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Associação Pró-Ensino Superior em Novo Hamburgo - ASPEUR Universidade Feevale ORGANIZAÇÃO Lisiane Machado de Oliveira-Menegotto Marianne Montenegro Stolzmann Mendes Ribeiro Novo Hamburgo 2015 PSICOLOGIA EM DEBATE PRESIDENTE DA ASPEUR Luiz Ricardo Bohrer REITORA DA UNIVERSIDADE FEEVALE Inajara Vargas Ramos PRÓ-REITORA DE ENSINO Denise Ries Russo PRÓ-REITORA DE EXTENSÃO E ASSUNTOS COMUNITÁRIOS Gladis Luisa Baptista PRÓ-REITOR DE INOVAÇÃO Cleber Cristiano Prodanov PRÓ-REITOR DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO João Alcione Sganderla Figueiredo PRÓ-REITOR DE PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO Alexandre Zeni COORDENAÇÃO EDITORIAL Denise Ries Russo EDITORA FEEVALE Celso Eduardo Stark Graziele Borguetto Souza Adriana Christ Kuczynski PROJETO GRÁFICO E EDITORAÇÃO ELETRÔNICA Adriana Christ Kuczynski REVISÃO TEXTUAL Valéria Koch Barbosa DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP) Universidade Feevale, RS, Brasil Bibliotecário responsável: Fabrício Schirmann Leão – CRB 10/2162 © Editora Feevale – Os textos assinados, tanto no que diz respeito à linguagem como ao conteúdo, são de inteira responsabilidade dos autores e não expressam, necessariamente, a opinião da Universidade Feevale. É permitido citar parte dos textos sem autorização prévia, desde que seja identificada a fonte. A violação dos direitos do autor (Lei n.° 9.610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal. Universidade Feevale Câmpus I: Av. Dr. Maurício Cardoso, 510 – CEP 93510-250 – Hamburgo Velho Câmpus II: ERS 239, 2755 – CEP 93352-000 – Vila Nova Fone: (51) 3586.8800 – Homepage: www.feevale.br Como melhor utilizar este e-book Não desperdice papel, imprima somente se necessário. Este e-book foi feito com intenção de facilitar o acesso à informação. Baixe o arquivo e visualize-o na tela do seu computador sempre que necessitar. É possível também imprimir somente partes do texto, selecionando as páginas desejadas nas opções de impressão. Os botões interativos são apenas elementos visuais e não aparecerão na impressão, utilize-os para navegar pelo documento. Se preferir, utilize as teclas “Page Up” e “Page Down” do teclado ou o “Scroll” do mouse para retornar e prosseguir entre as páginas. Este texto não aparecerá na página caso ela seja impressa. Psicologia em debate [recurso eletrônico] / Lisiane Machado de Oliveira- Menegotto, Marianne Montenegro Stolzmann Mendes Ribeiro organização. – Dados eletrônicos. – Novo Hamburgo: Feevale, 2015. Sistema requerido: Adobe Acrobat Reader. Modo de acesso: <www.feevale.br/editora> Inclui bibliografia. ISBN 978-85-7717-183-5 1. Psicologia – Estudo e ensino. 2. Psicanálise. 3. Psicologia humanísti- ca. 4. Psicologia do desenvolvimento. 5. Sexo – Aspectos psicológicos. I. Oliveira-Menegotto, Lisiane Machado de. II. Ribeiro, Marianne Montene- gro Stolzmann Mendes. III. Título CDU 159.9 APRESENTAÇÃO PSicOlOgiA Em DEbATE Lisiane Machado de Oliveira-Menegotto Marianne Montenegro Stolzmann Mendes Ribeiro Este e-book reúne textos que abordam a psicologia a partir de diferentes olhares. Trata- se de uma compilação de temas relevantes para aqueles que estão se iniciando no estudo da psicologia. Etimologicamente falando, o termo psicologia vem do grego psyche, que significa alma, e de logos, que se refere à razão. Sendo assim, psicologia seria o estudo da alma, de modo que a alma é entendida como a parte imaterial do ser humano. Embora a psicologia tenha sido objeto de discussão desde a antiguidade, foi somente no século XIX que ela se estabeleceu como ciência, deixando de ser problematizada exclusivamente desde o campo da filosofia e passando a ser estudada pela neurofisiologia. A partir de então, a psicologia passou a ser recortada por inúmeros paradigmas, dando origem a diferentes abordagens teóricas, que, ao longo da sua história, foram produzindo novas faces sobre a psyche. Assim, foram surgindo objetos de estudo que designam a concepção central de cada teoria: consciente, comportamento, inconsciente, cognição, entre outros. Retomar a psicologia considerando a sua história, os seus principais pilares teóricos e as suas principais contribuições no campo da ciência e da profissão revela que a psicologia, embora já tenha se consolidado, tem ainda muito a expandir. Apresenta uma capacidade infinita de se reinventar, revelando novos contornos tanto teóricos como em termos de sua práxis. Além disso, o cenário da contemporaneidade aponta para a importância de a psicologia seguir recriando novos conceitos e novos fazeres acerca dos problemas humanos e sociais. Tal desafio é lançado a todos os psicólogos que eticamente se veem comprometidos com o seu estudo e com a sua prática. Nesse sentido, este e-book é resultado de um esforço coletivo empreendido por docentes do Curso de Psicologia da Universidade Feevale em revisitar aspectos fundamentais da psicologia e trazê-los para os leitores de forma acessível. O e-book foi organizado em quatro partes. A primeira parte compreendeu a discussão sobre a psicologia como ciência e profissão. O primeiro capítulo abordou o conceito de ciência em psicologia, elaborado pela Prof.ª Me. Ronalisa Torman, que destacou a complexidade da relação entre psicologia e ciência, pois não há uma única relação, mas muitas interpretações do que a ciência significa para a psicologia justamente devido à complexidade de seu objeto de estudo: a psyche. O segundo capítulo tratou do desenvolvimento histórico da psicologia, de modo que a história foi apresentada pela Prof.ª Esp. Maria Lucia Rodrigues Langone Machado, sublinhando que a psicologia começa a surgir entre os filósofos gregos com a primeira tentativa de sistematizar a psyche. Com isso, o estudo da história da psicologia pode oferecer diversas perspectivas, indicar diretrizes e mostrar a origem das ideias. O terceiro capítulo, escrito pela Prof.ª Dr.ª Geraldine Alves dos Santos, propôs-se a discutir os objetos de estudo da psicologia, dentro de uma perspectiva histórica, destacando que seu principal objeto de estudo é muito amplo: o ser humano. Nesse sentido, aprofunda-se a ideia de que a psicologia é uma ciência que procura compreender o comportamento e os processos mentais de cada um, tendo a interdisciplinaridade como um elemento que marca a qualidade do seu entendimento. Por último, o quarto capítulo, versou sobre os contextos e as possibilidades em psicologia como ciência e profissão, elaborado pela Prof.ª Me. Cynthia Schwarcz Berlim. A autora apontou que a psicologia é uma ciência viva que acompanha a evolução e o desenvolvimento da sociedade ao longo do tempo. O escopo de atuação do psicólogo, como profissional, compreende diversas áreas de atuação com diferentes atribuições. Conhecer esse mapeamento, a delimitação de suas fronteiras, seus conceitos e suas técnicas cientificamente comprovadas e aceitas, assim como o compromisso ético que nos acompanha a cada instante é fundamental para o exercício responsável da profissão de psicólogo. A segunda parte do e-book tratou de apresentar os principais pilares teóricos da psicologia, de modo que, no primeiro capítulo, a Prof.ª Me. Marianne Montenegro Stolzmann Mendes Ribeiro discutiu a Psicanálise, lembrando que essa teoria sobre a subjetividade causou grande impacto no pensamento de sua época, destacando-se o caráter revolucionário e radical da descoberta de Freud - o inconsciente. A potência da descoberta freudiana ainda se mantém, mas não da mesma maneira, com mudanças necessárias e de acordo com o nosso tempo. Na sequência, os professores Dr. Marcus Levi Lopes Barbosa e Me. Caroline de Oliveira Cardoso apresentaram a abordagem cognitivo-comportamental e a Terapia Cognitivo-comportamental (TCC), em cujas bases se fundamenta a prática dessa abordagem. São abordados os principais conceitos e os fundamentos das Terapias Cognitiva e Comportamentais, sendo que a integração de conceitos e técnicas dessasduas correntes deu origem à TCC. E, por último, no terceiro capítulo, a Prof.ª Me. Charlotte Beatriz Spode apresentou a Psicologia Humanista, destacando o fato de essa teoria ser alicerçada nos pressupostos da Fenomenologia e da Filosofia Existencialista, recebendo, por isso, também a denominação de Psicologias Fenomenológico-Existenciais. O Humanismo demonstrou uma preocupação com o sentido ou o objetivo das vidas humanas mais do que com verdades científicas ou metafísicas. O desenvolvimento e a sexualidade humana foram tema da terceira parte do e-book, contando com as contribuições da Prof.ª Dr.ª Lisiane Machado de Oliveira Menegotto sobre os fundamentos do desenvolvimento psíquico no primeiro capítulo. A autora aborda o desenvolvimento psíquico a partir da perspectiva do ciclo vital, introduzindo uma importante interrogação sobre o que está na causa do desenvolvimento, considerando que, no desenvolvimento humano, comparecem aspectos inatos e aspectos culturais. As representações do corpo e a psicossomática foram objetos de discussão no segundo capítulo, tendo a autoria da Prof.ª Me. Carmen Esther Rieth. Parte-se da concepção de que a psicossomática busca compreender como se dá a relação mente e corpo nos processos de adoecimento, sendo um modo de olhar e tratar de toda e qualquer condição de doença. A tendência atual da psicossomática objetiva a compreensão dos processos de adoecer não como um evento ocasional na vida de uma pessoa, mas significando a resposta de um sistema, de uma pessoa que vive numa sociedade, Por último, o tema sobre gênero, subjetividades e a produção da sexualidade normal/anormal foi apresentado pela Prof.ª Dr.ª Denise Regina Quaresma Da Silva, que sublinha que os temas da sexualidade, da educação sexual e das diversidades de gênero estão ocupando crescentemente diversos espaços da mídia, da política, da academia e da sociedade civil brasileira, sendo que é de fundamental importância um exame crítico de como todos/as estamos permanentemente produzindo e sendo produtos nas designações de gênero e nas constituições subjetivas. A quarta parte do e-book foi reservada para uma seção temática, apresentada pelo Prof. Dr. Cleber Ribeiro Alvares da Silva, cujo tema de discussão foi a articulação entre a psicologia e as neurociências a partir do enfoque da epilepsia, sublinhando que os conhecimentos sobre a epilepsia são cada vez maiores e que a terapia visa a proporcionar melhor qualidade de vida aos pacientes, assim como os avanços científicos contribuem para reduzir o estigma sobre o epiléptico, diminuindo uma barreira ao sucesso do tratamento. Esperamos que os textos possam guiar aqueles que têm interesse em trilhar os caminhos da psicologia e aqueles que veem na psicologia possibilidades de debate. Boa leitura a todos! SUmÁRiO PARTE i - PSicOlOgiA, ciÊNciA E PROFiSSÃO O CONCEITO DE CIÊNCIA EM PSICOLOGIA Ronalisa Torman DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DA PSICOLOGIA Maria Lucia Rodrigues Langone Machado OBJETOS DE ESTUDO DA PSICOLOGIA Geraldine Alves dos Santos CONTEXTOS E POSSIBILIDADES EM PSICOLOGIA COMO CIÊNCIA E PROFISSÃO Cynthia Schwarcz Berlim PARTE ii - AS PRiNciPAiS AbORDAgENS TEÓRicAS DA PSicOlOgiA A PSICANÁLISE Marianne Montenegro Stolzmann Mendes Ribeiro A ABORDAGEM COGNITIVO-COMPORTAMENTAL Marcus Levi Lopes Barbosa e Caroline de Oliveira Cardoso 25 34 49 63 77 11 A PSICOLOGIA HUMANISTA Charlotte Beatriz Spode PARTE III – DESENVOLVIMENTO E SEXUALIDADE HUMANA FUNDAMENTOS DO DESENVOLVIMENTO PSÍQUICO Lisiane Machado de Oliveira-Menegotto REPRESENTAÇÕES DO CORPO: PSICOSSOMÁTICA Carmen Esther Rieth GÊNERO E SUBJETIVIDADES: A PRODUÇÃO DA SEXUALIDADE NORMAL/ANORMAL Denise Regina Quaresma Da Silva PARTE IV – SESSÃO TEMÁTICA ALGUNS ASPECTOS SOBRE EPILEPSIA Cleber Ribeiro Alvares Da Silva 89 101 114 128 142 PSicOlOgiA, ciÊNciA E PROFiSSÃO i 11 O cONcEiTO DE ciÊNciA Em PSicOlOgiA Ronalisa Torman1 O homem adquiriu conhecimentos seguros e úteis acerca de seu meio muito antes do surgimento do pensamento científico moderno e isso é o que podemos denominar de senso comum. Em um meio sociocultural em que a Psicologia popular e o senso comum podem ter percepções incorretas sobre o funcionamento cognitivo, tornam-se matéria importante de análise psicológica, cabendo aos psicólogos explicar os processos mentais e os esquemas ou as representações que as pessoas usam para formular juízos, interagir com os outros e perceber o meio que as rodeiam. O homem, de modo geral, realiza avaliações sobre diversos assuntos, na medida em que a sobrevivência da espécie humana depende de uma interpretação adequada das reações dos nossos semelhantes quando interagimos uns com os outros. A percepção correta de como as pessoas agem e se comportam é uma vantagem considerável nas interações sociais. Em geral, de Psicologia todos sabemos um pouco, do mesmo modo que julgamos saber de educação, gestão, futebol e televisão. Mas, de onde nos vem esse conhecimento psicológico? Diariamente somos bombardeados com novelas, músicas, canções, programas de TV, conferências e debates, livros, revistas e jornais que tratam de assuntos ligados à Psicologia, ao comportamento, a dificuldades de relacionamento, a tragédias, ao sucesso e à felicidade. Por muito desatenta que uma pessoa possa ser, algumas dentre essas informações acabarão por transitar ou serem absorvidas. No que se refere à Psicologia, o problema não está no pouco que sabemos, ou no muito que julgamos saber, mas antes em julgar que sabemos o suficiente e de modo preciso e correto. Estará fundamentado o que julgamos saber? Será que podemos aplicar os conselhos gerais ao nosso caso? Será que também sabemos de outras áreas, como a Física ou a Química? 1 Psicóloga (UNISINOS), Especialista em Psicopedagogia Clínica e Institucional (Universidade Feevale), Mestre em Ciências Sociais Aplicadas (UNISINOS), Professora e Supervisora do Curso de Psicologia (Universidade Feevale), Coordenadora do Curso de Especialização em Teoria Psicanalítica da Universidade Feevale 1ª edição (2012/2013) e atual Coordenadora do Projeto de Extensão Tecendo Histórias de Vida: bem-estar da mulher e da pessoa idosa (Universidade Feevale). E-mail: ronalisa@feevale.br. 12 No dia a dia não é habitual utilizarmos um procedimento científico para determinadas ações, como, por exemplo, utilizar um termômetro, instrumento de precisão para medir a temperatura, para sabermos o momento em que o fogo deve ser apagado quando um alimento estiver supostamente cozido. Pois bem, se conhecimentos úteis puderam ser adquiridos mediante somente o emprego de uma observação do senso comum, qual é a vantagem que se obtém ao aplicar os procedimentos rigorosos do método científico? Um dos objetivos dos sistemas científicos é evitar a grande confusão que pode ocasionar a falta de precisão relativa à linguagem e à diversidade de procedimentos que se utilizam no momento de relatar algum conhecimento adquirido. De uma forma ampla, concebemos o fazer ciência como produzir conhecimentos que tenham por objetivo chegar a novas descobertas. Para tanto, no caso específico da Psicologia, A nova disciplina da psicologia precisava desenvolver maneiras mais precisas e objetivas de tratar o seu objeto de estudo. Boa parte da história da psicologia, depois de sua separação da filosofia, é a história do contínuo aprimoramento de instrumental, técnicas e métodos de estudo voltados para alcançar uma precisão e uma objetividade maiores tanto no âmbito das perguntas como no das respostas (SCHULTZ; SCHULTZ, 2009, p. 15). A ciência, portanto, não surge do nada, ela sempre emerge de contextos sociais específicos e com características determinadas, em íntima interação com os fenômenos históricos e movimentos filosóficos, criados e vividos pelos homens. O processo de criação de uma nova ciência é muito complexo, “[...] é preciso mostrar que ela tem um objeto próprio e métodos adequados ao estudo desse objeto, que ela é,enfim, capaz de firmar-se como uma ciência independente das outras áreas de saber” (FIGUEIREDO; SANTI, 2000, p. 14). O psicólogo britânico William McDougall definiu a Psicologia, ao que parece, pela primeira vez em 1908, como sendo a “ciência do comportamento” e, dessa forma, por volta do começo do século XX, a psicologia americana conseguia a sua independência em relação à Filosofia. Desenvolvia laboratórios nos quais aplicar os métodos científicos formavam sua própria associação científica e definia-se formalmente como ciência: a ciência do comportamento (SCHULTZ; SCHULTZ, 2009). Não é simples apresentarmos a relação entre Psicologia e a ciência. Isso porque, como revela até mesmo uma rápida análise da história da Psicologia, não há uma única relação, mas muitas relações e muitas interpretações do que a ciência significa para a Psicologia. Ainda hoje, após mais de cem anos de esforços 13 para se criar uma Psicologia científica, os estudos psicológicos mantêm relações estreitas com muitas ciências naturais e sociais (FIGUEIREDO; SANTI, 2000). O processo desenvolvido para se considerar a Psicologia como uma ciência foi extremamente moroso, e o principal empecilho para que isso acontecesse foi o seu objeto de estudo: a psyché, entendida como sendo a mente, pois ela não se apresenta como objeto observável, não se enquadrando, portanto, nas exigências do Positivismo de Augusto Comte (1798-1857), vigente na época de seu surgimento. Quatro cientistas estão apontados como responsáveis diretos pelas primeiras aplicações do método experimental ao objeto de estudo da Psicologia: Hermann Von Helmholtz, Ernst Weber, Gustav Theodor Fechner e Wilhelm Wundt. Os quatro estudiosos eram alemães, estudavam Fisiologia e eram conhecedores dos impressionantes desenvolvimentos dessa área de conhecimento e da ciência havidos na metade do século XIX (SCHULTZ; SCHULTZ, 2009). Hermann von Heimholtz (1821-1894): prolífico pesquisador no campo da Física e da Fisiologia, foi um dos maiores cientistas do século XIX. A Psicologia estava em terceiro lugar entre as áreas de suas contribuições científicas; contudo, o seu trabalho, ao lado do de Fechner e Wundt, foi decisivo para a fundação da nova Psicologia (SCHULTZ; SCHULTZ, 2009). 14 gustav Theodor Fechner (1801-1887): filósofo, físico e psicólogo alemão, foi considerado o fundador da Psicofísica e, portanto, da Psicologia Experimental. Nasceu em Gross Särchen, na Baixa Lusatia. Estudou Medicina e Física nas Universidades de Dresden e de Leipzig, onde viveu a maior parte de sua vida. Foi professor de Física na Universidade de Leipzig de 1834-1839. Devido a uma doença não inteiramente diagnosticada, que ameaçou deixá- lo cego, ficou impossibilitado de lecionar, situação que favoreceu empregar sua inteligência e sua criatividade no campo da Filosofia e da investigação psicológica. Preocupou-se com a relação existente entre mente e corpo, físico e psíquico, adotando a ideia de paralelismo psicofísico, ou seja: os fenômenos mentais correspondem a fenômenos orgânicos. Fechner considerava que as sensações somente poderiam ser testadas a partir do método das Ciências Exatas, nesse caso, através dos estímulos. Dessas experiências nasceram os métodos psicofísicos, experimentais e quantitativos que constituíram a sua maior e mais importante contribuição para a nova ciência denominada Psicologia. Em virtude disso, Fechner é considerado o pai da Psicometria. Era um pensador de interesses intelectuais notavelmente diversos no decorrer de uma ativa carreira de mais de setenta anos. Foi fisiologista por sete anos, físico durante quinze, psicofísico por catorze, esteticista experimental durante onze e filósofo por quarenta anos. Dentre esses empreendimentos, a obra de Psicofísica foi a que lhe conferiu mais fama, embora ele não quisesse ser lembrado pela posteridade como tal. Foi principalmente devido à pesquisa psicofísica de Fechner que Wilhelm Wundt concebeu o plano de sua Psicologia Experimental. Os métodos de Fechner mostraram ser aplicáveis a uma gama de problemas psicológicos muito mais ampla do que ele poderia imaginar, sendo usados ainda hoje na pesquisa psicológica, com apenas poucas modificações. Fechner possibilitou à Psicologia aquilo que toda disciplina que deseja ser uma ciência tem de possuir: técnicas de medida precisas (SCHULTZ; SCHULTZ, 2009). 15 Ernst Weber (1795-1878): filho de um professor de Teologia, nasceu em Wittenberg, Alemanha. Recebeu o seu doutorado na Universidade de Leipzig em 1815, onde também lecionou Anatomia e Fisiologia de 1817 até a sua aposentadoria, em 1871. Seu principal interesse de pesquisa foi a fisiologia dos órgãos sensoriais, área em que forneceu duradouras contribuições (SCHULTZ; SCHULTZ, 2009). Wilhelm Wundt (1832-1920): fundador da Psicologia como disciplina acadêmica formal. A primeira pessoa na história da Psicologia a ser designada, adequada e irrestritamente, como psicólogo. Wundt fundou o primeiro laboratório de Psicologia Experimental do mundo em Leipzig, na Alemanha, em 1879, e foi o responsável pela formação de muitos psicólogos. Editou a primeira revista e deu início à Psicologia Experimental como ciência. As áreas que ele investigou — incluindo a sensação e a percepção, a atenção, o sentimento, a reação e a associação — se tornaram capítulos básicos em manuais que ainda não haviam sido escritos. O fato de uma parte tão grande da história da Psicologia depois de Wundt consistir numa oposição à sua concepção de Psicologia não diminui as suas realizações e contribuições como fundador (SCHULTZ; SCHULTZ, 2009). Para Wundt, o objeto de estudo da Psicologia era a experiência imediata dos sujeitos, definida como ‘’[...] a experiência tal como o sujeito a vive antes de se pôr a pensar sobre ela, antes de comunicá- la, antes de conhecê-la. É, em outras palavras, a experiência tal como ela é’’ (FIGUEIREDO; SANTI, 2000, p. 58). 16 Wilhelm Wundt reconhecia elementos ou conteúdos da consciência, mas a sua atenção se concentrava primordialmente na organização ou síntese desses elementos em processos cognitivos de nível superior, mediante o princípio da percepção. Para ele, a mente tinha o poder de sintetizar espontaneamente elementos, uma posição que contrariava a noção mecânica e passiva da associação favorecida pela maioria dos empiristas e associacionistas britânicos (SCHULTZ; SCHULTZ, 2009). Ao definir a Psicologia como ciência da experiência imediata, Wundt pretendia atacar uma concepção de Psicologia muito comum em sua época, que tratava a mente como se fosse uma substância ou entidade, seja espiritual (espiritualismo) ou material (materialismo). Para ele, essa forma de fazer Psicologia estaria equivocada porque se baseava em hipóteses metafísicas que extrapolavam toda a possibilidade de experiência. Como sua intenção era fundar uma nova Psicologia - autônoma e independente de teorias metafísicas -, a única alternativa era recusar por completo essas concepções metafísicas acerca do objeto da Psicologia e propor uma outra, que se atinha à experiência psicológica propriamente dita. Na Psicologia wundtiana, só há aquilo que é dado na experiência, entendida sempre como um conjunto de processos interligados (ARAÚJO, 2007). É importante enfatizar que, também de acordo com a definição apresentada por Wundt, não há uma diferença essencial de natureza entre o mundo interno e o externo, uma vez que a experiência é um todo organizado que abrange ambos, mas apenas uma diferença na maneira de abordá-los. Por isso, a relação entre a Psicologia e as Ciências da Natureza deve ser de complementaridade. Elas se complementam na medida em que fornecem relatos diferentes da mesma experiência, sem que haja a possibilidade de haver uma subordinação ou redução de uma à outra. No século XIX, portanto, Wundt estruturou seus estudos no comportamento e com a experimentação e o uso de metodologia científica de base positivista. Foi dessa forma que esses estudosadquiriram o status de ciência. No entanto, com o passar dos anos, evidenciou-se a necessidade de instrumentos capazes de propiciar medidas mais confiáveis das habilidades humanas. Assim, no início do século XX, esse pensamento foi representado pela Psicometria2, com seus testes de inteligência, fazendo surgir uma nova área de pesquisa. Já em meados do século XX, surgiram trabalhos com estratégias observacionais, em que a preferência era um meio natural para a realização dos estudos, salientando a importância dos sujeitos na pesquisa. Esses 2 De acordo com Pasquali (2009, p. 993): “[...] Etimologicamente, psicometria representa a teoria e a técnica de medida dos processos mentais, [...] a psicometria consistia na medida do comportamento do organismo por meio de processos mentais”. 17 estudos foram os etológicos e trouxeram a necessidade de ampliar as pesquisas para além dos laboratórios, negando o rigor de controle de variáveis e valorizando a observação e o ambiente natural (BIASOLI-ALVES apud BIASOLI-ALVES e ROMANELLI, 1998). Nas últimas décadas do século XX, sob a influência de outras áreas do conhecimento, tais como a Sociologia, a Educação, a Antropologia e a História, a Psicologia passou a conceber o homem como o seu objeto de estudo, sendo ele um ser histórico e social. Para Bock, Furtado e Teixeira (2009), o status da Psicologia como ciência foi conquistado quando, através de estudos rigorosos, foram elaboradas formas de investigação científica, objetos de estudo, delimitação dos campos de estudo e métodos para estudar os objetos e as teorias de conhecimento. Podemos afirmar que foi então a partir dos estudos de Wundt que surgiram as primeiras escolas teóricas da Psicologia: o Estruturalismo, o Funcionalismo, o Associacionismo, o Behaviorismo e a Psicanálise. Neste capítulo serão aprofundadas as três primeiras escolas teóricas. O ESTRUTURAliSmO O fundador do Estruturalismo foi Edward bradford Titchener (1867-1927), discípulo de Wundt e responsável pelo desenvolvimento, pela sistematização e pela divulgação da sua obra nos Estados Unidos. Foi estabelecida como a primeira escola americana de pensamento no campo da Psicologia (SCHULTZ; SCHULTZ, 2009). Titchener aceitou o foco empirista e associacionista sobre os elementos ou conteúdos mentais e sua ligação mecânica através do processo da associação. Descartou a ênfase wundtiana na percepção e concentrou-se nos elementos que compõem a estrutura da consciência. Segundo esse cientista, a tarefa fundamental da Psicologia era descobrir a natureza das experiências conscientes elementares, ou seja, analisar a consciência em suas partes separadas e, assim, determinar a sua estrutura. Para tanto, Titchener modificou o método introspectivo de Wundt. 18 Assim, o objeto de estudo da Psicologia, para o Estruturalismo, era a consciência constituída por unidades básicas, como as sensações, as imagens e os afetos. Para estudá-la, Titchener propôs o método das Ciências Naturais: a observação e a experimentação. A Psicologia, afirmava o cientista, como todas as ciências, depende da observação, mas da observação da experiência consciente. A forma de auto-observação de Titchener, ou introspecção, era realizada por observadores bem treinados que tinham de reaprender a perceber para que pudessem descrever seu estado consciente, e não o estímulo. Titchener percebeu que todos aprendem a descrever a experiência em termos do estímulo e, na vida cotidiana, isso é benéfico e necessário. No laboratório, entretanto, essa prática tinha de ser desaprendida mediante um treinamento intensivo. Titchener não excluía o estudo das funções da consciência, mas destacava que a estrutura é mais importante que a função, e não se poderia compreender nenhuma das funções da mente se antes não fosse revelada a sua estrutura. Acreditava estar estabelecendo o padrão básico da Psicologia, não medindo esforços para tanto, mas seus estudos demostraram ser somente uma fase na história dessa ciência. A era do Estruturalismo acabou quando ele morreu. O fato de ter se mantido por tanto tempo é um tributo efetivo à sua pessoa. Titchener desenvolveu sua escola psicológica preocupado em estruturar o corpo teórico da psicologia pura, não se preocupando com sua aplicabilidade (SCHULTZ; SCHULTZ, 2009). 19 O FUNciONAliSmO O funcionalismo nasceu nos EUA e seu principal pesquisador foi Wiliam James (1842-1910). Os psicólogos funcionalistas definiam a Psicologia como uma ciência biológica, interessada em estudar os processos, as operações e os atos psíquicos (mentais) como formas de interação adaptativa, no sentido de descobrir sua função, o que para o Funcionalismo não é conhecer, mas adaptar. O objeto de estudo da Psicologia, para o Funcionalismo, era a consciência. Na virada do século, a Psicologia assumira nos Estados Unidos um caráter próprio, distinto do da Psicologia de Wundt e do Estruturalismo de Titchener, que não se interessavam em estudar o propósito ou a função da consciência. O foco para os funcionalistas era a operação dos processos conscientes, e não a estrutura ou o conteúdo da consciência. O principal interesse dos psicólogos funcionais era a utilidade ou o propósito dos processos mentais para o organismo vivo em suas permanentes tentativas de adaptar-se ao seu ambiente. Os processos mentais eram considerados atividades que levavam a consequências práticas, em vez de elementos componentes de alguma espécie de padrão. A orientação prática do Funcionalismo levou inevitavelmente os psicólogos a se interessarem pela aplicação da Psicologia aos problemas do mundo real. Como atitude ou perspectiva geral, o Funcionalismo se tornou parte da principal corrente da psicologia americana. Sua precoce e vigorosa oposição ao Estruturalismo teve um imenso valor para o desenvolvimento da Psicologia nos Estados Unidos. Também foram significativas as consequências de longo prazo da transferência da ênfase da estrutura para a função. Um dos resultados disso foi que a pesquisa sobre o comportamento animal, que não fazia parte da abordagem estruturalista, veio a ser elemento fundamental da Psicologia (SCHULTZ; SCHULTZ, 2009). Portanto, para o Funcionalismo, a consciência é um mero produto da evolução. Desenvolveu-se como muitas outras funções, por um uso. O modo como se formam os conceitos depende da pessoa que os concebe. Hoje o Funcionalismo não existe como escola distinta de pensamento, mas os funcionalistas deixaram marcas na psicologia americana contemporânea, principalmente em sua ênfase na aplicação dos métodos e das descobertas da Psicologia a problemas do mundo real (SCHULTZ; SCHULTZ, 2009). 20 O ASSOciAciONiSmO O principal representante do Associacionismo foi Edward lee Thorndike (1874-1949), discípulo de Willian James e considerado um dos mais importantes pesquisadores no desenvolvimento da psicologia animal. Ele elaborou uma teoria objetiva e mecanicista da aprendizagem, que se concentra no comportamento manifesto. Acreditava que a Psicologia deveria estudar o comportamento, e não elementos mentais ou experiências conscientes de qualquer espécie; assim, reforçou a tendência de uma maior objetividade, iniciada pelos funcionalistas. Thorndike foi pioneiro no estudo da aprendizagem, entendendo-a não em termos subjetivos, mas em termos das conexões concretas entre estímulos e respostas (SCHULTZ; SCHULTZ, 2009). As obras de Thorndike e de Ivan Pavlov são um exemplo de descobertas simultâneas independentes na história da Psicologia. Thorndike desenvolveu a Lei do Efeito em 1898, e Pavlov fez uma proposta semelhante postulando a Lei do Reforço em 1902, mas foram necessários muitos anos até que essa semelhança conceitual fosse percebida. As investigações feitas por Thorndike sobre a aprendizagem humana e animal estão entre as mais importantes da história da Psicologia. Suas teorias tiveram amplo uso na educação, aumentando o envolvimento da Psicologia nessa especialidade. Além disso, suaobra anunciou a ascensão da teoria da aprendizagem à proeminência que ela alcançaria na psicologia americana. Embora teorias e modelos de aprendizagem cada vez mais novos tenham surgido desde a época de Thorndike, o significado de suas contribuições permanece inalterado. Sua obra é um marco no Associacionismo, e a forma objetiva com que conduziu suas pesquisas é uma relevante contribuição para o Comportamentalismo. Com efeito, John B. Watson escreveu que as pesquisas de Thorndike assentaram os alicerces do Comportamentalismo (SCHULTZ; SCHULTZ, 2009). 21 PSicOlOgiA E SEU ESTAbElEcimENTO cOmO ciÊNciA Ao revisar a literatura sobre a Psicologia e seu estabelecimento como ciência, percebe-se que o caminho trilhado por ela foi correlacionado com o paradigma das ciências nos séculos XIX e XX, que se apoiavam no Positivismo e no rigor científico, os quais almejavam o objetivismo, a neutralidade na relação com os sujeitos na pesquisa e o extremo controle das variáveis nas situações empíricas. No final do século XX, com os questionamentos sobre os paradigmas científicos, as Ciências Humanas e a Psicologia passaram a adotar uma abordagem que enfatizou o homem como um ser histórico e social, contextualizando-o em suas pesquisas, o que proporcionou a ampliação dos estudos do comportamento, do psiquismo, das relações e dos significados que o ser humano atribui às suas interações interpessoais e sociais. Dessa forma, há a reflexão sobre a metodologia de pesquisa e das abordagens quantitativas e qualitativas, que são relevantes nos estudos das Ciências Humanas. As duas abordagens se diferem na organização e na explanação do problema: a pesquisa quantitativa apresenta números para informar dados e opiniões, classificando os elementos, ou seja, utiliza-se de métodos estatísticos. Prodanov e Freitas (2009, p. 80) explicam: Pesquisa quantitativa: considera que tudo pode ser quantificável, o que significa traduzir em números opiniões e informações para classificá-las e analisá-las. Requer o uso de recursos e técnicas estatísticas (percentagem, média, moda, mediana, desvio-padrão, coeficiente de correlação, análise de regressão etc.). Já a pesquisa qualitativa considera a relação entre o mundo, os sujeitos e os conhecimentos gerados com e a partir dessa dinâmica, tornando-se um estudo descritivo que se preocupa com o processo. Os autores citados acima (2009, p. 81) completam: Pesquisa qualitativa: considera que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, isto é, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito que não pode ser traduzido em números. A interpretação dos fenômenos e a atribuição de significados são básicas no processo de pesquisa qualitativa. Portanto, a pesquisa qualitativa estuda a origem dos fatos, a profundeza, o componente mais relevante do caso. Demo (2000b) ainda acrescenta que esse estudo parte da etimologia da palavra, no latim, qualitas, que 22 significa essência. Dessa forma, ela busca a compreensão contextualizada da problemática, com a perspectiva de discutir as considerações e ampliar as discussões. Pesquisar, por conseguinte, é estudar sobre um assunto calcado no propósito de resolver ou encontrar a melhor solução para o problema inicial. Demo (2000c, p. 20) complementa que a pesquisa é entendida tanto como “[...] procedimento de fabricação do conhecimento, quanto como procedimento de aprendizagem, sendo parte integrante de todo o processo reconstrutivo de conhecimento”. A pesquisa deve ser projetada para que possa encontrar respostas aos problemas. Não existe verdade única e exata, pois todo estudo pode gerar novas possibilidades e descobertas. Para isso, o pesquisador tem importante função na execução da pesquisa: apresentar os fatos, explicar com segurança as descobertas e buscar compreensão através do conhecimento científico. Mas, do que trata, afinal, a Psicologia como ciência? A Psicologia é o estudo científico do comportamento e da organização mental. O objeto da Psicologia é analisado sob diferentes perspectivas com o objetivo de se obter, um dia, uma perspectiva integradora. Estas perspectivas são a biológica, a comportamental, a cognitiva, a sociocultural, a psicanalítica e a fenomenológica. Para finalizar, a psyché, parte do homem considerada como objeto de estudo da Psicologia, segue impossível de ser mensurada nos parâmetros das Ciências Naturais. Mesmo assim, os pesquisadores dessa área de conhecimento seguem investigando sua estrutura e suas características, desenvolvendo instrumentos e métodos para analisá-la psicologicamente. Há vários métodos de pesquisa em Psicologia e eles variam de acordo com a escola teórica que fundamenta o estudo. Portanto, apontar simplesmente que o “homem” é objeto da ciência psicológica ou das várias psicologias não é suficiente, porque essa designação genérica, em princípio, é objeto comum a todas as ditas “ciências humanas” dedicadas ao seu estudo. Resta-nos entender como essa disciplina desenha, a partir dessa abstração ampla, seus sujeitos concretos e, para tanto, deve-se estudar como são construídos os objetos nesse campo, além de caracterizar o que singulariza o olhar das psicologias entre as Ciências Humanas: este moderno olhar sobre o “psicológico”. 23 REFERÊNciAS ARAUJO, S. F. A fundamentação filosófica do projeto de uma psicologia científica em Wilhelm Wundt. (Tese) -Departamento de Psicologia, Universidade de Campinas. Campinas, 2007. BIASOLI-ALVES, Z.M.M. A pesquisa em Psicologia: análise de métodos e estratégias na construção de um conhecimento que se pretende científico. In: BIASOLI-ALVES, Z. M. M.; ROMANELLI, G. (Orgs.). Diálogos metodológicos sobre a prática de pesquisa. Ribeirão Preto: Legis Summa, 1998. BOCK, A. M. B.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. de L. T. Psicologias: uma introdução ao estudo de psicologia. 14 ed. São Paulo, SP: Saraiva, 2009. DEMO, Pedro. Educação e conhecimento: relação necessária, insuficiente e controversa. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000. _______. ironias da Educação: mudança e contos sobre mudança. Rio de Janeiro: DP&A, 2000. _______. Metodologia do Conhecimento Científico. São Paulo: Atlas, 2000. FIGUEIREDO, L. C. M; SANTI, P. L. R. Psicologia: uma (nova) introdução. São Paulo: EDUC, 2000. PASQUALI, L. Psicometria. In: Revista da Escola de Enfermagem da USP. São Paulo, n. 43, p. 992-999, 2009. PRODANOV, Cleber Cristiano; FREITAS, Ernani Cesar de. Metodologia do Trabalho Científico: métodos e técnicas da pesquisa e do trabalho acadêmico. Novo Hamburgo: Feevale, 2009. SCHULTZ, D. P.; SCHULTZ, S. E. História da psicologia moderna. 9 ed. São Paulo, SP: Cengage Learning, 2009. 25 Desenvolvimento Histórico da Psicologia Maria Lúcia Rodrigues Langone Machado1 A Psicologia é uma das mais antigas disciplinas acadêmicas e, ao mesmo tempo, uma das mais novas. Sabemos que muitas das interrogações realizadas séculos atrás ainda são relevantes hoje para a Psicologia. Isso significa que a Psicologia tem uma ligação vital e tangível com o seu próprio passado, um vínculo que muitos psicólogos consideram satisfatório e útil explorar (SCHULTZ; SCHULTZ, 2009). A Psicologia de hoje, segundo Wertheimer (1991), é filha da Psicologia de ontem. Portanto, a história da Psicologia determina, até certo ponto, os problemas estudados, a maneira de estudá-los e, até mesmo, a linguagem a ser usada para falar a respeito dos problemas. Nesse sentido, o estudo da história da Psicologia pode oferecer perspectivas, indicar diretrizes, mostrar a origem das ideias, ajudar a evitar enganos já cometidos anteriormente por outros e mostrar de que maneira coisas variadas se ajustam entre si. Segundo Figueiredo e Santi (2000), a Psicologia científica surgiu a partir do fenômeno denominado de experiência da subjetividade privatizada, na qual a percepção de que somos livres, diferentes, capazes de experimentar sentimentos, ter desejos e pensar independentemente dos demais membros da sociedade está, aomesmo tempo, associada com a sensação de que não somos tão livres e diferentes quanto pensávamos, de que tudo não passa de uma ilusão. Assim, existe a suspeita de que forças invisíveis estão nos controlando e de que não conseguimos visualizar, com clareza, as causas e os significados de nossas ações. 1 Psicóloga (UNISINOS), Especialista em Psicologia Hospitalar: Ênfase em Saúde (ULBRA), Mestranda do Programa de Mestrado em Diversidade Cultural e Inclusão Social (Universidade Feevale) (2014-2016), Psicoterapeuta, Professora assistente da Universidade Feevale. Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase no tratamento e na prevenção psicológica, atuando principalmente nos seguintes temas: interdisciplinaridade, doença pulmonar, doença cardíaca e metabólica, ansiedade, depressão, qualidade de vida, inclusão de Pessoas com Deficiência (PCDs) no mercado de trabalho e psicologia hospitalar. E-mail: marialucia@feevale.br. 26 Conforme ressalta Bock (2009), o início do desenvolvimento histórico da Psicologia começa a surgir entre os filósofos gregos com a primeira tentativa de sistematizar uma Psicologia. O próprio termo Psicologia vem do grego psyché, que significa alma, e de logos, que significa razão. Portanto, etimologicamente, Psicologia significa “estudo da alma”. Dessa forma, a alma era concebida como a parte imaterial do ser humano, compreendendo o pensamento, os sentimentos de amor e ódio, a irracionalidade, o desejo, a sensação e a percepção. A partir de Sócrates (469-399 a.C.), a Psicologia, na antiguidade, ganha consistência. Sócrates preocupava- se com o limite que separa o homem dos animais e postulava que a principal característica humana era a razão. A razão permitia ao homem sobrepor-se aos instintos, que seriam a base da irracionalidade. As teorias da consciência são, de certa forma, frutos dessa primeira sistematização. Platão (427-347 a.C.), discípulo de Sócrates, segundo Rosenfeld (1993), foi o primeiro pensador que definiu com clareza a noção do ser imaterial constituído pelas ideias. Mueller (1968) ressaltou ainda que Platão foi o primeiro a demonstrar o caráter imaterial da alma como garantia de sua imortalidade. Esse filósofo acreditava que a vida psíquica era independente da vida do corpo e procurou definir um “lugar” para a razão no nosso próprio corpo, estabelecendo a cabeça como o “lugar” onde se encontra a alma do homem. Já a medula seria o elemento de ligação da alma com o corpo. Esse elemento de ligação era necessário, porque Platão concebia a alma separada do corpo. Quando alguém morria, a matéria (o corpo) desaparecia, mas a alma ficava livre para ocupar outro corpo. Conforme Aristóteles (384-322 a.C.), aluno de Platão, a alma e o corpo não poderiam ser dissociados. Rosenfeld (1993) destaca que, para Aristóteles, a alma é a enteléquia dos seres vivos, enumerando três níveis de desenvolvimento da psyché: a alma vegetativa (com as funções de alimentação e reprodução), alma já presente no nível das plantas; a alma sensitiva (funções de percepção e movimento), que se associa no animal à alma vegetativa; e a alma racional (pensante), que se associa no homem aos níveis inferiores. No homem, para Aristóteles, dá-se o mais completo desenvolvimento das duas primeiras almas e somente dele se pode dizer que possui a terceira alma, a racional. Desse modo, 2.300 anos antes da chegada da Psicologia científica, os gregos já haviam formulado duas “teorias”: a platônica, que postulava a imortalidade da alma e a concebia separada do corpo, e a aristotélica, que afirmava a mortalidade da alma e a sua relação de pertencimento ao corpo (BOCK, 2009). Após o reinado de Alexandre, o Grande, do qual Aristóteles foi mestre, a cultura grega começou a entrar em decadência, momento em que surgiram e floresceram as principais religiões. As pessoas estavam insatisfeitas 27 com a situação em que viviam. Nessa perspectiva, várias religiões e, entre elas, especialmente, o cristianismo, tendiam a concentrar-se no futuro e ofereciam a esperança de que o amanhã traria uma vida melhor e mais agradável, talvez, após a morte do corpo. Assim, nos primeiros quinhentos anos após o nascimento de Cristo, Aristóteles foi esquecido, e os ensinamentos religiosos tornaram-se o centro da cena intelectual (WERTHEIMER, 1991). Às vésperas da era cristã, surgiu um novo império que iria dominar a Grécia, parte da Europa e do Oriente Médio: o Império Romano. Uma das principais características desse período é o aparecimento e o desenvolvimento do cristianismo — uma força religiosa que passou ser a força política dominante. Portanto, falar de Psicologia nesse período é relacioná-la ao conhecimento religioso, já que, ao lado do poder econômico e político, a Igreja Católica também monopolizava o saber e, consequentemente, o estudo do psiquismo (BOCK, 2009). Os dois grandes filósofos que representam esse período são, respectivamente, Santo Agostinho (354- 430) e São Tomás de Aquino (1225-1274). Santo Agostinho (354-430) foi inspirado pelas ideias difundidas por Platão, pois fazia também uma cisão entre alma e corpo. No entanto, para ele, a alma não era somente a sede da razão, mas a prova de uma manifestação divina no homem e, sendo assim, afirmava que a alma era imortal por ser o elemento que liga o homem a Deus e, como a alma era, ao mesmo tempo, a sede do pensamento, a Igreja passou a se preocupar também com sua a compreensão (BOCK, 2009). São Tomás de Aquino (1225-1274) projetou-se como importante figura na história das ideias, em grande parte pelo seu esforço em procurar levar a cabo a difícil tarefa de reconciliar as ideias de Aristóteles com o dogma religioso, tendo em vista que viveu num período que prenunciava a ruptura da igreja Católica. Assim sendo, a redescoberta de Aristóteles colocou os pensadores da época numa situação difícil, pois muitas das crenças de Aristóteles eram incoerentes com os ensinamentos religiosos. Porém, mesmo diante de uma complexa incumbência, São Tomás de Aquino passou a assumir a ideia de distinção entre essência e existência de Aristóteles, ao postular que o homem, na sua essência, busca a perfeição através da sua existência. Entretanto, no cerne dessa concepção, São Tomás de Aquino propunha que somente Deus seria capaz de reunir a essência e a existência, em termos de igualdade. Portanto, a busca da perfeição pelo homem seria a busca de Deus (WERTHEIMER, 1991). Passados mais de 200 anos após a morte de São Tomás de Aquino, iniciou-se uma época de transformações radicais no mundo europeu com o Renascimento. Nesse momento, estabeleceu-se uma nova forma de organização 28 econômica e social, resultado da transição para o capitalismo, em que o homem passou a ser valorizado (BOCK, 2009). René Descartes (1596-1650) foi uma das primeiras grandes figuras do desenvolvimento ocorrido nessa época. Wertheimer (1991) salienta que ele postulava a separação entre mente e corpo, caracterizando um dualismo muito semelhante ao proposto por Platão. Porém, acreditava numa espécie de interação entre o corpo e a alma, a qual chamou de dualismo interativo entre mente e corpo. Assim sendo, o homem era visto como tendo uma substância material e uma substância pensante (razão). Quando o corpo era visualizado desprovido do espírito, era percebido apenas como uma máquina e, a partir dessa concepção dualista, tornou-se possível a permissão do estudo do corpo humano morto, o que acabou por impulsionar o avanço científico da anatomia e da Fisiologia. Para Rosenfeld (1993), a importância de Descartes no campo da Psicologia talvez não decorra tanto das suas teorias, ainda repletas de ideias tradicionais, mas da sua atitude de sinceridade intelectual. Em suas meditações filosóficas, Descartes resolveu duvidar de tudo de que pudesse duvidar. Decidiu que a única coisa sobre a qual podia ter certeza era a sua dúvida: tudo mais podia ser ilusão, um autoengano, mas não podia duvidar do processo mesmo de duvidar. Argumentava que o duvidarimplica a existência de alguém que duvida e acabou por convencer-se de sua própria existência, do que resultou sua famosa afirmação: “penso, logo existo”. Entre as suas contribuições para a sistematização do conhecimento científico, está a criação de métodos e regras (WERTHEIMER, 1991). A ciência continua ascendendo no século XIX, passando a ser um referencial para a visão de mundo. A noção de verdade deixa de estar dependente e diretamente relacionada ao monopólio do conhecimento religioso, passando a depender do reconhecimento da ciência, o que foi reforçado pela concepção positivista de Augusto Comte, a qual ditava um rigor científico em pesquisas. Comte pressupunha que o método da ciência natural era o único modelo de se produzir ciência. Nesse sentido, a Física era tida como modelo de construção de conhecimento científico. Nesse mesmo período, conforme Bock (2009), os problemas e temas da Psicologia começaram a ser estudados não somente pelos filósofos, mas também pela Fisiologia e pela Neurologia. A partir disso, os avanços nessa área da Psicologia levaram à formulação de teorias sobre o Sistema Nervoso Central, demonstrando que o pensamento, as percepções e os sentimentos humanos eram produto desse sistema, tornando-o, assim, necessário para a compreensão do psiquismo humano. A Psicologia científica, em seus primórdios, contou ainda com outra contribuição muito importante, a de Wilhelm Wundt (1832-1926). Wundt criou, em 1879, na Universidade de Leipzig, na Alemanha, o primeiro 29 laboratório para realizar experimentos na área de Psicofisiologia. Por esse fato e por sua extensa produção teórica na área, ele é considerado o pai da Psicologia moderna ou científica (BOCK, 2009). A originalidade do programa de pesquisas desenvolvidas por Wundt encontra-se no abandono do tratamento metafísico tradicional dado à vida mental e na tentativa de se manter fiel às novas perspectivas apresentadas pelas ciências naturais, especialmente, em relação ao método experimental, sem, contudo, comprometer ou reduzir a singularidade e a autonomia da Psicologia frente a esses referenciais. Com esse intuito, Wundt empreendeu um prolongado diálogo com a tradição filosófica de seu tempo e conduziu dezenas de pesquisas acerca de fenômenos como percepção, sensação, atenção, sentimentos, memória, entre outros (SCHULTZ; SCHULTZ, 2009). Entre os trabalhos de Wundt, pode-se destacar o desenvolvimento da concepção do paralelismo psicofísico, segundo a qual aos fenômenos mentais correspondem fenômenos orgânicos e, sendo assim, uma estimulação física, como uma picada de agulha na pele de um indivíduo, teria uma correspondência na mente desse indivíduo. Para explorar a mente ou consciência do indivíduo, Wundt criou, então, um método que denominou Introspeccionismo. Nesse método, o experimentador pergunta ao sujeito, especialmente treinado para a auto-observação, os caminhos percorridos no seu interior por uma estimulação sensorial que, nesse caso, é a picada da agulha (BOCK, 2009). Através de sua caminhada como pesquisador, Wundt demonstrou sua extraordinária energia criadora e sua perseverança por mais de sessenta anos. A criação de uma Psicologia Experimental e Científica tornou-o merecedor de um grande respeito e tornou-se a fonte de sua maior influência. Ele fundou um novo domínio da ciência, como anunciara que faria, e realizou pesquisas num laboratório projetado exclusivamente para esse fim. Publicou os resultados em sua própria revista e tentou desenvolver uma teoria sistemática da mente humana. Alguns dos seus alunos fundaram outros laboratórios e deram continuidade às pesquisas com os problemas e as técnicas que ele estabelecera. Assim, Wundt forneceu à Psicologia todos os apetrechos de uma ciência moderna (SCHULTZ; SCHULTZ, 2009). Até aqui, pode-se perceber que é incontestável o fato de que a Psicologia Científica tenha nascido na Alemanha com o primeiro laboratório experimental, mas, na verdade, foi nos Estados Unidos que ela encontrou campo para um rápido crescimento, resultado do grande avanço econômico que colocou os Estados Unidos na vanguarda do sistema capitalista. Foi ali que surgiram as primeiras abordagens ou escolas em Psicologia, as quais deram origem às inúmeras teorias que existem atualmente. Essas abordagens são: o Funcionalismo, 30 de William James (1842-1910); o Estruturalismo, de Edward Titchner (1867-1927), e o Associacionismo, de Edward L. Thorndike (1874-1949) (BOCK, 2009). O FUNciONAliSmO Conforme Schultz e Schultz (2009), o movimento funcionalista concentrou-se numa questão prática: o que os processos mentais realizam? Os funcionalistas não estudavam a mente do ponto de vista de sua composição (uma estrutura de elementos mentais), mas como um conglomerado de funções e/ou processos que levam a consequências práticas no mundo real. Segundo Bock (2009), o Funcionalismo de William James (1842-1910) é considerado como a primeira sistematização genuinamente americana de conhecimentos em Psicologia. Uma sociedade que exigia o pragmatismo para seu desenvolvimento econômico acabou por exigir dos cientistas americanos o mesmo espírito. Desse modo, para a escola funcionalista de W. James, o que importa é responder “o que fazem os homens” e “por que o fazem”. Para responder a isso, W. James elegeu a consciência como o centro de suas preocupações e buscou a compreensão de seu funcionamento, na medida em que o homem a usa para se adaptar ao meio. O ESTRUTURAliSmO Schultz e Schultz (2009) apontam que o Estruturalismo foi estabelecido por Edward Titchner (1867-1927), estando ele preocupado com a compreensão do mesmo fenômeno que o Funcionalismo: a consciência. Mas, diferentemente de W. James, Titchner irá estudá-la em seus aspectos estruturais, isto é, os estados elementares da consciência como estruturas do Sistema Nervoso Central. Essa escola foi inaugurada por Wundt, mas foi Titchner, seguidor de Wundt, quem usou o termo “Estruturalismo” pela primeira vez, no sentido de diferenciá- la do Funcionalismo. O método de observação de Titchner, assim como o de Wundt, é o Introspeccionismo, e os conhecimentos psicológicos produzidos são eminentemente experimentais, isto é, produzidos a partir do laboratório (BOCK, 2009). 31 O ASSOciAciONiSmO Bock (2009) destaca que o principal representante do Associacionismo é Edward L. Thorndike (1874- 1949) e que a sua importância está pautada no fato de que ele tenha sido o formulador de uma primeira teoria de aprendizagem na Psicologia. Sua produção de conhecimentos pautava-se por uma visão de utilidade desse conhecimento, muito mais do que por questões filosóficas que perpassam a Psicologia. Ainda para Bock (2009), o termo “Associacionismo” origina-se da concepção de que a aprendizagem se dá por um processo de associação das ideias — das mais simples às mais complexas. Assim, para aprender um conteúdo complexo, a pessoa precisaria primeiramente aprender as ideias mais simples que estariam associadas àquele conteúdo. Schultz e Schultz (2009) comentam que, embora Thorndike se concentrasse nas conexões entre situações e respostas para investigar a aprendizagem e alegasse que estas não envolvem conexão consciente, ele estava, por outro lado, voltado para processos mentais e/ou subjetivos, pois falava em “satisfação”, ”contrariedade” e “desconforto” quando discutia sobre o comportamento dos seus animais experimentais. Assim, utilizava-se de termos que podem ser atribuídos como mais mentalistas do que comportamentalistas. Thorndike deixou uma importante contribuição para a Psicologia Comportamentalista quando formulou a Lei do Efeito. De acordo com essa lei, todo comportamento de um organismo vivo (um homem, um pombo, um rato etc.) tende a se repetir se nós recompensarmos (efeito) o organismo assim que este emitir o comportamento. Por outro lado, o comportamento tenderá a não acontecer, se o organismo for castigado (efeito) após sua ocorrência. Pela Lei do Efeito, o organismo irá associaressas situações com outras semelhantes. Por exemplo: se, ao apertarmos um dos botões do rádio, formos “premiados” com música, em outras oportunidades, apertaremos o mesmo botão, bem como generalizaremos essa aprendizagem para outros aparelhos, como toca-discos, gravadores etc. (BOCK, 2009). Assim, paulatinamente, a Psicologia foi atingindo o status de ciência à medida que foi se discriminando da Filosofia, da Fisiologia e da Neurologia. Inicia, então, o momento em que passa a definir seu objeto de estudo; a delimitar seu campo de estudo; a formular métodos de estudo desse objeto e a formular teorias como um corpo consistente de conhecimento na área, respeitando os critérios da Metodologia Científica (neutralidade, utilizando dados passíveis de comprovação, conhecimento cumulativo e sendo ponto de partida para outros experimentos e pesquisas na área). 32 REFERÊNciAS BOCK, A. M. B. Psicologias. São Paulo: Editora Saraiva, 2009. FIGUEIREDO, l. C. M.; SANTI, P. L. R. de. Psicologia – Uma (Nova) Introdução. São Paulo: EDUC, 2000. MUELLER, F. História da Psicologia, da Antiguidade aos nossos Dias. São Paulo: Editora Nacional e Editora da USP, 1968. ROSENFELD, A. O Pensamento Psicológico. São Paulo: Editora Perspectiva, 1993. SCHULTZ, D. P.; SCHULTZ, S. E. História da Psicologia moderna. São Paulo: Editora Cultrix, 2009. WERTHEIMER, M. Pequena História da Psicologia. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1991. 34 ObJETOS DE ESTUDO DA PSicOlOgiA Geraldine Alves dos Santos1 A ciência da Psicologia tem um objeto de estudo muito amplo: o ser humano. Ao mesmo tempo em que essa afirmação é simples, compreende uma complexidade difícil de ser expressa em um capítulo. Qualquer situação cotidiana de nossas vidas pode nos levar a observar vários aspectos que poderão ser objeto de estudo da Psicologia. Por exemplo: ao realizarmos a avaliação de uma disciplina da graduação, muitas questões estão envolvidas. Podemos pensar na capacidade de aprendizagem, na atenção, no desejo de aprender, na autoestima, na percepção de eficácia cognitiva, nas motivações etc. Uma única atividade pode evocar várias possibilidades de áreas de estudo da Psicologia. E assim nosso dia a dia está permeado por muitas situações que intrigam os psicólogos a desvendar os mistérios da mente humana. A Psicologia é uma ciência que procura compreender o comportamento e os processos mentais. Nesse sentido, vamos poder observar que os estudos desenvolvidos pelos psicólogos e por suas equipes disciplinares e interdisciplinares procuram ter como objeto de estudo o que o ser humano faz, ou seja, seu comportamento visível, e nesse momento poderíamos pensar no seu comportamento de estar lendo este livro; seus pensamentos, ao ler este texto, todas as ideias que aparecerem em sua mente serão pensamentos ligados ao texto ou não, motivados por questões conscientes ou inconscientes; suas emoções, como a alegria, a raiva, o medo; suas percepções; ao ler este texto, algumas pessoas o considerarão muito bom, outras o acharão péssimo, porque, em função de experiências anteriores, ou mesmo das condições em que foram estimuladas a realizar a leitura, poderão alterar a percepção (um copo com metade da água, alguns poderão percebê-lo como meio cheio e Psicóloga (PUCRS), Formação em Método de Rorschach (ASBRo) e na Técnica de Zulliger (ASBRo), Formação em Psicodrama, Especialista em Gerontologia Social, Mestre em Psicologia Clínica, Doutora em Psicologia, Pós-Doutorado na Faculdade de Serviço Social da PUCRS, Professora titular do Curso de Psicologia da Universidade Feevale. Professora e Pesquisadora do Programa de Pós Graduação em Diversidade Cultural e Inclusão Social. Líder do Grupo de Pesquisa Corpo, Movimento e Saúde. E-mail: geraldinesantos@feevale.br. 35 outros, como meio vazio); seus processos de raciocínio; suas memórias; e, por fim, as atividades biológicas que parecem não ter muito a ver com a Psicologia, mas que se tornam um dos elementos mais importantes, pois a mente humana está totalmente interligada ao organismo físico (RENNER et al, 2012). Se pensarmos o ser humano como o objeto primeiro de estudo da Psicologia, devemos nos lembrar de nossa origem e de nossa história. Vamos começar pelas primeiras compreensões do ser humano sobre ele mesmo. Wong (2013) explana sobre o princípio de nossa história: Em alguma época entre 3 e 2 milhões de anos, talvez numa savana primitiva na África, nossos ancestrais se tornariam reconhecidamente humanos. Por mais de 1 milhão de anos seus antecessores australopitecinos – Lucy e os de sua espécie -, que caminhavam eretos mas ainda tinham pernas curtas, mãos para subir em árvores e cérebro pequeno de seus antepassados macacos, prosperavam dentro e em torno de florestas e bosques do continente. Mas seu mundo estava se transformando. A mudança climática favoreceu a propagação de campos abertos e os primeiros australopitecinos deram origem a novas linhagens. Uma dessas ramificações evoluiu com pernas longas, mãos hábeis e um cérebro enorme. Era o gênero Homo, o primata que governaria o planeta (p. 12). Assim, a história desvela-nos os nossos primeiros passos. Remontamos ao momento em que nos demos conta de que podíamos modificar o ambiente a nossa volta. Os homens da caverna, ao descobrirem, por exemplo, o fogo e, posteriormente, o seu uso, mudaram o seu comportamento em relação ao ambiente e assim foram dando sentido a sua existência a partir de cada nova descoberta. Evoluímos muito nessa sequência, de século em século, até chegarmos a nossa configuração atual. Ainda desconhecemos o momento em que delimitamos o processo de autonomia sobre o ambiente e sobre o nosso comportamento. Essa caixa preta talvez fique lacrada para o resto da história, uma vez que os antropólogos e as ciências afins ainda mantêm dúvidas sobre essas explicações. Mas, esse comportamento de modificar o ambiente com nossas ações e darmos sentido a nossa existência se mantém presente, certamente muito mais complexo com o advento do mundo virtual, mas tão rico de sentido quanto na descoberta do fogo ou da roda. Sagan (1987) discute interessantes elementos sobre o desenvolvimento do ser humano. Ao comparar o ser humano com outros animais, identifica a sua fragilidade definida pelo seu tamanho e pelo risco de se machucar. Qualquer queda superior a dois metros pode configurar um ferimento ou mesmo a morte. Consequentemente, podemos compreender que nosso peso é desproporcional a nossa superfície corporal em função de nosso tamanho. Nesse sentido, cada pulo de um galho para outro pode representar um grande perigo. 36 Cada pulo representava uma oportunidade para a evolução. Poderosas forças seletivas estavam em jogo para produzir organismos com graça e agilidade, visão binocular acurada, habilidades manipulativas versáteis, soberba coordenação oculomanual e uma concepção intuitiva da gravitação newtoniana. Cada uma dessas habilidades, entretanto, exigia consideráveis avanços na evolução dos cérebros e particularmente do neocórtex de nossos ancestrais. A inteligência humana, fundamentalmente, deve muito aos milhões de anos em que nossos ancestrais pularam de galho em galho no alto das árvores (SAGAN, 1987, p. 59). Diante de toda essa evolução, Sagan (1987) traz interessantes reflexões sobre a origem de nossos comportamentos. Naturalmente, todas as nossas concepções atuais de comportamento, por mais diversas que possam se configurar, são permeadas pelos comportamentos aprendidos por nossos ancestrais. Nossos medos, nossas angústias e nossos prazeres possuem bases evolutivas. E depois que retornamos à savana e abandonamos as árvores, será que ansiamos por aqueles enormes saltos graciosos e aqueles momentos de êxtase da imponderabilidade nos raios de luz do topo das florestas? Será o reflexo do abraço das criancinhas hoje é uma tentativa de evitar a queda do alto das árvores? Seriam nossos sonhos noturnos de voar a nossa paixão diurna pelo vôo, como exemplificaramas vidas de Leonardo da Vinci e Konstantin Tsiolkovskii, nostálgicas reminiscências daqueles dias passados nos galhos altos das florestas? (SAGAN, 1987, p. 59). Nesse processo de adaptação e de desenvolvimento de nosso cérebro, configura-se o comportamento humano e se estabelece a dicotomia entre o mundo interno e o mundo externo. Na relação de sobrevivência que estabelecemos com o ambiente, surgem os sentimentos de medo ou alegria, mesclados com sensações de frio, dor, fome etc. Então, encontramos a associação de que, quando atendemos a nossas necessidades básicas, temos emoções agradáveis. Quanto mais pensamos no decorrer de nossa evolução humana, mais complexos se tornaram os nossos pensamentos e, assim, nossas indagações se multiplicaram. Quem sou eu? Quem somos nós? Qual o sentido de nossas vidas? Muitas perguntas, poucas respostas? O vazio das explicações, muitas vezes, leva os seres humanos ao sentimento de angústia existencial. Quando nasce a Filosofia, nos deparamos com pensadores como Tales de Mileto (624 – 546 a.C.), Pitágoras (c. 569 – 495 a. C.), Confúcio (551 – 479 a. C.) e Sócrates (469 - 399 a. C.), que nos ensinam a buscar respostas baseadas na razão em lugar da convenção. Tales, nascido na cidade grega de Mileto, é considerado historicamente como o primeiro filósofo, pois ele transmitiu aos 37 seus seguidores um processo de pensar racionalmente. Portanto, Tales nunca deu respostas fechadas aos seus seguidores, como se fossem verdades imutáveis. A partir de sua indagação inicial - “Do que é feito o mundo?” -, os filósofos que o seguiram desenvolveram a Filosofia. Eles formaram, a partir desses questionamentos, a base do pensamento científico e estabeleceram uma forte relação entre a ciência e a Filosofia (ATKINSON et al., 2011). Sócrates, com sua célebre frase “Só sei que nada sei”, marcou para sempre o sentimento de ignorância da humanidade. Todos os seus ensinamentos demonstram o longo processo de conhecimento humano para encontrar respostas. O método dialético de Sócrates desenvolveu na humanidade um espírito questionador. Ao ser definido pelo Oráculo de Delfos como o homem mais sábio do mundo, Sócrates, indignado, desenvolveu o método dialético, partindo do princípio de quem nada sabia. Ele simplesmente estava fazendo perguntas. Assim, ele foi, aos poucos, expondo as contradições, a partir das argumentações, e levando ao parto de ideias, a partir de insights. A preocupação central de Sócrates foi a investigação sobre a vida. Seu implacável questionamento sobre as crenças mais estimadas (e, em grande parte, sobre as próprias pessoas crentes) lhe rendeu inimigos, mas ele permaneceu comprometido com sua empreitada até o fim. De acordo com o relato de defesa em seu julgamento, registrado por Platão, Sócrates preferiu a morte a ter de encarar uma vida de ignorância: ‘A vida irrefletida não vale a pena ser vivida’ (ATKINSON et al., 2011, p. 48). A partir do desenvolvimento da Filosofia e da Fisiologia, surge na história da Psicologia o delineamento de seu objeto de estudo, ou seja, uma definição mais clara dessas três áreas de conhecimento. Nesse sentido, Atkinson, Tomley e colaboradores (2012) demonstram que Enquanto a fisiologia descreve e explica a conformação física do cérebro e do sistema nervoso, a psicologia examina os processos mentais que nele acontecem e como se manifestam no nosso pensamento, discurso e pensamento. Enquanto a filosofia se preocupa com raciocínios e ideias, à psicologia interessa como eles nos ocorrem e o que nos dizem sobre o funcionamento da mente (p.10). No caminho dessa construção, encontramos o pensamento de Vigotski (1929/2000) sobre o ser humano, que é visualizado com base nos seguintes pressupostos: Pensa não o pensamento, pensa a pessoa. Este é o ponto de partida da visão [...] O que é o homem? Para Hegel é o sujeito lógico. Para Pavlov é o soma, organismo. Para nós é a personalidade social 38 = o conjunto de relações sociais, encarnado no indivíduo (funções psicológicas, construídas pela estrutura social). O homem é para Hegel sempre a consciência ou auto-consciência (p. 33). Ao descrever as categorias fundamentais da natureza humana, Hacker (2010) desenvolve um tratado sobre o significado de ser humano. Nesse sentido, ele descreve a pessoa sobre vários pontos de vista, desde o biológico até o espiritual, passando inclusive pelas definições de máscaras que se utilizava para o teatro, descrevendo os diversos personagens interpretados pelos atores. Essa distinção é exatamente a razão que nos diferencia dos animais e nos coloca em uma posição de relativa superioridade. Por sermos racionais, podemos raciocinar e agir por razões. Assim, temos intenções, planos e projetos que perseguimos. Por ter uma linguagem, nossos poderes cognitivos nos dotam da habilidade de reter formas complexas de conhecimento que podemos adquirir e que de fato adquirimos. Isso inclui memória pessoal ou da experiência. Assim, possuímos como se fosse uma autobiografia – podemos narrar nossa vida tal como a recordamos (HACKER, 2010, p. 310). As histórias de vida dos seres humanos os tornam únicos e, através delas, vamos descobrindo como evoluímos cognitiva, emocional, social e espiritualmente. Os elementos que dão sentido à existência humana são descobertos nas entrelinhas das histórias humanas individuais. Assim, as histórias de vida configuram a história mundial, ou seja, dão sentido à formação de outras histórias ao longo da jornada humana. Hacker (2010) continua desenvolvendo sua compreensão sobre o humano e suas autobiografias, referindo que Cada ser humano traça uma rota única através do mundo, e a combinação de dotes genéticos, aptidões variáveis de reagir à experiência individual e memória dão a cada ser humano uma personalidade com uma combinação única de traços de caráter, tendências comportamentais, uma consciência de um passado singular (atinente tanto à vida interior como à vida exterior) e de projetos. Nossa consciência do passado incorpora tipicamente uma consciência de nosso grupo social e familiar e da forma de vida que contribui para a geração de nossa identidade social, desempenhando um papel crucial na concepção de nós mesmos. Temos assim, uma percepção (mais fraca ou mais forte) de nossa própria identidade, que pode ser mais ou menos individualista ou mais ou menos tribal (p. 310-311). Podemos pensar que não é uma exclusividade da Psicologia o homem ser o objeto de estudo central. Várias áreas da ciência também mantêm esse foco de estudo, mas a Psicologia lhe atribui o conceito de subjetividade, assim o transformamos em um objeto de uso exclusivo. A subjetividade dos comportamentos 39 humanos, consequentemente, acaba sendo o principal objeto de estudo da Psicologia. Isso a diferencia de outras áreas do conhecimento, como a Antropologia, a Sociologia, a Filosofia, a Política etc. Podemos considerar que existem muitas áreas dentro das ciências sociais e humanas que ajudam a compreender o ser humano, mas em nenhuma delas vamos encontrar o estudo da subjetividade do comportamento humano. Todas elas são essenciais para ajudar a Psicologia a compreender a subjetividade. Mas, como objeto específico de estudo, encontraremos apenas na Psicologia, independentemente da linha teórica que adotemos. O grande problema, nesse momento em que abordamos a subjetividade, é o fato de que os psicólogos estudam a si mesmos, ou aos grupos em que também estão inseridos. Portanto, acabam sendo presos, influenciados e absorvidos por suas histórias, por seus amores e desafetos. O psicólogo estuda a ele mesmo, através dos outros seres humanos. Seria impossível dizer que não estão envolvidos com seu objeto de estudo, quando são seus próprios objetivos de estudo. Talvez, nesse ponto, encontramos o fator mais intrigante e estimulante da história da Psicologia. Por que o objeto de estudo da Psicologia fascina tanto a sociedade? Porque o ser humano em essência tem curiosidade. A curiosidadesobre nós mesmos é o maior mistério que tentamos desvendar desde a concepção até a morte. Assim, no dia em que descobrirmos todos os meandros de nossa existência, a vida não terá mais graça, acabarão o mistério e a energia que nos movem, a libido que nos propulsiona a acordar de manhã, a criar e viver. O PAPEl DO SENSO cOmUm NAS iNDAgAÇõES ciENTíFicAS DA PSicOlOgiA A sociedade, em algumas situações, confunde o objeto de estudo da Psicologia com o senso comum. Esse equívoco ocorre porque, muitas vezes, imagina-se que a Psicologia surge espontaneamente da mente dos psicólogos sem nenhum rigor científico. O senso comum poderia ser entendido como uma hipótese de pesquisa para o pensamento humano. O senso comum, portanto, é testado cientificamente e, então, a Psicologia poderá descobrir se é verdadeiro ou não. Muitas vezes, o senso comum está certo, mas, se a Psicologia confiar apenas no senso comum, poderá incorrer em erros que prejudiquem a vida das pessoas. Todas as pessoas possuem histórias em suas famílias que eventualmente podem se perpetuar em seus comportamentos atuais. Esses comportamentos partem de conselhos, histórias, manias, enfim, modelos 40 passados de geração para geração. O que fazer quando alguém está com soluço? Existem muitas crendices: colocar um pedaço de linha enrolado no centro da testa da pessoa, beber água, prender a respiração, erguer os braços, dar um susto... Podemos enunciar muitos tipos de crendices que representam o senso comum. Não podemos afirmar que todos estão errados, mas precisamos testá-los. Esse é o papel da ciência. Esse, portanto, também é o papel da Psicologia em relação ao comportamento humano e às suas subjetividades. Naturalmente, a subjetividade do comportamento humano torna essa tarefa de pesquisa muito mais complicada, pois a grande variedade de variáveis intervenientes pode prejudicar o resultado final dos estudos da Psicologia. Por outro lado, a dificuldade torna essa área da ciência instigante e apaixonante para os profissionais que nela atuam. DiVERSiDADE E RiqUEzA DE ObJETOS DE ESTUDO DA PSicOlOgiA A Psicologia, no início de sua história, quando Wundt e Titchner realizavam os seus primeiros experimentos que dariam sentido à existência da Psicologia como ciência, focava-se nas sensações internas, nas imagens e nos sentimentos. Posteriormente, James estudou a avaliação introspectiva do fluxo de consciência e de emoção. Quando Freud assumiu relevância na história da Psicologia, demonstrou que o objeto de seus estudos era focado também nos comportamentos. Freud buscou um avanço na compreensão desses comportamentos e observou que são influenciados pelas respostas emocionais produzidas pelas vivências infantis e pelos processos de pensamentos inconscientes. Como demonstra Myers (2012), em sua retrospectiva histórica da Psicologia, até a década de 1920, a definição mais clara que tínhamos da Psicologia era de uma ciência da vida mental. Essa definição era estruturada de acordo com os seus objetos de estudo estabelecidos. Rosenbaum (2007) relata, de maneira singela, uma ideia complexa sobre como vários grandes filósofos e psicólogos tentam esclarecer o espaço que existe entre o real e a percepção individual. O mundo interno e a realidade externa possuem uma relação interessante. Segundo o autor, três palavras podem resumir o que a Psicologia estuda: “mundo interno”, “mundo mental” e “mundo subjetivo”. Esse objeto de estudo nasceu na Grécia Antiga, quando se passou a pensar e delinear os meandros da alma humana. O estudo da alma é em si o alicerce básico historicamente definido para a ciência da Psicologia: Psyché = alma e Logos = razão. 41 Bock, Furtado e Teixeira (2001) conseguem transmitir a dificuldade de identificar o objeto de estudo da Psicologia pela voz das diferentes correntes da Psicologia: Se dermos a palavra a um psicólogo comportamentalista, ele dirá: ‘O objeto de estudo da Psicologia é o comportamento humano’. Se a palavra for dada a um psicólogo psicanalista, ele dirá: ‘O objeto de estudo da Psicologia é o inconsciente’. Outros dirão que é a consciência humana, e outros, ainda, a personalidade (p. 25). Mas, todas as correntes concordarão que o comportamento, o inconsciente e a personalidade, assim como a cognição, o pensamento, as emoções, a motivação, etc. pertencem ao homem, nosso principal objeto de estudo. Atkinson, Tomley e colaboradores (2012) corroboram esse entendimento demonstrando que, desde o seu início, a Psicologia foi vista de maneiras diversas de acordo com os seus atores. Inicialmente, nos Estados Unidos, a Psicologia apresentava raízes clássicas na Filosofia. Assim, sua abordagem era originalmente especulativa e teórica, sem uma base científica, baseada apenas nos conceitos conscientes. Posteriormente, na Europa, encontra-se um quadro baseado no espírito científico que agregava a observação em laboratórios dos processos mentais, como a percepção sensorial e a memória. A estrutura científica que tentava se consolidar na Psicologia era barrada ainda pela natureza introspectiva de seus métodos, uma vez que os estudiosos baseavam seus trabalhos em objetos representados por eles mesmos, restringindo assim a possibilidade de expansão. A Psicologia ainda não havia atingido o ponto ideal de construção científica e foi só na década de 1890 que o fisiologista russo Ivan Pavlov conseguiu dar um salto na definição dos experimentos e, consequentemente, no estabelecimento dos objetos de estudo da Psicologia. Seus estudos levaram ao desenvolvimento do Behaviorismo, que tinha como objeto de estudo os processos mentais de forma objetiva e controlada, medindo assim os comportamentos. Entretanto, entraria em cena, em Viena, um jovem neurologista que mudaria o rumo da história e traria os estudos subjetivos novamente à cena. Assim, temos uma nova reviravolta no entendimento do objeto de estudo da Psicologia. Sigmund Freud retirou o enfoque dos estudos controlados e passou novamente a dar valor à observação e às histórias de vida dos sujeitos. “Freud estava interessado em memórias, desenvolvimento na infância e relações interpessoais, e destacava a influência do inconsciente para determinar o comportamento” (ATKINSON; TOMLEY et al., 2012, p. 11-12). 42 A tarefa da Psicologia é compreendida por Vigotski (1929/2000) como o estudo das reações da personalidade. “A toda ideologia (social) corresponde uma estrutura psicológica de tipo definido – mas no sentido da assimilação subjetiva e portadora da ideologia, mas no sentido da construção das camadas, de estratos e funções da personalidade” (p. 33). Pode-se compreender, a partir das ponderações sociais, econômicas e culturais desenvolvidas por Figueiredo (2012), que a Psicologia teve que se colocar diante de duas situações opostas: por um lado, temos o estudo do sujeito considerado pré ou anticientífico pelo seu caráter de observação individual, assim como a concepção antissocial do estudo do sujeito privado. Por outro lado, a Psicologia defronta-se com a imposição de “submeter a vida interior do indivíduo a leis, descobrindo nela regularidades que possibilitem o controle e a coloquem a serviço do domínio técnico da natureza e da reprodução social” (p.23). Diante dessas posições antagônicas, a ciência psicológica defronta-se com um dilema que, de acordo com Figueiredo (2012), remete a simultaneamente ter que “reconhecer e desconhecer seu objeto” (p. 23). A Psicologia precisa reconhecer-se como uma ciência independente, mas a Psicologia também precisa se desconhecer para conseguir se submeter aos procedimentos metodológicos científicos para a “formulação de leis gerais com caráter preditivo” (p. 23), ou seja, com características científicas. Abre-se então um campo de divergências e oposições que não tem nada de acidental nem parece que possa vir a ser unificado através de um processo de eliminação de alternativas que não suportem o teste empírico ou de paradigmatização em torno de uma alternativa
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