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1 - O que é cartografia

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EM QUE SE PODE RECONHECER A CARTOGRAFIA? 
Introdução
Ciências humanas
O ponto de partida para constituirmos a idéia de cartografia como um método para analisar as pesquisas em Gestão educacional é formado por três textos. O primeiro relaciona a cartografia com as ciências humanas, o segundo delineia a convergência da cartografia como uma estratégia para construção de conhecimento e, por fim, o terceiro faz uma relação e coloca possibilidades de utilizar a cartografia no meio educacional. 
Portanto, o objetivo deste (sei lá) é buscar pistas dos fundamentos da cartografia: (fundamentos que os autores colocam e os autores que eles se fundamentam). 
1 – “[...] deve-se notar que essa não é exatamente uma formulação foucaultiana. A cartografia é algo que Deleuze desenvolve a partir de algumas indicações de M. Foucault [...]” (PRADO FILHO; TETI, 2013, p. 45). 
2 – “O esboço de um método cartográfico deve ser feito levando em conta as já conhecidas perspectivas metodológicas de Foucault – arqueologia do saber, genealogia do poder e genealogia da ética – visto ser a análise cartográfica ao mesmo tempo uma derivação e uma incorporação dessas perspectivas.” (PRADO FILHO; TETI, 2013, p. 45-46). (Estes dois apontamentos que os autores colocam nos levam para três textos em que se debate a ideia de cartografia no pensamento de Foucault. Um é Deleuze (1988), o outro é Foucault (1979) e o último Deleuze e Guattari (2011a).)
“É bom lembrar ainda que existem tantas cartografias possíveis quanto campos a serem cartografados, o que coloca a necessidade de uma proposição metodológica estratégica em relação a cada situação ou contexto a ser analisado, indicando que dessa perspectiva método e objeto são figuras singulares e correlativas,produzidas no mesmo movimento, e que não se trata aqui de metodologia como conjunto de regras e procedimentos preestabelecidos, mas como estratégia flexível de análise crítica.” (PRADO FILHO; TETI, 2013, p. 46).
 3 – cada cartografia é singular e deve considerar as condições teóricas e históricas e cada campo ou objeto cartografado, ou seja, dele levar em conta a especificidade de cada campo analisado.
A cartografia tradicional é uma disciplina ligada ao campo da geografia. Segundo Prado filho e Teti (2013) ela é conhecida como “ciência dos mapas” e é fundamentada na matemática e estatística e tem como intenção construir um mapa como “representação de um território e das características de uma população” (47): mostrando “[...] territórios, regiões e suas fronteiras, demarcações, sua topografia, acidentes geográficos, como pode ainda tratar da distribuição de uma população em um espaço, mostrando suas características étnicas, sociais, econômicas, de saúde, educação, alimentação, entre outras.” (47). E a cartografia deleuzoguattariana?
O termo “cartografia” utiliza especificidades da geografia para criar relações de diferença entre “territórios” e dar conta de um “espaço”. Assim, “Cartografia” é um termo que faz referência à ideia de “mapa”, contrapondo à topologia quantitativa, que caracteriza o terreno de forma estática e extensa, uma outra de cunho dinâmico, que procura capturar intensidades, ou seja, disponível ao registro do acompanhamento das transformações decorrias no terreno percorrido e à implicação do sujeito percebedor no mundo cartografado. (FONSECA e KIRST, 2003, p.92). (p. 47)
Para Prado filho e Teti (2013) a cartografia Deleuzo-guattariana é herdeira dos campos das ciências sociais e humanas e, ao contrário da cartografia da geografia, “[...] mais que mapeamento físico, trata de movimentos, relações, jogos de poder, enfrentamentos entre forças, lutas, jogos de verdade, enunciações, modos de objetivação, de subjetivação, de estetização de si mesmo, práticas de resistência e de liberdade.” (p. 47).
Sua metodologia não é “[...] proposição de regras, procedimentos ou protocolos de pesquisa, mas, sim, como estratégia de análise crítica e ação política, olhar crítico que acompanha e descreve relações, trajetórias, formações rizomáticas, a composição de dispositivos, apontando linhas de fuga, ruptura e resistência.” (p. 47)
Tal estratégia desenha não exatamente mapas no sentido tradicional do termo e sim diagramas, que não se referem à topografia, mas a uma topologia dinâmica, a lugares e movimentos de poder, traça diagramas de poder, expõe as linhas de força, diagrama enfrentamentos, densidades, intensidades. (p. 47) 
 
Isso nos coloca a tarefa de ir no pensamento de Deleuze e Guattari em busca de definir o conceito de diagrama, agenciamento e máquina abstrata.
O diagrama não é mais o arquivo, auditivo ou visual, é o mapa, a cartografia, coextensiva a todo o campo social. É uma máquina abstrata. Definindo se por meio de funções e matérias informes, ele ignora toda distinção de forma entre um conteúdo e uma expressão, entre uma formação discursiva e uma formação não-discursiva. É uma máquina quase muda e cega, embora seja ela que faça ver e falar. Se há muitas funções e mesmo matérias diagramáticas, é porque todo diagrama é uma multiplicidade espaço-temporal. Mas, também, porque há tantos diagramas quanto campos sociais na História. (DELEUZE, 1988, p.44). (p. 47)
[...] faz uma exposição da relação de forças à medida que não desenha a “grande política” – do Estado, da sociedade, das instituições – mas, traça um esboço de relações capilares de poder, dando visibilidade à dinâmica micropolítica de um campo social. Como “máquina abstrata” que é, refere-se a uma multiplicidade espaço-temporal, intersocial, que em vez de reproduzir mundos preexistentes produz novos tipos de realidade e novas formas de verdade. (p. 48) “Um diagrama possibilita visualizar uma cartografia dos agenciamentos. Agenciamentos são “máquinas concretas”: articulações singulares de forças que se mobilizam estrategicamente em torno de objetivos, envolvendo enunciações e relações de poder, tanto podendo capturar, anular e assujeitar, quanto organizar formas de resistência a jogos de objetivação e subjetivação. Uma análise de agenciamentos lida com vetores de forças em jogo num campo, formas de articulação de relações de saber-poder e efeitos de subjetividade, referindo-se centralmente a enfrentamentos e movimentos micropolíticos onde a constituição dos sujeitos está em questão.” (p. 48)
“[...] a cartografia como método para desemaranhar as linhas de um dispositivo, tal qual se desfaz um novelo.” (p. 48). “[...] diz mais respeito a movimentos do que propriamente a posições fixas;” (p. 48).
“Porém, talvez tenha sido mesmo Deleuze quem mais desenvolveu a temática, afirmando mais uma vez, em outro texto, a cartografia como método e modo de enfrentamento dos dispositivos.”
“A cartografia é da ordem do rizoma e é exatamente por isso que ela é o antídoto para a ação dos dispositivos. Na “Introdução” a “Mil platôs” Deleuze e Guattari desenvolvem uma concepção de rizoma fazendo ligações com a cartografia.” (p. 51).
Estratégia de produção de conhecimento: (REGIS; FONSCECA, 2012)
Ao invés de chamar metodologia optou-se por falar em estratégia de produção do conhecimento. (p. 272).
“Relações entre conhecer e fazer ciência. Quando, na realidade, é inegável uma articulação complexa, de retroalimentação inseparável, entre os dois movimentos. (p. 272).”
A idéia principal, de Regis e Fonsceca (2012), é que a metodologia tradicional que é utilizada nas ciências humanas possui caráter programático e linear levando a pesquisa aos modelos e ordenamentos já existentes incapacitando a análise e desvios de objetos singulares e historicamente situados. Este programa é ideal para situações e condições que não se modificam.
A estratégia é colocada para um cenário de modificações, acidentes, imprevistos, desvios, ou seja, sem um método que antecipa os objetos e situações. Não se antecipa nada e a pesquisa tem o tom de certa incerteza.
“As cartografias são sempre resultados parciais, lances de uma viagem em terras estrangeiras. É essa a potência que o cartógrafo quer alcançar, de sentir-se estrangeiro dentro da própria morada, ele quede porto em porto se vê em um tempo outro, que empurra, traveste, ora rasga e ora costura o mesmo e o faz diferir.” (REGIS; FONSCECA, 2012, p. 273).
“O fazer metodológico nessa perspectiva - porque sempre partimos de uma perspectiva de intervenção - quer registrar os movimentos, encontros e desencontros e não a observação de objetos em suspensão” (p. 273).
“Sujeito e objeto não são mais realidades previamente dadas, mas se produzem por efeitos de práticas. Romper com as dicotomias sujeito-objeto, indivíduo-sociedade, natureza-cultura implicaria a constituição de planos onde, ao mesmo tempo, sujeitos-objetos adviriam.”(p. 273).
O que interessa é a metodologia. O alvo é o método ou a prática de produção deste conhecimento: “Cartografar implica produzir uma diferença de natureza na forma como entendemos o fazer metodológico, realocando-o para uma posição de mobilização, maquinismo que lida com trajetos e devires e não mais com pessoas e objetos.” (p. 273).
O autor coloca a dualidade em Platão. 274.
Platão (representação e “invariabilidade da Ideia” (p. 276)): 
1- Mundo das idéias (Matrizes verdadeiras).
2- Mundo das cópias: 2.1- cópias (cópias alinhadas aos modelos).
2.2 - simulacros (falsos pretendentes a modelo).
Descartes: 1 – razão (inata, imutável e universal).
2 – consciência (lugar de acesso ao conhecimento e a verdade). “a analítica da verdade deseja um mundo perene em organização e em estabilidade.” (p. 277).
“Encaramos a cartografia como uma “máquina de guerra” porque sua função é a de produzir o produzir, agindo por sistema de cortes e fluxos, importando o que se faz dela, o que faz em si mesma enquanto passeia em acontecimentos. (p. 281).
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