Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
FERNANDA CAUS PRADO FERNANDA CAUS PRADO HOBBES A constituição do Estado Moderno não foi um ato pacífico. Foi um processo de conflitos violentos. Como pacificar os seres humanos em um território não apenas pela força das armas, mas também com a lei. A base contratual do Estado Moderno, em todos os pensadores, possui três elementos específicos: I. O Estado de natureza II. O contrato = relação jurídica que implica reciprocidade III. A sociedade civil ou Estado O Estado de natureza significa observar os homens vivendo em conjunto quando não há um poder suficientemente forte para fazer valer uma lei para todos. É o Estado como sinônimo de condição. O contrato, um acordo de vontades entre os homens, é o meio para que a paz seja mantida. O contrato dá origem ao Estado. A natureza segundo Hobbes criou os homens iguais nas faculdades do corpo e do espírito, mais ainda no espírito. Para ele, nada mais igual do que o homem. Disso resulta a igualdade de esperança do fim. Os homens desejam a mesma coisa e dessa maneira se tornam inimigos, ao não poder desfrutá-la. Thomas Hobbes nasceu na Inglaterra em 1588. É o primeiro jus naturalista moderno e também o primeiro jus positivista. Sua obra prima O Leviatã, publicada na década de 1660, é escrita numa época em que a Inglaterra vivia uma guerra civil: de um lado os defensores do absolutismo da dinastia Stuart e do outro os defensores de um regime parlamentar. Leviatã é um monstro bíblico e Hobbes utiliza do termo para se referir ao Estado. O Leviatã é uma obra paradigmática: muda a visão de política e de sociedade. Hobbes rompe com a visão aristotélica de política. Enquanto Aristóteles afirma que o homem é um animal político e social, Hobbes coloca o homem com um ser calculista e que pensa a partir de sua preservação individual. Rompe também com o pensamento de Maquiavel, no qual se valorizava a preservação do Estado: a filosofia política de Hobbes é toda centrada no indivíduo. Hobbes não é liberal, contudo, comumente será estudado por pensadores liberais: as conclusões de Hobbes são antiliberais, mas seus preceitos são liberais. O autor tenta compreender como é o homem em seu estado de natureza, ou seja, antes da sociedade. Para ele, o sentimento mais intenso do homem é o desejo de se conservar e por consequência, o sentimento mais intenso na alma humana é o medo, especialmente o medo da morte. Por ser medroso, o ser humano deseja poder. Os homens cobiçam o poder para preservar sua vida no futuro. Desse modo, para que um possua poder, o outro deverá ser desprovido dele e isso resultará na natureza de conflito humana: a guerra de todos contra todos. Hobbes afirma que a vida no estado de natureza é cruel e solitária. Diante dessa situação, o que fazer? Aqui surge o contrato social. FERNANDA CAUS PRADO FERNANDA CAUS PRADO O quanto da minha liberdade eu estou disposto a abdicar para ter segurança? O homem cria o Estado para garantir a segurança e o abandono da guerra de todos contra todos. Apesar de ser defensor do absolutismo, para muitos o pensamento de Hobbes era considerado herético, pois tirava a justificativa do poder soberano de Deus e a colocava no povo (contrato social). Desse modo, mesmo sendo absolutista, ele será precursor dos defensores da democracia. A liberdade para Hobbes é a ausência de restrições externas ao seu movimento. Logo para ele em um Estado absolutista existe maior liberdade do que num Estado Democrático, pois com a segurança garantida ele poderá desfrutar de vários direitos, afirmando: nos silêncios da lei, o homem tem muitas liberdades. O absolutismo retira as liberdades políticas, mas concede as liberdades individuais. Hobbes acredita que se observarmos os homens no Estado de natureza, perceberemos neles três características fundamentais: I. Liberdade: os homens são completamente livres; não há obstáculos para a vontade humana; o homem age conforme seu julgamento e sua razão; há ausência de determinação; a liberdade e a determinação são opostas, quando há um não há o outro; não há nem lei da natureza, nem lei de Deus que determine a vontade humana. II. Razão: os homens são seres racionais; podemos escolher os meios e os fins; o homem pode fazer o que quiser com sua liberdade amparado pela razão; o homem usa da razão para alcançar seus objetivos. III. Igualdade: os homens são iguais; somos igualmente livres e racionais; nada é mais igual que o ser humano apesar das visíveis diferenças, afinal até mesmo o mais débil pode matar o rei mais poderoso. O homem está no mundo buscando satisfazer seus desejos (≠ de necessidade) através de objetos, sendo que não há um objeto específico que irá saciá-lo. Esses desejos divergem para cada pessoa e não são estáticos, estando sujeitos a mudar. O objeto trará ao homem, que o encontrar e o conversar, a felicidade e o poder, contudo sempre que encontrar um objeto satisfatório, o homem terá seu desejo novamente estimulado. Podemos afirmar que o desejo é o motor do homem. A felicidade não é um estado, mas sim um movimento, logo não pode ser encontrada. Para que o indivíduo permaneça bem no mundo, deverá então manter a capacidade do desejo. Na contemporaneidade, o objeto do desejo tem sido associado ao consumo, entretanto nem todos os desejos poderão ser saciados através da aquisição, por isso países ricos frequentemente apresentam altos índices de depressão e suicídio. Como anteriormente citado, o desejo mútuo por um objeto, causa conflito. O sujeito, provido da liberdade, ou seja, da falta de limitações, pode fazer o que bem entender na busca de seu objeto FERNANDA CAUS PRADO FERNANDA CAUS PRADO satisfatório e a disputa por esses objetos ocasiona a guerra de todos contra todos. A guerra de todos contra todos gera a necessidade constante de defesa, a pior condição do ser humano. Na guerra, as paixões se sobrepõem à razão. A solução para a guerra é o contrato: um acordo de vontades, precedido por um pacto de não-agressão; ambos os lados deixam de lado as armas e renunciam de seu direito sobre todas as coisas para que cada um tenha direito às suas coisas. Para que a problemática da ausência de lei seja corrigida, o poder é entregue a uma pessoa ou assembleia, um soberano que representará o Estado e será dotado do monopólio da força e da lei, que deverá ser igualmente estabelecida para todos. O contrato implica em reciprocidade de direitos e deveres: o soberano deverá garantir a segurança e prover uma vida boa aos súditos, que por sua vez deverão ser obedientes ao soberano e não utilizar da força. Aí surge o Estado. Para Hobbes, o direito fundamental é a vida, logo a principal preocupação do indivíduo é se preservar de uma morte violenta. O poder soberano deve garantir isso. O poder soberano é absoluto. O Estado não garantirá a felicidade, mas sim fornecerá as condições para buscá-la. Existem três causas da discórdia entre os homens, paixões que o levarão à guerra: I. Competição: leva à desconfiança; os homens atacam uns aos outros a fim de lograrem um benefício; a visão de um indivíduo para o outro é de adversário; devido a competição o homem usa da violência para obter seus objetos. II. Desconfiança: apesar de necessária para a proteção do homem, quando se generaliza impossibilita todos os laços; um mundo de competição é necessariamente um mundo de desconfiança. III. Glória: é a busca pelo reconhecimento, pela construção da reputação. A guerra, provocada por os elementos acima citados, é o tempo mais miserável da vida humana. A vida se torna curta, o homem fica solitário e pobre, não há faculdade para a mente inventiva pois a única preocupaçãoé a sobrevivência. Da mesma maneira, três são as paixões que nos conduzem à paz: I. O medo da morte violenta. II. O gosto pelas coisas boas da vida. III. A esperança de obter as coisas boas da vida através do trabalho. A ausência da guerra permite ao homem utilizar sua faculdade inventiva, criando, desenvolvendo as artes e a sociedade. Assim sendo, o Estado deve não apenas reprimir, mas principalmente prevenir o estado de guerra. O direito mantém os homens em paz. Além das paixões, a razão é também um mecanismo que incita a paz, pois sugere normas de paz que podem ser alcançadas através de um acordo mútuo (contrato). As normas da paz, colocadas pela razão e FERNANDA CAUS PRADO FERNANDA CAUS PRADO realizadas através do contrato, podem ser chamadas de leis da natureza. As leis da natureza (lex naturalles) são capazes de produzir uma regra geral da razão, que proibirá o ser humano a destruir sua vida ou privá-la dos meios que a preservarão. Por sua vez, direito da natureza é a liberdade do ser humano para utilizar sua razão da maneira que bem entender. Hobbes enfatiza quanto a diferença entre direito e lei: direito é a faculdade de agir ou omitir, a lei é a obrigação de agir ou omitir. Ao contrário do que comumente se pensa, Hobbes não afirma que o homem é mau por natureza. Ao dizer que o homem é o lobo do homem, coloca-se que o homem por natureza é indeterminado e livre, podendo ser bom e/ou mau. A prova de que não existe uma determinação para bondade/maldade é que se caso existisse, nada seria capaz de tirar da guerra e/ou da paz. O homem é capaz de fazer paz tanto quanto é capaz de fazer guerra. O direito pode ser categorizado entre direito positivo e direito natural, o que é chamado de dualismo doutrinário. - Direito positivo: conjunto de normas posto por autoridades no âmbito da natureza. - Direito natural: pertencem ao mundo ético; na modernidade passou a ser chamado de ordem da racionalidade; precede o direito positivo e mesmo sem ele continuaria existindo; proveniente da razão. As leis fundamentais para escapar à guerra, sugeridas pela natureza são: I. Procurar a paz e segui-la, afinal apenas ela pode fazer com que perduremos. II. Renunciar ao direito sobre todas coisas, uma renúncia que deve ocorrer de maneira recíproca. III. Respeitar os contratos. Hobbes define renunciar o direito como privar-se da liberdade de negar a outro homem o benefício de seu próprio direito à mesma coisa. Ao renunciar um direito, o homem age levando em consideração o direito que lhe foi concedido; entretanto existem direitos que são irrenunciáveis e intransferíveis: o direito de defender a vida, a integridade física e a liberdade. A transferência mútua de direitos refere-se ao contrato. O pacto é um ato de vontade, de deliberação. Nele, a renúncia e a transferência são tidas como sinônimos. O descumprimento do contrato traz o retorno da condição de guerra e a justiça é o cumprimento dos pactos. O poder civil obriga o cumprimento dos pactos. Sem Estado, sem propriedade. Sem propriedade, sem justiça. O conceito de justiça é equivalente a equidade. Dar a cada um o que é seu, após estabelecer o que é de cada um (necessidade do contrato e do Estado). A divisão da justiça em Hobbes é feita da seguinte maneira: - Comutativa: própria dos pactos; implica a renúncia recíproca do direito sobre todas as coisas. FERNANDA CAUS PRADO FERNANDA CAUS PRADO - Distributiva: própria do Estado, logo surge depois do contrato; estabelece o que é meu e o que é teu; proveniente de um árbitro (soberano). A justiça é uma convenção, não é algo natural, é uma criação e construção humana; logo não existe no estado de natureza, assim como a injustiça. As demais leis de natureza podem ser sintetizadas na seguinte frase: faz aos outros aquilo que gostarias que te fizessem. São princípios válidos até hoje, contudo, precários pois interferem apenas na consciência humana, a obrigação é unicamente interna. Não são leis, apenas mandamentos da razão. - Pacto: lei moral, nos obriga in foro interno, anterior ao contrato. - Contrato: lei do Estado, nos obriga in foro externo, posterior ao pacto. Os pactos demandam a espada, pois sem ela não oferecem garantia a ninguém e tornam-se palavras sem força. A lei, sozinha, não constrange o homem. O que constrange o homem é a força, o medo da punição, por isso os pactos são transformados em contratos. Para Hobbes, existem pessoas naturais e pessoas factícias: Pessoa natural é o ser cujas palavras e ações são consideradas como suas próprias. São os autores; agem com autoridade e por autorização. Aqueles que estão desprovidos da razão, como os loucos, os imbecis, as coisas (escravos) e as crianças não podem ser autores. O pacto obriga o autor. Pessoa factícia/artificial é aquela que representa as palavras e ações de outro. São os atores; agem por representação. O representante passa a ser dono das palavras e ações de todos. Os súditos são autores, enquanto o soberano é ator. O Estado então seria uma multidão reunida em uma só pessoa. Assim sendo, o súdito não pode rejeitar ou punir o soberano, pois estaria fazendo isso a si mesmo. Ao transgredir uma norma, o homem ataca a sociedade como um todo. Para Hobbes, no plano internacional, o estado de natureza permanece: os Estados estão em guerra de todos contra todos. O soberano, o Estado tornam-se um monstro, com um poder imenso. Pode engolir um homem, mas é a única forma de salvá-lo. Além de ter o monopólio da força, possui ainda o monopólio da elaboração das regras, as regras da propriedade (regem o comportamento humano e são elaboradas pelo soberano), que correspondem as leis civis. A vida infeliz sob a espada do soberano ainda é melhor do que a guerra. Para Hobbes, Direito é o conjunto das leis civis. A paz nunca poderá ser alcançada pela guerra. O ataque não é defesa, é ataque; entretanto a legítima defesa é legítima, pois ao atacar alguém você permite ser atacado também. Para Hobbes, constituir um governo comum, através do contrato, leva ao respeito mútuo, logo o único caminho para a paz e segurança é o contrato. FERNANDA CAUS PRADO FERNANDA CAUS PRADO Os súditos, que criaram o poder do ator (soberano), não podem destituí-lo, pois isso seria quebrar o pacto, o que conduz a injustiça. Rejeitar, destituir, punir, discordar do soberano é praticá-lo a si mesmo. O contrato é responsabilidade dos homens. O direito não é dado, é adquirido através dos méritos do contrato: não é uma dádiva, envolve compromissos.
Compartilhar