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UNIDADE 6 - Contos de enfermagem - comunicação com paciente neurológico

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Contos de enfermagem 
Fonte: COREn SP 
 
Belíssimo texto onde mostra a importância da comunicação com o 
paciente neurológico em um CTI. Não deixa de ser a humanização da 
assistência de enfermagem 
 
1. APONTE AS FORMAS DE COMUNICAÇÃO PERCEBIDA NO 
TEXTO. 
2. OBSERVE AS CARACTERÍSTICAS DO CUIDADO HUMANIZADO 
3. PERCEBA OS RESULTADOS POSITIVOS DESTAS AÇÕES 
 
 
Quando o paciente escolhe! 
Eliane Cristini Areas Scolastrici 
Novembro nos agracia com chuva e aquele dia não era diferente, O ar 
estava limpo, as árvores num balé, dançavam ao vento, como a 
agradecer após longa estiagem. Dias de chuva funcionam como bálsamo 
para mim, sinto-me renovada e assim cheia de energia cheguei ao 
hospital para mais um dia de trabalho. Passamos grande parte de nosso 
tempo, dentro do hospital, muitos de nossos colegas tornam se nossos 
amigos. O que acontece dentro de uma UTI ou de uma enfermaria? 
Quais as situações vivenciadas pelos profissionais de saúde? Hoje vou 
relatar um pouco nosso cotidiano, um fato que representa o que 
vivenciamos todos os dias. Na passagem de plantão tive a atenção 
voltada para o paciente que ocupava o leito seis. Minha amiga e colega 
de serviço, Mari, percebendo minha atenção voltada para o novo 
paciente disse: Você viu? Ele é jovem e segundo a Dra Maria tem uma 
lesão incompatível com a vida, se sobreviver ficará como o Cristhofer 
Reeve (super - homem). Após receber o plantão fui ler a história do novo 
paciente Celso, (vou chamá-lo assim), 35 anos, ferimento por arma de 
fogo, estilhaço intracraniano, lesão em C e C fratura de base de crânio, 
lesão em tronco cerebral. Meu Deus! Tão jovem e lesões de tanta 
gravidade! Toda equipe estava comovida com a situação. Vemos tantas 
pessoas de diversas idades passarem por estas situações tão difíceis, 
doloridas; jovens que morrem e nos deixam um pesar tão grande por não 
conseguirem chegar a idade adulta. Mas graças a Deus não nos 
acostumamos com o sofrimento ou com a doença, pelo contrário, Deus 
renova todo dia a cada instante a esperança e a força para que 
possamos proporcionar cuidados que visam a melhora da dor e o 
restabelecimento do paciente. Temos por hábito, independentemente do 
nível de consciência, conversar com o paciente e não é raro termos 
pequenas respostas, que nos parecem grandes, tamanha a satisfação 
que sentimos. Até agora não sei o que me levou chegar aos pés do leito 
do Celso e cantar bem baixinho “se um pinguinho de tinta cair num 
pedacinho azul de papel...” Ele abriu um sorriso tão grande que irradiou 
luminosidade por toda nossa UTI. Luz azul, azul como seus olhos. Na 
hora pensei: meu Deus ele também é azul como são todas as pessoas 
harmoniosas que vivem em equilíbrio. Aproximei-me e disse: Oi, meu 
nome é Tuca e hoje vou cuidar de você. Vamos fazer um acordo? 
Quando eu te perguntar alguma coisa você responde piscando,l vez para 
sim e 2 para não, entendeu? E ele piscou! Ele piscou uma vez, aquilo 
significava que ele tinha entendido, aquilo significava que eu teria acesso 
ao conteúdo de seu pensamento. Se já estávamos comovidos, agora 
éramos pura emoção, emoção que aumentou quando o Dr. Durva se 
aproximou e disse: Celso quero ver como está a sua respiração, vou tira-
lo um pouco do aparelho e você vai fazer força para respirar, ok? Dr. 
Duna tirou-o do aparelho e disse: respire, força! Meu Deus, ele mexeu 
toda a musculatura facial, de forma distorcida devido à paralisia facial, 
mas nem um centímetro do diafragma se moveu. Ele voltou ao 
respirador, eu saí, saí para chorar, como saíram o Jô, a Mari, a Ana e 
todos que estavam por perto. Celso, 35 anos, jovem com família para 
cuidar, estava preso, preso dentro de sua própria consciência, nem falar 
conseguia. Talvez nem um minuto tenha se passado, voltamos sorrindo 
para perto do Celso como se nada tivesse acontecido, como se ele 
tivesse tido uma vitória. Ao saber que Celso estava orientado, doutor 
Durva, perguntou se ele sabia o que tinha lhe acontecido e teve como 
resposta uma piscada, se tinha conhecimento de quem disparou o tiro? 
Celso respondeu que sim, piscou uma vez. Ele me procurou com os 
olhos e tentava mover os lábios, senti sua aflição. Pedi que ficasse calmo 
e perguntei se ele queria me dizer alguma coisa, piscou uma vez, moveu 
os lábios, a cânula oro traqueal e a paralisia facial me impediam de 
entender. Aquela situação me deixou aflita. Chamei a enfermeira: 
Roselaine, por favor, ajude-me a entender o que o Celso está tentando 
falar! Ela também não entendia, meu Deus, que aflição! A enfermeira 
Roselaine resolveu digitar um abecedário para que tentássemos saber o 
que o ele estava dizendo. Assim acalmei Celso que estava agitado e 
combinei com ele: cada vez que eu chegar na letra da palavra que você 
quer formar, você pisca forte, mantendo os olhos fechados, entendeu? 
Uma piscada - Sim! E então Celso pode se expressar, dizer o nome dos 
agressores, onde foi, por que foi, tudo o que lhe afligia a alma foi 
colocado para fora. Da sua internação em 28/11/2004, até 21/12/2004 
conversamos bastante, acho que nos tornamos amigos. Celso passava 
grande parte do tempo com os olhos fechados, nestes momentos os 
auxiliares de enfermagem que estavam lhe prestando cuidados 
brincavam com ele, dizendo alto: TUCA! E ele abria os olhos procurando. 
Em alguns momentos em que conversávamos, chorava, então eu ia para 
traz do leito e massageava suas têmporas, as lagrimas cessavam, abria-
se o sorriso novamente. Celso não tinha noção da gravidade de suas 
lesões, durante os movimentos passivos piscava forte em sinal de querer 
falar, então eu pegava o abecedário e entendi que ele pedia que 
levantasse suas pernas, os movimentos tinham que ser suaves devido a 
sua lesão cervical, eu explicava com cuidado para que ele não ficasse 
triste, que não podia elevar muito suas pernas ou agravaria a situação. 
Quando sua Mãe chegava, para visitá-lo, sentia que ambos continham 
suas emoções. Bem, com as informações que tínhamos recebido, a 
polícia teria que ser informada. Recebemos o delegado juntamente com 
a equipe especial da policia militar, que vieram até a UTI, para colher o 
depoimento de Celso. Pela facilidade e entrosamento que havia entre 
Celso e eu, acabei por auxiliar em seu depoimento. Celso fez o 
reconhecimento através de fotografias dos envolvidos e forneceu 
novamente nomes, o ocorrido, porque ocorreu e onde ocorreu. No 
termino do depoimento Celso estava muito emocionado, perguntei se ele 
gostaria de dizer mais alguma coisa ao delegado e ao tenente e ele 
piscou uma vez - sim! Então vamos lá, e comecei a soletrar, até que 
compreendemos o que Celso pedia, pedia, JUSTIÇA! Esta foi a época de 
maior comoção na UTI do PS. Na época eu não consegui entender 
porque me envolvi tanto, hoje eu sei, a atenção que dediquei a Celso foi 
igual a que dedico a outros pacientes, a diferença foi que ele exigia mais, 
ele necessitava que eu fosse a sua voz, a voz que pedia justiça! Celso foi 
transferido para outra cidade em 21/12/2004, eu não estava trabalhando, 
não sei o que ele sentiu. Soubemos que Celso morreu. Eu diria que sua 
luz foi brilhar na eternidade.

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