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Fonética e Fonologia do Português Aula 01: Linguística – objeto de estudo Apresentação Diferentemente das abordagens sintáticas, semânticas, morfológicas e textuais, os conteúdos atinentes aos estudos fonéticos e fonológicos não são tão prestigiados nos cursos de português, nos concursos públicos, tampouco nos manuais de redação de Direito, Jornalismo, Administração etc. Por isso mesmo, discutiremos nesta aula o quão importante é o domínio dos compêndios desta disciplina, visto que trabalha com conceitos muitos peculiares e próprios, como o fone e o fonema. Aprenderemos um pouco mais sobre as variações linguísticas presentes em nosso dia a dia, traçando um paralelo com os conceitos de dialeto e idioleto. E já que estaremos abordando diferentes manifestações linguísticas, seja em âmbito social, seja no individual, lançaremos mão dos conceitos de pidgin e crioulo dentro da abordagem de língua arti�cial, criada para determinado �m. Ao �nal, mostraremos o leque avantajado de possibilidades para um pro�ssional de fonética e fonologia no mercado de trabalho da atualidade, deixando de lado alguns mitos que cercam a área de Letras, mas trazendo novos caminhos inter e multidisciplinares, que enxergam os formados nessa área com muito bons olhos. Objetivo Identi�car o objeto da Linguística e seus objetivos na relação com a Fonética e com a Fonologia; Reconhecer as diferenças mais salientes entre as variantes padrão e não padrão, e o papel da Fonética e da Fonologia nesse âmbito; Relacionar os estudos de Fonética e Fonologia com as diversas áreas do saber atuantes com linguagem. Aspectos fonéticos nas variações linguísticas Uma pergunta importantíssima antes de começarmos este estudo: Você sabe o que é a Linguística? O que ela estuda? Com que objetivos? Nesta aula, faremos um panorama inicial sobre os principais aspectos dos estudos linguísticos relacionados com a nossa disciplina: Fonética e Fonologia. Começando a responder às perguntas feitas, podemos a�rmar que, segundo Ferdinand de Saussure (considerado o fundador da Linguística como ciência autônoma, com seu Curso de Linguística Geral): "A Linguística é a ciência que investiga os fenômenos relacionados à linguagem e que busca determinar os princípios e as características que regulam a estrutura das línguas. Seu objeto de estudo é a língua como um sistema autônomo, dissociado da fala – que é individual." Bem, tendo dito isso, podemos começar a analisar as situações de língua por que passamos e veremos como os estudos linguísticos fazem parte de nossa vida sem que percebamos. O que a Linguística vai fazer é teorizar essas experiências que temos com a linguagem, trazendo um aparato cientí�co inovador na abordagem sistêmica da língua. E como a Fonética e a fonologia se encaixam nisso? Vejamos os estudos das variantes linguísticas abaixo: Suponha que você, nascido e criado no Rio de Janeiro, vá receber um amigo seu de Belo Horizonte em sua casa. Logo que ele chega, você convida outros amigos para compartilhar esse momento de amizade. No instante em que as pessoas começarem a conversar, haverá certamente observações quanto ao sotaque, às escolhas lexicais e aos arranjos fonéticos das palavras. Fonte: Mascha Tace / Shutterstock Seu amigo de BH pronuncia a seguinte frase: Não demora muito e os amigos cariocas começam a fazer observações (jocosas ou curiosas) sobre essa variante linguística utilizada pelo seu amigo mineiro: A palavra trem em vez de negócio, por exemplo; As reduções do diminutivo das palavras cadin e poquin; A supressão da letra “d” no gerúndio comendo. Todos esses apontamentos mostram que, no RJ, a variante utilizada pelo seu amigo de MG não é a padrão e assim conseguimos identi�car falantes nativos e não nativos de determinado país, região ou mesmo comunidade. Atenção! Aqui existe uma videoaula, acesso pelo conteúdo online Falando nisso, aposto que você também já passou pela experiência de não entender ou não ser entendido por alguém que mora perto da sua casa, ou que nasceu no mesmo lugar que você. Isso acontece porque - também dentro de um mesmo grupo, comunidade, bairro, cidade, e até na mesma casa - as pessoas usam variantes linguísticas distintas. Imagine você com 13 anos e seu avô com 75. Ambos estão conversando e, de repente, você diz assim: Fonte: Ann131313 / Shutterstock Obviamente que não só o avô, mas qualquer um que estude um pouco das regras gramaticais de nossa língua sabe que essa não é a variante padrão ou a variante de prestígio adotada pela gramática da língua portuguesa. Isso porque as variantes prestigiadas não estão ligadas somente a questões linguísticas, mas sociais e culturais. É claro que você já percebeu os erros de concordância da frase acima, mas há também detalhes fonéticos que mostram uma transformação dentro da estrutura fônica da palavra: vemos que, na produção oral de determinados grupos, “a gente” pode virar “a rente”, e “não” pode se tornar “num”. Essas transformações fonéticas muitas vezes indicam qual a origem geográ�ca e social do falante, sua idade, sexo, pro�ssão etc. Às vezes falar uma frase ou palavras de um jeito extremamente certo pode indicar que você não é um falante nativo, visto que na maioria dos casos os falantes nativos de uma língua sabem como e quando usar as simpli�cações. Atenção! Aqui existe uma videoaula, acesso pelo conteúdo online Esses exemplos nos dão uma ideia melhor da diferença entre língua, dialeto (ou variante) e idioleto: A língua é a unidade sistemática da estrutura comunicativa, a base com que e pela qual todos nós nos comunicamos, nos entendemos e continuamos uma conversa, introduzindo assuntos diversos; As variantes ou dialetos são exatamente a forma como nos valemos da língua para nos comunicarmos uns com os outros; Os idioletos são escolhas pessoais, modo bem individual de comunicação, e isso inclui aquelas gírias bem especí�cas, ou palavras que só dentro de um pequeno grupo são usadas daquele modo. Exemplo A língua portuguesa estabelece, na sua ordem direta, a forma Sujeito-Verbo-Objeto. Então, essa sintaxe da língua nos permite, mesmo em variantes diferentes, não sair do limite normativo que a língua estabelece. Temos na variante padrão: Você pode pôr o pó aqui? A resposta vem na variante não-padrão: Pó pô o pó ocê. As diferenças fonéticas entre as duas frases não impedem a compreensão, apesar de sabermos que o primeiro se vale da norma culta e o segundo de uma norma coloquial para se comunicar. Estamos vendo como os estudos sobre Fonética e Fonologia vão além das questões fônicas e permeiam também as questões sociais. É claro que você não vai deixar de falar do seu jeito, quando a ocasião não exigir de você um uso mais culto da língua, no entanto é muito importante que você perceba que as simpli�cações fonéticas, substituições de letras e acréscimo de outras revelam muito sobre os falantes. Atenção Pode parecer, mas Fonética e Fonologia não são ramos idênticos de estudo da língua. A respeito do assunto, há a explicação: A Fonética estuda os sons da fala como entidades físico-articulatórias isoladas (aparelho fonador). É a Fonética que descreve os sons da linguagem e analisa suas particularidades acústicas e perceptivas. Ela fundamenta-se em estudar os sons da voz humana, examinando suas propriedades físicas independentemente do seu papel linguístico de construir as formas da língua. Sua unidade mínima de estudo é o som da fala, ou seja, o fone. A Fonologia estuda as diferenças fônicas intencionais, distintivas, isto é, que se unem a diferenças de signi�cação; estabelece a relação entre os elementos de diferenciação e quais as condições em que se combinam entre si para formar morfemas, palavras e frases. Sua unidade mínima de estudo é o som da língua, ou seja, o fonema. A Fonologia e o estudo do fonema Fonte: Lassedesignen / Shutterstock). Na maioria dos estados brasileiros, no que diz respeito à produção oral dos falantes em geral, o fonema /t/ é pronunciado de duas formas diversas, dependendoda vogal que lhe procede: diante de [i], o fonema é materializado como [tʒ] (como em tia, na fala do carioca), à proporção que, diante das outras vogais, é materializado como [t] (tato, teu, tua). Já em regiões como Pernambuco, o fonema /t/ diante de [i] é pronunciado da mesma forma que diante das outras vogais (o vocábulo tia é pronunciado de maneiras diferentes no Rio de Janeiro e em Pernambuco). Mas como não existe uma contraposição semântica entre as duas formas de pronúncia, a Fonologia não concebe os dois sons como fonemas diferentes. Na verdade vai concebê-los como uma mesma unidade (funcionalmente falando) e examina as condições sob as quais se dá a alternância entre eles (geogra�camente, por exemplo). Mais à frente, entenderemos que essas ocorrências se dão porque [d͡ʒ] e [dão] são alofones. Mas isso é assunto para outra aula. Fonética – qual seu objeto de estudo? A unidade básica de estudo para a Fonética é o fone. A fala humana é capaz de produzir inúmeros fones. A forma mais comum de representar os fones pelos linguistas é através do Alfabeto Fonético Internacional (AFI), desenhado pela Associação Internacional de Fonética (IPA). Quando fazemos a transcrição fonética de uma palavra, devemos utilizar a tabela acima. A palavra casa, por exemplo, seria foneticamente escrita /’kazɐ/. Observe que a tabela fonética fornece uma letra especí�ca para cada som, e mesmo as letras “a”, por serem pronunciadas diferentemente devido à tonicidade, recebem um símbolo distinto (uma é vogal, a outra semivogal). Pidgins e crioulos Você já ouviu falar de pidgins e crioulos? Vimos que a língua é um conglomerado complexo de estruturas que tornam a linguagem codi�cada e relativamente uma para um grande grupo de falantes. Foneticamente, as línguas são bastante ricas, complexas, valem-se de combinações variadas entre consoantes (encontros consonantais) e vogais (ditongos, tritongos e hiatos). Mas existem estruturas linguísticas que são extremamente simples, não usam quase nenhuma combinação complexa e são formadas por palavras dissílabas, basicamente compostas por consoante + vogal. Exemplos: Estamos falando de pidgins: línguas em estágios primitivos, construídas para contatos entre povos de diferentes origens, com objetivos bastante delimitados. Os pidgins não possuem muita variedade de palavras, quase nenhuma �exão de gênero ou número, e a combinação fonética é basicamente como vimos anteriormente, consoante + vogal. Comentário Os primeiros registros de um pidgin foram quando do contato entre portugueses e nativos africanos com o propósito de permitir o comércio entre eles. Atenção! Aqui existe uma videoaula, acesso pelo conteúdo online A evolução de um pidgin se dá quando os falantes nativos adotam essa estrutura linguística como sua língua materna, passando a se chamar crioulo. Crioulo é, portanto, quando um pidgin permanece como língua de um grupo, mesmo que pequeno, e é passado pelas gerações. Áreas de trabalho Poucos são os quem sabem que pro�ssionais especializados na área de fonética e fonologia possuem um mercado de trabalho bastante amplo e não somente na área do magistério. Um levantamento feito pela pesquisadora Silva (2009) nos mostra esses dados: a) Ensino de língua materna; b) Teórico da linguística; c) Ensino de língua estrangeira; d) Planejamento linguístico-social; e) Tradução e interpretação; f) Dramaturgia; g) Fonoaudiologia; h) Linguagem de surdo; i) Linguística computacional; j) Linguística forense; k) Ciência da telecomunicação; l) Linguística indígena. Atividades 1. Dentre os objetos de estudo da Linguística, assinale aquele que mais se relaciona com a Fonética e a Fonologia: a) Investigação da língua como sistema, sem observar as produções de fala dos indivíduos. b) Investigação da língua em estado sincrônico, sem avaliar a evolução da fala pelos tempos. c) Análise das produções de livros e revistas em língua portuguesa. d) Pesquisas sobre a aplicação de textos em contextos profissionais. e) Investigação e análise das produções de fala dos falantes de uma dada língua, mostrando as variedades e especificidades das construções linguísticas. 2. Relacione as colunas com as devidas informações acerca do que estudamos na aula de hoje: Fonética 1 Sintaxe 2 Semântica 3 Gramática 4 a) Abrange todos os elementos de estudo. b) Estuda os sons da fala, precisamente. c) Estuda a estrutura das frases e orações. d) Estuda os signi�cados das palavras. 3. Aponte um aspecto do português que marque a variação linguística entre faixas etárias diferentes. Dê exemplos para melhorar sua resposta. 4. Analisando o amplo mercado que possui um especialista em Fonética e Fonologia, marque (V) para verdadeiro e (F) para falso: a) Um pro�ssional especializado em Fonética e Fonologia jamais poderia trabalhar com fonoaudiologia, pois não tem formação em medicina. b) O pro�ssional de Letras com especialização em Fonética e Fonologia está restrito à sala de aula. c) Para ser um bom professor de língua portuguesa para estrangeiros, é bom ter domínio de Fonética e Fonologia, pois nem todos os sons da fala produzidos por um nativo o são por um estrangeiro. Daí a necessidade de um especialista. Notas Referências BECHARA, E. Moderna gramática portuguesa. 37. ed. ver. ampl. Rio de Janeiro: Lucerna, 2001. CALLOU, D.; LEITE, Y. Iniciação à Fonética e à Fonologia. 5. ed. Rio de Janeiro, Zahar, 1995. MORAES, R. Fonética e Fonologia da língua portuguesa. Rio de Janeiro: SESES, 2015. SANTOS, P. P. Distinção entre Fonética e Fonologia. In: InfoEscola. Disponível em: https://www infoescola com/portugues/distincao-entre-fonetica-e-fonologia/ https://www.infoescola.com/portugues/distincao-entre-fonetica-e-fonologia/ https://www.infoescola.com/portugues/distincao entre fonetica e fonologia/ <https://www.infoescola.com/portugues/distincao-entre-fonetica-e-fonologia/> . Acesso em: 11 abr. 2019. SILVA, T. C. Fonética e Fonologia do português: roteiro de estudos e guia de exercícios. São Paulo: Contexto, 2009. Próxima aula Dupla articulação da linguagem; Dois planos de constituição dos enunciados; Objetos da Fonética e da Fonologia. Explore mais Assista ao documentário. Você fará uma imersão em um universo linguístico riquíssimo e aprenderá muito com as variedades nordestinas sertanejas: Sertão como se fala. Direção: Leandro Lopes. Brasil: Bil’s Cinema e Vídeo, 2016. 71 min, son., color. https://www.infoescola.com/portugues/distincao-entre-fonetica-e-fonologia/
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