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1 Disciplina: Competência comunicativa Autor: Esp. Deise Cristina Pires Revisão de Conteúdos: Esp. Alexandre Kramer Morgenterm Designer Instrucional: Esp. Alexandre Kramer Morgenterm Revisão Ortográfica: Esp. Lucimara Ota Eshima Ano: 2020 Copyright © - É expressamente proibida a reprodução do conteúdo deste material integral ou de suas páginas em qualquer meio de comunicação sem autorização escrita da equipe da Assessoria de Marketing da Faculdade UNINA. O não cumprimento destas solicitações poderá acarretar em cobrança de direitos autorais. 2 Deise Cristina Pires Competência comunicativa 1ª Edição 2020 Curitiba, PR Faculdade UNINA 3 Faculdade UNINA Rua Cláudio Chatagnier, 112 Curitiba – Paraná – 82520-590 Fone: (41) 3123-9000 Coordenador Técnico Editorial Marcelo Alvino da Silva Conselho Editorial D.r Alex de Britto Rodrigues / D.r Eduardo Soncini Miranda / D.r João Paulo de Souza da Silva / D.ra Marli Pereira de Barros Dias / D.ra Rosi Terezinha Ferrarini Gevaerd / D.ra Wilma de Lara Bueno / D.ra Yara Rodrigues de La Iglesia Revisão de Conteúdos Alexandre Kramer Morgenterm Designer Instrucional Alexandre Kramer Morgenterm Revisão Ortográfica Lucimara Ota Eshima Desenvolvimento Iconográfico Juliana Emy Akiyoshi Eleutério FICHA CATALOGRÁFICA PIRES, Deise Cristina. Competência comunicativa / Deise Cristina Pires. – Curitiba: Faculdade UNINA, 2020. 74 p. [adaptado 76 p.] ISBN: 978-65-87972-54-1 1. Contexto. 2. Fala. 3. Sociolinguística. Material didático da disciplina de Competência comunicativa – Faculdade UNINA, 2020. Natália Figueiredo Martins – CRB 9/1870 4 PALAVRA DA INSTITUIÇÃO Caro(a) aluno(a), Seja bem-vindo(a) à Faculdade UNINA! Nossa faculdade está localizada em Curitiba, na Rua Cláudio Chatagnier, nº 112, no Bairro Bacacheri, criada e credenciada pela Portaria nº 299 de 27 de dezembro 2012, oferece cursos de Graduação, Pós-Graduação e Extensão Universitária. A Faculdade assume o compromisso com seus alunos, professores e comunidade de estar sempre sintonizada no objetivo de participar do desenvolvimento do País e de formar não somente bons profissionais, mas também brasileiros conscientes de sua cidadania. Nossos cursos são desenvolvidos por uma equipe multidisciplinar comprometida com a qualidade do conteúdo oferecido, assim como com as ferramentas de aprendizagem: interatividades pedagógicas, avaliações, plantão de dúvidas via telefone, atendimento via internet, emprego de redes sociais e grupos de estudos, o que proporciona excelente integração entre professores e estudantes. Bons estudos e conte sempre conosco! Faculdade UNINA 5 Sumário Prefácio ..................................................................................................... 07 Aula 1 – Contextualização histórica e a língua como fenômeno sociocultural ............................................................................................... 08 Apresentação da aula 1 ............................................................................. 08 1.1 A construção conceitual de Competência Comunicativa ............... 08 1.1.1 A língua como fenômeno sociocultural ...................................... 14 Conclusão da aula 1 .................................................................................. 19 Aula 2 – Sociolinguística ............................................................................ 21 Apresentação da aula 2 ............................................................................. 21 2.1 Sociolinguística ............................................................................. 22 2.1.1 Sociolinguística: identidade social ............................................. 31 Conclusão da aula 2 .................................................................................. 34 Aula 3 – Situação de comunicação e competência comunicativa: linguagem ação e cooperação; organização da fala em interação; e a construção situada dos sentidos ............................................................... 35 Apresentação da aula 3 ............................................................................ 35 3.1 Situação de comunicação e competência comunicativa: linguagem ação e cooperação ................................................................... 36 3.1.1 A organização da fala em interação: a construção situada dos sentidos ..................................................................................................... 42 3.2 A construção situada dos sentidos ............................................... 45 Conclusão da aula 3 .................................................................................. 50 Aula 4 – Evolução, constituintes, construção e uso(s) da competência comunicativa em contextos de ensino-aprendizagem da língua; fundamentação linguística do ensino da língua com ênfase no desenvolvimento da competência comunicativa do estudante ................... 52 Apresentação da aula 4 ............................................................................. 52 4.1 O desenvolvimento da competência comunicativa do estudante . 53 4.2 Evolução, constituintes, construção e uso(s) da competência comunicativa em contextos de ensino-aprendizagem da língua ............... 55 4.2.1 Fundamentação linguística do ensino da língua com ênfase no desenvolvimento da competência comunicativa do estudante ................... 60 Conclusão da aula 4 .................................................................................. 68 6 Conclusão da disciplina ............................................................................. 71 Índice Remissivo ........................................................................................ 73 Referências ............................................................................................... 74 7 Prefácio Nesta disciplina, de Competência Comunicativa, iremos explorar com mais profundidade os territórios das competências e habilidades comunicacionais e suas vertentes. Como estes conceitos teóricos funcionam nas práticas diárias e, de que maneira, eles podem ser extremamente úteis na construção e na aplicabilidade das especificidades do conhecimento, agregando qualidade e valor a tudo o que você realiza em seu campo de ação. 8 Aula 1 - Contextualização histórica e a língua como fenômeno sociocultural Apresentação da aula 1 Nesta aula serão abordadas a contextualização histórica e a língua como fenômeno cultural. A intenção é propor a percepção da estrutura das teorias oferecidas em outras décadas, que se ancoram na linguística e sociolinguística, fazendo um paralelo com o que está sendo oferecido atualmente nos parâmetros educacionais, com relação à competência comunicativa. ➢ O trajeto do conceito de Competência Comunicativa E como pode ser descrito este trajeto conceitual da Competência Comunicativa? Quais caminhos percorreu e quais pegadas deixou? Justamente estas trilhas marcadas pela construção conceitual da Competência Comunicativa serão, de certa forma, ressaltadas nesta disciplina, para que seja possível perceber a importância e a relevância que esta concepção adquiriu ao se consolidar ao longo do tempo. 1.1 A construção conceitual de Competência Comunicativa Há mais de cinco décadas o conceito de CompetênciaComunicativa que é discutido com veemência pelos pesquisadores da linguística, assim como, de áreas paralelas. O conceito difundido pelas pesquisas do linguista norte americano Dell Hymes não foi desenvolvido propriamente para ser aplicado à linguística, mas acabou contribuindo sensivelmente nos estudos científicos para a área da linguística aplicada como um todo. O interesse no aprofundamento desta noção conceitual se justifica pela importância que a comunicação exerce sobre as atividades humanas, realizando ação direta no desempenho e nas habilidades individuais e coletivas na sociedade contemporânea. O conceito de competência comunicativa vem sendo discutido desde quando surgiu com Hymes (1971), no seu texto de ampla circulação On Communicative Competence no qual discorda da dicotomia apresentada por Chomsky (1973) entre competência e desempenho e critica as teorias linguísticas “irrelevantes”(segundo ele) que, até então, 9 contemplavam um falante ideal sem considerar o contexto social em que os comunicantes estivessem envolvidos. A Competência Comunicativa é um termo mais complexo e sugere uma dinâmica que abrange bem mais do que o simples conhecimento de regras gramaticais e sua pretensa aplicação. Hymes (op.cit.) mostra a importância do contexto para que se desenvolva a CC a partir da interação entre os comunicantes, argumentando que não há aquisição de língua fora do contexto social (nossa ênfase). É o uso que busca a propriedade na linguagem em diversos contextos de comunicação que vai contribuir para o desenvolvimento dessa crucial competência. (FRANCO; ALMEIDA FILHO, 2009, p. 5, 6). O linguista, filósofo e sociolinguista Dell Hymes se contrapôs às ideias do também linguista e estudioso de outras áreas Noam Chomsky, que se centrava na ideia do aprofundamento das regras estruturais da língua, enquanto Hymes vem ampliar este olhar, apontando para outras importantes vertentes que influenciariam diretamente o falante durante a comunicação. Após palestra proferida por Noam Chomsky na Conferência do Nordeste sobre Ensino de Línguas Estrangeiras em 1966, na qual o gerativista questionou os postulados tanto da linguística quanto da psicologia adotados como premissas na aquisição de linguagem segundo os proponentes e defensores do método audiolingual (CHOMSKY, 1973), a comunidade acadêmica de linguistas aplicados, autores de livros didáticos e professores de língua estrangeira (LE) encontraram no construto de competência comunicativa de Dell Hymes um caminho que indicava uma nova possibilidade teórica. Hymes ampliou o conceito de competência proposto por Chomsky em Aspects of the Theory of Sintax, postulando que uma teoria linguística deveria contemplar, além do formalmente (sistemicamente) possível, também o viável, o apropriado e o que é efetivamente realizado pelo falante (HYMES, 1972). A chamada Abordagem Comunicativa (AC) apropriou- se do termo utilizado por Dell Hymes e desde a década de 1970 vem, de certa forma, traçando as balizas para o ensino de língua estrangeira. Um dos pilares da AC tornou-se a contextualização da linguagem – em uma tentativa de criar no ambiente de sala de aula condições para o ‘uso real’ da língua estrangeira. (ALMEIDA, 2011, p. 4378) O conceito defendido por Hymes mostra a Competência Comunicativa como algo que vai muito além de se utilizar as mais complexas regras gramaticais, ela exige a compreensão do contexto sociocultural e o entendimento de como as regras de convivência se aplicam em cada ambiente, ou seja, é uma tessitura de determinações que podem ser descritas teoricamente e outras que devem ser vivenciadas sócio e culturalmente pelo empirismo ou, ainda, pelas experiências in loco, agregando mais conhecimento por meio das experimentações. Em seu seminal On Communicative Competence (1972), Dell Hymes apresentou argumentos para defender que o conceito de 10 ‘competência’ de Chomsky (o falente ideal em uma comunidade de língua homogênea) é, de certo modo, incompleto. Para Hymes, mais do que adquirir as regras formais da língua, os falantes nativos também adquirem outras regras (sociolinguísticas) que podem igualmente ser analisadas e descritas. Embora Hymes não se referisse a aprendizagem de segunda língua, seu artigo influenciou outros que apresentaram novas abordagens para o ensino de segunda língua em uma época na qual o método áudio-lingual já dava mostras claras de enfraquecimento (ALMEIDA 2010, p.1). Para uma melhor compreensão dessa integralidade entre a fala e as vivências assimiladas individualmente como também as experiências coletivas, Hymes propõe uma teoria que acolhe tanto a linguística quanto os aspectos da cultura e da comunicação e estabelece quatro pilares para a estrutura desta proposição: O conceito de competência proposto por Dell Hymes, portanto, transcende o limite do estrutural formal. O autor explicita sua posição afirmando que “há vários setores de competência, um dos quais é o gramatical” (HYMES, 1972, p. 281). Assim sendo, a proposta do autor é de uma teoria linguística que seja integrada com uma teoria de comunicação e cultura, e que, portanto, deve abranger (1) o que é formalmente possível, (2) o que é viável, considerando os modos de implementação disponíveis, (3) o que é contextualmente apropriado, e (4) o que é de fato realizado pelos membros da comunidade. Em efeito, uma determinada estrutura pode ser formalmente possível (segundo as regras gramaticais de uma dada língua), viável, apropriada (contextualmente adequada), mas mesmo assim jamais realmente utilizada pelo falante, o que tornaria tal estrutura um exemplo abstrato de uma enunciação que concretamente jamais existiria, e portanto irrelevante para a discussão a respeito de competência comunicativa( ainda que seja de interesse para outras áreas de estudos linguísticos). Ressalta Hymes, entretanto, que os quatro níveis propostos não devem ser vistos como independentes um do outro, mas como esferas que se entrelaçam. (ALMEIDA, 2010, p. 48). Para Refletir “O termo “competência comunicativa” foi criado por sociolinguistas para demonstrar que o uso de formas linguísticas não convencionais pode ser apropriado para situações específicas em que os participantes se encontrem, e para os objetivos negociados por intermédio de seu discurso. O conceito foi também adotado e elaborado pelo setor do ensino de línguas estrangeiras, em que ele se tornou um dos conceitos-chave da chamada “abordagem comunicativa” no ensino de línguas. Esta abordagem prioriza o desenvolvimento da competência comunicativa, particularmente o conhecimento de como alcançar objetivos por meio do uso da língua, ao invés da produção de 11 estruturas linguísticas formalmente corretas.” John Corbett, Professor de Inglês, da Universidade de Macau. https://centerforinterculturaldialogue.files.wordpress.com/2016/09/ kc9-communicative-competence_portuguese.pdf Acesso em JUL/2020. Esta proposta apresentada por Dell Hymes surge em oposição às teorias de Noam Chomsky, na qual a competência comunicativa teria como base a estrutura formal da língua, sem levar em consideração, até então, o contexto sociocultural, como afirmava Hymes. Para Chomsky, é tarefa do linguista descrever a competência do falante. Ele define competência como capacidade inata que o indivíduo tem de produzir, compreender e de reconhecer a estrutura de todas as frases de sua língua. Ele defende que língua é conjunto de infinito de frases e que se define não só pelas frases existentes, mas também pelas possíveis, aquelas que se podem criar a partir da interiorização das regras da língua, tornando os falantes aptos a produzir frases que até mesmo nunca foram ouvidas por ele. Já o desempenho (performance ou uso), é determinado pelo contexto onde o falante está inserido. (SANTOS, 2006, s/p). Chomsky demonstra seu domínio e aprofundamentode pesquisa na linguística, mas não associa outras vertentes que somadas ao contexto geral, podem mudar a interpretação da mensagem emitida e a própria competência comunicativa. Existe uma dicotomia entre o “falante real e o falante ideal”, o que é questionado arduamente por Hymes e o que se comprova ao longo do tempo. O termo gramática é usado de forma dupla: é o sistema de regras possuídos pelo falante e, ao mesmo tempo, é o artefato que o lingüista constrói para caracterizar esse sistema, A gramática é, ao mesmo tempo, um modelo psicológico da atividade do falante e uma “máquina” de produzir frases. A teoria chomskiana conduz ao universalismo, segundo Orlandi, pois o que está em questão é o “falante ideal”, e não locutores reais do uso concreto da linguagem. A capacidade para desenvolver a linguagem é uma habilidade inata do ser humano: já nascemos com ela. E como a espécie humana é caracterizada pela racionalidade, a questão fundamental para essa linha de estudo é a relação entre linguagem e pensamento. Seus estudos se centralizam no percurso psíquico da linguagem como e, em conseqüência disso, no domínio da razão. Desta forma, a reflexão de Chomsky acaba por trazer para a Lingüística toda uma contribuição de estudos nas áreas da Lógica e da Matemática e, por outro lado, apresenta uma nova abordagem até então inexplorada: estudos sobre os fundamentos biológicos da linguagem (característica da espécie humana) (SANTOS, 2006, s/p.). 12 Virgílio Pereira de Almeida, professor da Universidade de Brasília, discorre em vários textos sobre essa tessitura das diferenças entre as teorias de Chomsky e Hymes, ele explica de maneira clara o conceito de competên- cia proposto por Del Hymes: O conceito de competência proposto por Dell Hymes, portanto, transcende o limite do estrutural formal. O autor explicita sua posição afirmando que “há vários setores de competência, um dos quais é o gramatical” (HYMES, 1972, p. 281). Assim sendo, a proposta do autor é de uma teoria linguística que seja integrada com uma teoria de comunicação e cultura, e que, portanto, deve abranger (1) o que é formalmente possível, (2) o que é viável, considerando os modos de implementação disponíveis, (3) o que é contextualmente apropriado, e (4) o que é de fato realizado pelos membros da comunidade. Em efeito, uma determinada estrutura pode ser formalmente possível (segundo as regras gramaticais de uma dada língua), viável, apropriada (contextualmente adequada), mas mesmo assim jamais realmente utilizada pelo falante, o que tornaria tal estrutura um exemplo abstrato de uma enunciação que concretamente jamais existiria, e portanto irrelevante para a discussão a respeito de competência comunicativa (ainda que seja de interesse para outras áreas de estudos linguísticos). Ressalta Hymes, entretanto, que os quatro níveis propostos não devem ser vistos como independentes um do outro, mas como esferas que se entrelaçam. (ALMEIDA, 2010. P 48). Saiba Mais O que é Competência Comunicativa, segundo John Corbett, Professor de Inglês da Universidade de Macau? “é o conhecimento necessário para interação usando uma linguagem que é não apenas correta em sua forma, como também apropriada para a situação, por exemplo, no nível de formalidade, cortesia ou franqueza. O que distingue competência comunicativa de competência linguística é o fato de a primeira focar o conhecimento de como a língua é usada para negociar relacionamentos pessoais e alcançar objetivos estratégicos, ao passo que a competência linguística se refere apenas à produção de expressões orais formalmente corretas.” Disponível em: https://centerforinterculturaldialogue.files.wordpress.com/2016/09/ kc9-communicative-competence_portuguese.pdf Acesso em JUL/2020. Posteriormente, Canale e Swain (1980) partem da ideia estabelecida por Hymes, trazendo à tona a importância do contexto sociocultural e das relações interpessoais diretamente no processo da competência. Os pesquisadores afirmaram que: 13 [...] entendiam comunicação como algo baseado em interações socioculturais e interpessoais imprevisíveis e criativas que acontecem em contextos socioculturais. Propuseram então um arcabouço teórico do que seja uma CC voltada para a abordagem comunicativa de ensino de línguas. A teoria desses autores aponta que a CC interage com uma teoria de ação humana e com outros sistemas de conhecimento humano. Essa teoria se refere tanto ao conhecimento como à habilidade, ambos utilizados numa comunicação real. Esse arcabouço de Canale e Swain também foi criado objetivando ser usado para o ensino de línguas e para avaliação de rendimento e proficiência nesse idioma. Para eles a estrutura teórica de CC teria implicações para as principais áreas do ensino de línguas: programas de curso, métodos de ensino, treinamento (formação) de professores e desenvolvimento de materiais de ensino. A partir dessa premissa o termo CC foi subdividido em três componentes distinguindo as partes principais da competência de linguagem. (1) Competência Gramatical (CG):esta competência se relaciona com o domínio do código linguístico, quer seja ele o verbal, quer seja o não verbal; relaciona-se, também, ao conhecimento de termos lexicais e regras de morfologia e sintaxe. Segundo Canale e Swain (1980), essa competência seria importante para qualquer tipo de abordagem comunicativa, cujos objetivos fossem prover os aprendizes com o conhecimento de como se determina e se expressa com precisão o sentido literal do enunciados. (2) Competência Sociolinguística (CS): envolve as regras socioculturais de uso e regras de discurso. Segundo os autores, conhecimentos das regras socioculturais adquiridas para compor esta competência seriam cruciais para interpretar declarações de significado social. Essa competência equivale a uma adequação do enunciado à forma. (3) Competência Estratégica (CE): relaciona-se às estratégias de comunicação verbal e não verbal que compensam a competência insuficiente e contribuem para tornar a comunicação mais eficaz. É uma compensação das falhas da comunicação devidas a uma falha na comunicação real. (4) Em 1983, Canale expande o conceito de CC com o acréscimo de mais um componente – a Competência Discursiva – que segundo ele, refere-se à capacidade de combinar formas gramaticais para formar um texto coerente e coeso. (FRANCO; ALMEIDA FILHO, 2009, p. 7, 8). Já, Lyle Bachman (1990) desenvolveu uma estrutura teórica chamada de habilidade de linguagem comunicativa ou “competência de linguagem”, que, em resumo, de maneira simples, seria a facilidade de se comunicar de maneira adequada em ambiente específico. A partir da percepção de que a competência abarca conhecimentos específicos que são usados na comunicação, o autor dividiu a CC em competência organizacional, subdividida, por sua vez, em competência gramatical e competência textual; e competência pragmática, subdividida em competência ilocucionária e sociolinguística. A competência gramatical é semelhante a competência linguística de 14 Canale e Swain (1980) e a competência textual semelhante à discursiva de Canale (1983). A competência ilocucionária, segundo o autor (op. cit.), nos possibilita usar a língua para expressar e entender várias funções de linguagem. A competência sociolinguística, por sua vez, nos habilita a usar a língua apropriadamente de acordo com o contexto. (FRANCO; ALMEIDA FILHO, 2009, p. 9 e 10). Segundo os autores Franco e Almeida Filho, uma versão repaginada do modelo de Competência Comunicativa foi proposta em 2008, pela pesquisadora estadunidense da área da linguística Celse Murcia, sendo especificamente designada ao ensino de línguas. Esse novo modelo ficou dividido nas Competências Linguísticas, Sociocultural, Discursiva, Formulaica e acrescentou a Interacional na qual incorporou a anteriormente denominada CompetênciaAcional. Da mesma forma que em seu modelo anterior (o de 1995), a Competência Discursiva segue situada no papel central do construto Competência Comunicativa. Esse termo, segundo a autora estadunidense, se refere à “seleção, sequenciamento e organização de palavras para se chegar a um enunciado completo”. No seu texto também é destacada a importância de se desenvolver o conhecimento sociocultural porque professores de língua, muitas vezes, têm mais conhecimento ou dão mais atenção às regras linguísticas do que aos comportamentos sociais e expectativas que acompanham o uso da língua-alvo. (FRANCO; ALMEIDA FILHO, 2009, p. 10 e 11). Ví deo Inteligências, Competências e Habilidades - Celso Antunes Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=V0oqZBkMavQ 1.1.1 A língua como fenômeno sociocultural Antes de abordar diretamente sobre a importância da língua no contexto sociocultural, é imprescindível tratar sobre o que é cultura, nos moldes conceituais do termo. É pertinente utilizar a conceituação do antropólogo brasileiro Roque de Barros Laraia, que discorre sobre cultura de forma clara, ressaltando o homem como resultado do meio cultural da sociedade na qual habita. O homem é o resultado do meio cultural em que foi socializado. Ele é um herdeiro de um longo processo acumulativo, que reflete o 15 conhecimento e a experiência adquiridas pelas numerosas gerações que o antecederam. A manipulação adequada e criativa desse patrimônio cultural permite as inovações e as invenções. (LARAIA, 1986, p 45.) Laraia traz em seu livro Cultura um conceito antropológico exemplos práticos e de simples compreensão sobre as diferenças culturais ao redor do mundo. Roque Laraia (1986) enfatiza ainda a dubiedade quando se discute a respeito de cultura, sendo a conciliação da unidade biológica e a grande diversidade cultural da espécie humana, ressaltando que uma característica não é predominante sobre a outra. A partir destas comparações elaboradas pelo autor, o entendimento do conceito proposto fica mais acessível. Basta comparar os costumes de nossos contemporâneos que vivem no chamado mundo civilizado. Esta comparação pode começar pelo sentido do trânsito na Inglaterra, que segue a mão esquerda; pelos hábitos culinários franceses, onde rãs e escargots (capazes de causar repulsa a muitos povos) são considerados como iguarias, até outros usos e costumes que chamam mais a atenção para as diferenças culturais. No Japão, por exemplo, era costume que o devedor insolvente praticasse o suicídio na véspera do ano-novo, como uma maneira de limpar o seu nome e o de sua família. O haraquiri (suicídio ritual) sempre foi considerado como uma forma de heroísmo. Tal costume justificou o aparecimento dos " pilotos suicidas" durante a Segunda Guerra Mundial. Entre os ciganos da Califórnia, a obesidade ê considerada como um indicador da virilidade, mas também é utilizada para conseguir benefícios junto aos programas governamentais de bem-estar social, que a consideram como uma deficiência física. A carne da vaca é proibida aos hindus, da mesma forma que a de porco é interditada aos muçulmanos. O nudismo ê uma prática tolerada em certas praias europeias, enquanto nos países islâmicos, de orientação xiita, as mulheres mal podem mostrar o rosto em público. Nesses mesmos países, o adultério é uma contravenção grave que pode ser punida com a morte ou longos anos de prisão. (LARAIA, 1986, p 16.) Já para o antropólogo interpretativista Clifford Geertz (1989), a cultura é uma teia de significados tecida pelo homem. Ele também alega que toda produção humana, se tem um significado, é cultura; dificilmente algo produzido pelo homem não terá algum significado atribuído. Ele explica também que o ato de observar é um ato antropológico, quando se pretende entender o que os indivíduos fazem e o motivo que os levam a fazer e a agir de determinadas maneiras. Quando vista como um conjunto de mecanismos simbólicos para controle do comportamento, fontes de informação extra-somáticas, a cultura fornece o vínculo entre o que os homens são intrinsecamente capazes de se tornar e o que eles realmente se tornam, um por um. Tornar-se humano é tornar-se individual, e nós nos tornamos 16 individuais sob a direção dos padrões culturais, sistemas de significados criados historicamente em termos dos quais damos forma, ordem, objetivo e direção às nossas vidas. Os padrões culturais envolvidos não são gerais, mas específicos – não apenas o “casamento”, mas um conjunto particular de noções sobre como são os homens e as mulheres, como os esposos devem tratar uns aos outros, ou quem deve casar-se com quem; não apenas “religião” mas crença na roda do karma, a observância de um mês de jejum ou a prática do sacrifício do gado. O homem não pode ser definido nem apenas por suas habilidades inatas como fazia o iluminismo, nem apenas por seu comportamento real, como o faz grande parte da ciência social contemporânea, mas sim pelo elo entre eles, pela forma em que o primeiro é transformado no segundo, suas potencialidades genéricas focalizadas em suas atuações específicas. (GEERTZ, 1989, p.64) A cultura se mostra desde o simples ato de se observar uma refeição. Se a comida é fria ou quente; a predominância de carnes ou leguminosos; a utilização de talheres, hachis (palitos utilizados na culinária oriental) ou se as pessoas comem com as mãos, todos estes são indícios culturais. O mesmo pode ser observado na forma das pessoas se vestirem, tanto no dia a dia quanto em ocasiões especiais. Para a antropóloga Ruth Benedict (2000), a cultura é uma lente por meio da qual o homem vê o mundo. Homens de culturas diferentes usam lentes diversas e, portanto, têm visões desencontradas das coisas. Este olhar sensível e único é o que diferencia cada ser humano dentro dos grupos sociais aos quais pertencem. Existe uma individualidade criativa que acaba atuando e influenciando os grupos como um todo, neste momento percebe-se a questão cultural sendo aflorada e acessada constantemente tanto no individual quanto no coletivo. Agora, a partir da conceituação do que é cultura e como ela se mostra em alguns, dos muitos olhares, podemos afirmar que é inegável a percepção da relação de imbricamento entre língua e sociedade, sendo imprescindível o estudo de ambos quando se pretende, de alguma forma, diluir o conceito para entender o fenômeno linguístico, que compõe o fenômeno sociocultural. Em uma perspectiva sociocultural, o sentido não reside na língua em si, mas em seu uso social, de modo que o desenvolvimento cognitivo é caracterizado como a manipulação de instrumentos materiais e imateriais, dos quais o mais poderoso é a linguagem. À língua é dado caráter dinâmico, pois é concebida como sistema de signos mediadores do pensamento e do desenvolvimento cognitivo, considerada não apenas em seus aspectos intrinsecamente linguísticos, mas também discursivos e pragmáticos, na direção da formação de conceitos e resolução de problemas, de modo que a 17 cultura, os contextos locais e a história são levados em conta como seus componentes (LANTOLF & APPEL, 1994, Apud, GOMES, 2016, p. 762). Ví deo Viver Ciência - Língua, Cultura e Sociedade https://www.youtube.com/watch?v=rtHs4iEy3ZA Língua, Cultura e Sociedade / Convidados: Joana Plaza Pinto (doutora em Linguística e prof. FL/UFG) e Sebastião Elias Milani (doutor em semiótica e e linguística geral e prof. FL/UFG) É pertinente entender a complexidade do conceito de fenômeno social, para então se fazer as associações necessárias para a compreensão contextual, quando se incorpora o fenômeno social à cultura, pois os dois caminham juntos, expressando a conexão existente entre língua, cultura e fenômenos sociais. Os fenómenos sociais são o objeto das Ciências Sociais. Estas estudam os fenómenos ligados à vida dos homensem sociedade. Designamos por fenómeno um determinado tipo de factos com características comuns e semelhantes. O conceito de "fenómeno social total" implica que aquilo que o caracteriza é uma multiplicidade de aspetos que com ele se relacionam. "Marcel Mauss, ao falar de fenómeno social total, referia-se ao facto [...] de que as experiências dos atores sociais não são redutíveis a uma única dimensão do real, as suas implicações distribuem-se pelos diferentes níveis do real [...]" (1987, Marques - In MESQUITELA LIMA. Introdução à Sociologia. Lisboa: Presença). Este conceito define o real social como pluridimensional, mas único. Deste modo, numa abordagem sociológica, devemos ter em conta a pluridimensionalidade dos fenómenos sociais que se caracterizam como totais. Quando, por exemplo, nos referimos às causas várias do suicídio, estamos a falar do fenómeno do suicídio em geral e não num facto isolado. Segundo Sedas Nunes, "o campo da realidade sobre o qual as Ciências Sociais se debruçam é, de facto, um só (o da realidade humana e social) e todos os fenómenos desse campo são fenómenos sociais totais, quer dizer: fenómenos que [...] têm implicações simultaneamente em vários níveis e em diferentes dimensões do real social, sendo portanto suscetíveis, pelo menos potencialmente, de interessar a várias, quando não a todas as Ciências Sociais" (1987, Nunes - Questões preliminares sobre as Ciências Sociais. Lisboa: Presença) (INFOPEDIA, 2003, s/p). A partir dos conceitos discutidos sobre cultura e fenômeno social, é possível, então, se entender a importância da língua no contexto social, por ela estar à disposição das pessoas na composição de um sistema, ou seja, a língua 18 é utilizada na estrutura de uma sociedade, para que se estabeleça a comunicação e, com ela, logicamente, as relações sociais. Esse fenômeno social é também um fenômeno sociocultural, que se estabelece no ensino-aprendizado de uma língua, tanto no caso da língua mãe quanto no caso de outra língua, pois não se ensinam apenas regras gramaticais, mas sim, um conjunto de conhecimentos são repassados aos aprendizes, que podem se sentir estimulados a pesquisar sobre a cultura do país de origem da língua em aprendizagem. Ao ensinarmos uma língua, ensinamos muito mais do que sistemas de signos e como eles se relacionam para produzir sentidos. Estudamos seus efeitos na sociedade, suas implicações para o desenvolvimento humano e a aprendizagem, suas consequências e possibilidades nas práticas sociais. A perspectiva sociocultural é pioneira em não desvincular linguagem, cognição e a interação entre o que é interno e externo ao sujeito na aprendizagem, que alavanca o desenvolvimento que, por sua vez, incentiva novamente a aprendizagem, em um processo circular que se impulsiona mutuamente. A adoção de tal perspectiva teórica visa incentivar o encontro consigo mesmo e com o outro (GARCEZ 2008, apud GOMES, 2016, p. 763). Amplie Seus Estudos SUGESTÃO DE LEITURA Existe relação entre a competência comunicativa e o diálogo intercultural? “O conceito se encaixa apenas parcialmente no diálogo intercultural. Ele não se encaixa na medida em que a competência comunicativa presume que os participantes de uma dada interação devem compartilhar normas culturais sobre o uso apropriado da língua, por exemplo, quando usar linguagem formal ou informal. Por outro lado, o conceito se encaixa na medida em que a competência comunicativa tem como foco o uso da língua para alcançar objetivos estratégicos. Competência comunicativa intercultural é uma extensão do conceito, se refere ao conhecimento do que fazer quando as normas culturais do que seja comportamento linguístico apropriado não são compartilhadas, mas mesmo assim, é necessário que os objetivos comunicativos sejam alcançados. Tal conhecimento inclui a sensibilidade de considerar que diferentes estilos de interação são culturalmente condicionados”. John Corbett, Professor de Inglês, da Universidade de Macau. https://centerforinterculturaldialogue.files.wordpress.com/2016/09/ kc9-communicative-competence_portuguese.pdf Acesso em JUL/2020. 19 Conclusão da aula 1 Esta primeira aula trouxe à tona construções conceituais do tema geral da disciplina, que é Competência Comunicativa. Para a compreensão da ideia foi estabelecida uma breve contextualização histórica da língua como fenômeno sociocultural, e proposta a reflexão a respeito do que é cultura, tendo por base os escritos teóricos do antropólogo brasileiro Roque de Barros Laraia. No decorrer da aula, foram apresentadas as teorias dos teóricos da linguística Hymes, Chomsky, Canale e Swain, Bachman e Celse Murcia sobre a importância da línguística na sociedade. Nesta primeira aula foi trabalhada uma rápida contextualização histórica sobre a conceituação de Competência Comunicativa (CC), assim como foi discorrido sobre a importância da língua como fenômeno sociocultural. O conceito difundido pelas pesquisas do linguista norte americano Dell Hymes não foi desenvolvido propriamente para ser aplicado à linguística, mas acabou contribuindo sensivelmente nos estudos científicos para a área da linguística aplicada como um todo. O conceito defendido por Hymes define a Competência Comunicativa como algo que vai muito além de se utilizar as mais complexas regras gramaticais, ela exige a compreensão do contexto sociocultural, o entendimento de como as regras de convivência se aplicam em cada ambiente. Para a compreensão dessa integralidade entre a fala e as vivências assimiladas individualmente como também as experiências coletivas, Hymes propõe uma teoria que acolhe tanto a linguística quanto os aspectos da cultura e da comunicação e estabelece quatro pilares para a estrutura desta proposição: (1) o que é formalmente possível, (2) o que é viável, considerando os modos de implementação disponíveis, (3) o que é contextualmente apropriado, e (4) o que é de fato realizado pelos membros da comunidade. Em efeito, uma determinada estrutura pode ser formalmente possível (segundo as regras gramaticais de uma dada língua), viável, apropriada (contextualmente adequada), mas mesmo assim jamais realmente utilizada pelo falante, o que tornaria tal estrutura um exemplo abstrato de uma enunciação que concretamente jamais existiria, e portanto irrelevante para a discussão a respeito de competência comunicativa (ainda que seja de interesse para outras áreas de estudos linguísticos). Ressalta Hymes, entretanto, que os quatro níveis propostos não devem ser vistos como independentes um do outro, mas como esferas que se entrelaçam. (ALMEIDA, 2010. p 48). 20 Esta proposta apresentada por Dell Hymes surge em oposição às teorias de Noam Chomsky, em que a competência comunicativa teria como base a estrutura formal da língua, sem levar em consideração, até então, o contexto sociocultural, como afirmava Hymes. Posteriormente, Canale e Swain (1980) partem da ideia estabelecida por Hymes, trazendo à tona a importância do contexto sociocultural e das relações interpessoais, diretamente no processo da competência. A partir disso, os pesquisadores subdividem o termo Competência Comunicativa em três partes principais da competência de linguagem, que são: a Competência Gramatical (CG); a Competência Sociolinguística (CS); e a Competência Estratégica (CE). No início da década de 1980, Canale amplia a conceituação de Competência Competitiva adicionando a Competência Discursiva. Posteriormente, Lyle Bachman (1990) desenvolveu uma estrutura teórica chamada de habilidade de linguagem comunicativa ou “competência de linguagem”, que em resumo, de maneira simples, seria a facilidade de se comunicar de maneira adequada em ambiente específico. Segundo os autores Franco e Almeida Filho, uma versão remodelada do modelo de Competência Comunicativa foi proposta em 2008, pela pesquisadoraestadunidense da área da linguística, Celse Murcia, sendo especificamente designada ao ensino de línguas. Esta versão repaginada foi dividida da seguinte forma: Competências Linguísticas, Sociocultural, Discursiva, Formulaica e acrescentou a Interacional na qual incorporou a anteriormente denominada Competência Acional. No tópico A língua como fenômeno sociocultural, primeiro foi explanado sobre o que é cultura, trazendo para a discussão o aporte teórico do antropólogo brasileiro Roque de Barros Laraia, que discorre sobre cultura de forma clara, ressaltando o homem como resultado do meio cultural da sociedade na qual habita. Já para o antropólogo interpretativista Clifford Geertz (1989), a cultura é uma teia de significados tecida pelo homem. Ele também alega que toda produção humana, se tem um significado, é cultura. 21 Para a antropóloga Ruth Benedict (2000), a cultura é uma lente por meio da qual o homem vê o mundo. Homens de culturas diferentes usam lentes diversas e, portanto, têm visões desencontradas das coisas. Este olhar sensível e único é o que diferencia cada ser humano dentro dos grupos sociais aos quais pertencem. Existe uma individualidade criativa que acaba atuando e influenciando os grupos como um todo, neste momento, percebe-se a questão cultural sendo aflorada e acessada constantemente tanto no individual quanto no coletivo. A partir dos conceitos discutidos sobre cultura e fenômeno social, foi possível, então, entender a importância e a pertinência da língua no contexto social, por ela estar à disposição das pessoas na composição de um sistema, ou seja, a língua é utilizada na estrutura de uma sociedade, para que se estabeleça a comunicação e, com ela, logicamente, as relações sociais. Atividade de Aprendizagem Faça uma análise comparativa das três representações mais recentes sobre Competência Comunicativa, dos autores Celce-Murcia (2008), Cantero (2008) e Almeida Filho (2009). Tenha por base o artigo científico: O conceito de competência comunicativa em retrospectiva e perspectiva. Revista Desempenho, v. 10, n.1, jun/2009. Dos autores Marilda Macedo Souto Franco e José Carlos Paes de Almeida. Aula 2 – Sociolinguística Apresentação da aula 2 Nesta segunda aula serão apresentados temas relacionados à sociolinguística, como noções centrais da sociolinguística, contexto, situação de comunicação, comunidade de fala, identidade social e competência comunicativa. 22 ➢ Noções centrais da sociolinguística O que é a sociolinguística? Como ela influencia a linguagem propriamente dita? Quais são as noções centrais que atuam diretamente na sociolinguística? Como o contexto, a situação de comunicação e as comunidades de fala podem influenciar a linguagem? Como a língua tem papel crucial na identidade social do indivíduo e dos grupos sociais? E qual a influência da competência comunicativa neste complexo campo de estudo? Estes são os tópicos a serem discorridos nesta segunda aula. 2.1 Sociolinguística: noções centrais, contexto e comunidade de fala Os mistérios que permeiam as formas de comunicação utilizadas pelos seres humanos desde os primórdios registros de sua existência já transpassam nuances das pseudo-explicações de cunho religioso até as mais ousadas explicações científicas. Neste embaralhado filosófico-científico surge a linguagem e com ela, toda uma gama de relações, que trazem a sociolinguística como parte deste emaranhado tão interessante de se analisar. De acordo com a doutora em linguística e pesquisadora Marianne Carvalho Bezerra Cavalcante, a sociolinguística estuda a relação entre as línguas e as sociedades em que elas são usadas. Na perspectiva da Sociolinguística, o ser humano é por natureza plurilíngue (usa diversas línguas).E mesmo quando usamos nossa língua, esta se apresenta de diversos modos: por exemplo, em casa, usamos o idioma familiar; na escola, modificamos o nosso modo de usar a língua e interagimos com outras pessoas, colegas e professores, que trazem o modo de usar a língua diferentes do nosso. Isto acontece em qualquer língua, seja ela o português brasileiro ou a LIBRAS. As línguas então são um aglomerado de níveis de expressão, atestando que nenhuma comunidade é inteiramente homogênea. De fato, cada falante é, ao mesmo tempo, usuário e agente modificador de sua língua, nela imprimindo marcas geradas pelas novas situações com que se depara. (CAVALCANTE, s/d, p. 242). Pode-se perceber nitidamente que a língua e a linguagem atuam como reflexo da sociedade onde se vive e vice-versa. A língua constitui e é constituída pela sociedade. Vê-se o mundo por meio dela. Como este universo social está em constante transformação, a língua também sofre essa metamorfose. A 23 sociolinguística se debruça sobre os fatores que fazem “pressão” sobre as línguas, ou seja, que exercem variações linguísticas, sendo elas, as próprias mudanças linguísticas ou, ainda, a língua varia em decorrência de fatores que estão presentes na sociedade. Entre sociedade e língua não há uma relação de mera causalidade. Desde que nascemos, um mundo de signos linguísticos nos cerca, e suas inúmeras possibilidades comunicativas começam a tornar-se reais a partir do momento em que, pela imitação ou associação, começamos a formular nossas mensagens. Sons, gestos e imagens cercam a vida do homem moderno, compondo mensagens de toda ordem, transmitidas pelos mais diferentes canais. Em todos, a língua desempenha um papel fundamental, seja ela visual, oral ou escrita. Desse modo, a corrente Sociolinguística, iniciada na década de 60, buscava desenvolver uma nova concepção do estudo da Linguística. A Sociolinguística ocupava uma posição central no processo de pesquisa: a Etnografia da Fala e a Sociologia da Linguagem, capitaneadas respectivamente por Dell Hymes e Joshua Fishman. Assim, atribui-se à Sociolinguística o estudo das relações entre língua e sociedade. Aqui, língua deve ser entendida como um sistema de vários níveis integrados num todo historicamente estruturado. A Sociolinguística se ocupa, do estado da possível incidência das forças sociais sobre os estratos fonológicos, morfológicos, sintáticos e semânticos das línguas. (CAVALCANTE, s/d, p. 243-244). O pesquisador e linguista americano William Labov foi um dos principais teóricos a discorrer sobre as variações linguísticas, sendo o fundador da sociolinguística variacionista, obtendo destaque em seus resultados científicos publicados, abrindo uma gama de discussões a respeito da relação entre a língua e a sociedade. Foi William Labov que voltou a estudar a relação entre língua e sociedade na posição virtual e real, do sistematizar e da variação existente e própria da língua falada. É William Labov quem inaugura os estudos desta nova disciplina em 1963, quando analisa o inglês falado na ilha de Martha´s Vineyard, no estado de Massachusetts (EUA). Após esta pesquisa, várias outras surgiram: como a estratificação social do inglês falado na cidade de Nova York (1966); a língua do gueto, entre outros. Labov inaugura uma vertente de estudos anti-saussuriana, ou seja, contrária à corrente dominante e que deu origem ao curso de Linguística Geral. Assim, ao invés da langue- língua, como fez Saussure, Labov centra seus estudos na parole- fala/uso de um ponto de vista social e não individual. (CAVALCANTE, s/d, p. 244). A pesquisadora e doutora em linguística, Marianne Carvalho Bezerra Cavalcante, deixa claro que “a língua, então, funciona como elemento de interação entre o indivíduo e a sociedade em que ele atua. É por intermédio dela 24 que a realidade se transforma em signo, pela associação de significantes sonoros e significados arbitrários, processando assim, a comunicação Linguística” (CAVALCANTE, s/d, p. 245). Ao estudar qualquer comunidade Linguística,a constatação mais imediata é a existência de diversidades ou da variação. Toda comunidade se caracteriza pelo emprego de diferentes modos de falar/sinalizar – chamadas variedades linguísticas. O conjunto de variedades linguísticas utilizado por uma comunidade é chamado de repertório verbal. Qualquer língua, falada/sinalizada por qualquer comunidade, exibe sempre variações. Nenhuma língua apresenta-se como entidade homogênea, todas são representadas por um conjunto de variedades. (CAVALCANTE, s/d, p. 247). Cavalcante explicita que as variações linguísticas são fenômenos que não podem ser separados da língua e, que a sociolinguística interpreta essa diversidade como positiva, na caracterização do fenômeno linguístico. Qualquer tentativa de buscar apreender apenas o invariável, o sistema subjacente – se valer de oposições como “língua e fala” ou “competência e desempenho” – significa uma redução na compreensão do fenômeno linguístico. O aspecto formal e estruturado do fenômeno linguístico é apenas parte do fenômeno total. Todas as línguas do mundo são sempre continuações históricas – gerações sucessivas de indivíduos legam a seus descendentes o domínio de uma língua particular. As mudanças temporais são parte da história das línguas (CAVALCANTE, s/d, p. 248). Importante As variedades linguísticas podem ser: Variação Diatópica ou Geográfica: relaciona-se a diferenças Linguísticas distribuídas no espaço físico, observáveis entre falantes de origens geográficas distintas. Ex. Brasileiros e Portugueses. Pessoenses e gaúchos. Surdos pessoenses e surdos recifenses. Variação Diastrática ou Social: relaciona-se a um conjunto de fatores que têm a ver com a identidade dos falantes e com a organização sociocultural da comunidade de fala. Classe social, idade, sexo e situação ou contexto social são fatores que estão relacionados às variações de natureza social. Ex. Classe social – um advogado e um ambulante possuem linguagens diferentes. 25 Idade- o uso do léxico particular, como presente em certas gírias (“maneiro”, como sentido de uma avaliação positiva) denota uma faixa etária mais jovem. Sexo- o uso frequente de diminutivos, como “bonitinho”, costuma ocorrer na fala feminina. Situação ou contexto social - qualquer pessoa modifica sua fala/sinal, de acordo com o(s) seu(s) interlocutor(es) – se este é mais velho ou hierarquicamente superior ou, ainda, segundo o lugar em que se encontra: um bar ou uma conferência. Todo falante varia sua fala/sinal segundo a situação em que se encontra. Cada grupo social estabelece um contínuo de situações cujos polos extremos e opostos são representados pela formalidade e informalidade. Mudança Metafórica - é uma interação social particular em que o indivíduo decide mudar de variedade linguística sem que tenha ocorrido mudança de situação. Variações estilísticas ou registros – são as variações linguísticas relacionadas ao contexto, ocorrem quando os indivíduos diversificam sua fala/sinal, usam estilos ou registros distintos, em função das circunstâncias em que ocorrem suas interações verbais. (CAVALCANTE, s/d, p. 248-249). A partir da análise de pesquisas realizadas por teóricos da sociolinguística, é perceptível a existência de uma relação estreita entre as variedades linguísticas e a estrutura social. Esta composição presente em toda e qualquer comunidade de fala foi e continua sendo objeto de estudo. Cavalcante traz de maneira resumida esta relação entre as variedades linguísticas e a estrutura social, em que é possível constatar a presença das relações de poder existentes neste processo, desde os primórdios. Em qualquer comunidade de fala podemos observar a coexistência de um conjunto de variedades linguísticas. Na realidade objetiva da vida social, há sempre uma ordenação valorativa das variedades Linguísticas em uso, que reflete a hierarquia dos grupos sociais. Em todas as comunidades existem variedades que são consideradas superiores e outras inferiores. “Uma variedade Linguística ‘vale’ o que ‘valem’ na sociedade os seus falantes, isto é, como reflexo do poder e da autoridade que eles têm nas relações sociais” Gnerre. É evidente a existência de variedades de prestígio e de variedades não prestigiadas nas sociedades em geral. Tradicionalmente, o melhor modo de falar e as regras do bom uso correspondem aos hábitos dos linguísticos socialmente dominantes. Na tradição ocidental – a variedade padrão. A variedade padrão não detém propriedades intrínsecas que garantem uma qualidade “naturalmente” superior às demais variedades. A 26 padronização é historicamente definida: cada época determina o que considera como forma padrão. O que é padrão hoje pode tornar-se não padrão, e o que é considerado não padrão pode ser estabelecido como padrão. (CAVALCANTE, s/d, p. 250). Quando se abordam as variações linguísticas, em seus contextos, a referência também se faz ao conceito de ‘comunidade de fala’, que engloba a questão dos diversos falares e suas justificativas individuais e coletivas, que causam discordâncias entre os teóricos. Vejamos algumas definições sobre comunidade de fala, trazidas pela pesquisadora da área da linguística, Aline Aver Vanin, no ensaio Considerações relevantes sobre definições de ‘comunidade de fala’: Toma-se, inicialmente, uma definição bastante simples de comunidade de fala, dada por Bloomfield (1926, p. 42), para o qual “é um grupo de pessoas que interage por meio da fala”. Essa ideia geral sobre o objeto de estudo da Sociolinguística é bastante ampla, o que leva Gumperz (1968) a restringi-la, argumentando que uma comunidade de fala é um grupo de falantes – não necessariamente de uma mesma língua – que compartilha um conjunto de normas e regras para o uso da língua. Para este autor, deve haver diferenças linguísticas específicas entre os membros de uma comunidade de fala e os que estão fora dela. Nesse sentido, essa definição abrange o aspecto social da língua, da comunicação, mas limita a tendência natural para a interação das línguas umas com as outras, com a possibilidade de se sobreporem. (Vanin, 2009, p,148). E qual seria o entendimento do linguista americano William Labov sobre o uso dos elementos da língua dentro da ‘comunidade de fala’? A comunidade de fala não é definida por nenhum acordo marcado quanto ao uso dos elementos da língua, mas, sobretudo, pela participação em um conjunto de normas compartilhadas. Essas podem ser observadas em tipos claros de comportamentos avaliativos, e pela uniformidade de seus termos abstratos de variação, que são invariáveis com relação aos níveis particulares de uso (LABOV, 1972, P120-121, tradução nossa. Apud Vanin, 2009, p,148). Vanin (2009) ressalta que Labov prefere “o caráter de ‘consciência’ das atitudes dos falantes em relação às normas gramaticais compartilhadas pelo grupo para caracterizar uma comunidade de fala.” Para ele, os membros de uma comunidade de fala não têm de, necessariamente, falar da mesma forma; eles simplesmente compartilham uma série de avaliações sobre a comunidade de fala. Assim, o linguista opta pela uniformidade das atitudes dos falantes em relação à língua para definir as fronteiras de uma comunidade de fala 27 e, com isso, evitar certo tipo de variação. Dessa forma, Labov garante homogeneidade no seu objeto de estudo – a comunidade de fala –, e não na língua, que é um sistema heterogêneo. (Vanin, 2009, p,148). Romaine (1980) defende a concepção de que o convívio dos sujeitos com os diferentes grupos, por si só comprova, que cada indivíduo pode passar a apresentar diferentes características linguísticas, para obter a interação comunicacional necessária. Romaine (1980) também discorda da ideia de homogeneidade da comunidade de fala, já que as mudanças não ocorrem em toda a comunidade, mas são fenômenos individuais. Para a autora,os sujeitos interagem com diferentes grupos e, por isso, podem assumir diferentes características linguísticas. Dessa forma, valores sociais diversos são atribuídos às variantes linguísticas de forma diversificada. A mesma autora afirma que, em diferentes comunidades de fala, fatores sociais e linguísticos estão ligados não apenas a formas diversificadas, mas em diferentes graus; então, a imbricação da estrutura social e linguística em uma dada comunidade de fala é uma questão de investigação e não pode ser tomada como dada (ROMAINE, 1980. Apud Vanin, 2009, p,149). É imprescindível perceber as diferenças sutis entre os linguistas, quando se pretende estabelecer características pontuais entre os conceitos. Abaixo, Vanin estabelece algumas particularidades de Dell Hymes e Romaine, neste embate, para se chegar a um denominador comum, ou não, na definição de ‘comunidades de fala’: Nesse sentido, Hymes (1972) afirma que o conceito de comunidade de fala está ligado a pessoas que compartilham regras de conduta e interpretação de fala de, pelo menos, uma variedade linguística. Para ele, antes do critério linguístico interessa o critério social. Segundo Figueroa (1994), Hymes prioriza muito mais os aspectos sociais na delimitação desse conceito, admitindo que um indivíduo pode participar de diferentes comunidades de fala, tornando a relação entre ele e a comunidade bastante flexível. Assim, a comunidade de fala envolve questões sociais, não sendo suficiente concentrar-se no estudo das regras gramaticais que regem certo grupo de indivíduos. Concordando com essa ideia, Romaine (1994) define comunidade de fala como um grupo de pessoas que não necessariamente compartilham a mesma língua, e talvez nem mesmo um conjunto de normas e regras para o uso da língua. Para ela, os limites entre comunidades de fala seriam essencialmente sociais, ao invés de linguísticos, já que essas não são necessariamente coextensivas a uma comunidade linguística. (Vanin, 2009, p,149). A partir das ideias apresentadas por alguns teóricos de forte representatividade na linguística, como seriam formadas essas comunidades de fala? Lembrando que segundo a pesquisadora Aline Aver Vanin (2009), “as 28 ‘atitudes’ dos usuários da língua estariam baseadas nos ideais inerentes a cada indivíduo”. É por isso que, dentro dessa visão, as comunidades de fala podem ser constituídas de membros de uma profissão com um jargão especializado, grupos sociais distintos, como alunos de Ensino Médio ou admiradores de determinado grupo – como os adeptos ao movimento punk, por exemplo, ou os moradores de uma favela – ou até mesmo grupos menores, como os de famílias e de amigos. Assim sendo, até mesmo comunidades on-line podem representar uma comunidade de fala. Membros de comunidades de fala desenvolvem uma gíria ou um jargão, dos quais o grupo se serve para propósitos especiais ou por causa de alguma prioridade. (Vanin, 2009, p,149). Mas há um teor conciliador que surge entre os teóricos da linguística. Patrick (2004) se posiciona de maneira a imbricar teorias, para que deste imbricamento, obtenha-se uma proposta conceitual de comunidade de fala, o que mesmo assim, parece um tanto quanto delicado. Para ele, as propostas para um conceito de comunidade de fala como consensual – conforme Labov – ou contrastiva – como acredita Romaine, por exemplo – podem ser. Entende-se ‘comunidade linguística’ como o conjunto de povos que compartilha uma língua em comum. Assim, países lusófonos, como Brasil, Portugal e Moçambique, por exemplo, fazem parte de uma mesma comunidade linguística utilizadas de acordo com as necessidades do estudioso. Por esse motivo, o autor explica que esse não poderia ser um conceito aceito como já definido, mas deveria ser construído de acordo com as necessidades do pesquisador, conforme as hipóteses construídas por ele. Hudson (1980, p. 30, tradução nossa), por sua vez, afirma que “é possível que as comunidades de fala não existam na sociedade, exceto como protótipos na mente das pessoas e, nesse caso, a busca pela definição ‘verdadeira’ de ‘comunidade de fala’ é apenas uma perseguição inútil”. Além dessa questão, é preciso ainda notar que um indivíduo pode pertencer a várias comunidades de fala, identificando-se com uma ou com outra de acordo com a situação. Fica, então, bem mais difícil delimitar o conceito que se busca desde o início deste texto, já que se pode encontrar um sem número de comunidades de fala dentro de uma mesma sociedade. Desse modo, restringir de forma sistemática essa noção parece ser bastante difícil pelas variadas identidades assumidas pelos indivíduos. (Vanin, 2009, p,150). Mas e quais seriam os usos e funções de uma língua em uma comunidade de fala? A pesquisadora Vanin traz Mello (2001) para responder este questionamento, apontando como estratégia recorrer aos ‘domínios linguísticos’, exemplificando-os e explicando como acontece essa busca de interação verbal 29 Por exemplo, a interação entre pessoas de uma mesma família pertence ao domínio familiar, enquanto a interação entre professores e alunos pertence ao domínio escolar e assim por diante. Fishman (1968) apud Mello (2001) identifica como principais domínios linguísticos a família, a escola, a igreja, o trabalho ou vizinhança. Cada um desses domínios pode exigir uma única língua ou mais, dependendo dos participantes da interação, da relação afetiva entre eles, do tópico a ser discutido, do grau de formalidade da situação e da função dessa troca comunicativa. Portanto, a noção de domínios linguísticos não se limita ao local onde ocorre, mas à situação como um todo, incluindo, de modo geral, todas as relações psicossociais que permeiam a comunicação entre as pessoas. (Vanin, 2009, p,150). Como as discussões sociolinguísticas sobre ‘comunidade de fala’ são extensas e provocam antagonismos, em consequência desses embates, teóricos da área apresentam o conceito de microníveis de comunidade de fala, sendo eles a ‘rede social’ e a ‘comunidade de prática’, sendo uma estratégia de analisar o indivíduo mais especificamente, como explica a pesquisadora Aline Aver Vanin: A ‘rede social’ de um indivíduo é o total de relacionamentos nos quais os indivíduos estão envolvidos (MILROY, 2004). Ela é mais bem considerada como um meio de captar as dinâmicas subjacentes aos comportamentos interacionais dos indivíduos do que como uma categoria social fixada. Nessa abordagem, os próprios indivíduos criam comunidades pessoais que provêm uma estrutura significativa para resolver quaisquer questões relacionadas à vida cotidiana. Contudo, as relações entre os indivíduos podem variar de acordo com os tipos e a força dos vínculos em que eles se inserem. De acordo com Britain e Matsumoto (2008), as abordagens relacionadas às redes sociais não são baseadas no uso ou em avaliações compartilhadas da língua, mas nas ligações sociais nas quais as pessoas estão engajadas, tais como as relações familiares, de amizade ou de vizinhança, por exemplo. Esses vínculos parecem estar relacionados às noções de ‘domínios linguísticos’[...] [...] Já as abordagens relacionadas ao conceito de comunidade de fala, segundo os mesmos autores, não mencionam que os membros dela devam conhecer uns aos outros e pouco falam sobre o quanto integrados socialmente os indivíduos deveriam estar para se estabelecer um padrão de análise. Em conformidade com essa visão, Gumperz (1996) acredita numa diversidade própria da comunidade de fala, visto essa ser constituída por uma variedade de redes de socialização, as quais se associam a padrões de uso e interpretação linguísticos. Esse autor acredita que as redes sociais devem ser vistas como unidades de análise, ao invés da comunidade de fala: “se os significados residem em práticas interpretativas e essas se localizam em redes sociais nas quais o indivíduo está socializado, então as unidades‘cultura-’ e ‘língua-’ não são nações, grupos étnicos ou algo similar, mas redes de indivíduos em interação” (GUMPERZ, 1996, p. 11, tradução nossa). (Vanin, 2009, p,150). É importante frisar que a pesquisadora Vanin (2009) reforça que alguns autores ressaltam que é justamente nestas comunidades de práticas que se 30 pode determinar os locais em que ocorrem as interações comunicacionais e, junto com elas, é possível avaliar o significado social deste contexto, tendo nos elementos da língua a composição das alterações linguísticas. Embora a variação adquira significado em redes sociais mais consistentes, alguns autores, como Meyerhoff (2004), preferem adotar o conceito de ‘comunidade de prática’, que está vinculado à noção de que as variantes linguísticas alcançam significado por meio desses tipos de redes. Tal concepção decorre do fato de que, em comunidades de prática, pretende-se determinar os ‘locais interacionais’ em que o significado social está ligado por elementos linguísticos, e onde tal significado e a mudança linguística são co-construídos (MILROY, 2004). Além disso, uma comunidade de prática pode ser definida como aquela que contém grupos nos quais o engajamento comum em alguma atividade ou empreendimento é suficientemente intenso para criar, ao longo do tempo, repertórios de práticas compartilhadas. Além disso, seus membros devem estar suficientemente engajados e não somente compartilharem de certa característica. (Vanin, 2009, p,151) Segundo Vanin (2009), quando uma pessoa escolhe pertencer a uma determinada comunidade, ela compartilha repertórios de práticas, incluindo nesse contexto, as práticas linguísticas: critérios gerais para que se possa trabalhar nessa concepção: (a) os membros de uma comunidade de prática precisam estar juntos para engajarem-se em suas práticas compartilhadas; (b) os membros compartilham de algum empreendimento negociado em comum, ou seja, eles se unem por causa de um propósito; e (c) o repertório compartilhado em uma comunidade de prática é o resultado cumulativo de negociações internas. Nesse sentido, os repertórios mencionados são dinâmicos, isto é, modificam-se conforme o seu uso e as negociações dentro da comunidade. Com isso, os seus membros compartilham de práticas culturais diversas e, por esse motivo, as escolhas na língua estão em constante negociação, e essas ocorrem implicitamente, no decorrer das trocas comunicativas. [...] Os membros de uma comunidade de fala não precisam, necessariamente, se conhecerem, enquanto os de uma rede social certamente sim, já que estão ligados por diferentes graus de laços de interação, interessando o que as pessoas são. Mas, para uma comunidade de prática, essa conexão não basta; é necessário, nesse caso, que os indivíduos tenham um engajamento em comum, levando- se em conta as suas ocupações: pessoas que se relacionam por causa de uma determinada atividade costumam participar de uma mesma comunidade de prática. Dessa forma, elas compartilham práticas culturais distintas, o que se reflete nas suas trocas linguísticas. Pode- se perceber, com essas concepções recentes, que a Sociolinguística parece se encaminhar para um foco mais específico na análise da variação, passando da noção de comunidade de fala como um todo para o indivíduo como o elemento mais relevante em uma pesquisa. Nesses microníveis, mais delimitados, a heterogeneidade de uma comunidade de fala é levada em conta, e a relação indivíduo, língua e sociedade tem valor primordial para as análises. (Vanin, 2009, p,151- 152). 31 Vanin (2009) deixa claro que o conceito de comunidade de fala é uma estrutura metodológica que deve ser utilizada “conforme as necessidades e no momento de pesquisa”. A partir disso, a linguista se posiciona a favor da união das concepções de redes sociais e de comunidades de prática, para chegar em uma definição mais precisa das variações linguísticas em determinados grupos. Em primeiro lugar, acredita-se no uso da noção de redes sociais porque cada indivíduo traz consigo todo um background de conceitos já existentes por causa de suas relações com outros subgrupos dentro da mesma comunidade. Em segundo, o conceito de comunidade de prática é utilizado conjuntamente porque as crenças, os valores, os significados trazidos à tona por meio de fatores linguísticos serão inseridos, ou provocarão mudanças conforme ocorrer a interação entre pares. Dessa maneira, os vínculos entre língua, sociedade e indivíduo são investigados e considerados durante a reflexão do processo de variação – ou de mudança – decorrente de um emaranhado de relações em que os membros de dada comunidade de fala podem estar envolvidos. (Vanin, 2009, p,153). 2.1.1 Sociolinguística: identidade social A sociedade como um todo tem experimentado um fenômeno de mudanças constantes e consideravelmente rápidas. Essa metamorfose é presenciada em todos os setores da vida humana, social, biológica, científica e nas mais variadas instâncias possíveis de se imaginar alterações. Não seria diferente na composição do processo identitário do ser. Como não se fragmentar perante transições constantes e incessantes, que mal dão tempo suficiente para o indivíduo se acostumar a um “novo estado de ser” e já precisa se adaptar a outras imposições ocasionadas pelo meio social, intelectual, econômico etc. E como podem ser avaliados os processos de construção da identidade social? O que antes parecia ter mais estabilidade, hoje parece dar a impressão de que a sociedade se encontra em um estado de fluidez e liquidez, enfim, não se tem mais os moldes estáticos aos quais as pessoas tinham que se adequar com a rigidez como se teve registro na história. Graças a essa maleabilidade, a essa possibilidade de experienciar as mais diversas possibilidades de conhecimento e de vivências, que na contemporaneidade é possível aos indivíduos essa busca de elementos, que vão fazer parte da co-construção de sua identidade. 32 [...] toda e qualquer identidade é construída. [...] A construção de identidades vale-se da matéria-prima fornecida pela história, geografia, biologia, instituições produtivas e reprodutivas, pela memória coletiva e por fantasias pessoais, pelos aparatos de poder e revelações de cunho religioso. Porém, todos esses materiais são processados pelos indivíduos, grupos sociais e sociedades, que reorganizam seu significado em função de tendências sociais e projetos culturais enraizados em sua estrutura social, bem como em sua visão de tempo/espaço. (CASTELL, 2000, P.23-24) A pesquisadora da área da sociolinguística, Livia Oushiro (2019), em um de seus artigos científicos, faz uma revisão conceitual sobre as definições de “identidade”, ressaltando o poder de negociação que as relações adquirem, sendo utilizado pelos indivíduos ao longo do processo comunicacional e de estreitamento de laços. Definições de “identidade” costumam ressaltar o caráter relacional desse conceito. Mendoza-Denton (2002, p. 475) o define como “a negociação ativa da relação de um indivíduo com construtos sociais mais amplos, na medida em que essa negociação é sinalizada através de meios linguísticos e outros meios semióticos”. Dessa definição, cabe destacar que identidade é, inicialmente, uma negociação, ou seja, um indivíduo não tem poder de definir para si uma identidade totalmente nova, que não tenha sido elaborada coletivamente e que não seja aceita por outras pessoas. (OUSHIRO, 2019, p. 307-308) Oushiro traz outros autores que também defendem a ideia de negociação, que acontece no processo relacional entre os indivíduos, na construção de sua identidade. Elisa Battisti (2014, apud Oushiro, 2019) afirma que existe uma espécie de sistema de troca entre o indivíduo e o meio social: “[a]pesar de as identidades serem experimentadas, vivenciadas pelos sujeitos e, nas investigações, serem consideradaspelo exame das práticas sociais individuais, elas são em parte construtos sociais” (BATTISTI, 2014, p. 80). Battisti se baseia no conceito de habitus de Bordieu (1977, apud BATTISTI, 2014) para relacionar as identidades individuais com práticas que se adquirem no processo de socialização dos indivíduos, da vida em sociedade; essas práticas, por sua vez, vão definindo identidades que, ao mesmo tempo, são passíveis de mudança ao longo do tempo a partir de nossa participação em diferentes comunidades. Battisti (2014, p. 81) considera, assim, que “a construção de identidade consiste em negociar os significados de nossa experiência de pertença a diferentes grupos sociais”. Kiesling (2013, p. 450), de modo semelhante, ressalta a natureza relacional das identidades, definindo o conceito como “um estado ou processo de relação entre o ‘eu’ e o ‘outro’; a identidade é como os indivíduos definem, criam, ou pensam sobre si em termos de sua relação com outros indivíduos e grupos, sejam eles reais ou imaginários”3 . Kiesling (2013) também chama a atenção para a necessidade de, ao pensar identidades em seu contexto social, levar em conta a escala em que o conceito é operacionalizado. O autor propõe distinções em pelo menos 33 três grandes níveis: (i) amplos grupos “censitários”, como sexo, classe social, etnia; (ii) papéis institucionais, como “mãe”, “policial”; e (iii) tomadas de postura (stance) durante a interação. Note-se, novamente, que não há um abandono das macrocategorias sociológicas, como sexo e classe social, mas sim o entendimento de que elas devem ser pensadas dentro de sua própria dimensão. (OUSHIRO, 2019, p. 307- 308) As definições trazidas por Oushiro (2019), “destacam o papel do indivíduo que negocia suas identidades com outros indivíduos, grupos e construtos sociais”. Assim, não se deve superestimar o papel agentivo do indivíduo na construção de sua própria identidade. É pouco provável que um indivíduo possa monitorar e manipular conscientemente cada traço linguístico de sua fala a todos os momentos; além disso, uma série de construtos sociais que servem de parâmetros identitários preexiste e ultrapassa o domínio da ação individual. Gumperz (1971, p. 152-153) sintetiza essa questão do seguinte modo: em última instância, é o indivíduo que toma a decisão, mas a liberdade de escolher está sempre sujeita a restrições tanto gramaticais quanto sociais. As primeiras se relacionam com a inteligibilidade das sentenças; as segundas com sua aceitabilidade. [...] O poder de seleção, portanto, é limitado por convenções que servem para categorizar formas linguísticas como informais, técnicas, vulgares, literárias, humorísticas etc. (OUSHIRO, 2019, p. 309). É imprescindível a absorção do entendimento de que quando se fala sobre o conceito “identidade”, a ideia deve sempre vislumbrar o todo, o contexto, o conjunto, o individual e o coletivo, em um complexo social, pois as trocas que ocorrem neste pareamento social compõem a construção identitária. Desse modo, diferentes definições de identidade sempre ressaltam que um indivíduo não é “x” ou “y”, mas que essas categorizações devem necessariamente estar relacionadas com outros indivíduos, uma vez que um olhar sobre a identidade não pode perder de vista as relações sociais. A identidade, portanto, não é um atributo pessoal, muito menos uma posse; ela é um processo de criação de sentidos que deve ser ao mesmo tempo individual e coletivo. A construção de sentidos se dá sempre dentro de uma matriz cultural e ideológica, sobre a qual o indivíduo não exerce total controle. (OUSHIRO, 2019, p. 309) Saiba Mais Pesquise mais sobre: Os Caminhos da Identidade em um Mundo Multicultural Artigo de: Thais Alves Marinho 34 Disponível em: https://seer.ufs.br/index.php/forumidentidade s/article/view/1761 Acesso em JUL/2020 Conclusão da aula 2 Nesta segunda aula buscou-se noções centrais da sociolinguística para situar pontos cruciais abordados nesta área. A partir destas definições, é possível começar a traçar paralelos mais concretos sobre a importância dos estudos neste setor da linguística e a extensão deles diretamente na compreensão do ser social. Nesta aula abordaram-se os principais temas relacionados às noções centrais da sociolinguística. Ao longo desta aula pôde-se perceber nitidamente que a língua e a linguagem atuam como reflexo da sociedade em que se vive e vice-versa. A língua constitui e é constituída pela sociedade, vê-se o mundo por meio dela. Como este universo social está em constante transformação, a língua também sofre essa metamorfose. A sociolinguística se debruça sobre os fatores que fazem “pressão” sobre as línguas, ou seja, que exercem variações linguísticas, sendo elas, as próprias mudanças linguísticas ou, ainda, a língua varia em decorrência de fatores que estão presentes na sociedade. O pesquisador e linguista americano William Labov foi um dos principais teóricos a discorrer sobre as variações linguísticas, sendo o fundador da sociolinguística variacionista, obtendo destaque em seus resultados científicos publicados, abrindo uma gama de discussões a respeito da relação entre a língua e a sociedade. Foi discorrido sobre as variedades linguísticas, que podem ser classificadas em: Variação Diatópica ou Geográfica, Variação Diastrática ou Social, Mudança Metafórica e Variações estilísticas ou registros. Quando se observam as variações linguísticas, em seus contextos, a referência também se faz ao conceito de ‘comunidade de fala’, que engloba a questão dos diversos falares e suas justificativas individuais e coletivas, que causam discordâncias entre os teóricos. Além de noções de redes sociais e comunidades de prática. Esta segunda aula foi encerrada com a discussão do conceito “identidade”, sua construção e estereótipo social. É imprescindível a absorção 35 do entendimento de que quando se fala sobre o conceito “identidade”, a ideia deve sempre vislumbrar o todo, o contexto, o conjunto, o individual e o coletivo, em um complexo social, pois as trocas que ocorrem neste pareamento social compõem a construção identitária. Atividade de Aprendizagem Para aprofundar seus conhecimentos nos conceitos de identidade, a atividade de aprendizagem desta aula é realizar uma resenha do artigo científico: Os caminhos da identidade em um mundo multicultural, de Thais Alves Marinho. Disponível em: https://seer.ufs.br/index.php/forumidentidades/articl e/view/1761 Aula 3 - Situação de comunicação e competência comunicativa: linguagem ação e cooperação; organização da fala em interação; e a construção situada dos sentidos Apresentação da aula 3 Nesta terceira aula serão tecidos os conceitos de comunicação, situação de comunicação e como a competência comunicativa se aplica a estas conceituações. A partir disso, será discorrido sobre linguagem, ação e cooperação; ainda a respeito da organização da fala em interação e a construção situada dos sentidos. ➢ Situação de comunicação e competência comunicativa Quando se pensa no conceito situação de comunicação, esta é uma referência aos mais variados estilos de processos comunicativos, em que se têm diretamente o discurso e a maneira como ele está sendo realizado. 36 E, a partir do momento que se analisa a competência comunicativa, está se avaliando as estruturas que estão munindo o responsável por este processo comunicacional. É um conjunto de requisitos necessários para que a estratégia de comunicação obtenha sucesso e é justamente isso que será estudado nesta aula. 3.1 Situação de comunicação e competência comunicativa: linguagem ação e cooperação Antes de tratar sobre a situação de comunicação, é preciso expor alguns conceitos fundamentais desta área. A pesquisadora Natália Ramos, da Universidade Aberta de Lisboa, evidencia o
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