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Artigo publicado na edição 74 www.mundologist ica.com.br J A N / F E V 2 0 2 0 Acesse nosso site: www.revistamundologistica.com.br64 www.revistamundologistica.com.br64 Transporte aquaviário: um diagnóstico da realidade brasileira Uma logística de transportes será equilibrada, se considerar a necessária e significativa participação do modo de transporte aquaviário, seja por sua relevância no comércio exterior e na navegação de longo curso, na cabotagem e navegação interior, ou por seu caráter produtivo e de instrumento renovador de uma política efetiva de transportes. Assim, a redução dos custos das empresas de navegação se tornará evidente. A realidade brasileira, neste artigo, será retratada e analisada. Ao final, serão delineados cenários futuros para o modo de transporte aquaviário e configurada a sua importância fundamental no âmbito da logística dos transportes do Brasil. 65 65 Sergio Iaccarino Engenheiro civil, possui Doutorado em Engenharia de Produção pelo Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (COPPE/ UFRJ). No Programa de Pesquisa em “Sistemas Complexos em Logística e Transportes”, no Institut National de Recherche Sur Les Transports et Leur Sécurité (INRETS), na França, elaborou a tese “Mistral – Modelagem e integração de sistemas inteligentes nas empresas de transporte e logística”, 1996. Atualmente, exerce o cargo de especialista em Infraestrutura Sênior do Ministério da Economia. sergio.iaccarino@infraestrutura.gov.br Plataforma Lattes: cv:/lattes.cnpq.br/ 4608952746152861 Maria de Lara Moutta Calado de Oliveira Engenheira mecânica, possui Doutorado pelo Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE/PROPAD), com a tese “Relações contratuais e desenvolvimentos da capacidade operacional em estaleiros brasileiros: uma análise à luz da teoria da agência”, 2016. Atualmente, exerce o cargo de analista em Infraestrutura do Ministério da Economia. maria.calado@infraestrutura.gov.br Plataforma Lattes: cv:/lattes.cnpq.br/ 6274228257985405 A importância do transporte aquaviário deve ser ressaltada de forma mais impactante, no cenário nacional da logística. Ser competitivo signi- fica, atualmente, uma constante quebra de paradigmas para as empresas de transporte, considerando os pressupostos exigidos pela modernidade. O segmento produtivo dos transportes passa por uma importante e necessária reformulação, a qual deve privilegiar os anseios da sociedade, por meio de soluções formais e não paliativas provenientes da informalidade. A logística, como elemento de integração dos problemas complexos de transporte, surge como catalisadora de novas perspectivas de produtivida- de. Um enfoque logístico voltado ao transporte aquaviário, associado a par- cerias sinérgicas, possibilita, por meio de novos indicadores e padrões de excelência, conceituar o transporte aquaviário não somente pelo seu caráter comercial, como também e, principalmente, pelo seu caráter produtivo e de instrumento renovador das políticas de transportes. Para que isso ocorra, é fundamental o despojamento por parte dos especialistas e gestores dos sis- temas de transportes, visando adaptar as técnicas utilizadas aos problemas de cada modo de transporte, em particular, o foco deste trabalho, que é o transporte aquaviário. Segundo dados da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), o percentual de exportações por via marítima é de 95,9% e de importações 89,9%, evidenciando a importância de atribuir mecanismos de modernidade a esse transporte, por seu alto grau de relevância, ainda que haja muito a melhorar em informação, desembaraço, movimentação de carga e demais componentes do mix. Um sistema de transporte ideal deve conter, entre outros, os pré-requisi- tos de segurança global, a continuidade do serviço, a regularidade e a inter- modalidade, visando a uma plena eficiência da infraestrutura. Transmitir a informação correta aos usuários do sistema, bem como melhorar o desempenho operacio- nal, por meio de indicadores cor- retamente definidos, caracteriza-se como elemento de mudança nos referenciais das políticas de trans- portes, influenciando a renovação dos diversos modos de transporte. Uma atualização do “estado da arte” sobre o assunto será efetivada, evidenciando os agentes interve- nientes (stakeholders) e sua atuação sob regulação, como companhias de navegação internacional, navegação de apoio marítimo e cabotagem; companhias de navegação operan- do em rios, lagos e águas interiores (passageiros e cargas); portos pú- blicos e Terminais de Uso Privado (TUP); Estações de Transferência de Cargas (ETC) e instalações por- tuárias públicas (IP4), bem como a utilização da infraestrutura federal www.revistamundologistica.com.br66 www.revistamundologistica.com.br66 Transporte aquaviário: um diagnóstico da realidade brasileira de navegação interior, consideran- do os 20 mil km de hidrovias. O cenário atual do mercado offsho- re conta com a redução significativa dos investimentos voltados à explo- ração de petróleo, com a posterga- ção de projetos exploratórios e a concentração na atividade de pro- dução, redução da frota de embar- cações estrangeiras e perspectiva de impossibilidade momentânea de aumento de frota. Já o cenário futuro vislumbra o ressurgimento da indústria naval e desinências (navipeças, empresas associadas aos clusters formados pela concentração de atividades), verdadeiras startups emergentes. Para o desenho desse cenário futuro, será utilizada a metodolo- gia da matriz S.W.O.T. (análise das forças, fraquezas, oportunidades e ameaças nos ambientes externo e interno), a qual se, por um lado é um instrumental metodológico co- nhecido e longevo, por outro, apre- senta um interessante referencial para ser estabelecida uma listagem de cenários possíveis para o modo aquaviário de transportes, no âmbi- to da infraestrutura brasileira, caso sejam tomadas as decisões corretas. O artigo apresenta a seguinte sequência: a idade média da frota nacional de embarcações, afreta- mento e seus desdobramentos, de- mandas sinalizadas pelo mercado e cenários para o modo aquaviário de transportes, no Brasil, via matriz S.W.O.T., considerações finais e re- ferências bibliográficas. A IDADE MÉDIA DA FROTA NACIONAL DE EMBARCAÇÕES A idade média da frota de em- barcações é uma variável importan- te a ser levada em conta, uma vez que, por ser um bem de consumo durável, o navio possui a expectativa de vida em torno de 25 anos. A frota, ao envelhecer, sinaliza a necessidade de reposição, situação que, em se tratando de demandas por projetos, torna a construção naval ainda mais complexa, por apresentar alto tempo para a reposição das demandas, o uso intensivo de capital e a necessidade de qualificação da mão de obra. É de relevância, ainda, destacar que quanto maior for o nível de comple- xidade construtiva das embarcações, maior será o tempo dedicado à cons- trução, agravando ainda mais a variável de envelhecimento da frota. Em geral, as navegações de longo curso e cabotagem comportam embarcações mais complexas. Em seguida, por grau de complexidade, estão as embarca- ções de apoio marítimo e portuário. As embarcações de navegação interior tendem a ser menos complexas, apresentando uma maior velocidade de resposta, no que se refere ao tempo de construção. Logo, fazem-se necessários o planejamento estratégico, em médio e longo prazos, e a análise dos cenários macro e microeconômicos, mitigando os impactos do envelhecimento da frota. O Gráfico 1 apresenta o comportamento da idade da frota brasileira, dis- tribuído pelos diversos tipos de navegação. Entre 2010 e 2014, o aumento da frota gerou a redução da idade média das embarcações, seguindo nessa tendência até 2014, quando o aumento da frota foi menos significativo. A partir de 2014, a tendência da frota foi prosseguir nesse envelhecimento,ratificando, mais uma vez, a tendência de novas demandas para suprir essa natural obsolescência. As navegações de cabotagem e de longo curso apre- sentam a maior idade média da frota, seguidas pelas de apoio portuário e marítimo. A navegação interior apresenta a menor taxa de envelhecimento. No entanto, a sua frota também evidencia uma idade média elevada. Gráfico 1: Idade média da frota nacional. Fonte: Antaq (2019). Fazendo um comparativo entre a idade média da frota nacional, seja de navegação marítima ou interior, com o comportamento da frota, é clara- mente perceptível que, de fato, o aumento da frota contribuiu para a redu- ção da idade média da frota, tendo como justificativa o fato de que aumen- taram as entregas, ao longo dos anos de 2012 a 2015, conforme pode ser visualizado no Gráfico 2. 67 67 2538 2533 1.424 1.932 2.447 3.089 17,5 16,7 16,5 15,8 15,6 15,8 15,9 16,1 16,8 14,5 15,0 15,5 16,0 16,5 17,0 17,5 18,0 0 500 1000 1500 2000 2500 3000 3500 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 Navegação marítima Navegação interior Idade média (anos) 3.110 3.610 4.715 5.373 4.610 7.545 8.014 8.802 9.754 0 16,1% 30,6% 14,0% -14,0% 63,7% 6,2% 9,8% 10,8% -20,00% -10,00% 0,00% 10,00% 20,00% 30,00% 40,00% 50,00% 60,00% 70,00% 0 2.000 4.000 6.000 8.000 10.000 12.000 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 Registro Autorização Total Variação percentual Gráfico 2: Comparativo entre a idade e o aumento de frota. Fonte: Antaq (2019). AFRETAMENTO E SEUS DESDOBRAMENTOS O afretamento é outra variável importante no estudo da demanda. A Lei nº 9.432, de 8 de janeiro de 1997, é o marco regulatório que dispõe sobre a ordenação do transporte aquaviário e define o afretamento como um con- trato de aluguel, de acordo com as características da viagem, podendo ser classificado como afretamento a casco nu, afretamento por tempo e afreta- mento por viagem. O afretamento a casco nu é um contrato em virtude do qual o afretador tem a posse, o uso e o controle da embarcação, por tempo determinado, incluindo o direito de designar o comandante e a tripulação. O afretamento por tempo é um contrato em virtude do qual o afretador recebe a embar- cação armada e tripulada ou parte dela, para operá-la por tempo determi- nado. O afretamento por viagem é um contrato segundo o qual o fretador se obriga a colocar o todo ou parte de uma embarcação, com tripulação, à disposição do afretador, para efetuar o transporte em uma ou mais viagens. A empresa brasileira de navegação poderá disponibilizar para o frete em- barcações brasileiras e estrangeiras por viagem, tempo e a casco nu. Porém, o afretamento de embarcação estrangeira por viagem ou tempo, para operar na navegação interior de percurso nacional ou no transporte de mercado- rias na navegação de cabotagem ou nas navegações de apoio portuário e marítimo, bem como a casco nu, na navegação de apoio portuário, depen- de da autorização do órgão competente, retratando um mercado protegido nesse segmento. A Lei nº 9.432, de 8 de janeiro de 1997, delimita o afretamento para os seguintes casos: I - Quando verificada a inexistência ou indisponibilidade de embarcação de bandeira brasileira do tipo e porte adequados para o transporte ou apoio pretendido; II - Quando verificado o interesse público, devidamente justifica- do; III - Quando em substituição a embarcações em construção, no País, em estaleiro brasileiro, com contrato em eficácia (“na área naval, a eficácia do contrato é determinada – senso comum – quando ocorre o primeiro de- sembolso ou liberação de recur- sos”), enquanto durar a constru- ção, por período máximo de 36 meses até o limite: da tonelagem de porte bruto contratada, para embarcações de carga; da tone- lagem de porte bruto contrata- da, para embarcações de carga, e da arqueação bruta contratada, para embarcações destinadas ao apoio. Independe de autorização o afre- tamento de embarcação de bandei- ra brasileira para a utilização na navegação de longo curso, interior, interior de percurso internacional, cabotagem e de apoio portuário e marítimo. Já para a embarcação estrangeira, a navegação de longo curso ou interior de percurso inter- nacional poderá ser feita por em- barcações afretadas. Porém, também independe de autorização a embarcação estran- geira a casco nu (com suspensão de bandeira) para a navegação de cabotagem, navegação interior de percurso nacional e navegação de apoio marítimo, limitada ao dobro da tonelagem de porte bruto das embarcações, de tipo semelhante, por ela encomendadas a estaleiro brasileiro instalado no País, com contrato de construção em eficácia, adicionado de metade da tonela- gem de porte bruto das embarca- ções brasileiras de sua propriedade, ressalvado o direito ao afretamento www.revistamundologistica.com.br68 www.revistamundologistica.com.br68 de, pelo menos, uma embarcação de porte equivalente. A navegação é objeto de proteção regulatória não só no Brasil, mas nos principais mercados globais. O Brasil é considerado pouco restri- tivo, se comparado a países, como México, Estados Unidos, África do Sul e Noruega, que proíbem as em- barcações estrangeiras na navegação interior e cabotagem, em qualquer situação. O Gráfico 3 apresenta a quan- tidade de afretamentos registrados pela Agência Nacional de Trans- portes Aquaviários (Antaq) classi- ficada conforme a nomenclatura de registro e autorização. Os registros são os casos de afretamento que não demandam autorização e são apenas registrados na Antaq, con- forme previsto no artigo 10, da Lei nº 9.432/97. As colunas “autoriza- ção” são os casos que demandam autorização, previstos no artigo 9, da mesma lei. Em 2014, houve a redução signi- 2538 2533 1.424 1.932 2.447 3.089 17,5 16,7 16,5 15,8 15,6 15,8 15,9 16,1 16,8 14,5 15,0 15,5 16,0 16,5 17,0 17,5 18,0 0 500 1000 1500 2000 2500 3000 3500 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 Navegação marítima Navegação interior Idade média (anos) 3.110 3.610 4.715 5.373 4.610 7.545 8.014 8.802 9.754 0 16,1% 30,6% 14,0% -14,0% 63,7% 6,2% 9,8% 10,8% -20,00% -10,00% 0,00% 10,00% 20,00% 30,00% 40,00% 50,00% 60,00% 70,00% 0 2.000 4.000 6.000 8.000 10.000 12.000 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 Registro Autorização Total Variação percentual Gráfico 3: Crescimento do afretamento. Fonte: Adaptado da Antaq (2019). ficativa dos números de afretamento, possivelmente ex- plicada pelas fortes entregas de embarcações. Entre 2010 e 2014, o número de autorizações superou o de registros, indicando a falta de capacidade dos estaleiros brasileiros em produzir as embarcações demandadas, além da fal- ta das embarcações necessárias para suprir o mercado nacional. A partir de 2015, um número significativo de registros foi identificado, permanecendo até 2018 supe- riores às autorizações. Porém, mesmo com a baixa demanda nos estalei- ros, os afretamentos continuaram a crescer. Dados de 2018 indicam que a frota brasileira de navegação ma- rítima possui 2.533 embarcações, das quais 714 (28%) são afretadas. O Gráfico 4 apresenta os dados referentes aos afretamentos realizados até o mês de março deste ano, em que praticamente 80% dos dados são referentes a afretamentos para o apoio portuário, seguidos pela ca- botagem. Esses dados refletem uma possível demanda reprimida nesses dois segmentos de navegação. Já os in- dicadores da movimentação por tipo de navegação, en- tre 2010 e 2018 (em milhões de toneladas), foram para o longo curso (32%), cabotagem (26%) e interior (105%). Transporte aquaviário: um diagnóstico da realidade brasileira 69 69 Gráfico 4: Dados dos afretamentos ocorridos em 2019 e movimentação por tipo de navegação 2010-2018. Fonte: Adaptado da Antaq (2019). 2,01 2,14 2,45 2,60 2,20 3,29 3,28 3,47 3,85 1547 1690 1928 2067 2099 2295 2444 2538 2533 3110 3610 4715 5373 4610 7545 8014 88029754 0,00 0,50 1,00 1,50 2,00 2,50 3,00 3,50 4,00 4,50 0 2000 4000 6000 8000 10000 12000 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 Indicador de afretamento Frota total Afretamento 517; 40% 511; 40% 220; 17% 33; 3% Apoio portuário Cabotagem Longo curso Apoio marítimo Um ponto importante a ser esclarecido é que os nú- meros de afretamentos não correspondem aos de em- barcações. Como já dito anteriormente, existem dois tipos de afretamentos, dessa forma, uma mesma em- barcação pode ter vários registros de afretamento, tor- nando evidente tal constatação, sendo criada uma re- presentação do indicador Nível de Afretamento (NA) existente para mapear o comportamento longitudinal do afretamento. O NA é uma variável medida pela divisão entre a quantidade de afretamentos realizados e a frota exis- tente, tomando por base a navegação marítima. Tem o objetivo de medir o nível quantitativo de afretamento de forma longitudinal. O Gráfico 5, a seguir, reflete um aumento significativo do NA, ao longo dos últimos 10 anos. Em 2010, o NA era em torno de dois afretamentos para cada embarcação, chegando, em 2018, a quase qua- tro afretamentos para cada embarcação, sinalizando, assim, um aumento próximo de 100% nesse indicador, ratificando uma forte demanda reprimida, em virtude dos aumentos do afretamento, ou seja, a redução de afretamentos seria uma forte variável para o aumento da demanda nacional. A partir de várias fontes, palestras e apresentações de diversas entidades, existem sinalizações de demanda otimistas, quando comparadas aos estudos anteriores, ratificando a demanda futura necessária e pujante para a indústria naval brasileira. 2,01 2,14 2,45 2,60 2,20 3,29 3,28 3,47 3,85 1547 1690 1928 2067 2099 2295 2444 2538 2533 3110 3610 4715 5373 4610 7545 8014 8802 9754 0,00 0,50 1,00 1,50 2,00 2,50 3,00 3,50 4,00 4,50 0 2000 4000 6000 8000 10000 12000 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 Indicador de afretamento Frota total Afretamento 517; 40% 511; 40% 220; 17% 33; 3% Apoio portuário Cabotagem Longo curso Apoio marítimo Gráfico 5: Tendência do NA. Fonte: Adaptado da Antaq (2019). www.revistamundologistica.com.br70 www.revistamundologistica.com.br70 DEMANDAS SINALIZADAS PELO MERCADO Segundo dados do Estaleiro Atlântico Sul (EAS), em Pernam- buco (2018), existem grandes prospecções de demanda em con- sequência da associação de fatores críticos, como investimentos já rea- lizados, ambiente industrial estru- turado, mão de obra qualificada e uma demanda reprimida. O mesmo considera razoável a demanda de 160 navios aliviadores petroleiros; 80 Floating Production Storage and Offloading (FPSO) e 50 navios de cabotagem tipo graneleiros e con- teineiros, apresentando uma pro- dução capaz de movimentar toda a indústria naval do País por duas décadas, a plena capacidade. De forma semelhante, a Asso- ciação Brasileira dos Armadores de Cabotagem (ABAC) (2019) con- verge com a perspectiva anterior de aumento da frota de contêineres, sinalizando a necessidade de po- tencializar a oferta, para aumentar a atratividade da cabotagem, sendo necessário garantir a estabilidade regulatória às Empresas Brasilei- ras de Navegação (EBNS), visando possibilitar custos competitivos na cabotagem e, dessa forma, poten- cializar os investimentos na forma- ção de frota. Há a expectativa do aumento de demanda, em termos de 4,4% ao ano, na movimentação de carga, gerando uma expectativa de demanda de embarcações de ca- botagem bem favorável para os pró- ximos anos. A Kuene Nagel (2018) criti- ca diversas dificuldades, no atual mercado de cabotagem brasileiro, destacando que as tarifas altas e in- sustentáveis, quando comparadas a períodos anteriores; a indisponibili- dade de espaço nos navios, gerando menos opções de oferta de transporte, e as mudanças de serviço constantes, geram a falta de credibilidade no transporte de cabotagem, o que aponta para grandes oportunidades nesse segmento. A empresa complementa, ainda, que existe a equalização entre a oferta e a demanda, na qual o mercado mundial está deixando de ter uma oferta maior do que a demanda, havendo a previsão para 2019 de falta de rotas regulares, decorrentes da carência de embarcações. As entregas de novos navios têm sido reduzidas, 2016 foi o ano com me- nor número de entregas de navios. Muitas das entregas, desde 2017, vêm sendo postergadas e novas entregas estão vinculadas aos grandes conteinei- ros. Outro ponto relevante a destacar foi o sucateamento de navios novos, ocorrendo casos extremos, em que os navios com menos de 10 anos foram sucateados. Tudo o que foi até aqui exposto, associado às tendências mundiais de novos serviços ofertados, sobretudo com o maior uso do canal do Panamá, ratifica a expectativa positiva de demandas para a navegação de longo curso e cabotagem. O Gráfico 6 apresenta essa equalização entre a oferta e a de- manda a partir de 2019. Gráfico 6: Redução da oferta em relação à demanda. Fonte: Kuene Nagel (2019). Segundo a Associação Brasileira de Embarcações de Apoio Marítimo (ABEAM) (2018), a navegação de apoio marítimo provê apoio logístico a embarcações e instalações que atuam na exploração e produção de óleo e gás no mar e, para cada unidade marítima, fazem-se necessárias três a quatro embarcações de apoio marítimo. Tomando por base as 80 unidades marítimas previstas pelo Estaleiro Atlântico Sul (EAS), então, existe a possi- bilidade de 240 embarcações de apoio marítimo serem demandadas. Segundo dados da ABEAM, existem expectativas de que haja a retoma- da do crescimento do apoio marítimo, gerando novas demandas e investi- mentos substanciais, atrelando esses aumentos a medidas que incentivem Transporte aquaviário: um diagnóstico da realidade brasileira 71 71 a indústria naval e a manutenção do marco regulatório (Lei nº 9.432/97), conforme pode ser percebido no Gráfico 7. Gráfico 7: Evolução da frota de apoio marítimo, no Brasil. Fonte: ABEAM (2019). O apoio marítimo enfrentou um período de dificuldades, nos últimos anos, em função da retração do setor de óleo e gás, no Brasil e no mundo. Segundo dados da ABEAM, o barril de petróleo deve se estabilizar entre USD 70,00 e USD 80,00, refletindo a retomada do setor e a previsão tam- bém otimista de cerca de 120% de aumento da produção até 2027. O Gráfi- co 8 apresenta o comportamento dos preços em USD do barril de petróleo. Gráfico 8: Preço do petróleo bruto no mercado inter- nacional USD/barril. Fonte: ABEAM (2019). A navegação interior também obteve previsões otimistas. A Ra- bobank (rede global de 80 analistas econômicos, que estudam o agrobu- siness) (2018), realizou estudo sobre os possíveis impactos da demanda chinesa sobre a produção de soja, no Brasil. A urbanização e a maior renda per capita nas cidades da Chi- na são fatores catalisadores do cres- cimento da demanda por alimen- tos. Dessa forma, existe a previsão de que as importações de soja da China devam alcançar 125 milhões de toneladas, em 2026/27, a uma taxa de crescimento de 3,3% ao ano. A Rabobank prevê que a produ- ção brasileira de soja alcance 154 milhões de toneladas, gerando ex- portações da ordem de 90 milhões de toneladas até 2026/27, o que re- presenta quase 50% do volume ex- portado mundialmente, havendo, por conseguinte, a necessidade de adequação entre o escoamento da soja e a infraestrutura logística, no País, exigindo diversas embarca- ções de navegação interior. Ratificando essas informações, o Sindicato da Indústria da Cons- trução Naval do Estado do Pará (Sinconapa) (2018) acrescentou, ainda, que os custos logísticos, no Brasil, chegam a cerca de quatro vezes mais do que nos Estados Uni- dos, com um potencial de ganhos, como consequência dos gargalos logísticos, da ordem de 35%. O sim- ples uso dos portos da própria re- gião Norte para a exportação traria grandes reduções nesses gargalos. Tal melhoria geraria demandas mí-nimas da ordem de 1.000 barcaças, 40 empurradores de grande porte e 20 empurradores de pequeno porte, para os próximos 10 anos. A partir das demandas sugeridas pelas expectativas do mercado e as www.revistamundologistica.com.br72 www.revistamundologistica.com.br72 A C B D demandas calculadas pelas séries históricas, foi possível realizar a comparação entre as duas perspectivas de pre- visões: a série histórica da frota e o mercado. O Quadro 1 apresenta o paralelo entre a demanda estatística e a do mercado, exibindo os dados organizados de forma comparativa. As demandas encontradas são convergentes, seja pe- las séries históricas ou pelo mercado, apesar de apresen- tarem metodologias completamente diferentes para o alcance dos resultados. Isso torna os dados consistentes, uma vez que serve de validação (análise de sensibilida- de) para os resultados propostos, ratificando a confiabi- lidade dos resultados. Existe a demanda variável entre 152 e 180 embarcações, chegando até 264 embarcações, em um cenário de forte crescimento econômico. TIPOS DE NAVE- GAÇÃO PREVISÃO DE DEMANDAS Análise estatística Análise de mercado Realista (PIB) % Otimista % Quantidade prevista Quantidade anual % Cabotagem/ longo curso 12 8% 21 8% 290 (20 anos) 14 8% Apoio marítimo 15 10% 30 11% 240 (20 anos) 12 7% Apoio portuário 48 32% 93 35% 48 27% Navegação interior 77 51% 120 45% 1060 (10 anos) 106 59% Total 152 264 180 Quadro 1: Comparativo entre a demanda estatística e a do mercado. Fonte: Oliveira, M.L.M.C de. et al., 2019. CENÁRIOS PARA O MODO AQUAVIÁRIO DE TRANSPORTES, NO BRASIL, VIA MATRIZ S.W.O.T. A análise efetivada pela matriz S.W.O.T. (forças, fra- quezas, oportunidades e ameaças) é uma metodologia utilizada para a elaboração de cenários (ou análise do ambiente), sendo uma ferramenta de gestão e planeja- mento estratégico. Neste artigo, o objetivo é estabelecer cenários futuros para o modo de transporte aquaviário. Essa técnica foi criada por Kenneth Andrews e Roland Christensen, nas décadas 1960 e 1970, e desenvolvida nos trabalhos de Michael Porter. O termo S.W.O.T. acrônimo, na língua inglesa, significa S-strengths, W-weakness, O-opportunities e T-threats, ou seja, são as forças x fraquezas x oportunidades x ameaças delinea- das nos quadrantes desenhados para o estudo de caso. O desenho dos quatro quadrantes da matriz, na Fi- gura 1, está vinculado às estratégias e políticas de ação A, B, C e D, respectivamente. A – Desenvolvimento; B – Manutenção; C – Crescimento; D – Sobrevivência. Apostando, de forma consciente e realista, nos qua- drantes A e C, foi idealizado um cenário otimista para o transporte aquaviário, no Brasil, associado aos ambien- tes interno (forças e fraquezas) e externo (oportunida- des e ameaças). É perceptível, no âmbito desse enfoque otimista, que o desenho dos quadrantes referentes às estratégias de desenvolvimento e crescimento tenham os espaços e limites dos quadrantes ampliados, como mapeado na Figura 2. No caso, as forças e oportunida- des têm prevalência em relação às estratégias de manu- tenção e sobrevivência. Ambiente externo A m b ie nt e in te rn o Oportunidades Desenvolvimento Política de ação ofensiva • DE MERCADO • DE PRODUTOS • FINANCEIRO • DE CAPACIDADE • DE ESTABILIDADE • DIVERSIFICAÇÃO Pesquisar - Potencialidades • INOVAÇÃO • INTERNACIONALIZAÇÃO • PARCERIA • EXPANSÃO Política de ação defensiva • ESTABILIDADE • NICHO • ESPECIALIZAÇÃO Área de risco • REDUÇÃO DE CUSTOS • DESATIVAÇÃO • LIQUIDAÇÃO DO NEGÓCIO Crescimento Manutenção Sobrevivência Fo rç as Fr aq ue za s Ameaças Figura 1: As estratégias de desenvolvimento (A), manutenção (B), crescimento (C) e sobrevivência (D). Fonte: Iaccarino, S. Impactos da redistribuição da matriz intermodal sobre o modo aquaviário de transportes. 2017. Transporte aquaviário: um diagnóstico da realidade brasileira 73 73 A C B D Ambiente externo A m b ie nt e in te rn o Oportunidades • Extensão territorial marítima como fator favorável de competitividade; • Sinergia positiva para toda a cadeia de suprimentos da indústria de constru- ção naval; • Readequação de espaços físicos entre os parceiros, nos navios e portos; • Existência de recursos disponíveis e momento político-econômico voltado ao crescimento ordenado da demanda por multimodalidade; • Demanda de embarcações, tendo em vista a existência de estaleiros moder- nos, no Brasil, fator atenuante para a queda da exigência de Conteúdo Local (CL), que poderá direcionar encomendas para o exterior; • Evidenciar as economias de escala de cada modo de transporte e implantar projetos, segundo tal priorização; • Redução do tráfego rodoviário e seus impactos sobre os acidentes nas es- tradas com novos investimentos, com menor emissão de poluentes e menor consumo energético; • Pressão social e de organismos internacionais pela redução da emissão de poluentes bastante evidenciados pelo acordo de Paris. • Número crescente de empresas atuando na precificação do carbono; • Criação de um incentivo tributário/mecanismo compensatório pela emissão de Gases de Efeito Estufa (GEE) (modelagem de créditos de carbono – precifi- cação); • Capacitação de fornecedores nacionais de projetos e equipamentos; • Capacitação institucional relacionada às políticas públicas para a indústria naval e navipeças; • Melhoria da gestão dos recursos do Fundo da Marinha Mercante (FMM). • Aumento da produtividade, competitividade e qualificação dos estaleiros e portos como fator de fortalecimento da infraestrutura de transporte; • Realocar os recursos disponíveis, visando ao reequilíbrio da matriz de transportes; • Excessiva carga tributária; • Baixa confiabilidade das rotas de cabotagem e alto custo do frete; • Incremento de fiscalização de cargas/eixo e revitalização das balanças nas rodo- vias, como fator regulatório; • Implantação do conhecimento único de transportes como fator de aceleração dos despachos aduaneiros e da redução da burocracia inerente; • Caracterizar um esforço de marketing para promover a difusão da cabotagem e navegação interior como efetivas alternativas de transporte; • Eliminar os gargalos de infraestrutura redutores da produtividade da navegação (custo e produtividade da mão de obra); • Viabilizar o Operador de Transporte Multimodal (OTM). • A escolha, de forma recorrente, do transpor- te rodoviário como solução de transporte totalmente fora de suas faixas de eficiência; • Impacto do mercado internacional de fretes e da economia brasileira no custo de capital da embarcação e cabotagem; • Baixa utilização de mão de obra, se compa- rada ao modo rodoviário, nas hipóteses de ocorrência de transporte intermodal e/ou multimodal, do uso de equivalentes-quilô- metros nessa comparação; • Aprimorar os mecanismos de controle da legislação; • Fomentar a aprovação da reforma tributária; • Maior segurança da carga, com a aplicação dos procedimentos de controle para os por- tos e navios, situação que não ocorre com os outros modos de transporte. • Transporte multimodal, quando existente, bas- tante desordenado, o que afeta a imagem de sua característica principal, qual seja a sinergia; • Portos e seus gargalos não resolvidos – intensifi- car o marco regulatório; • Custo de combustível mais elevado para a cabotagem, em comparação às embarcações de longo curso; • Custo elevado de construção do navio em estaleiro nacional, mesmo com os incentivos de juros e prazos existentes, a ser agravado com a eventual queda da exigência de CL; • Custo de tripulação nacional mais elevado, comparativamente à utilização de bandeira de conveniência. Fo rç as Fr aq ue za s Ameaças CONSIDERAÇÕES FINAIS A distribuição intermodal de transportes, no Brasil, é marcada por uma matriz voltada, de forma predominan- te, ao modo rodoviário, responsável por 63% da repar- tição entre os modos de transporte, fator que, por si só, causa forte impacto negativo sobreo meio ambiente, re- presentando um acentuado acréscimo dos custos logísti- cos, além dos aspectos energéticos e econômicos inerentes a essa deseconomia. A integração via multimodalidade poderá alcançar maior adequação e uniformidade com investimentos equilibrados, permeando toda a cadeia logística. Nesse contexto, o papel do transporte aquaviário, em suas múl- tiplas configurações (comércio exterior, navegação de longo curso, cabotagem e navegação interior), assume im- portância fundamental. Uma logística de transportes equilibrada, a partir do diagnóstico da realidade brasileira que se pretendeu ca- racterizar neste trabalho, tem como um de seus pressu- postos a significativa participação do modo de transporte aquaviário, por sua relevância e caráter produtivo, inclu- sive, como instrumento de inovação na política de trans- portes. Viu-se que, quanto maior for o nível de complexidade construtiva das embarcações, na indústria naval, maior será o tempo dedicado à construção, agravando ainda mais a variável de envelhecimento da frota. Tal situação exige planejamento estratégico, em médio e longo prazos, e uma análise dos cenários macro e microeconômicos, para que, com tal atitude, seja possível mitigar os impactos do envelhecimento da frota. A navegação, sendo objeto de proteção regulatória, Figura 2: A matriz das forças, fraquezas, oportunidades e ameaças do transporte aquaviário. Fonte: Iaccarino, S. Impactos da redistribuição da matriz intermodal sobre o modo aquaviário de transportes, 2017. www.revistamundologistica.com.br74 www.revistamundologistica.com.br74 mostra um Brasil, até certo ponto, pouco restritivo, se co- tejado com as experiências internacionais. Os afretamen- tos são registrados pela agência reguladora Antaq. Diversas dificuldades, no atual mercado brasileiro de cabotagem, são relatadas, em particular, o ambiente tarifário elevado, a indisponibilidade de espaço nos na- vios, gerando menos opções de oferta de transporte, e as mudanças de serviço constantes, ocasionando a falta de credibilidade no transporte por cabotagem, o que aponta para grandes oportunidades nesse segmento. Outro ponto relevante destacado neste trabalho se re- fere ao sucateamento de navios novos, ocorrendo casos extremos, em que os navios com menos de 10 anos foram sucateados. No entanto, há a saudável convergência para a expectativa positiva de demandas para a navegação de longo curso e cabotagem. Existem grandes prospecções de demanda, em con- sequência da associação de fatores críticos, como inves- timentos já realizados, ambiente industrial estruturado, mão de obra qualificada e demanda reprimida. Com esse quadro, é possível surgir a produção capaz de movimen- tar toda a indústria naval do País por duas décadas. Há a expectativa do aumento de demanda na movimentação de cargas, o que ocasiona a natural expectativa de deman- da de embarcações de cabotagem para os próximos anos. Como envoltória deste artigo, que abordou a realida- de brasileira, em um instantâneo da situação atual, foram caracterizadas algumas alternativas de cenários futuros. Nesse sentido, a ferramenta metodológica, como a matriz S.W.O.T. (forças, fraquezas, oportunidades e ameaças), possibilitou desenhar o quadro de positivismo, em rela- ção às estratégias a serem adotadas, ao evidenciar o de- senvolvimento e o crescimento como prevalentes, dadas as condições detalhadas nos capítulos do artigo. É importante ressaltar que a existência de demanda potencial, constatada neste trabalho e agregada à natureza dessa realidade (fortalecimento da indústria de navipeças, criação natural de clusters marítimos, crescimento e orde- nação dos afretamentos e seus desdobramentos via marco regulatório, redução da idade média da frota nacional), todo esse mix caracteriza uma ótima perspectiva para o transporte aquaviário, no Brasil, ao vincular fatores con- sequentes, como a necessidade de redução dos gargalos portuários, mais efetiva utilização da cabotagem, amplia- ção da frota existente para acompanhar a demanda futu- ra, todos projetos sustentáveis, sob a égide do uso adequado dos recursos ambientais, energéticos e econômicos. 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