políticos de movimentos não-violentos de resistência 
à tirania" e Myers salientou que seu comentário "demonstra que o 
mesmo pode ser dito a propósito de Marcos".
A apocalíptica judaica é não apenas um movimento social 
como também uma cosmovisão que deflagra um gênero literário, 
denominado apocalipse. A literatura produzida por esse movimen-
to tem caracterização profética e escatológica, destacada na crítica 
que denuncia a injustiça social presente nas relações entre opres-
sor e oprimido.
 Deve-se pontuar que a profecia tal como é conhecida pela 
consciência popular tem a ver com o "fim do mundo", mas, se-
gundo John J. Collins, não pode ser resumida a isso, ela está re-
lacionada também a confronto político. Geralmente, no universo 
da literatura bíblica, a figura do opressor é relacionada aos líderes 
políticos e religiosos que exercem o poder e as multidões repre-
sentam a figura do oprimido.
Informação ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
A raiz última do conceito situa-se nos mitos de combate que podem ser encon-
trados em várias culturas do Antigo Oriente próximo. Em Israel, essa mitologia foi 
adaptada para celebrar o triunfo de Deus sobre as forças do caos, nos Salmos 
(Sl 96, 98). Os profetas, entretanto, projetaram o conflito para o futuro usando 
a mitologia para evocar o julgamento de Deus, ambos na nação gentílica e na 
nação de Israel (COLLINS, John J. From Prophecy to Apocalypticism. The Ex-
pectation of the End. In: The Encyclopedia of Apocalypticism. v. 1. New York: The 
Continuum Publishing Company, 1988. p. 129).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
A renúncia do clã, das tradições religiosas e políticas, da casa 
e das propriedades,como premissa para seguir Jesus e anunciar 
o reino indicam que essa quebra de paradigmas era importante 
para a realização do anúncio. Mas, principalmente, opunha-se ao 
modelo judaico ameaçando as lideranças religiosas de Jerusalém 
(GOODMAN, 1994). 
© Evangelhos Sinóticos130
Ched Myers 1988, n. p.) extraiu três subtramas do Evangelho 
de Marcos.
A primeira subtrama envolve tentativas de Jesus para criar e con-
solidar uma comunidade messiânica, tendo como sujeito evidente-
mente seus discípulos. Seu mandamento a eles dirigido deve levar 
avante a obra do reino (...). 
A segunda subtrama é o ministério de Jesus de cura, de exorcismo e 
de proclamação da libertação, tendo como sujeito os pobres e opri-
midos, encarnados pela 'multidão' no Evangelho. O mandamento 
aparece no primeiro exorcismo da sinagoga, em que a multidão 
reconhece que a autoridade de Jesus supera a dos supersenhores, 
os escribas (...). 
A terceira subtrama é o confronto de Jesus com a ordem sócio-sim-
bólica dominante, tendo como sujeito os defensores desta ordem: 
os escribas, os fariseus, os herodianos e o clero dirigente de Jeru-
salém. Jesus confia seu mandamento a eles diversas vezes na pri-
meira campanha de ação direta, afirmando sua autoridade sobre o 
sistema de pureza e de débito (2,10.28) e desafiando as autorida-
des a optarem pela justiça e pela compaixão em vez da dominação.
Essas três subtramas conduziram Jesus à prisão e à execu-
ção. Subsequentemente, ele foi hostilizado pelas multidões e por 
seus seguidores mais próximos, contudo, o caminho do sofrimento 
e da cruz o conduziu à ressurreição. 
O estudo de Ched Myers colocou o Evangelho de Marcos no 
centro de sua exegese apesar da pluralidade de outras fontes que 
usou. Ele fez uma leitura ousada desse Evangelho e convidou os leito-
res modernos a se comprometerem com esse conteúdo crítico e nada 
passivo em relação à situação de injustiça e desigualdade social. Com 
efeito, Myers empreendeu um movimento duplo de leitura:
• Por intermédio da narrativa de Marcos, recuperou o Jesus 
da história, profeta judeu e crítico social.
• Reconstruiu um tipo de recepção das tradições de Jesus 
no tempo de Marcos que se baseavam no modelo radical 
de Jesus para resistir à opressão romana.
Portanto, esse estudo torna atual o Evangelho de Marcos: 
torna-o evangelho social que estimula uma fé cristã comprometi-
Claretiano - Centro Universitário
131© U4- O Evangelho de Marcos
da com a realidade; comprometida com a crítica e com a luta pela 
mudança, pelo bem e pela dignidade humana.
A relação do Evangelho de Marcos com os outros Sinóticos –
Estamos pressupondo que Marcos é nosso evangelho mais antigo, tendo servido 
como uma das bases de Mateus e Lucas. Esta afirmação de que Marcos é pre-
cedente é que queremos justificar rapidamente. Levantar todos os argumentos a 
favor e contra seria um trabalho para toda a vida.
Em primeiro lugar, a seqüência das histórias nos paralelos Sinóticos favorece 
esta opção. No relato da infância de Jesus não há paralelos entre Mateus e Lu-
cas, mas assim que eles começam com João Batista, eles passam a ter textos 
em comum, sempre em paralelo com Marcos. É verdade que às vezes um e às 
vezes o outro sai da seqüência de Marcos para recorrer a fontes suplementares 
próprias. Todavia, assim que eles de novo se encontram relatam em paralelo, 
eles voltam à seqüência de Marcos e à dependência do seu texto. Assim que 
Marcos "não lhes serve mais", isto é, depois de 16.8, seu último versículo (vv 
9-20 são um acréscimo), acabam também as passagens que eles têm em co-
mum. Do fato de que eles concordam entre si quando concordam com Marcos, e 
divergem quando se afastam de Mar cos, conclui se que Marcos serviu a ambos 
como linha-mestra.
O outro argumento forte a favor da precedência de Marcos vem da comparação 
textual dos trechos paralelos. Em muitos exemplos, Mateus e Lucas têm uma 
expressão mais elegante e uma linha de pensamento mais clara. Vejamos três 
destes exemplos.
Primeiro temos o popular "e" ( "e" paratático), que inicia frases ou expressões e 
as coloca lado a lado de modo uniforme, quando uma linguagem mais elevada 
usaria "Ou seja", "enquanto", "todavia" etc. Pode-se verificar este tipo de frases p 
ex em 7.31-37. Este estilo sem arte, de usar simplesmente o "e" para acrescentar 
outro elemento, típico de Mar cos, é elevado pelos outros evangelistas em muitos 
casos a um patamar literário mais alto. Acontece que o "e" no começo da frase é 
característico da língua aramaica, mais rudimen tar, na qual a tradição de Jesus 
começou, e as crianças até hoje falam assim.
O mesmo acontece com o presente com sentido de passado, tão popular (pre-
sens historicum). Em Marcos ele é encontrado umas 150 vezes, em Mateus só 
em metade das vezes, enquanto Lucas o eliminou, exceto em um caso.
Por último, Marcos tem expressões da linguagem popular, que Mateus e Lucas 
substitu íram por termos literários. O "leito" (krabbaton, esteira) em Mc 2.4,11,12 
torna-se um obje to mais nobre em Lucas (Mine, klinidion, cama, 5.18,19,25). 
Nos evangelistas posteriores faltam p ex os diminutivos de Marcos, como os 
"peixinhos" em 8.7, "sandalinhas" em 6.9 ou "orelhinha" em 14.47. - Sobre o pen-
samento mais claro, veja as construções de frases, complementos e omissões 
em Mateus e Lucas.
E possível imaginar que alguém que tenha diante de si um texto fluente e de qua-
lidade, o trabalhe de modo a torná-lo complicado e tosco? Dificilmente. Como isto 
não é provável, a maioria dos pesquisadores considera o evangelho de Marcos 
o mais antigo.
Contudo, sem algumas luxações esta posição não escapa. A tese não consegue 
ser man tida incólume em todos os casos. Por isso, a questão sinótica, apesar do 
© Evangelhos Sinóticos132
esforço sem igual dos estudiosos, não chega a um fim. Em especial expositores 
ingleses, católicos, mais recen temente também protestantes, encontram motivos 
para considerar Mateus o mais antigo, aliás em sintonia com o testemunho unâ-
nime dos Pais da Igreja e com o apoio de observa ções textuais. Provavelmente 
a relação entre os Sinóticos jamais poderá ser plenamente es clarecida. Muita 
coisa está oculta na escuridão do nosso desconhecimento. Por isso qual quer 
solução só pode ser apresentada com ressalvas.
A propósito, o aproveitamento de Marcos por Mateus e Lucas é tão completo que 
ele está repetido com a exceção de talvez 30 versículos nos evangelhos poste-
riores. Mesmo assim, ele não desapareceu como as outras fontes escritas. Isto 
confirma seu grande prestí gio, que é exatamente o de Pedro, que está por trás 
dele. Marcos estabeleceu padrões que se espalharam rapidamente por Roma 
e pela Itália, a ponto de alcançar o Oriente, onde traba lharam Mateus e Lucas. 
A partir do século II, no entanto, ele ficou para trás dos dois evangelhos mais 
completos e, de certo modo, melhores. Até hoje existem poucos comentários de 
Mar cos. Mateus e Lucas foram copiados e expostos com muito mais freqüência. 
Extraído de: POHL, Adolf. O Evangelho de Marcos. Comentário Esperança. Curi-
tiba: Evangélica Esperança, 1998. 
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
11. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu 
desempenho no estudo desta unidade:
1) Elenque os motivos pelos quais a tradição da Igreja atribuiu a autoria desse 
evangelho a João Marcos.
2) Que razões são apresentadas pela crítica literária para propor o Evangelho 
de Marcos como de escrita mais antiga?
3) Qual a relação entre o Evangelho de Marcos e o contexto histórico, político 
e cultural das primeiras comunidades cristãs? 
4) Em que medida o Evangelho de Marcos nos auxilia a reconstruir a imagem 
do Jesus Histórico?
12. CONSIDERAÇÕES
O Evangelho de Marcos entendido como termo médio, a par-
tir do qual os outros Sinóticos, Mateus e Lucas, obtiveram infor-
mações que usaram em seus próprios evangelhos, é um material 
de escrita "rude", mas não menos elaborada que Mateus e Lucas. 
Claretiano - Centro Universitário133© U4- O Evangelho de Marcos
Trata-se de um texto rico em expressões latinas que denunciam a 
penetração do redator no mundo gentílico. 
Ao longo de sua redação podem ser identificadas creias ao 
modo grego, ditos de sabedoria e resumos que objetivam dar uni-
dade à redação. Não se trata, portanto, de uma narrativa biográfi-
ca ou cronológica. Antes de tudo, é um "retrato" de Jesus na pers-
pectiva de Marcos.
Isso implica dizer que esse Evangelho não pode ser conside-
rado alienado da situação do povo hebreu, da história, da tradição 
e da Lei judaica. Marcos traz em seu escopo diversas narrativas 
que reproduzem as cenas de controvérsias entre Jesus e seus ad-
versários. 
Assim como Mateus, ele não poupou adjetivos para quali-
ficar os escribas e os fariseus, além de outros partidos religiosos, 
que formavam a "classe" local favorecida pelo Império Romano, 
portanto, submissa ao poder do "opressor". 
O Jesus de Marcos chamou-os de hipócritas e impuros. Acu-
sação séria para aqueles que rezavam segundo a Lei judaica e que 
procuravam a todo custo evitar contatos com pessoas, animais, ali-
mentos e objetos contaminados.
A redação de Marcos é ácida. Elaborada não se sabe ao certo 
onde, mas provavelmente dirigida a gentios convertidos e judeus 
helenizados no período entre 64/65 – 70 EC.
Esse é o Evangelho que pautará as redações de Mateus e 
Lucas.
13. E-REFERÊNCIA
Figura
Figura 2 Palestina nos tempos de Jesus. Copyright 2002 Sociedades Bíblicas Unidas. 
Disponível em: <http://universotrade.blogspot.com/2010/01/sociedade-biblica-
mapa-10.html>. Acesso em: 13 nov. 2011.
© Evangelhos Sinóticos134
14. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BALANCIN, Euclides Martins. Como ler o Evangelho de Marcos. São Paulo: Paulus, 1991.
BERGER, Klaus. As formas literárias do Novo Testamento. São Paulo: Loyola, 1998. 
(Coleção Bíblica Loyola 23).
BITTENCOURT, Benedito P. O Novo Testamento. Metodologia da pesquisa textual. 3. ed. 
Rio de Janeiro: Juerp, 1993. 
CAZELLES, Henri. História política de Israel. Desde as origens até Alexandre Magno. São 
Paulo: Paulus, 1986.
CHARLESWORTH, James H. Jesus dentro do judaísmo. Novas revelações a partir de 
estimulantes descobertas arqueológicas. Rio de Janeiro: Imago, 1992.
COHEN, Shaye J. D. The political and social history of Jews in greco-roman antiquity: The 
state of the question. In: KRAFT, Robert A.; NICKELSBURG, George W. E. (Eds.). Early 
Judaism and its Modern Interpreters. Atlanta: Scholars Press, 1986.
COLLINS, John J. From Prophecy to Apocalypticism. The Expectation of the End. In: The 
Encyclopedia of Apocalypticism. v. 1. New York: The Continuum Publishing Company, 
1988.
CROSSAN, John Dominic. Jesus. Uma biografia revolucionária. Rio de Janeiro: Imago, 
1995. 
DELORME, J. Leitura do Evangelho Segundo Marcos. São Paulo: Paulinas, 1982. (Cadernos 
Bíblicos 11).
GNILKA, J. El Evangelio Segundo San Marcos (Mc 1-8,26). Salamanca: Sigueme, 1986.
GOODMAN, Martin. A classe dirigente da Judéia. As origens da revolta judaica contra 
Roma, 66-70 d.C. Rio de Janeiro: Imago, 1994.
KÜMMEL, Werner Georg. Introdução ao Novo Testamento. 2. ed. São Paulo, 1982. 
MYERS, Ched. O Evangelho de São Marcos. São Paulo: Edições Paulinas, 1992. 
VILLAMÁN, Marcos. Mesianismo y poder en el evangelho de Marcos. Mexico: Contraste, 
1988.
EA
D
5
Evangelho de Mateus
1. OBJETIVOS
• Conhecer o panorama em que se situa o Evangelho de 
Mateus.
• Compreender a conjuntura histórica e alguns dados so-
bre a redação do Evangelho, autoria, lugar de origem e 
datação.
• Identificar os principais temas focados pelo redator.
• Enumerar as influências sobre a redação.
2. CONTEÚDOS
• Fragmentos da história. 
• Estágios da escrita do Evangelho.
• Temas literários e discussões sobre Lucas.
• Memórias da tradição judaica em Lucas.
• Propostas de estrutura para Lucas.
© Evangelhos Sinóticos136
3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE
Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que 
você leia as orientações a seguir:
1) Tenha à disposição para consulta uma Bíblia. Se possível 
tenha mais de uma versão, a fim de conferir as diferen-
ças na tradução.
2) Leia atentamente a unidade e conceda atenção às refe-
rências bibliográficas indicadas. A leitura de tais indica-
ções tem por finalidade complementar as informações 
apresentadas nesta unidade e oferecer oportunidade de 
ampliar seus conhecimentos por meio de instrumental 
teórico sofisticado.
3) Faça a leitura desta unidade quantas vezes forem possí-
veis e procure identificar a proximidade deste material 
com o Evangelho de Marcos.
4) Saiba mais sobre a crítica da hipótese das Duas Fon-
tes em: BUTLER, B. C. The Originality of St. Matthew. 
A critique of the Two-Document Hypothesis. Cambrid-
ge: Cambridge University Press, 1951; Outro clássi-
co: JAMESON’S, H. G. Origin of the Synoptic Gospels. 
Oxford: Basil Blackwell, 1922.
4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Na Unidade 4, além de um breve panorama a respeito do 
Evangelho de Marcos, estudamos a conjuntura histórico-social, da-
tação e dados sobre sua autoria. Discutimos as influências sobre 
a redação e identificamos os temas teológicos desse Evangelho. 
Apresentamos, também, o "Cristo da fé" e uma leitura política à 
luz de Marcos. 
Agora, na Unidade 5, iniciaremos o estudo do Evangelho de 
Mateus. O estudo dessa fonte sinótica é de extrema relevância, 
visto que ela retrata um trabalho de redação bastante elaborado, 
preocupado em fornecer respostas à situação específica de comu-
nidades cristãs emergentes e mistas.
Claretiano - Centro Universitário
137© U5- Evangelho de Mateus
Como temos salientado, o estudo da literatura bíblica exige 
investigação dos âmbitos que "rodeavam" a autoria na ocasião de 
sua produção. Em nossa abordagem, temos evidenciado que os 
Sinóticos constituem produções culturais de um tempo e de uma 
cultura, tanto quanto outra literatura. Soma-se a esse dado o fato 
de os Sinóticos tornarem-se literatura sagrada para os cristãos es-
palhados pelo mundo. Por essa razão, ao serem estudados, pedem 
cautela e rigor.
Desse modo, essa análise não considera o elemento externo, 
o social, como única matéria que expressa a época, a sociedade e 
a cultura que produziu o texto. Não se trata apenas de um enqua-
dramento histórico do período, mas também de uma construção 
artística. Isso nos conduz a entender a dimensão histórico-social 
como fator de arte, que juntamente com fatores psicológicos, reli-
giosos e linguísticos, interfere na economia do texto.
5. EVANGELHO DE MATEUS E A TRADIÇÃO
Testemunhos históricos sobre Mateus ––––––––––––––––––– 
O Evangelho de Mateus incorporou ao texto expectativas, tensões, memórias e 
lembranças da tradição judaica. A redação refletiu no nível literário um rico "caldo 
cultural" que se constituiu a partir de longas interações entre tradições mediterrâ-
neas, Império Romano, culturas, etnias diversas e a religião judaica. Isto implica 
dizer que Mateus resulta desta fusão entre texto e contexto, como uma das in-
terpretações sobre este período, sobre os ensinamentos de Jesus e sobre o que 
deveria ser o cristianismo na perspectiva da autoria mateana.
Durante longo período a história e a crítica literária dos Sinóticos, orientada pelos 
antigos comentaristas da Igreja, consideraram que a redação de Mateus teria 
dado origem ao primeiro Evangelho, cujo gênero literário seria relato histórico 
elaborado por Mateus, um dos doze discípulos de Jesus. Segundo este pres-
suposto, o cânon do Novo Testamento dispôs em primeiro lugar Mateus, que foi 
considerado evangelho histórico, biográfico e prioritário para compreensão das 
origens cristãs.
–––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 
As citações de Irineu, que geralmente são interpretadas 
como atestado da autoria de Mateus, aparecem na obra Adversus 
haereses, escrita por volta de 180-190 EC, tempo de muita contro-
vérsia e diversidade no pensamento cristão. 
© Evangelhos Sinóticos138
Irineu esforçava-se em fortalecer a Igreja predominante con-
tra aqueles queconsiderava ser marginais. Parte de sua estratégia 
foi dizer que os "hereges" não interpretavam corretamente as Es-
crituras. Sua discussão a respeito das origens canônicas dos Evan-
gelhos derivou dessa situação e sua intenção principal era asse-
gurar que os quatro Evangelhos correspondiam às origens cristãs. 
Irineu sustentou a autoridade dos Evangelhos e buscou ga-
rantir sua verdade pela ênfase nas origens apostólicas (Adversus 
haereses 3.1.1. – Irenaeus, 1989). De acordo com seu principal 
argumento, os Evangelhos foram escritos pelos apóstolos, teste-
munhas oculares de Jesus e de seu trabalho. Para ele, ligar o Evan-
gelho de Mateus à autoridade de Pedro e Paulo era sumamente 
importante. 
Há breve referência à ocasião em que Pedro e Paulo ensi-
naram em Roma e lançaram a fundação da Igreja. Essa ligação de 
Irineu entre o evangelho, Pedro e Paulo teria como objetivo apon-
tar que Mateus estava próximo às tradições dos apóstolos e de 
suas pregações por volta do ano 60 EC, o que implica dizer que o 
Evangelho de Mateus tinha alguma relação com as autoridades e 
lideranças da igreja em Jerusalém ( CARTER, 2004. p. 14-15). 
Outras referências históricas sobre Mateus estão em História 
eclesiástica: o bispo Eusébio de Cesareia na Palestina (260-340) 
citou possível testemunho sobre o autor do Evangelho. Além disso, 
o uso de palavras ambíguas pelo bispo Papias de Hierápolis na Ásia 
Menor, entre 125 e 150, tem causado ostensivo debate. 
Eusébio referiu-se às citações de Papias algumas vezes e in-
dicou que esse trabalho possuía material que o bispo lera dos "sa-
grados apóstolos", incluindo Mateus – último nome de sua lista de 
apóstolos. 
Eusébio propôs que Papias teria aprendido tais conteúdos 
de um presbítero de Marcos, o intérprete de Pedro. Teria escrito 
apenas o que se lembrava acerca das coisas que teriam sido ditas 
e feitas por Jesus, porém, não em ordem cronológica. Eusébio adi-
Claretiano - Centro Universitário
139© U5- Evangelho de Mateus
cionou que Papias haveria dito que Mateus colecionou oráculos 
em língua hebraica e interpretou cada um deles como melhor po-
deria. 
Desse modo, Eusébio/Papias sugeriu, a partir da compara-
ção entre Marcos e Mateus, que Marcos teria sido o primeiro e 
que Mateus teria utilizado esse material para compor o seu pró-
prio (EUSEBIUS, 1980).
Posteriormente, a proposta de que Mateus teria sido o pri-
meiro Evangelho redigido, por um dos 12 apóstolos e com natureza 
histórico-biográfica foi autenticada pelo teólogo e filósofo do nor-
te da África, Agostinho de Hipona (354-430 EC). Sua compreensão 
derivava da concepção de que Marcos dependia de Mateus, assim 
como Lucas teria dependido de Mateus e Marcos para a redação 
de seus respectivos evangelhos. 
AUGUSTIN, The Harmony of Gospels. In: Schaff, Philip (Ed.). The 
Nicene and Post-Nicene Fathers of the Christian Church. v. 6. 
Edinburgh: T & T Clark. Disponível em: Christian Classics Ethereal 
Library. < http://www.ccel.org/ccel/schaff/npnf106.titlepage.html>. 
Acesso em: 15 nov. 2011. 
Uma discussão mais recente se verifica em: Kloppenborg, John 
S. Excavating Q. The History and Setting of the Sayings Gospel. 
Minneapolis: Fortress, 2000. p. 38-43. 
Até o século 19, essa hipótese foi aceita com certo consenso, 
mas com a propagação do liberalismo teológico na pesquisa sobre 
a Bíblia, novos horizontes sobre o cânon despontaram e, frequente-
mente, Marcos tem sido apontado como o Evangelho mais antigo. 
6. EVANGELHO DE MATEUS E A PESQUISA MODERNA
Heinrich Julius Holtzmann (1832-1910), junto de F. Baur, pro-
pôs que o conjunto formado pelos Evangelhos denominados sinóti-
cos – Mateus, Marcos e Lucas – apresentava informações mais con-
fiáveis que o Evangelho de João, portanto, eram fontes mais antigas. 
© Evangelhos Sinóticos140
Para apoiar esse argumento, Holtzmann compreendeu o 
material do NT de acordo com a teoria das Duas Fontes. Assim, 
Mateus e Lucas teriam utilizado o material de Marcos para a es-
crita de seus evangelhos e os paralelismos entre Mateus e Lucas, 
independentes de Marcos foram atribuídos a Fonte dos Ditos.
Dessa forma, o desenvolvimento dessa pesquisa resultou na 
hipótese do inglês B. H. Streeter, cujo título mais famoso é Os qua-
tro evangelhos: um estudo das origens, de 1924 (The four gospels. 
A study of origins). Para Streeter, os quatro evangelhos teriam sido 
originados com base em um centro maior do cristianismo que en-
volvia os ensinamentos de Jesus. Por isso, tratava-se de uma cole-
ção reconhecida por toda a Igreja do período. 
A hipótese das quatro fontes de Streeter propunha que a 
Fonte Q (50 EC, Antioquia) e Marcos (65 EC, Roma) teriam sido os 
materiais empregados por Lucas (80-85 EC, Cesareia) e por Mateus 
(80-90 EC, Antioquia da Síria) na redação de seus Evangelhos. Além 
dessas fontes, Lucas teria se valido de material próprio, a fonte "L" 
(de 60 EC, escrita em Cesareia) e Mateus teria usado outra fonte 
peculiar, a fonte "M" (de 65 EC, escrita em Jerusalém).
Figura 1 Hipótese das Quatro Fontes.
Mais tarde, porém, sem ter ganhado atenção, B. C. Butler, 
em A originalidade de São Mateus fez uma crítica da hipótese das 
Claretiano - Centro Universitário
141© U5- Evangelho de Mateus
Duas Fontes (The originality of St. Matthew. A critique of the Two-
-Document Hypothesis). Voltou a defender a hipótese das Duas 
Fontes com algumas mudanças, visto que a sequência Mateus-
-Marcos-Lucas propunha Marcos como dependente "de uma eta-
pa preliminar de Mateus". Assim, como em Agostinho, na propos-
ta elaborada por J. J. Griesbach, ainda no século 18, Marcos seria 
"resumidor" de Mateus (KÜMMEL, 1995; THEISSEN; MERZ, 2002). 
Sobre a datação
O problema sinótico brevemente esboçado aqui indica que 
a redação do Evangelho mateano não foi a primeira a ser elabora-
da. Portanto, a redação deste material deu-se na segunda meta-
de século 1º EC, entre os decênios 80 e 90. Uma redação tardia e 
distante temporalmente dos primeiros acontecimentos ligados à 
figura de Jesus. Consequentemente, a redação mateana repousa 
sobre uma situação histórica e social diferenciada em relação aos 
primeiros escritos. 
Um período de aumento das adesões aos ensinos de Jesus, 
do crescimento das tradições ao seu respeito e da diversidade de 
interpretações sobre seu ministério, seus feitos e ensinamentos. 
Ademais, o alargamento da distância temporal facilitava os lapsos 
na memória, a suavização de algumas recomendações e os acrés-
cimos na redação.
7. OS CONTEÚDOS DO EVANGELHO DE MATEUS
O debate sobre os motivos que ocasionaram a escrita desse 
Evangelho tem sido formulado desde o início do século 19, mas 
desde meados dos anos 60 do século 20 tem recebido valiosas 
contribuições. Para fins didáticos, classificamos esse vasto trata-
mento em dois grupos que veremos a seguir:
• O primeiro grupo de pesquisadores que tem tentado res-
ponder a pergunta pelos motivos da redação mateana e 
que, indiretamente, se relacionam à questão da autoria e 
© Evangelhos Sinóticos142
da audiência de Mateus é constituído pelos pesquisado-
res que admitem a influência e a predominância da tra-
dição judaica sobre esse Evangelho. Dentro desse grupo, 
uma parte entende que a comunidade de Mateus não 
pretendia a ruptura com o judaísmo. Outra parte admi-
te que o rompimento não era objetivo principal, mas foi 
inevitável. Por conseguinte, houve admissão de gentios 
mediante completa aculturação dos ingressantes. 
• O segundo grupo segue reafirmando a presença e a im-
portância judaica na redação mateana, mas dedica-se à 
investigação sobre a presença gentílica dentro da comu-
nidade. Portanto, considera-a mista. Entretanto, nessa 
hipótese, a admissão de gentios não se vincularia à ren-
dição aos costumes e princípios judaicos, tratava-se de 
uma missão que os judeus deveriam cumprir baseada na 
tradição de Abraão (Gn 12,1): arregimentar os não-judeus 
para o Reino dos céus. 
Tensões e disputas entre judeus no Evangelho de Mateus
No primeiro grupo, Anthony Saldarinie David C. Sim pro-
põem que a narrativa de Mateus não demonstra distinção entre 
judaísmo e movimento de Jesus. Ambos argumentam, baseados 
principalmente em Mateus 5,17 ("Não penseis que vim revogar a 
Lei e os Profetas. Não vim revogá-los, mas dar-lhes pleno cumpri-
mento"), que a comunidade mateana não era cristã, mas judaica. 
David Sim sustenta que a comunidade de Mateus não teria 
se preocupado com missão entre os gentios, pois sofria persegui-
ção em Antioquia e por essa razão teria se preocupado em manter 
a identidade judaica. De acordo com Sim, Brendam Byrne e outros 
estudiosos falharam ao considerar que membros gentios da comu-
nidade de Mateus observavam a Lei (BYRNE, 2002). 
David Sim entendeu que a comunidade mateana evitava o 
contato com a sociedade gentílica. Mesmo as citações "positivas" 
Claretiano - Centro Universitário
143© U5- Evangelho de Mateus
de gentios que tiveram fé em Jesus não deixam claro se eles torna-
ram-se efetivamente discípulos. 
David Sim notou que ao longo da narrativa mateana há 
exemplos negativos sobre a conduta e costumes gentílicos (8,28-
34). Outros exemplos podem ser elencados para enfatizar que as 
narrativas mateanas não são favoráveis e tampouco simpáticas à 
presença dos gentios (5,46-47; 6,7-8; 6,31-32; 18,15-17). 
Com isso, o autor procura demonstrar não somente a pers-
pectiva anti-gentílica do material mateano, mas mais especifica-
mente que o grupo poderia ser incompreendido pelos gentios 
(10,17-22). Em 10,18, a expressão "perante as nações" indicaria 
que autoridades judaicas e gentílicas seriam a fonte da persegui-
ção; por isso, a predição de 24,9 em que os discípulos seriam per-
seguidos por todas as nações por causa do nome Jesus, incluindo 
tanto judeus quanto gentios como reflexo da experiência da comu-
nidade mateana como parte do drama do fim dos tempos.
Para Saldarini, não há vestígio no Evangelho de Mateus que 
assegure o afastamento da comunidade judaica em favor do grupo 
cristão.
Embora seja, às vezes, descrito como antijudaico, na ver-
dade, Mateus reserva seu veneno para líderes judaicos hostis e, 
ocasionalmente, para quem segue esses líderes em uma firme re-
jeição de Jesus. E ainda: Mateus e seu grupo estão em luta pelos 
corações e mentes dos companheiros judeus (SALDARINI, 2000). 
Assim, os gentios poderiam ter feito parte do grupo judaico 
de Mateus. Essa possibilidade é indicada pela presença dos magos, 
da mulher cananeia e do centurião ao pé da cruz na narrativa ma-
teana. Todavia, tais imagens teriam sido utilizadas como estratégia 
retórica para que o grupo tivesse a fé fortalecida na história de 
Jesus, visto que seu poder alcançava até não-judeus. 
Com efeito, esse Evangelho era receptivo à presença gentíli-
ca desde que estivessem dispostos a se vincular profundamente a 
Israel e a Jesus e, especialmente, sujeitos à Lei. 
© Evangelhos Sinóticos144
Para finalizar, Saldarini assegura:
(...) o evangelho de Mateus dirige-se a um grupo dissidente da co-
munidade judaica da grande Síria, uma seita reformista que procu-
ra influência e poder 
(...) na comunidade judaica como um todo. (...) 
Mateus não substitui Israel pelos gentios, ao contrário do que 
pensam muitos comentaristas. A teoria de substituição ou super-
cessionária foi desenvolvida por autores cristãos do século II, por 
exemplo, Barnabé e Justino, e foi depois projetada de volta para 
Mateus, em geral pela construção de uma teologia da história da 
salvação alheia a Mateus. Mateus abre as portas para não-judeus, 
mas espera que eles observem a lei revelada na Bíblia (SALDARINI, 
2000. p. 320-321).
Portanto, para Saldarini o autor de Mateus seria um judeu 
expulso da assembleia de sua cidade, mas ainda fiel à tradição ju-
daica e obediente à Lei segundo a interpretação de Jesus.
Junto com Saldarini, Donald Hagner afirmou que as frontei-
ras culturais entre judeus e gentios eram muito espessas e que 
existiam diferenças na tradição de Mateus que não podiam ser 
ignoradas ou tomadas como desvios de grupos judaicos apenas. 
Hagner disse que seria mais adequado pensar o grupo de Mateus 
como "uma forma judaica do cristianismo" (HAGNER, 2003, p. 
193-209).
De acordo com Overman (1990), na época em que o Evange-
lho de Mateus foi concebido havia dois grupos: o judaísmo forma-
tivo e o judaísmo de Mateus. Esses grupos estavam em competi-
ção e o judaísmo formativo ganhava espaço no embate religioso:
Na época da escritura do Evangelho de Mateus, os dois grupos, o 
judaísmo formativo e o judaísmo de Mateus, estavam evidente-
mente em competição e, ao que parece, o judaísmo formativo es-
tava ganhando terreno. Isso tem um impacto significativo na forma 
e no conteúdo do Evangelho de Mateus. Muitos dos desenvolvi-
mentos na vida da comunidade de Mateus ocorriam em resposta 
ao impacto que um judaísmo formativo em organização e consoli-
dação estava tendo sobre as pessoas da comunidade e sobre seu 
mundo (DAVIES, 1997, p. 14). 
Claretiano - Centro Universitário
145© U5- Evangelho de Mateus
Segundo Overman, o judaísmo formativo recuperava a Tradi-
ção e os rituais da Lei e opunha-se veementemente ao movimento 
e interpretação cristã da Tora. Por essa razão, a redação mateana 
precisava autenticar sua exegese assegurando seu status judaico. 
Tratava-se, portanto, de uma disputa entre judeus.
No segundo grupo, juntamente com Senior e Brendam Byr-
ne, Warren Carter reforçou o argumento de que Mateus dirigiu-se 
a uma comunidade mista formada por judeus e gentios e que pro-
moveu missão entre ambos.
No comentário de Davies e Allison (1997), ambos apresenta-
ram pontos de vista favoráveis à presença de influências judaicas 
na constituição de Mateus. 
Recentemente, Davies reafirmou a hipótese de que o Evan-
gelho mateano foi escrito em resposta à situação da revolta judai-
ca de 66-70 EC e à emergência do judaísmo farisaico como força 
dominante dentro do judaísmo palestino desse período. A revolta 
judaica e a subsequente supressão brutal dos romanos culmina-
ram com a destruição do Templo e de Jerusalém (Mt 23,38; 24,2; 
26,61). Ainda neste período, desenrolava-se o conflito entre ju-
deus apocalípticos e judeus cristãos, o que configurava como ca-
ótico o quadro religioso e social do pós-guerra e contribuía para a 
consolidação dos líderes fariseus. 
O movimento dos fariseus aspirava por unidade e para tanto for-
jaram uma coleção de leis orais, deram força normativa a certas 
práticas religiosas e atacaram a legitimidade de grupos desviados 
dentro da comunidade judaica. Davies reforçou que a reforma fa-
risaica teve grande importância como resposta direta ao contexto 
do Evangelho de Mateus. 
Segundo Davies e Allison (1997), a comunidade de Mateus 
era formada por um grupo que se reunia em casas e que se localiza-
va em Antioquia da Síria. Talvez fosse um grupo urbano associado 
aos mestres e com relações próximas de grupos cristãos gentios. 
© Evangelhos Sinóticos146
Essa comunidade, entretanto, não teria abandonado o judaísmo, 
mas seria considerada um grupo desviado de judeus-cristãos. 
Para Davies e Allison (1997), embora o grupo mateano se 
considerasse judaico, há evidências de que eles se diferenciavam 
dos judeus em alguns aspectos e aproximavam-se mais dos gen-
tios. Mesmo que aquela comunidade identificasse a si mesma 
como judaica, a diferenciação era inevitável. Tais diferenças pode-
riam ser notadas, por exemplo: 
1) No uso mateano da expressão "suas sinagogas" (4,23; 
9,35; 10,17; 13,54; 23,43). "Suas" indicaria uma visão 
negativa do termo "rabi" (23,8; 26,25,49).
2) Na crítica aos líderes judaicos (cap. 23).
3) Nas sanções às divergências internas (18,15-17).
4) Na ênfase atribuída à legitimidade da crença em Jesus e 
em sua autoridade messiânica.
Assim, a proposta de Mateus era defender a legitimidade 
das raízes judaicas de sua comunidade, em oposição aos grupos 
contrários (DAVIES; ALLISON, 1997). 
De fato, o comentário de Davies e Allison (1997) indicaram 
importantes ênfases nos textos mateanos, identificadas:• Na tentativa de ligar Jesus e sua missão a Israel e às Escri-
turas por meio da narrativa de sua infância e das citações 
que faz da Bíblia hebraica
• Na ênfase em que Jesus não veio para destruir a Lei, mas 
cumpri-la, que está claramente em 5,17, e também em 
todo o Evangelho mateano. 
• Na perspectiva judaizante que transparece em certos as-
suntos, se comparada à versão marcana (sobre o divórcio, 
sobre a pureza, sobre o Sabbath, sobre a relutância em 
relação aos ensinos de escribas e fariseus, sobre a resis-
tência de se fazer missões entre gentios – 19,3-9; 15,1-20; 
24,20; 23,1-6; 10,5 e 15,24, respectivamente). 
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147© U5- Evangelho de Mateus
Com base em tais evidências, alguns pesquisadores presu-
mem que antes da destruição do Templo em 70 EC, as lideranças 
judaicas toleravam grande diversidade de judaísmos. Após a des-
truição, a sobrevivência dessa tolerância começou a ruir em favor 
de certo ideal de uniformidade e emergência da liderança farisaica 
que pretendia a reformulação do judaísmo com nova compreen-
são teológica e modelos de adoração centradas nas sinagogas, o 
que explicaria as frequentes referências negativas aos fariseus na 
redação mateana (CARTER, 2004). 
O breve exame desse debate entre os pesquisadores, por 
conseguinte, levanta algumas convergências entre os pesquisado-
res. São elas:
1) Todos os pesquisadores apontam que o Jesus do mate-
rial mateano tem caráter judaico e que há polêmicas en-
tre o grupo mateano e os líderes judaicos.
2) Em geral, as pesquisas mostram que mesmo que a co-
munidade mateana não mantivesse contato com o ju-
daísmo farisaico, ela partilhava da natureza judaica e 
tomava para si assuntos concernentes ao judaísmo e à 
interpretação da Lei. 
3) Desse modo, mesmo que a comunidade mateana não ti-
vesse rompido com o judaísmo, o rompimento seria ine-
vitável. Isso ocorreu em função da elaboração de certa 
cristologia específica, da qual decorreram perspectivas 
e práticas diversas do judaísmo comprometido com as 
leis e crenças ancestrais. Essa cristologia e tais práticas 
ocasionaram tensão com outros grupos judaicos. 
4) A redação mateana revela a angústia do grupo em busca 
de marcadores de identidade que expressem sua tradi-
ção judaica e, ao mesmo tempo, sua concessão limitada 
à conversão de gentios. Portanto, a redação mateana 
expressa a tentativa de ligar a história de Jesus à histó-
ria de Israel e, dessa forma, obter a autoridade de uma 
comunidade cristã de matriz judaica.
Nessa perspectiva, o discurso mateano é um relato que re-
clama autoridade e que visa ao esclarecimento de sua condição 
diante das polêmicas com seus adversários. 
© Evangelhos Sinóticos148
Embora existam, ainda, outras abordagens sobre esse assun-
to, doravante vamos relacionar o debate anterior com a pergunta 
pelos ouvintes/leitores do Evangelho de Mateus. Por hora, já pu-
demos perceber que a redação desse material emergiu de uma 
conjuntura sociocultural bastante específica, de disputas e tensões 
entre judeus que advogavam por essa ou por aquela interpretação 
da Tora idealmente mais "pura".
Ora, se as disputas estavam relacionadas à interpretação da 
Tora mais correta, a quem Mateus endereçava a sua redação? Ju-
deus ou gentios? É o que veremos mais adiante. 
8. LUGAR DE ORIGEM E AUTORIA DO EVANGELHO
Os estudiosos têm sugerido diversos lugares de origem para 
o Evangelho de Mateus: Jerusalém, Alexandria no Egito, Cesárea 
na costa da Palestina, Transjordânia, Tiro ou Sidom, Séforis ou Ti-
beríades na Galileia. 
A teoria mais aceita é a de que Mateus teria sido escrito na 
província romana da Síria, provavelmente na cidade de Antioquia 
ou nalguma região ao redor (KÖESTER, 2005, p. 101-110; KÜM-
MEL, p. 45). 
Muitos são os fatores que apontam para a Síria e, em espe-
cial, para a cidade de Antioquia como seu lugar de origem. Cita-
ções mais antigas do Evangelho de Mateus que corroboram para 
esse argumento podem ser encontradas nas cartas de Inácio, bis-
po de Antioquia, escritas provavelmente no primeiro decênio do 
século 2º.
Inácio iniciou sua carta à igreja de Esmirna, na Ásia Menor, 
listando as crenças dos religiosos locais. Ele mencionou que Jesus 
foi batizado por João e que toda retidão se cumpriu nele (1,1). 
Essa citação sobre o batismo de Jesus pode ser encontrada em 
Mateus 3,15. Inácio usou Mateus ainda em três outros lugares: 
para Policarpo (2,2 e Mt 10,16b), aos filipenses (3,1 e Mt 15,13-14) 
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149© U5- Evangelho de Mateus
e aos efésios (19,1-3 e Mt 1–2) Tais referências sugerem que esse 
Evangelho teria sido empregado na Síria romana, em Antioquia, 
por volta do ano 80-90 do século 1º.
O nome "Mateus" pode ter sido atribuído ao Evangelho em 
respeito à alguma ilustre figura de autoridade do período e da re-
gião, ligada às tradições das comunidades. É pouco provável que 
seja referência ao discípulo de mesmo nome que integrou o grupo 
dos doze (9,9). 
 
"O nome ‘Mateus’ significa ‘presente de Deus’, uma designação 
para as boas notícias que esta narrativa oferece. O nome Ma-
teus também soa algo parecido à palavra ‘discípulo’ em grego 
(mathētēs), uma palavra que literalmente significa ‘aprendiz’. Isso 
é apropriado para o evangelho que procura treinar discípulos". Cf. 
CARTER, 2000, p.33; Em Matthew: Storyteller, Interpreter, Evan-
gelist, p. 23-24, Carter se reporta à pesquisa de outro autor que faz 
a aproximação entre Maththaios (Mateus), mathētai (discípulos) e 
o verbo mathein que significa "aprender" e aparece em 9,13. Da 
associação entre "discípulos" e "aprender" teria surgido o nome 
Maththaion que ilustraria um discípulo representativo (talvez ideal) 
destas realidades.
Nenhuma das fontes externas, nem mesmo o próprio Evan-
gelho concedem base final para a ligação desse nome com o con-
junto literário de toda a narrativa. Por fim, a Didaqué, escrita no 
mesmo período, cita a "oração do Senhor" de acordo com a versão 
mateana (Didaqué 8,1-3 conforme Mt 6,9-13 e Lc 11,1-4):
Estes usos visíveis do evangelho de Mateus em material originado 
em Antioquia e amplamente usado na Síria sugerem um local de 
origem similar para o evangelho. Ademais, Mateus 4:24 se refere 
à fama de Jesus "que espalhou-se por toda Síria". Esta referência 
não pode ser identificada no provável paralelo em Marcos 1:28, 39 
(CARTER, 2002, p. 34).
O helenismo estava espalhado por todo o mundo antigo. Em 
nenhum lugar, mesmo entre os judeus de comunidades da Palesti-
na e na Diáspora, haveria possibilidade de se isolar dessa influên-
cia. Por essa razão, é tão difícil definir apenas por meio da análise 
linguística a origem da autoria mateana. Carter propôs que o autor 
© Evangelhos Sinóticos150
de Mateus seria um cristão judeu educado em três línguas. Ele te-
ria escrito com competente grego, mas teria de modo igualmente 
competente, o domínio do aramaico e do hebraico. 
O autor estava familiarizado com as tradições, as práticas ju-
daicas e as instituições: Davi, Moisés, o Templo, Jerusalém [4,5; 
5,34-35; 27,53], o Sabbath [24,20], o contraste com a sinagoga em 
6,1-18 e outros. 
As evidências mostram que o Evangelho teria sido escrito em gre-
go e não hebraico, conforme alguns comentaristas propuseram. A 
declaração quanto à redação de Mateus em hebraico, provavel-
mente, foi baseada nas declarações do período antigo (cf. TOR-
REY, C.C.. Our Translated Gospels. New York and London: Harper, 
1936; BUTLER, B.C. The Originality of St. Matthew. Cambridge: 
Cambridge University Press, 1951; ALBRIGHT, W. F. & MANN, 
C.S. Matthew. New York: Doubleday, 1971). 
Sabemos que a pergunta pela etnicidade da autoria é bas-
tante complexa. Essa questão, em especial, não tem obtido muita 
atenção porque "as linhas culturais entre judeus e gentios no mun-
do antigo não eram rígidas" (CARTER, 2004, p. 17). 
Certas diferenças entre os vários grupos étnicos reunidos 
sob o Império só poderiam ser reconhecidas mediante a observa-
ção de certas práticas, costumes,crenças e marcadores culturais. 
Mesmo as línguas semitas teriam caído em desuso em muitas regi-
ões. Jaeger (1991) informa que na Palestina a língua grega era usa-
da e entendida nas atividades de comércio e negócios em geral, 
principalmente entre as elites judaicas. 
Os judeus falavam em grego, mas talvez só pudessem ser 
efetivamente reconhecidos por nuances nos trajes, pela submis-
são aos rituais judaicos, pela observância do sábado, pela circunci-
são, pelos hábitos alimentares, pelos costumes e expressões típi-
cas. A dificuldade de se definir a etnicidade do autor mateano e se 
o que o constituía era judaico ou gentílico reflete a complexidade 
cultural do Mediterrâneo no século 1º.
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151© U5- Evangelho de Mateus
A interessante intuição de Carter, no entanto, sugere que as 
interações entre grupos diferentes, isto é, judeus e não-judeus, fo-
ram aceitos pelo redator e pelo grupo com disposição em função 
do contexto de missão. Isso seria admissível se pudéssemos afir-
mar que essa comunidade era predominantemente formada por 
judeus helenizados, proselitistas e conscientes da promessa feita 
a Abraão. Mas, isso de pronto seria improvável, tendo em vista o 
afastamento da tradição ancestral judaica ocasionado pelo proces-
so de helenização e o consequente enfraquecimento da religião e 
cultura judaica antiga entre esses judeus.
Sendo o lugar de origem do Evangelho alguma região nas 
cercanias da Antioquia da Síria é, ainda, mais provável que a des-
peito da vontade inicial do redator ser a preservação da Lei, a co-
munidade deveria se abrir à realidade das conversões que se alas-
travam.
O Evangelho não poderia ser enclausurado, portanto, a reda-
ção de seu texto deveria "incluir" os gentios, assegurar a continui-
dade da tradição e reforçar a interpretação da Tora feita por Jesus.
9. HISTÓRIAS EVOCADAS POR MATEUS
As evidências na redação mateana e as características judai-
cas da história (a genealogia, a forma do anúncio, a simbologia de 
pureza no batismo e no deserto, as alusões e citações da Lei, os 
simbolismos judaicos e a lembrança implícita de Moisés) apontam 
para um redator judeu, ciente do avanço da exegese de Jesus rumo 
aos não-judeus e preocupado com a matriz judaica do movimento. 
Mas, de forma também notória, a redação mateana não prescinde 
dos ouvintes helenizados, tanto judeus quanto gentios.
Lembranças e memórias como "pano de fundo" do Evangelho 
O Evangelho de Mateus fez relação entre Jesus e histórias de 
antepassados judeus, ao evocar a genealogia e a antiga história do 
© Evangelhos Sinóticos152
patriarca Abraão, pai de todas as nações. No trecho de Gn 12,1, 
Yahweh declarou seu propósito a Abraão: ele seria pai de muitas 
nações e por meio dele todas as nações seriam abençoadas (KUS-
CHEL, 1995). 
Se de fato houver relação entre essa tradição e o evangelho 
de Mateus, o raciocínio de Carter estaria correto (3,7-10; 8,5-13). 
Isso faria de Jesus o agente por meio do qual se realizaria não a 
conversão individual dos gentios, mas a benção para todas as na-
ções do mundo (CARTER, 2004, p. 263). 
Mas, ao contrário do que Carter propôs, a lembrança de Ma-
teus quanto à cura do servo do centurião (8,5-13) não indica pro-
fundo louvor à presença gentílica entre judeus.
A redação parece apenas constatar a admiração de Jesus 
diante a fé de um gentio, comportamento raro entre os zelosos da 
Lei e filhos de Israel: 
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Mas o centurião respondeu-lhe: ‘Senhor, não sou digno de receber-te sob o meu 
teto; basta que digas uma palavra e o meu criado ficará são. Com efeito, também 
eu estou debaixo de ordens e tenho soldados sob o meu comando, e quando 
digo a um ‘Vai!’, ele vai, e a outro: ‘Vem!’, ele vem; e quando digo ao meu servo: 
‘Faze isto!’, ele o faz". Ouvindo isto, Jesus ficou admirado e disse aos que o se-
guiam: ‘Em verdade vos digo que, em Israel não achei ninguém que tivesse tal fé. 
Mas eu vos digo que virão muitos do oriente e do ocidente e se sentarão à mesa 
no Reino dos céus, com Abraão, Isaque e Jacó, enquanto os filhos do reino serão 
postos para fora, nas trevas, onde haverá choro e ranger de dentes" (vv. 8-12).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
A este respeito, Saldarini sugere que textos como o do cen-
turião (8,5-13) e o da mulher cananeia (15,21-28) são insuficientes 
para argumentar que tais narrativas periféricas poderiam demons-
trar que o Evangelho mateano se direcionava à missão entre gen-
tios ou ao grupo gentílico. O autor argumenta que o caso da fé do 
centurião em contraste com a falta de fé de Israel é semelhante 
ao julgamento das cidades da Galileia (11,20-24) e aos ditos sobre 
Nínive e a rainha do sul (12,38-42).
Claretiano - Centro Universitário
153© U5- Evangelho de Mateus
Tratava-se de um tópos da literatura judaica que funcionava 
como artifício retórico e que, igualmente, se identifica aos julga-
mentos proféticos contra Israel, típicos da Bíblia hebraica. Portan-
to, não podem ser considerados como condenação de Israel em 
favor da missão entre gentios. 
A perspectiva do Jesus mateano era de restauração escatoló-
gica para Israel, incluindo judeus e gentios íntegros. De acordo com 
13,24-30, os herdeiros e filhos do reino seriam judeus e gentios, 
ambos, se fossem considerados corretos. Tanto um grupo como 
o outro se quisessem entrar no reino deveriam se tornar puros. A 
perspectiva mateana nestes textos é especificamente moral e não 
ética. 
Quanto à narrativa da mulher Cananeia (15,21-28), parece-
-nos que o foco do Evangelho estava posto sobre Israel. Se compa-
rada à versão marcana, o texto de Mateus apresenta característi-
cas que enfatizavam a missão para Israel e a relutância em relação 
aos gentios: "Eu não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa 
de Israel" (v. 24). Isto se verifica também na designação "mulher 
cananeia" empregada na redação mateana (v. 21) que usualmente 
os israelitas utilizavam para imprimir sentido pejorativo aos que 
provinham da região de Tiro e Sidom. 
Na redação de Marcos 7,26, ao contrário, a expressão usa-
da foi "grega, uma sírio-fenícia". Mateus também teria sutilmente 
omitido a referência marcana em que Jesus teria dito "Deixa que 
primeiro os filhos se saciem porque não é bom tirar o pão dos fi-
lhos e atirá-lo aos cachorrinhos" (Mc 7,27). 
O verbo "Deixa" designa convicção. Mas, nas palavras de 
Mateus, somente mediante a insistência da mulher, Jesus teria 
dito: "Não fica bem tirar o pão da boca dos filhos e atirá-lo aos ca-
chorrinhos" (Mt 15,26). Portanto, não haveria a sequência missão 
primeiramente para israelitas e depois para gentios. O foco mate-
ano seria a missão exclusiva para Israel.
© Evangelhos Sinóticos154
A palavra kynariois de kynarion que significa "cachorrinho" 
ocorre apenas nos ditos de Jesus (Mc 7,27; Mt 16,26) e em sentido 
figurado. É discutível se Jesus adotou o hábito judaico de denomi-
nar pessoas de diferente fé de kyōn, isto é, cachorro (Mt 7,6), mas 
os ditos de Marcos 7,27 e de Mateus 16,26 compararam a descen-
dência aos cachorros da casa. A escolha do termo kynarion pode 
indicar que Jesus tinha em mente cachorrinhos que seriam tolera-
dos na casa (Israel). Esta metáfora reconheceria a exigência divina 
entre judeus e gentios e aceitaria o privilégio histórico de Israel. 
Marcos 7,27 interpretou tal dito segundo o entendimento 
de que a descendência da casa seria primeiramente satisfeita. A 
resposta da mulher gentia (Mt 15,27, Mc 7,28) mostrou que em 
obediência à vontade de Deus, ela reconhecia a prerrogativa de 
Israel, mas apelou à prontidão de Jesus em ajudá-la, a despeito 
das fronteiras étnicas e culturais.
A mulher gentia colocou incondicionalmente sua fé sobre o 
senhorio messiânico de Cristo e, por causa dessa qualidade "in-
condicional", recebeu o reconhecimento de Cristo, bem como o 
que desejava (KITTEL, 1972-1989). 
Outra presença gentílica na redação desse Evangelho seria 
o emprego da palavra phylakteria(fulakth,ria) em 23,5: "Praticam 
todas as suas ações com o fim de serem vistos pelos homens. Com 
efeito, usam largos filactérios e longas franjas". 
Os "filactérios" eram estojos pequenos que encerravam sen-
tenças importantes da Lei e que os judeus traziam presos no braço 
ou na testa, na tentativa de cumprir materialmente o prescrito em 
Êxodo 13,9,16; Dt 11,18 e 6,8: "Tu as atarás também à tua mão 
como um sinal, e serão como um frontal entre os teus olhos; (...)". 
É possível que os tradutores gregos tenham se enganado quan-
to ao costume judaico de usar filactérios e interpretado-os como 
amuletos que serviriam como proteção contra espíritos ou desas-
tres. 
Claretiano - Centro Universitário
155© U5- Evangelho de Mateus
Assim, os exemplos anteriores dão a entender que as refe-
rências à "gentilidade" na redação mateana não são muito posi-
tivas, embora esse Evangelho evidencie certa relativização dos 
sentidos atribuídos aos usos, costumes, preceitos e expressões 
judaicas como: sobre ablução das mãos (15,2, cf. paralelo em Mc 
7,2s); sobre "coar um mosquito" (23,24); sobre sepulcros caiados 
(23,27) e outras expressões hebraicas (5,22; 27,6).
Ainda no nível da redação, o uso da forma semítica "Sata-
nás" em 4,10, 12,26 e 16,23 justificaria a influência judaica. Por 
outro lado, o uso dos complementos "tentador" (4,3) e "demônio" 
(7,22; 8,31; 9,33-34; 10,8; 11,18; 12,24, 27-28; 17,18.21) sinaliza-
riam empréstimos gregos. 
Interessante, ainda, é que Mateus omitiu algumas formas 
semitas que apareceram em Marcos (Talitha koum, de Mc 5,41 
cf. Mt 9,25; Rabbouni, de Mc 10,51 cf. 20,33; Abba, de Mc 14,36 
cf. Mt 26,39) e explicou o significado de "Jesus" e de "Emannuel" 
(1,21 e 23). 
Embora essas observações não sustentem ou excluam de-
finitivamente a hipótese quanto à autoria gentílica ou judaica, 
principalmente se considerarmos como objetivo mateano a ade-
quação do Evangelho às expectativas de seus ouvintes, certos usos 
específicos que remontam às crenças e conhecimentos judaicos 
antigos constituem fortes indícios da profunda ligação entre a 
autoria e a tradição judaica. Algo que dificilmente ocorreria se a 
autoria fosse de origem gentílica, mesmo que fosse versada nas 
tradições judaicas.
Com efeito, como entre judeus e gentios as fronteiras e os 
limites não parecem bem sinalizados, em Marcos e em Mateus, o 
gênero literário apresenta sérias dificuldades de definição se con-
sideradas as similaridades entre Evangelhos, biografias, creias e 
coleções de ditos (WOODRUFF, 2002).
Mateus, portanto, transforma o relato de Marcos com refor-
mulações, omissões e adições sob ímpeto catequético (5:21-48; 
© Evangelhos Sinóticos156
6:1-18; 24:37-25:46) que tem por objetivo a sistematização da his-
tória de Jesus segundo esquemas classificatórios e numéricos bem 
típicos do judaísmo: sete parábolas (cap. 13), dez narrativas sobre 
milagres (caps. 8-9), sete "ais" contra os líderes fariseus (cap. 23) 
e outros. Conforme tais classificações, também o costume tipica-
mente judaico de memorizar poderia ser estimulado. 
Mateus o novo mito de origem e sua estrutura
Dentre as funções que se atribuem aos mitos está a de tra-
dução. Trata-se da tentativa de traduzir por meio da linguagem 
certas compreensões acerca da existência humana e do universo. 
Os mitos são exercícios pelos quais o conhecimento adquiri-
do se torna comunicável e exprimível, e na medida em que expres-
samos os mitos formulando-os, contando-os e recontando-os, eles 
se transformam e dão origem a novas tentativas de tradução de 
experiências, de conhecimentos, de crenças e de valores. A lingua-
gem do mito é imagética e performática e esta peculiaridade é que 
lhe confere dinamismo e potencial de transformação. 
O título do Evangelho de Mateus (1,1) é uma referência à Bí-
blia hebraica que remonta ao mito judaico sobre as origens. Davies 
e Allison já haviam tecido comentários convincentes a respeito do 
título Livro da origem de Jesus Cristo, filho de Davi, filho de Abraão, 
que alude à totalidade da fonte Mateus e não apenas aos primei-
ros capítulos. 
A palavra "Bíblos" demonstra essa intenção e gênesis é, pro-
vavelmente, referência ao nome grego do primeiro livro da Bíblia, 
já bem conhecido no século 1º EC. Por conseguinte, a invocação do 
título mateano à tradição do Gênesis judaico legitima o "Gênesis 
de Jesus Cristo" proposto pela redação mateana. Isso nos leva a 
crer que a intenção mateana era contar uma história de fundação 
do povo de Deus assim como a Bíblia hebraica tinha feito. 
A nova história era a história de Jesus Cristo. A frase de aber-
tura do Evangelho que aparece nos primeiros cinco capítulos do 
Claretiano - Centro Universitário
157© U5- Evangelho de Mateus
Gênesis (cf. Gn 2,4 – quando finaliza a criação do mundo e origina 
a humanidade e, 5,1 – quando traça a genealogia desde Adão) faz 
a ligação entre a autoria e as histórias de sua origem. Isso ocorria 
particularmente em domínios culturalmente orais. A frase Livro da 
origem de Jesus Cristo, filho de Davi, filho de Abraão em Mateus 
1,1 teria a precisa função de trazer à lembrança da audiência os 
trechos de Gênesis 2,4 e 5,1, cercados, ainda, por um conjunto de 
imagens que vinculavam mitologia judaica: 
1) à criação do mundo e da humanidade;
2) às memórias sobre os resultados da fé dos patriarcas;
3) ao julgamento de Deus;
4) à disposição divina em restabelecer ordem na sua cria-
ção. 
Uma antiga hipótese sobre a macroestrutura de Mateus su-
gere que a autoria dividiu seu Evangelho em cinco blocos inde-
pendentes, talvez em analogia aos cinco livros de Moisés (BACON, 
1997). Segundo essa ideia, a divisão entre os cinco discursos de 
Jesus teria sido marcada pela fórmula "E aconteceu [que] quan-
do completou" presente em 7,28, 11,1, 13,53, 19,1 e 26,1. Essa 
fórmula teria a função de instaurar pausa no texto e anteceder a 
introdução que chamaria a atenção para um novo e importante 
discurso.
De acordo com a proposição de B. W. Bacon (1918), os dis-
cursos estariam dispostos conforme ilustra o Quadro 1:
Quadro 1 Disposição dos discursos.
Preâmbulo 1,1–2,23
Livro 1: 3,1–4, 25 e 5,1–7,27; fórmula: 7,28-29
Livro 2: 8,1–9,35 e 9,36–10,42; fórmula: 11,1
Livro 3: 11,2–12,50 e 13,1-52; fórmula: 13,53
Livro 4: 13,54–17,20 e 17,22–18,35; fórmula: 19,1a
Livro 5: 19,1b–22,46 e 23,1–25,46; fórmula: 26,1
Epílogo 26,3–28,20
© Evangelhos Sinóticos158
Smith (1997) propôs que o Evangelho de Mateus alternava 
entre discurso e narrativa e cada narrativa introduzia o tema sobre 
o qual o discurso seguinte explanaria. 
Mesmo que o texto estivesse dividido em blocos, a narrativa 
formaria um todo, tal qual uma grande narrativa com paralelismos 
recorrentes (cf. 4,17 e 16,21).
A refinada narrativa mateana sobre a história de Jesus enfa-
tizava sua soberania e poder desencadeada em três períodos (KIN-
GSBURY, 1988):
• Apresentação de Jesus (1,1—4,16).
• O ministério de Jesus em Israel e o repúdio de Israel a 
Jesus (4,17—16,20).
• I O ministério de Jesus em Israel (4,17—11,1).
• II Israel repudia Jesus (11,2—16,20).
• A viagem de Jesus a Jerusalém e seu sofrimento, morte e 
ressurreição (16:21-28:20).
• I A viagem de Jesus a Jerusalém e sua atividade no Tem-
plo (16:21-25:46).
• II A traição, condenação, crucificação e ressurreição de 
Jesus (26,1—28,20).
Na narrativa, Jesus foi apresentado como ilustre persona-
gem que nasceu e cresceu a despeito da perseguição de Herodes. 
Ao término da história, apesar de morto injustamente, ele reviveu 
e atestou seu poder sobre vida e morte. 
Isso estabelecia certa situação de confronto e tensão, pois o 
poder soberano do período era atribuído ao imperador romano, 
espécie de autoridade divina.
A literatura greco-romana associava a imagem do impera-
dor (na época Domiciano) à figura de senhor do mundo, gover-
nador das nações, mestre do mar e da terra, mesmo que essa so-
berania fosse sustentada pela ameaça militar, pelo poder político, 
Claretiano - Centro Universitário159© U5- Evangelho de Mateus
pelas alianças com elites judaicas e pelas cobranças de impostos 
(LENSKI, 1984). 
O imperador justificava seus atos e projetos teologicamente 
pela graça dos deuses romanos, especialmente Júpiter. Com efeito, 
a redação mateana evocava a soberania de Deus sobre a criação, 
em evidente contraste com as crenças de soberania nas divinda-
des romanas: "Naquele tempo falou Jesus, dizendo: Graças te dou, 
ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste estas coisas aos 
sábios e entendidos, e as revelaste aos pequeninos" (11,25).
Segundo essa perspectiva, a narrativa forjada e apresentada 
pelo Evangelho de Mateus teve a pretensiosa intenção de oferecer 
às comunidades cristãs em torno da Antioquia, em conflito com as 
autoridades romanas e partidos fariseus, saduceus e escribas, uma 
nova tradição que os conduzisse na experiência religiosa e social.
O Jesus apresentado por Mateus, nesses termos, era o Mes-
sias esperado pelo judaísmo desde tempos imemoriais que, agora, 
apresentava-se como o Filho de Deus para a salvação de Israel e, 
na sequência, daqueles que nele cressem.
O Evangelho de Mateus, portanto, almejou alcançar o posto 
de "nova" tradição para o povo de Israel, sem desprezar a gran-
deza do querigma que, independente da vontade de prerrogativa 
judaica, espalhava-se pelo Império tornando-se mais do que um 
movimento ou uma seita intra-judaica.
Sermão do Monte e a promessa escatológica –––––––––––––
A narrativa mateana não é cronológica, a não ser no início e no fim do texto (cap 
1-4 e 26-28) e tampouco biográfica. Mateus 5-7 insere-se dentro desse conjunto 
literário e costuma ser bastante lido e interpretado pela pesquisa de literatura 
judaico-cristã. Os capítulos 5-7 constituem um dos mais conhecidos discursos de 
Jesus: O Sermão do Monte (ou da Montanha).
No trecho que vai do verso 3 ao 11 encontram-se "as bem-aventuranças", segui-
das de um "chamamento à verdadeira justiça" (vv. 13-20) e por fim as "antíteses" 
(vv. 21-48). Os capítulos 6-7 fornecem instruções diretas aos discípulos de Je-
sus, quanto ao modo como devem se comportar no mundo. E a seguir encon-
tramos uma série de curas que são protagonizadas, inicialmente, pelo leproso e, 
depois, pelo gentio (o centurião). Posteriormente, o quadro narrativo de Mateus 
é encerrado com evocações proféticas e referência ao Juízo.
© Evangelhos Sinóticos160
Klaus Berger, professor de Exegese do Novo Testamento em Heidelberg, afirma 
que no processo de interpretação do sermão deve-se considerar que tanto intro-
dução quanto conclusão são de natureza protréptica (Como protréptikós logos 
designa-se um escrito propagandístico que pretende em primeiro lugar, conquis-
tar adeptos para determinada disciplina (...). Isso se faz mostrando as vantagens 
de tal caminho e comparando-o com outros. De acordo com isso, chamamos de 
admonição protréptica todo texto que adota como tema a escolha fundamental 
do caminho cristão. (BERGER, Klaus. As formas literárias do Novo Testamen-
to. Tradução Fredericus Antonius Stein. São Paulo: Loyola, 1998. p.199), o que 
condiciona o gênero de toda a composição. Mais adiante, ele esclarece que a 
estrutura da narrativa mateana propõe que as palavras dirigidas aos "justos" de-
vem ser aplicadas "aos de fora", isto é, àqueles que não são de origem judaica. 
Assim, o que se exigia internamente para o relacionamento mútuo e de fraterni-
dade deve se estender aos outros e, nisto se justifica o dom salvífico: "a idéia de 
que Israel era a causa de salvação para os demais povos" (Idem, Ibdem. p.121).
No caso específico do bloco 5-7, o objetivo seria "conquistar fundamental e defi-
nitivamente o ouvinte para o caminho que deve enveredar" (Idem, Ibdem. p.67), 
pois com essa decisão o indivíduo estaria sujeito a conquista de um ganho me-
lhor. Com isso, estabelece-se uma relação de promessa e expectativa para o 
futuro que retoma o tema escatológico e remonta à tradição apocalíptica judaica. 
Para a visualização dessa perspectiva, propomos a seguir uma estrutura geral 
para o material mateano.
Proposta de Estrutura para Mateus
Genealogia e infância de Jesus – cap 1-3
Embate entre Jesus e Satanás no deserto – cap 4
III. Sermão do Monte – cap 5-7
IV. Ensinos e curas de Jesus – cap 8-9
Orientações aos discípulos – cap 10-12
Parábolas – cap 13
Milagres e novas curas – cap 14-15
Jesus ensina os discípulos, desenvolve seu ministério, polemiza com lideranças 
religiosas – cap 16-23:12
Os "ais" e o lamento – 23:13-39
Discurso escatológico – cap 24:1-31
Parábolas sobre o fim – cap 24:32-51—25:30
O Juízo – cap 25:31-46
Acontecimentos finais da vida de Jesus – cap 26-28
Conforme a estrutura esboçada acima, destacam-se cinco eixos que denomina-
mos: (1) Inícios, (2) Preparação, (3) Ministério público, (4) Profecia e (5) Esca-
tologia.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Claretiano - Centro Universitário
161© U5- Evangelho de Mateus
10. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu 
desempenho no estudo desta unidade:
1) O que dizem os comentaristas em relação à autoria do Evangelho de Mateus 
e em que medida esse debate coopera para a compreensão da relação da 
escrita do evangelho com as primeiras comunidades cristãs?
2) Qual a relação do Evangelho de Mateus com o contexto histórico, político e 
cultural próximo? 
3) Quais evidências na escrita do Evangelho de Mateus contribuem para sua 
classificação anti-semítica e quais evidências dizem o contrário, isto é, que 
a autoria de Mateus era judaica e voltada para a transmissão do evangelho 
de Jesus de Nazaré?
11. CONSIDERAÇÕES 
Compreendemos, nesta unidade, que o Evangelho de Ma-
teus teve lugar na Antioquia da Síria ou região próxima, espaço 
geográfico que favoreceu efetivas trocas políticas e culturais entre 
judeus e outras etnias dominadas pelo Império Romano. 
Disso, decorreu a multiplicidade do grupo de Mateus consti-
tuído de judeus, judeus helenizados e gentios que traziam consigo 
diferentes expectativas acerca da salvação e do reino dos Céus. A 
autoria, portanto, procurou nos interstícios da redação responder 
positivamente às questões dos judeus que se aproximavam dos 
ensinos de Jesus, mas também dos judeus helenizados que ade-
riam ao movimento do nazareno e dos estrangeiros que demons-
travam simpatia pela fé e princípios cristãos. Isso implica que no 
âmbito literário, Mateus empregou recursos retóricos amplamen-
te difundidos pela cultura helênica como forma de causar identi-
ficação com esse grupo que se aproximava dos ensinos de Jesus.
Paralelamente ao crescimento da comunidade, também as 
críticas feitas pelos adversários do grupo de Mateus se eviden-
ciavam justamente em função da adesão de estrangeiros a essa 
comunidade. Dentre as controvérsias promulgadas, acusavam a 
© Evangelhos Sinóticos162
comunidade cristã de Antioquia de desrespeitar importantes pre-
ceitos da Lei relacionados aos rituais de pureza, ao Sabbath, à ali-
mentação e a outros costumes. Por conseguinte, ela não poderia 
ser de tradição judaica. Por outro lado, a audiência mateana de-
clarava fé numa única divindade, portanto, não poderia ser de tra-
dição grega ou romana. Embora respeitasse os ditames de Roma, 
não se submetia completamente ao padrão helênico, pois guarda-
va a Tora interpretada por Jesus. 
Essa inadequação explicitada principalmente no conflito de 
interpretações da autoria mateana com as lideranças religiosas 
judaicas, que se autodenominavam guardiões da Lei, favoreceu a 
redação autônoma e criativa deste Evangelho.
Trata-se, portanto, de uma rica construção literária que as-
simila elementos externos (dimensões históricas e sociais) e in-
ternos (psicológicos, religiosos e linguísticos) à estrutura do texto, 
algumas vezes de forma consciente e, outras vezes, de maneira 
inconsciente. Entretanto, laboriosamente arquitetadas. 
A incorporação de expectativas do grupo, do meio social, da 
cultura, das técnicas retóricas e de outros intertextos que perpas-sam a redação mateana, revelam que o perfil psicológico da auto-
ria não poderia ser constituído predominantemente de influências 
judaicas ou inserções helênicas apenas. 
Também vimos que o Evangelho de Mateus é uma narrati-
va que reclama para si caráter fundante e normativo. Assim, pre-
tende ser história de fundação das origens cristãs e documento 
ordenador com orientações para a conduta religiosa e social dos 
cristãos reunidos em torno desse Evangelho.
12. E-REFERÊNCIAS
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Acesso em: 15 nov. 2011.
Claretiano - Centro Universitário
163© U5- Evangelho de Mateus
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In: Oracula 3/ 5 (2007): 141-155. Disponível em: <http://www.oracula.com.br>. Acesso 
em: 15 nov. 2011.
13. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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EA
D
6
Evangelho de Lucas
1. OBJETIVOS
• Conhecer um breve panorama a respeito do Evangelho 
de Lucas.
• Analisar a conjuntura histórica e alguns dados sobre a re-
dação do Evangelho, autoria, lugar de origem e datação.
• Identificar campos semânticos do Evangelho e relacioná-
-los à conjuntura histórica.
• Destacar as influências sobre a redação.
2. CONTEÚDOS
• Fragmentos da história. 
• Estágios da escrita do Evangelho.
• Temas literários e discussões sobre Lucas.
• Memórias da tradição judaica em Lucas.
• Propostas de estrutura para Lucas.
© Evangelhos Sinóticos166
3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE
Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que 
você leia as orientações a seguir:
1) Tenha à disposição para consulta uma Bíblia. Se possível 
tenha mais de uma versão, a fim de conferir as diferen-
ças na tradução.
2) Leia atentamente a unidade e conceda atenção às refe-
rências bibliográficas indicadas. A leitura de tais indica-
ções tem por finalidade complementar as informações 
apresentadas nesta unidade e oferecer oportunidade de 
ampliar seus conhecimentos por meio de instrumental 
teórico sofisticado. 
3) Faça a leitura desta unidade quantas vezes forem possí-
veis e procure identificar a proximidade deste material 
com o Evangelho de Mateus e a dependência em relação 
ao Evangelho de Marcos.
4) Busque o auxílio de comentaristas e de dicionários, mas 
não antes sem efetuar sua leitura do Evangelho de Lucas 
e elaborar suas impressões iniciais.
5) MARCION (85-160 d.C.) foi uma figura principal entre 
os hereges gnósticos. Dele diz-se que é uma das figuras 
mais influentes na História da Igreja e um dos hereges 
mais combatidos de todos os tempos. Para saber mais, 
acesse o site disponível em: <http://www.presbiteros.
com.br/historiadaigreja/osapocrifos.htm>. Acesso em: 
15 nov. 2011.
4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Na Unidade 5, procuramos entender a conjuntura histórica e 
alguns dados sobre a redação, autoria, lugar de origem e datação 
do Evangelho de Mateus. Identificamos os principais temas foca-
dos pelo redator e enumeramos na sua redação.
Nesta última unidade, estudaremos o Evangelho de Lucas. 
Trata-se de um evangelho peculiar, tendo em vista a elegância do 
Claretiano - Centro Universitário
167© U6- Evangelho de Lucas
grego e a cuidadosa redação do texto. Essa redação denuncia que 
o autor teve mais tempo que os outros para dedicar-se à escrita, 
em função da clareza na apresentação dos assuntos.
Costumeiramente, esse Evangelho tem sido atribuído a um 
médico que teria acompanhado Paulo em algumas viagens. Esse 
argumento é sustentado pela tradição e amparado pela interpre-
tação de textos que indicariam a capacidade do redator em "diag-
nosticar" mais precisamente algumas situações (Lc 4,38/Mc 1,30; 
Lc 5,12/Mc 1,40; Lc 6,6/Mc 3,1; Lc 22,50/Mc 14,47).
Essa e outras questões não estão completamente resolvidas 
pelos pesquisadores. Nesta unidade, vamos discuti-las e apresen-
tar brevemente alguns temas tratados pelo redatorde Lucas, os 
quais nos fornecerão "pistas" para construirmos nossa perspecti-
va acerca desse importante Evangelho. Começaremos por alguns 
fragmentos de documentos referentes a esse Evangelho e, em se-
guida, faremos uma abordagem a partir da perspectiva da Crítica 
Literária.
Geralmente, os estudos de evangelhos apresentam uma es-
trutura geral para o texto, a fim de subsidiar a leitura do texto. 
Aqui, optamos por apresentar algumas estruturas para leitura do 
Evangelho de Lucas apenas ao final da unidade como sugestão, a 
fim de que todos possamos elaborar nossas próprias estruturas de 
compreensão. 
Sabemos que esta apresentação não contempla toda a diver-
sidade de abordagens sobre o Evangelho de Lucas, tampouco che-
ga a tratar de todos os temas que o redator elenca em seu texto. 
Por isso, elaboramos uma bibliografia que pode subsidiar o apro-
fundamento de seus estudos.
Vamos começar?
© Evangelhos Sinóticos168
5. FRAGMENTOS DE HISTÓRIA. TESTEMUNHOS SO-
BRE LUCAS 
A existência do Evangelho de Lucas e de sua formulação já 
no fim do século 1º EC é atestada em alguns documentos que nos 
servem à investigação desse Evangelho. Vejamos alguns deles:
Fragmento Muratoriano –––––––––––––––––––––––––––––––
"Terceiro livro do Evangelho segundo Lucas. Este Lucas, um médico, tendo sido 
tomado, depois da Ascensão de Cristo, por Paulo como seu companheiro quase 
como um advogado (um perito) escreveu-o em seu nome (por sua ordem). Con-
tudo ele não viu o Senhor na carne e, quando pôde, começou a sua narração 
pelo nascimento de João".
Ireneu, Bispo de Lião (morreu por volta do ano 200) 
"Tambem Lucas, seguidor de Paulo, compôs um livro, o evangelho pregado por 
aquele" (Adv. Haer. III, 1,1; veja-se III, 14, 1; III, 15, 1). 
No prólogo anitimarcionista ao Evangelho de Lucas, composto no século 
2o EC: 
"Lucas, sírio de Antioquia, médico de profissão, discípulo dos Apóstolos, mais 
tarde seguidor de Paulo até à confissão (martírio) dele, servindo Deus sem delito. 
Não teve mulher, nem filhos, aos 74 (84?) morreu na Bitínia (Beócia?) cheio do 
Espírito Santo. Este, tendo já sido escritos os evangelhos de Mateus na Judéia 
e de Marcos na Itália, por impulso do Espírito Santo na Aceia (Grécia) escreveu 
este evangelho, dizendo ao princípio que já tinham sido escritos os outros (Evan-
gelhos)". 
Eusébio (em História eclesiástica III, 4, 6): 
"Lucas, que era por descendência de Antioquia e por arte médico, ficou unido 
durante mais tempo a Paulo, também tratou não incidentalmente com os outros 
apóstolos. Da ciência de curar as almas que tinha aprendido destes, deixou-nos 
a prova em dois livros divinamente inspirados: o Evangelho, que ele afirma ter 
composto segundo as coisas que lhe transmitiram aqueles que desde o princípio 
foram testemunhas oculares e ministros da palavra, e às quais diz ter seguido 
quase desde o princípio; e (em segundo lugar) escreveu os Atos dos Apóstolos 
que ele coordenou por informação não já ouvida, mas vista". 
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Essas quatro ocorrências evidenciam que o Evangelho de Lu-
cas foi escrito por ele próprio. Era médico, natural de Antioquia 
e seguidor de Paulo, portanto, não fora testemunha ocular dos 
acontecimentos relacionados à vida e ministério de Jesus. Ele não 
Claretiano - Centro Universitário
169© U6- Evangelho de Lucas
era hebreu e recebeu influência de Paulo, na teologia e na versão, 
mas teria recorrido a outros que tiveram oportunidade de acom-
panhar a Jesus. 
Em razão desse recurso, da seleção de relatos orais de outras 
testemunhas, explica-se a inserção de três trechos próprios de Lu-
cas que diferem do esquema de Marcos, seguido na maior parte 
desse Evangelho. Dos 1149 versos, 541 são atribuídos ao redator 
de Lucas e isso também se deve ao hiato entre a morte de Jesus e 
a redação de seu Evangelho.
(...) passaram-se cerca de 50 anos entre a morte de Jesus e o relato 
lucano. Nesses cinquenta anos mudaram as circunstâncias históri-
cas (ocorreu a primeira parte das "guerras judaicas", o Templo e a 
cidade de Jerusalém, foram destruídos, o cristianismo se dispersou 
e "gentilizou"), que fazem com que o relato dos fatos sofra dife-
rente mediações. O autor do evangelho provavelmente provém da 
gentilidade, ao passo que a maior parte dos atores do drama evan-
gélico são israelitas e se movem dentro do mundo israelita, sem 
desconhecer o espaço decisivo "gentio" que significa a presença de 
Pilatos e o pano de fundo imperial romano. Isto também influi no 
relato. As expressões orais das testemunhas diretas serão também 
distintas do ordenamento seletivo que nos propõe o terceiro evan-
gelho (MÍGUEZ, 2003, n. p.). 
O redator de Lucas "ordena" sua narrativa a partir dos tes-
temunhos, mas não prescinde dos materiais de Marcos e Q, dos 
quais depende, mas utiliza com certa autonomia. Dada a conjun-
tura histórica, a ordem do redator. 
É uma ordem que responde a uma concepção teológica elaborada, 
já na terceira geração cristã, por uma igreja que se diferencia, até 
polemicamente, de sua origem judaica e que necessita elaborar 
pontos de contato com o entorno do mundo político no qual vive 
(MÍGUEZ, 2003, p. 142). 
Por isso, ao tocar em assuntos referentes à cidade de Jeru-
salém, ao Templo e à classe sacerdotal, por exemplo, detalham 
as cenas e as práticas, denunciando que essa classe agia em con-
junto com os governantes de Roma, detentores do poder político 
e econômico. Descrições pormenorizadas que deve ter servido, 
também, à parte da audiência que não tinha familiaridade com as 
memórias judaicas.
© Evangelhos Sinóticos170
De fato, dos Sinóticos, Lucas parece ser o evangelho cons-
truído com maior zelo, envolvendo tradições orais, testemunhos 
e pesquisa do autor. Isso indica que de um lado, a distância dos 
tempos de atuação de Jesus em relação ao contexto de redação 
favoreceu a criatividade do redator possibilitando a aproximação 
da sua conjuntura histórica e de uma audiência "gentilizada". De 
outro, o Evangelho em si reúne não apenas traços de uma cultura 
"urbanizada", mas também indícios da tradição judaica, cuidado-
samente elencados pelo autor, visto que os registros tratavam da 
história, da tradição e de conteúdos relacionados a Jesus de Naza-
ré, que era um judeu.
Isso é o que verificaremos no decorrer desta unidade.
6. ESTÁGIOS DA ESCRITA DO EVANGELHO E AUTORIA
No prólogo do Evangelho de Lucas (1,1-4), encontramos o 
método que o autor utilizou para escrever sua obra. Como expos-
to, sua pesquisa valeu-se de três fontes:
• várias narrativas compostas antes dele, v. 1: "Visto que 
muitos já tentaram compor uma narrativa dos fatos que 
se cumpriram entre nós";
• informações recolhidas junto às testemunhas oculares, v. 
2: "conforme no-los transmitiram os que, desde o princí-
pio, foram testemunhas oculares e ministros da Palavra";
• tradição oral das pregações apostólicas, v. 3: "a mim tam-
bém pareceu conveniente, após acurada investigação de 
tudo desde o princípio, escrever-te de modo ordenado, 
ilustre Teófilo, 4 para que verifiques a solidez dos ensina-
mentos que recebeste".
Podemos relacionar os três estágios desenvolvidos pelo re-
dator para compor seu texto, com as três críticas modernas usadas 
para a investigação das origens dos Evangelhos:
Claretiano - Centro Universitário
171© U6- Evangelho de Lucas
• Crítica da Fonte – investiga quais materiais podem ter 
sido usados para a composição de um texto.
• Crítica da Forma – examina os gêneros e as formas literá-
rias presentes na composição.
• Crítica da Redação – busca identificar o estilo de composi-
ção do texto, a escrita, as relações e os processos envolvi-
dos na composição que denotam os contatos do redator, 
sua teologia e preocupações.
O prólogo de Lucas informa-nos que o redator teve, à dis-
posição, mais materiais que os demais evangelistas. Quase meta-
de de seu evangelho consiste de material peculiar a Lucas (BOR-
NKAMM, 1981). O que indiretamente indica que a produção desse 
Evangelhofoi tardia em relação a Marcos e Mateus.
É bem possível que Lucas tenha escrito uma só obra que de-
pois se separaria em Evangelho e Atos dos Apóstolos. Ler a obra 
como um conjunto é uma chave interpretativa fundamental. O pró-
logo histórico e teológico em Lc 1,1–4,13 seria um prólogo a toda a 
obra lucana (Lc e At). Lucas 24,50-53 e At 1,1-5 seriam acréscimos 
posteriores, quando os dois livros foram separados. Não sabemos 
quando as duas obras se separaram, mas muito possivelmente 
quando os 4 evangelhos formaram uma unidade na formação do 
cânon do NT (final do século 2º). Os dois acréscimos dão testemu-
nho de como a obra de Lucas era reinterpretada posteriormente 
(RICHARD, 2003).
O início do Evangelho identifica seu propósito: colocar Te-
ófilo a par das informações possíveis sobre a vida de Jesus Cris-
to, "de modo ordenado". Teófilo, "amigo de Deus" é personagem 
desconhecido. O Evangelho de Lucas foi escrito para o "ilustre Te-
ófilo" – aquele que ama a Deus –, que seria o mecenas de Lucas, 
financiador dos custos do livro. Contudo, o escrito não se destina 
apenas a ele. A julgar pelo pronome de tratamento empregado 
pelo evangelista, talvez se tratasse de alguém com cargo político 
no governo romano. Entretanto, a narrativa foi destinada a um 
© Evangelhos Sinóticos172
grupo amplo de pessoas, talvez de maioria gentílica, recém con-
vertidos ao cristianismo. Esses seriam motivos significativos para 
na narrativa de Lucas constar explicações históricas sobre Jesus e 
explicações sobre a salvação.
Todavia, o destinatário do terceiro Evangelho também é cita-
do no prólogo do livro de Atos dos Apóstolos, que como dissemos 
pode ter sido produzido pelo mesmo redator.
Entretanto, esse não seria o único sujeito do prólogo. Have-
ria pelo menos cinco, segundo Pablo Richard (2003):
1) O Jesus Histórico (de antes do ano 30 EC).
2) As testemunhas oculares e ministros da palavra.
3) Muitos que tentaram compor suas narrativas a esse res-
peito.
4) O próprio Lucas (provavelmente entre os anos 70 e 90 
EC) após "acurada investigação".
5) Por fim, Teófilo – o receptor desse Evangelho.
Apesar do grego koinê, reconhecido como grego popular 
que reunia à língua grega expressões semíticas e era falado prin-
cipalmente pelos judeus helenizados, o estilo literário do redator 
é considerado muito elaborado. Trata-se da obra literária de um 
"cronista" (CULLMANN, s. d p. 34)..
 Lucas usou "com domínio magistral e suave delicadeza" o 
estilo clássico (demonstrado pelo prólogo), passando por tons 
hebraicos no relato da infância de Jesus (1,5–2,52) e claramente 
inspirando-se na forma literária da Septuaginta no restante do 
seu Evangelho. Em sua escrita percebe-se que o redator evitou o 
uso de semitismos, os quais encontramos em outros evangelhos 
(STUHMUELLER apud BROWN; FITZMYER; MURPHY, 1972. p. 297). 
O grego de Lucas é elegante. Apresenta frases construídas 
artificialmente, mas tem clareza na escrita, além de rico vocabulá-
rio composto por 373 palavras que somente são encontradas em 
seu Evangelho. De Marcos herdou o conteúdo de algumas passa-
gens, mas eliminou sua escrita rude e descuidada. 
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173© U6- Evangelho de Lucas
Alguns estudiosos afirmam que os temas campesinos típi-
cos dos outros evangelhos foram "urbanizados" pelo redator, pois 
teria descrito acontecimentos da Palestina, a partir de uma locali-
dade ocidental.
O prólogo teológico é totalmente redacional e histórico ao mesmo 
tempo. Reconhecemos que o texto é criação teológica própria de 
Lucas, mas, simultaneamente, é um texto que recolhe a tradição 
histórica e a teologia própria dos ambientes e personagens que 
aqui aparecem. 
Sobre o lugar de origem e a datação
Embora o lugar da redação seja uma questão não definida, 
Cesareia, Acaia, a Decápole, a Ásia Menor e (com mais frequência) 
Roma têm sido apontados como lugares prováveis para a redação 
desse Evangelho. O que gera algum consenso é que o texto foi pro-
duzido fora da Palestina entre os anos 70 e 90 EC (KÜMMEL, 1982).
O redator de Lucas quer informar. Ele dirigiu seu texto às co-
munidades e aos grupos que se formaram em torno das tradições 
sobre Jesus e João Batista, que necessitavam ter conhecimento a 
respeito do que ocorreu "desde a origem". 
A acurada investigação pontua o período histórico: "... nos 
dias de Herodes..." (1,5), o Grande rei da Judeia que governou de 
37 a 4 aEC e do imperador César Augusto (2,1), que governou en-
tre 31 aEC a 14 EC.
Essas comunidades estavam espalhadas pelo Império Roma-
no, mas possuíam origem religiosa na Judeia, por isso, ele destaca 
a João Batista e a Jesus, pois suas tradições repercutiam de modo 
fértil nessa região. Eles se situaram nas redondezas da Judeia e, pos-
teriormente, o movimento de Jesus espalhou-se pela "oikumenê".
Segundo a Tradição, o Lucas médico de Cl 4,14 pode ter 
sido o mesmo redator do Evangelho. Quanto a essa ligação, não 
há consenso entre os pesquisadores, mas, dessa ligação, muitos 
© Evangelhos Sinóticos174
concluem que seria essa a razão da importância que o Evangelho 
atribui ao ser humano. Outra conclusão decorrente dessa afirma-
ção é que a ênfase em uma linguagem lógica, ordenada, típica de 
Lucas, levantada pelo crítico inglês Hobart em 1880, é sinal de uma 
sofisticação que os outros autores bíblicos não tiveram. 
Sobre os temas abordados no evangelho
O fato é que o redator desse Evangelho discorreu atenciosa-
mente a respeito do problema dos marginalizados, dos pobres e 
dos sofredores. Por essa razão, é considerado por muitos o "Evan-
gelho dos pobres" (STUHMUELLER, 1972, p. 300). 
Por isso, mais do que em Marcos e Mateus, em Lucas encon-
tra-se a perspectiva de uma "história da salvação". Uma "história 
da salvação" proclamada por pregadores também mendicantes (Lc 
10,1-12). 
Além de referências à pobreza em tom crítico, o Evangelho 
de Lucas também cuida de discorrer sobre as mulheres, todavia, 
de uma perspectiva que algumas pesquisadoras têm questionado 
quanto às intenções. Diz-se a esse respeito que a redação lucana 
prima pelo "controle" e pela "invisibilização" das mulheres, apesar 
da abundância de citações. 
A ocorrência de 8,1-3 coloca "algumas mulheres" ao lado 
dos Doze. Elas são lembradas por terem sido curadas de espíritos 
maus, de enfermidades e terem se dedicado a Jesus com suas vi-
das e bens. Entre as tais, cujo número exato não se sabe, constam 
Maria Madalena, Joana e Susana. Em geral, as mulheres aparecem 
em sincronia com a figura de homens, como pares (RAMOS, 2003). 
Assim, como outros temas, a escrita de Lucas denuncia algo 
típico do mundo antigo, que era a estrutura de pensamento an-
drocêntrica, isto é, cujo centro se constituía da prevalência do ho-
mem sobre a mulher. 
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175© U6- Evangelho de Lucas
O que é natural, visto que esse Evangelho, entendido como 
fonte do período antigo, somente poderia projetar a estrutura so-
cial da época, que era patriarcal. O que não justifica uma leitura 
patriarcal na modernidade, mas nos mobiliza a estudar com aten-
ção a conjuntura história a partir da qual emergiu esse Evangelho, 
marcado pela sua época.
Em seguida, faremos breve panorama sobre alguns temas de 
Lucas, a partir das discussões que têm sido desenvolvidas sobre 
esse Evangelho.
7. TEMAS LITERÁRIOS E DISCUSSÕES SOBRE LUCAS
No Documento de Jerusalém (9,51–19,48) Lucas construiu sua 
cristologia: o pleno significado de Jesus como Salvador do mun-
do (STUHMUELLER, 1972, p. 364). Lucas distanciou-se de Marcos 
como fonte (na maior parte desse documento, ou seja, 9,51–18,14) 
e registrou materiais de Q e de suas próprias fontes. Para ilustrar 
esse ponto, tomaremos a perícope Lc 10,17-20 como paradigma 
para análise e apresentação. 
Lucas 10,17-20 consta nos Papiros mais antigos: o P75 (cerca de 3 
EC) – Papyrus Bodmer XIV (Geneva) e o P45 (3 EC) – Chester Beatty 
Papyrus (Dublin) (FITZMYER, 1979, p. 129) 
O trecho de Lucas 10,17-20 e as passagens de Marcos 3,22-27 e Lc 13,10-17 registram a atividade exorcista de Jesus. Tema 
sobre o qual Mateus, por exemplo, não se debruça. Segundo Cruz 
(1999) "estes textos refletem o conceito proto-cristão dos exorcis-
mos". 
Com efeito, a continuidade entre Lucas e Atos poderia se 
justificar já que o tema exorcismo também aparece no livro de 
Atos dos Apóstolos, onde encontramos algumas passagens inte-
ressantes sobre os exorcismos praticados pelos discípulos, que 
conferem com aqueles registrados nos Evangelhos Sinóticos, em 
especial Atos 16,16ss e 19,13ss que apresentam paralelos formais, 
tais como:
© Evangelhos Sinóticos176
• Atos 16,16ss registra o episódio do exorcismo praticado 
por Paulo em Filipos. Nessa ocasião, o apóstolo expulsa 
um demônio de uma jovem possuída por um espírito de 
adivinhação. Paulo manda o espírito sair da moça "em 
nome de Jesus" e o demônio o obedece imediatamente.
• Atos 19,13ss relata a tentativa frustrada de exorcistas pro-
fissionais judeus em usar o nome de Jesus na expulsão de 
um demônio. Os "filhos de Ceva" falharam porque usa-
ram o nome de Jesus como um encantamento mágico. 
A ação desses exorcistas profissionais judeus lembra que o 
judaísmo rabínico dos tempos de Jesus havia abandonado a de-
monologia do Antigo Testamento. Entretanto, a literatura rabínica 
revela instruções sobre exorcismos que tratavam desde o contato 
ou comunicação com os demônios até fórmulas ou rituais de exor-
cismo. 
Portanto, essa prática não deveria ser incomum. A admira-
ção dos discípulos: "... até os demônios se submetem a nós, em 
teu nome..." (Lc 10,17) indica o espanto causado pela descoberta 
do poder de expulsar demônios com base na autoridade do nome 
de Jesus, o que pode ser considerado uma nova fórmula secreta, 
diferente das ensinadas pela literatura rabínica.
Embora a expulsão em nome de Jesus aparente ser uma des-
coberta, pelo menos para os discípulos, o exorcismo não era prá-
tica desconhecida como se observa nos Papiros Mágicos Gregos 
(PMG). Os papiros correspondem a manuscritos que descrevem, 
entre outras coisas, exorcismos, simpatias, oráculos, orações e en-
cantamentos mágicos para proteção contra demônios. Eles cons-
tituíam fontes do período antigo que nos dão conta de práticas 
mágicas de gregos que em alguns pontos se assemelham com prá-
ticas judaicas.
Gregos de língua, mas egípcios de origem, os PMG constituem-se 
como uma das fontes mais interessantes para a compreensão do 
antigo mundo cultural mediterrâneo, não somente no seu lado re-
ligioso. 
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177© U6- Evangelho de Lucas
(...) Mais concretamente os textos, datados entre o II século AC e o 
V século dC, são uma série de fórmulas, rituais e mágicas, e cons-
tituem um testemunho extremamente precioso do cotidiano da 
religião mágica helenística. 
(...) A antigüidade conhece a existência de um grande número de 
livros mágicos. Testemunha disso são as freqüentes queimas de li-
vros: é o caso, por exemplo, da fogueira de livros mágicos em Éfeso, 
relatada pelos Atos dos Apóstolos (19,19) (...) ( CORNELLI, 2000, n. 
p. ).
Existem algumas características dos PMG, no que diz respei-
to aos exorcismos:
1) Invocação: pedido de assistência a um poder/autoridade 
(um deus ou herói mitológico).
2) Identificação: do poder/autoridade que tem poder so-
bre o demônio.
3) Ordem: a expressão mais comum é do tipo: "eu te es-
conjuro por..." Então, o exorcista expulsa o demônio em 
nome de um deus, ou chama um deus para fazê-lo.
4) Proteção: o demônio é mandado para longe, de tal ma-
neira que não volte mais a causar problemas.
O interessante nos PMG é que projetam certa conjuntura 
histórica em que práticas mágicas eram compartilhadas, com algu-
mas diferenças, por tradições egípcias, gregas, semíticas e cristãs. 
Os paralelos podem ser notados na invocação de nomes de divin-
dades e anjos, dentre os quais os nomes judaicos. Em PMG X:36-
50, na Simpatia de Apolo, por exemplo, desenhos e palavras má-
gicas incluem nomes de anjos judaicos: Michael, Rafael e Gabriel. 
Além deles, em outros estratos, Moisés e Salomão foram invoca-
dos denunciando as influências marcantes das tradições judaico-
-cristãs (CORNELLI, 2000).
Decorre desse conjunto imagético e cultural, que a redação 
de Lucas e o fato de ter registrado exorcismos em seu relato de-
nota contato e conhecimento da cultura grega, de sua religião e 
de como era o ambiente histórico-social no qual as comunidades 
cristãs estavam inseridas e para as quais o redator se dirigia. Essa 
© Evangelhos Sinóticos178
não seria uma peculiaridade do redator de Lucas, visto que em 
outras literaturas de matriz judaica, essas práticas também foram 
relatadas.
Na literatura chamada "pseudoepigráfica" (séculos 3 aEC a 2 
EC), encontram-se alguns ensinos sobre demonologia e prática de 
exorcismos (cf. 1 Enoque 6-16), conhecidos inclusive por autores 
do Novo Testamento (Jd 6; 2 Pd 2,4). Também nessa literatura a 
característica de nomear demônios está presente: Semiaz, Azazel, 
Mastema e Belzebu (Lc 11,18) são nomes de líderes dos demônios 
que se conhece a partir desses textos, como também em Lucas.
Em Lucas 10,17-20, encontramos como líder dos demônios 
Satanás, nome usado por Marcos (1,13; 3,23,26; 4,15; 8,36), Lucas 
(10,18; 11,18; 13,16; 22,3; 22,31) e Mateus (4,10; 12,26; 16,23). 
Entende-se que os meios usados para a expulsão de demônios 
eram semelhantes às fórmulas usadas pelos judeus profissionais, 
pelos PMG e em outras fontes do período, mas somente em Ma-
teus e Lucas fala-se de Jesus efetuando exorcismos, em especial, 
em Lucas, já que Mateus primeiramente usa o termo "cura" (Qua-
dro 1).
Quadro 1 Referências sinóticas (Mt 12 e Lc 11).
MATEUS 12 LUCAS 11
22 Então trouxeram-lhe um 
endemoninhado cego e mudo, e ele o 
curou, de modo que o mudo podia falar 
e ver.
23 Toda a multidão ficou espantada e 
pôs-se a dizer: "Não será este o Filho 
de Davi?" Mas os fariseus, ouvindo isso, 
disseram: 
"Ele expulsa demônios, senão por 
Beelzebu, príncipe dos demônios".
14 Ele expulsava um demônio que era 
mudo. Ora, quando o demônio saiu, 
o mudo falou e as multidões ficaram 
admiradas.
15 Alguns dentre eles, porém, disseram: 
"É por Beelzebu, o príncipe dos 
demônios, que ele expulsa os demônios".
16 [Outros, para pô-lo a prova, pediam-lhe 
um sinal vindo do céu.] (Cf. Mc 8:11)
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179© U6- Evangelho de Lucas
MATEUS 12 LUCAS 11
25 Conhecendo seus pensamentos, Jesus 
lhes disse: "Todo reino dividido contra 
si mesmo acaba em ruína e nenhuma 
cidade ou casa dividida contra si mesma 
poderá subsistir.
26 Ora, se Satanás expulsa a Satanás, está 
dividido contra si mesmo. Como, então, 
poderá subsistir seu reinado?
27 Seu eu expulso os demônios por 
Beelzebu, por quem os expulsam os 
vossos adeptos? Por isso, eles mesmos 
serão os vossos juízes.
28 Mas se é pelo Espírito de Deus que eu 
expulso os demônios, então o Reino de 
Deus já chegou a vós.
17 Ele, porém, conhecendo-lhes os 
pensamentos, disse: "Todo reino dividido 
contra si mesmo acaba em ruínas e uma 
casa cai sobre a outra.
18 Ora, até mesmo Satanás, se estiver 
dividido contra si mesmo, como 
subsistirá seu reinado?... Vós dizeis que é 
por Beelzebu que eu expulso demônios; 
19 ora, se é por Beelzebu que eu expulso 
os demônios, por quem os expulsam 
vossos filhos? Assim, eles mesmos serão 
os vossos juízes.
20 Contudo, se é pelo dedo de Deus que 
eu expulso os demônios, então o Reino 
de Deus já chegou a vós.
Entre as duas narrativas ocorrem pequenas variações que 
sinalizam principalmente a diferença nos estilos de escrita dos re-
datores. Vejamos no Quadro 2:
© Evangelhos Sinóticos180
Quadro 2 Variações de narrativas em Mateus e Lucas.
MATEUS LUCAS
• Fala de um endemoninhado que era 
cego e surdo.
• Fala que o endemoninhado foi curado.
• A multidão se espanta. Perguntam se 
Jesus era o Filho de Deus. E os fariseus 
respondem:
• "Ele expulsa demônios, senão por 
Beelzebu, príncipe dos demônios".
• Jesus conheceos pensamentos dos 
presentes e os responde (vv. 25, 26, 
27) falando sobre o reino dividido.
• Jesus pergunta: "Seu eu expulso os 
demônios por Beelzebu, por quem os 
expulsam os vossos adeptos? Por isso, 
eles mesmos serão os vossos juízes".
• Jesus afirma expulsar pelo "Espírito de 
Deus" e insere a realização do "Reino 
de Deus" já.
• Fala de um demônio que era apenas 
mudo.
• Fala que o demônio foi expulso.
• As multidões se admiram. Alguns 
dentre eles (não se refere a fariseus), 
dizem:
• "É por Beelzebu, o príncipe dos 
demônios, que ele expulsa os 
demônios".
• Jesus conhece os pensamentos dos 
presentes e os responde (vv. 18-19) 
falando sobre o reino dividido.
• Jesus pergunta: "se é por Beelzebu que 
eu expulso os demônios, por quem os 
expulsam vossos filhos? Assim, eles 
mesmos serão os vossos juízes".
• Jesus afirma expulsar pelo "dedo de 
Deus" (poder) e insere a realização do 
"Reino de Deus" já.
Enquanto Mateus se preocupa em salientar a "cura" e indi-
car a controvérsia com fariseus, a quem critica ao longo de todo 
seu Evangelho, inclusive usando o termo "adeptos" para referir-se 
à adesão ao partido farisaico, Lucas, diferentemente, fala de "ex-
pulsão" desde o princípio, não se refere aos fariseus e usa o termo 
"filhos". 
Além disso, o primeiro fala do "Espírito Santo", enquanto o 
segundo fala do "dedo de Deus". Além disso, Lucas destaca-se ao 
longo de sua narrativa pelo uso das palavras "povo" e "multidão" 
(laos e ochlos) que usa 31 vezes, contra duas vezes de Marcos e 
onze de Mateus. 
Esse uso, no entanto, é impreciso; às vezes, refere-se a um 
conjunto de habitantes humilde de algum lugar (nos primeiros 13 ca-
pítulos), outras, em oposição aos governantes (por exemplo: 20,21; 
22,2). Assim, nem sempre está se referindo aos mesmos atores.
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181© U6- Evangelho de Lucas
A partir dessa relação, podemos reconhecer na escrita de Lu-
cas uma linguagem mais universalista? Isto é, menos preocupada 
com matérias de interesse exclusivo judaico?
Em primeiro lugar, um caminho para responder essa questão 
é primeiro observar que o termo "universalista" deve ser enten-
dido à luz do período antigo e não conforme nossa concepção de 
"universal", cunhada na modernidade. 
Afirmar que o redator de Lucas preocupava-se com os grupos 
cristãos emergentes a partir de uma perspectiva universalista é re-
conhecer que o Evangelho estava em franca expansão no Mediter-
râneo antigo. Com isso, chegamos às estruturas de pensamento da 
época que eram partilhadas por diferentes povos e suas culturas 
(egípcios, gregos, romanos e judeus e judeus-cristãos). Nessa con-
juntura, o dualismo era uma estrutura recorrente de pensamento.
Lucas herdara esse dualismo, como observamos em 16,8: 
"(...) pois os filhos deste século são mais prudentes com sua ge-
ração do que os filhos da luz". "Filhos da luz" era a designação 
atribuída aos filhos de Israel (AT), também empregada em Jo 8,12, 
Rm 13,12-13 e 1Ts 5,5, por exemplo. Tal expressão opunha-se à 
expressão "Filhos das trevas", referência àqueles que não eram 
herdeiros ou escolhidos de Israel, os pagãos.
Nos Rolos do Mar Morto (200 aEC – 70 EC), encontramos 
uma cosmologia dualista: "espírito da verdade" e "espírito da mal-
dade" (1 QS 3,17-21), que remontam ao dualismo persa e que che-
garam aos escritos de Qumran. É interessante notar que Lucas faz 
referências a "filhos do mundo", "filhos deste século", "filhos da 
luz", "os da terra" e outras que nos remetem a uma espécie de 
geografia mítica, que divide a Criação entre Céu e Terra. Um es-
quema de classificação que associa o bem ao Céu e o mal à Terra.
Como se sabe, o esforço em classificar a realidade tem a ver 
com o esforço de ordenar, de colocar no lugar coisas que se crêem 
fora do espaço certo. Um ato de exorcismo pode ser entendido 
nessa chave: como prática mágica que visa colocar para fora de 
© Evangelhos Sinóticos182
certo lugar (um corpo), algo (um demônio) que está ocupando um 
espaço que não lhe é próprio.
Ora, aquele que é de "filho da luz" deve ser tomado apenas 
pelo Espírito Santo, isto é, pelo poder de Deus. Aquele que é habi-
tado por outro espírito é filho de outro, que não Deus. Isso verifi-
camos em Lucas 11,24-26 e Mateus 12,43-45 (provável material de 
Q): o espírito impuro habita a casa vazia, a geração má (Mt 12,45).
Embora Lucas não seja uma literatura detalhada quanto aos 
pormenores de um exorcismo, como em Marcos 5,1-20 e 9,20-
29, o redator, discretamente, faz menção de outro tema típico do 
mundo cultural antigo: a batalha entre "os filhos da luz" e os "filhos 
das trevas". O encontro do exorcista e do demônio converte-se em 
luta, cujo campo de batalha é o possesso. A vitória confirma-se na 
expulsão do demônio, o que caracteriza um exorcismo bem suce-
dido (GNILKA, 1986).
Em segundo lugar, o fundo universalista de Lucas pode ser 
atribuído ao fato de escrever para destinatários que estavam para 
além das fronteiras do judaísmo (cf. 2,14; 2,32; 3,6,23-38; 4,25-27; 
9,54; 10,33; 17,16; 24,47), diferente de Mateus (MARTÍNEZ, 1987).
Lucas 10,17-20, por exemplo, é a narrativa do relatório dos 
setenta (e dois) discípulos, depois de cumprirem sua missão de 
proclamar as boas novas do Reino "a todas as cidades e lugares 
para onde ele estava prestes a ir" (Lc 10,1).
Segundo Lucas, a missão dos setenta (e dois) possivelmente 
representava a missão cristã entre gentios. O sucesso dos discí-
pulos sobre os demônios revela o avanço do Reino de Deus pelo 
mundo, o que justifica a visão de Jesus da queda de Satanás: uma 
explícita referência ao texto do Antigo Testamento que discorre 
sobre a queda de um anjo (Is 14,12-15).
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183© U6- Evangelho de Lucas
8. MEMÓRIAS DA TRADIÇÃO JUDAICA EM LUCAS
Em Lc 10,18 (Ele lhes disse: "Eu via Satanás cair do céu como 
um relâmpago!"), Satanás (adversário) é referido nos termos de al-
gumas ocorrências no Antigo Testamento, diante do Trono de Deus 
e agindo como acusador do Israel (Jó 1,6ss; 2,1ss; Zc 3,1ss). 
A queda de Satanás lembrada por Jesus (Is 14,12-15) é uma 
referência ao resultado das pregações que estavam sendo feitas 
desde Corazim e Betsaida. Jesus fala que em Tiro e Sidônia have-
ria julgamento menos fervoroso que em Corazim e Betsaida e que 
Cafarnaum estava fadada a descer até o inferno (10,13-14). Mais 
uma vez, céu e inferno opõem-se. Uma estrutura mítica imemo-
rial. Céu como o lugar de Deus, do bem, e inferno como o lugar 
daqueles que não seguirem a Lei, portanto, do mal, tal como em 
Isaías 14:
12 Como caíste do céu,
ó estrela d'alva, filho da aurora!
Como foste atirado à terra,
vencedor das nações!
13 E, no entanto, dizia no seu coração:
"Hei de subir até o céu,
acima das estrelas de Deus colocarei o meu trono,
estabelecer-me-ei na montanha da Assembléia,
nos confins do norte.
14 Subirei acima das nuvens, 
tornar-me-ei semelhante ao Altíssimo."
15 E, contudo, foste precipitado ao Xeol,
Nas profundezas do abismo.
Jesus anuncia que a derrota de Satanás será rápida como foi 
sua queda. Trata-se de uma evocação da Tradição que novamente 
explicita uma concepção imagética de mundo, típica do período 
antigo e do judaísmo. 
© Evangelhos Sinóticos184
Essa estrutura se repetirá, ainda, em outras ocorrências ne-
otestamentárias, visto que a linguagem simbólica era empregada 
com certa frequência para se referir à conjunta história de domi-
nação de Roma.
Para esse verso (Lc 10,18), existem três versões (FITZMYER, 
1979). São elas: 
• etheõroun ton satanan hõs astrapen ek tou ouranoun pe-
sonta;
• etheõroun ton satanan ek tou ouranoun hõs astrapen pe-
sonta;
• etheõroun ton satanan hõs astrapen pesonta ek tou ou-
ranoun. 
Como os manuscritos antigos carecem de pontuação, a leitura co-
mumente aceita, a apresentada em primeiro lugar, pode entender-
-se de duas maneiras e, por conseguinte, dar origem a diversas 
interpretações [...] ‘Eu via Satanás cair como um relâmpago [que 
vem] do céu!´, entendendo a frasepreposicional como ek tou ou-
ranoun como dependente do relâmpago e ouranos (céu) como o 
ponto de procedência desse fenômeno atmosférico.
[...] A outra interpretação [...] faz uma alusão à interpretação ve-
terotestamentária de Satanás como o 'adversário', uma espécie 
de fiscal da corte celeste que cai em desgraça e é deposto de sua 
atividade acusatória, e assim não há quem acuse a humanidade 
diante de Deus. Satanás cai 'do céu', é destronado, se precipita (no 
abismo?). O que não se diz é quando se dá essa queda. 
[...] na narração de Lucas, encontramos 'o diabo' – acusador, ca-
luniador – em Lc 4:2-13; 8:12 – agora aparece pela primeira vez, 
a denominação Satanás, que não é mais do que a transliteração 
grega do hebraico sātān, do aramaico sātānā, nome específico do 
príncipe dos demônios: Satanás [...[ (FITZMYER, 1979, p. 238-239).
Ainda há outros detalhes dessa narrativa que chamam a 
atenção pela recorrência de símbolos da tradição judaica. 
Por exemplo, o verbo theórein traduzido por "via" no texto 
de Lucas indica uma ação inacabada, imperfeita. "Eu via" lembra 
o tema apocalíptico das "visões" que eram contempladas por vi-
sionários. Daí se conjectura que de figura angelomórfica (ser ce-
lestial), o Filho do Homem, o Filho de Deus passa a ser associado a 
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185© U6- Evangelho de Lucas
visionário, aquele que tem experiência estática, a visão na qual se 
descortina a batalha escatológica. A batalha da consumação dos 
tempos, em que Satanás é derrotado.
No judaísmo, os nomes Miguel, Melquisedec, Anjo da Luz e 
Filho do Homem correspondem à tradição angelomórfica, segun-
do a qual, exercem função de Messias. Daí se conclui que são três 
nomes para a mesma figura (COLLINS, 1995). 
Gieschen (1998) afirma que a literatura pseudoepígrafa e ex-
tracanônica judaica apresenta vários anjos com funções divinas de 
mediação, proteção, libertação, intercessão e até veneração. 
Jesus, se associado à figura do Filho do Homem, pode ser 
considerado ser angelomórfico, pois possuía funções de ser ange-
lical na forma humana. Essa imagem que é fundamental para os 
primeiros cristãos tem suas origens nos textos de Daniel, Enoque, 
4 Esdras e Melquisedec, textos que compõem a tradição judaica, 
dos quais o redator de Lucas parece ter conhecimento.
Em Lucas, Jesus parece ser, simultaneamente, ser celestial 
e visionário. Decorre dessa observação que a redação de Lucas, 
embora apresente elementos que sugiram sua abertura à cultura 
helênica, ao estilo clássico do grego e temas universalistas, não 
se descola de uma estrutura de pensamento tipicamente oriental. 
Prova disso seriam os campos semânticos que remontam à apoca-
líptica judaica, uma importante influência no movimento cristão 
nascente e na formação das primeiras comunidades. 
Da apocalíptica como movimento deriva o termo "apocalip-
se", definido por John Collins como:
[...] gênero de literatura de revelação com uma estrutura narrativa, 
na qual uma revelação é mediada por um instrumento humano, 
que revela uma realidade transcendente, a qual é, ao mesmo tem-
po, temporal, enquanto visa salvação escatológica, e espacial, ao 
envolver um outro mundo, um mundo sobrenatural (BOER apud 
COLLINS, 2000, p. 3). 
© Evangelhos Sinóticos186
Como se sabe, o apocalipse além de ser gênero literário 
constitui, também, um universo simbólico – cosmovisão – e um 
movimento social. Sob esse espectro, alguns pesquisadores têm 
proposto que as comunidades cristãs do final do século 1º vive-
ram certa experiência e produziram um discurso de tom apocalíp-
tico, tendo em vista a conjuntura história de opressão pelo Impé-
rio Romano. 
Além dos imperadores César Augusto (Lc 21,1) e Tibério (Lc 
3,1-2), também o governador da Síria, Quirino, é mencionado (Lc 
2,1), além de vários procuradores romanos (Pilatos: Lc 3,1) e go-
vernantes vassalos de Roma (Herodes o Grande: Lc 1,5; Herodes, 
tetrarca da Galileia: Lc 3,1; Filipe, tetrarca da Itureia e da Traconíti-
de; Lisânias, tetrarca de Abilene) e os centuriões (Lc 7,1-10). Todas 
essas indicações dão conta da realidade que o redator conhecia. 
Um mundo helenizado de poderes políticos romanos.
Movimentos apocalípticos caracterizam-se por serem cons-
tituídos por um grupo marginalizado dentro de uma sociedade ou 
por constituírem uma nação inteira sob jugo estrangeiro. Sob es-
sas condições tal grupo é alienado da sua liberdade e a resposta a 
essa situação é a adoção da perspectiva escatológica apocalíptica 
de crítica social que conduz à divisão do mundo entre o bem e 
o mal, o que anteriormente denominamos "cosmologia dualista" 
(BOER, 2000).
Assim, tanto a linguagem quanto o conteúdo desse estrato 
de Lucas podem ser considerados apocalípticos, pois lembram o 
gênero que nomeia a revelação dada em Apocalipse 12 e recorrem 
a expressões típicas de seu simbolismo. Para comparar, vejamos:
9 Foi expulso o grande Dragão, a antiga serpente, o chamado Diabo 
ou Satanás, sedutor de toda a terra habitada – foi expulso para a 
terra, e seus Anjos foram expulsos com ele.
10 Ouvi então uma voz forte do céu, proclamando:
"Agora realizou-se a salvação, o poder
e a realeza do nosso Deus,
e a autoridade do seu Cristo:
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187© U6- Evangelho de Lucas
porque foi expulso o acusador dos nossos irmãos,
aquele que os acusava dia e noite diante do nosso Deus.
11 Eles, porém, o venceram
pelo sangue do Cordeiro
e pela palavra do seu testemunho,
pois desprezaram a própria vida até à morte.
12 Por isso, alegrai-vos, ó céu,
e vós que o habitais!
Ai da terra e do mar,
Porque o Diabo desceu para junto de vós cheio de grande furor,
Sabendo que lhe resta pouco tempo".
Lembrando a tradição do Gênesis 3,15, Lucas 10,19 chama 
Satanás de serpente assim como no Apocalipse. Uma interessante 
recorrência do conjunto imagético judaico apocalíptico: "Eis que 
vos dei o poder de pisar serpentes, escorpiões e todo o poder do 
Inimigo, e nada poderá vos causar dano."
Nesse verso, retoma-se a discussão quanto à autoridade ou-
torgada por Jesus aos discípulos. A voz ativa do verbo revela uma 
ação completa: "Eu vos dei". Por fim, o v. 20: "Contudo, não vos 
alegreis porque os espíritos se vos submetem; alegrai-vos, antes, 
porque vossos nomes estão inscritos nos céus."
Com efeito, nesse verso, introduzido por uma conjunção ad-
versativa, a impressão que se tem é que se trata de um isolado, in-
serido criativamente nessa narrativa pelo redator. Depois de Jesus 
ter discorrido acerca da "queda de Satanás", da "autoridade em 
seu nome" e da "vitória" na batalha, fala que o motivo da alegria 
dos discípulos deve ser a alegria em ter seus "nomes inscritos nos 
céus", uma menção à salvação.
Nessa perícope, pode-se verificar três comentários que Je-
sus tece a respeito das palavras dos discípulos. Esses quatro versos 
não possuem paralelos específicos nos Sinóticos, portanto, cons-
tituem material exclusivo de Lucas. Se observarmos os versos a 
© Evangelhos Sinóticos188
seguir (10,21-24), podemos encontrar paralelos em Mateus 11,25-
27. Dessa forma, a volta dos discípulos é colocada entre a intro-
dução (Lc 10,1-16) e o hino de louvor, entoado por Jesus ao Pai 
(10,21-24). 
Assim, como hipótese, essa perícope foi obra do redator:
Se as palavras de Jesus nesta passagem têm formado originaria-
mente uma unidade interna, há de se pensar em atribuí-las a L. 
Mas, como muito bem observa Bultman, o v.17 tem que estar com-
posto por Lucas, dada a sua relação com o v.20. Bultman pensa que 
o v.18 – a queda de Satanás – procede da 'tradição', mas não está 
muito seguro dos versículos 18 e 19 – e o mesmo pode se dizer do 
19 e 20 – constituem uma única declaração de Jesus. Verdadeira-
mente não há uma conexão intrínseca entre estas três afirmações. 
Talvez seja o mais sensato considerar toda a passagem como uma 
unidade criada pelo próprio Lucas. Pode ser que o evangelista te-
nha tomado de sua fonte particular (L), os três ditos isolados, po-
rém é igualmente possívelque, pelo menos o v.20, seja composição 
pessoal do próprio autor (...) Se admitirmos que o significado origi-
nal do v.18 é absolutamente irrecuperável, talvez seja precisamen-
te o caráter insólito dessa afirmação o motivo mais conclusivo, para 
atribuí-lo ao próprio Jesus histórico (cf. JEREMIAS apud FITZMYER, 
1987, p. 234). 
Ainda, podemos considerar um possível paralelo entre as ex-
pressões "do céu" (v.18), e "nos céus" (v. 20), e "em teu nome" (v. 
17), e "vossos nomes" (v. 20).
v. 17: em teu nome
 v. 18: do céu
v. 20: vossos nomes (...)
 v. 20: nos céus
Para Fitzmyer (1987, p. 235):
[...] chama poderosamente a atenção, o contraste entre a queda de 
Satanás 'do céu' e a temática de que os nomes dos discípulos estão 
escritos 'no céu'. Uma nova correlação se joga em torno do 'nome': 
o resultado da missão dos discípulos se deve a uma invocação do 
nome de Jesus [...] e a satisfação pela missão comprida deve se 
originar especialmente em que 'vossos nomes' estão escritos 'no 
céu' [...]. 
 
 
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189© U6- Evangelho de Lucas
Com efeito, o conteúdo central dessa perícope estaria des-
crito no v. 20, na salvação. Considerando aforismos as falas de Je-
sus – sentenças de sentido próprio –, pronunciadas em situações 
diferentes e reunidas pelo redator nessa narrativa, ainda, assim, 
a perícope faz sentido se considerado que o estilo da redação, os 
temas e os símbolos correspondem a um quadro imagético com-
partilhado por uma audiência repleta de gentios.
9. PROPOSTAS DE ESTRUTURA PARA LUCAS
Quanto à estrutura geral do Evangelho de Lucas, existem vá-
rias propostas. A maioria divide Lucas em três ou quatro blocos. 
Em geral, os estudiosos não discordam muito a respeito dessa ma-
téria. 
Para A. George, o livro pode ser dividido em três partes 
(1982. p. 93-94):
Introdução (1,1–4,13)
1. A missão inicial (4,13–9,50)
2. A subida para Jerusalém (9,51–19,28)
3. Em Jerusalém (19,29–24,53) 
Do mesmo modo, Alois Stoger propôs três partes (1984. p. 17): 
Apresentação do Evangelista (1,1-4)
1. O começo da salvação (1,5–4,13)
2. A atuação de Jesus na Galiléia (4,14–9,50)
3. Jesus a caminho de Jerusalém (9,51–19,27) 
Frederick W. Danker, entretanto, propôs quatro blocos (1976. 
p. 104-112):
Prólogo (1,1-4)
1. Nascimento e credencial de Jesus (1,5–3,38)
2. O Servo benfeitor (4,1–9,50)
3. Jornada a Jerusalém (9,51–21,38)
4. Sofrimento, morte e ressurreição (22,1–24,53
© Evangelhos Sinóticos190
Juntamente com Danker, L’Epalttenier entende como mais 
adequada a divisão do livros em quatro partes (1993. p.281-282):
Prólogo (1,1-4)
1. Narrações introdutórias (1,5–4,13)
2. Prática libertadora de Jesus (4,14–9,50)
3. Subida para Jerusalém (9,51–19,28)
4. Cumprimento (19,29–24,53) 
Já Tannehill divide o livro em sete partes (1996. p. 7-11):
Prólogo (1,1-4)
1. A narrativa da infância (1,5–2,52)
2. O início da missão (3,1–4,44)
3. Desenvolvimento da missão centrada na Galiléia (5,1–9,50)
4. A missão de Jesus em viajem a Jerusalém (9,51–19,44)
5. Jesus no templo (19,45–21,38)
6. Rejeição e morte do messias (22,1–23,56)
7. Ressurreição e Revelação (24,1-53) 
Todas essas estruturas são apenas sugestões de divisão para 
o Evangelho de Lucas. Existem, ainda, outras que poderiam ser 
apresentadas. Todavia, cada leitor/leitora desses Evangelhos deve 
ter em mente que o texto original de Lucas não se apresentava 
com a divisão em capítulos e versos que as traduções modernas 
trazem nas Bíblias. Assim, após a leitura atenta dessa importante 
fonte sinótica, você mesmo pode elaborar a sua estrutura.
10. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Confira, na sequência, as questões propostas para verificar 
seu desempenho no estudo desta unidade:
1) Em que a redação do Evangelho de Lucas se destaca em relação à escrita dos 
outros dois sinóticos?
2) Qual a relação do Evangelho de Lucas com o contexto histórico, político e 
cultural próximo? 
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191© U6- Evangelho de Lucas
3) Quais argumentos apontam a continuidade entre o Evangelho de Lucas e o 
livro Atos dos Apóstolos?
4) Quais argumentos podem ser apresentados para destacar as tradições e as 
memórias judaicas presentes no Evangelho de Lucas?
11. CONSIDERAÇÕES 
Vimos, nesta última unidade de estudo, que o Evangelho de 
Lucas, um dos Sinóticos, é um texto neotestamentário com conte-
údo comum a Marcos e Mateus, além de material de Q e material 
do próprio autor, recolhido por ocasião da seleção de tradições 
orais com as quais teve contato.
O texto foi escrito em região helenizada fora da Palestina. 
Não se sabe ao certo lugar, mas já foi apontado Cesareia, Acaia, a 
Decápole, a Ásia Menor e, com mais frequência, Roma. Podemos 
considerar a escrita entre os anos 70 e 90 EC, visto que o redator 
menciona a queda de Jerusalém (70 EC), a profecia de Jesus quan-
to ao juízo de Jesus sobre Jerusalém como histórica (Mc 13,2; Lc 
13,34).
O texto apresenta elementos que apontam para influências 
do processo de helenização, principalmente, quanto ao estilo da 
escrita e do grego empregado, mas não prescinde de elementos 
da tradição judaica, visto que se propõe a discorrer sobre a his-
tória de Jesus, de seu movimento e das origens cristãs de modo 
"ordenado".
Com efeito, supõe-se que em função da conjuntura históri-
ca, a narrativa de Lucas tenha se destinado em primeira instância 
àqueles cristãos não tão familiarizados com a memória e a tradi-
ção judaica. Por essa razão, sua escrita teria sido tão cuidadosa no 
relato e detalhamento dos costumes e da cultura hebraica, mesmo 
não sendo o redator de origem hebraica. Daí a razão pela qual não 
se encontram os chamados "semitismos" tão comuns em Marcos 
e em Mateus, por exemplo.
© Evangelhos Sinóticos192
Compreendemos, também, que esse tem sido um Evangelho 
bastante estudado, motivo pelo qual a bibliografia de estudo é am-
pla bem como as opiniões e conclusões a seu respeito. 
Neste Caderno de Referência de Conteúdo, tratamos de Lu-
cas como fonte sinótica importante para a reconstrução das ori-
gens cristãs. Enfoque que procuramos dar a todas as unidades, 
na intenção de reforçar o postulado de que o conhecimento dos 
âmbitos históricos, geopolíticos, sociais e culturais do Mediter-
râneo antigo é de extrema relevância para a compreensão mais 
adequada da literatura bíblica, aqui entendida como produção de 
um povo, em uma época específica e, portanto, matizada e com-
prometida com expectativas do período.
12. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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