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capitulo II

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2.0 O Estado Cristão e o Reino das Trevas
Dado que o objetivo deste capítulo é chegar às noções de crime e pecado para compreender melhor a relação entre ambas, será necessário analisar a proposta “teológica” de Hobbes, a partir da qual se pode tratar sobre os referidos aspectos do agir moral, político e religioso. Destaca-se, a princípio, que pecado e crime possuem semelhanças e diferenças, de modo que o segundo é a “face secularizada” do primeiro.
No início da reflexão hobbesiana sobre a temática, isto é, nas partes III e IV do Leviatã (a metade final do livro), Hobbes se dedica à política cristã. A terceira parte trata especificamente do Estado cristão e a última do poder que a Igreja Católica Romana pretende exercer. Sobre isto, julga-se o que seria certo ou errado em termos de consciência política. De antemão, essa parte do Leviatã pode deixar o leitor meio chocado mediante as fortes reações contra o papado inferidas pelo filósofo, todavia, torna-se uma das partes mais importantes da nossa reflexão.
2.1 A formação do Estado Cristão: o Soberano e seus legítimos comunicadores.
A intenção de Hobbes, a partir dessa terceira parte do Leviatã, é destacar a supremacia da fé e da doutrina cristãs mediante a circunstância da obediência, que, segundo a concepção cristã, leva o “fiel” à “salvação”. O objetivo, no entanto, é fazer uma analogia entre tal obediência à fé e, consequentemente, a um determinado Soberano que lhe representa (como Abraão, por exemplo). Hobbes pretende mostrar, em última análise, que a obediência a Deus e ao soberano civil não se excluem entre si, ainda que o súdito a eles obrigado não seja cristão.
Contrapondo-se a realeza natural de Deus com o poder do soberano emanado e dependente dos pactos sociais, chega-se à noção de Republica Cristã, considerando a “natureza do homem” e a palavra “natural” e infalível de Deus. O autor analisa expressões como vida eterna, inferno, salvação, mundo futuro, redenção, buscando investigar a existência de uma Republica que extrapola metafisicamente a “sociedade civil”. 
Tenta-se delimitar o poder eclesiástico dos representantes da palavra de Deus, apresentando-se os Direitos implicados no Reino divino. A questão, a princípio, é como reconhecer as credenciais desta palavra soberana? O que pode garantir tal poder divino na terra? Hobbes destaca:
(...) assim como ninguém exceto Abraão em sua família, também ninguém exceto o soberano num Estado cristão pode conhecer o que é, ou o que não é a palavra de Deus. Pois Deus falou apenas a Abraão e só ele podia saber o que Deus disse e interpretar isso para a família. E, portanto, também aqueles que ocupam o lugar de Abraão num Estado são os únicos intérpretes daquilo que Deus falou. (...) No tempo de Moisés não houve nenhum profeta nem nenhum pretendente ao espírito de Deus senão aqueles que Moisés tinha aprovado e autorizado. (Ibid., p. 342-344)
Hobbes assinala que qualquer homem poderia ter visões e sonhos com Deus, mas esses poderiam ser apenas uma criação da mente deles. Um profeta pode ser verdadeiro e pregar realmente apalavra de Deus e curar através dos poderes de Deus, ou pode ser falso e pregar falsas profecias. Os livros da sagrada escritura são aqueles que mostram as normas para uma vida cristã. Os livros da bíblia tiveram vários autores, muitos deles foram, no entanto, removidos por serem considerados contrários à Fé cristã, o que demonstra a unidade governamental do Reino de Deus (admitindo-se a Igreja como expressão visível deste e Estado Soberano dos cristãos).
As leis, portanto, segundo a perspectiva eclesiológica, devem ser impostas conforme a vontade de Deus. Porém, há muitos homens desonestos que visam apenas o seu próprio bem. Por esse motivo, a lei deve ser imposta pelo estado Cristão ou pela própria Igreja para benefício de todos e cumprimento da vontade de Deus. Na bíblia, muitas vezes é citado o espírito ou presença de Deus, bem como a sua presença no homem. Também existem os anjos que, de acordo com a bíblia, são os mensageiros de Deus. Tais anjos enviam suas mensagens através de aparições em sonhos ou através de vozes. Entende-se por Reino de Deus todos aqueles que acreditam e seguem as leis de Deus, que foram transmitidas através de Moises e Abraão. O Reino de Deus é um Estado onde Deus é o Rei e os sacerdotes são os vice-reis, que transmitem as vontades de Deus ao povo.
Nota-se a concordância entre servir, obedecer, ter fé, amar, segundo a lógica do Reino Divino que toma forma de Estado Civil. No entanto, Hobbes chama atenção para os “falsos profetas”. Deve-se lembrar que “profeta” é aquele que transmite as palavras de Deus ao povo, porém, os falsos profetas usam de má fé para enganar e confundir o povo. Os Verdadeiros, pregam a vinda de Jesus Cristo salvador para a Terra. Aqueles que não aguardam a chegada do Filho de Deus são falsos. Os Milagres que acompanham os verdadeiros, são obras de Deus para mostrar o próprio poder e grandeza.
2.2 Da missão de fé e política dos profetas a Jesus Cristo e seu processo de consolidação.
Como mencionado no final da seção anterior, os “milagres” são outra espécie de credencial divina que, tanto revelam a autenticidade do Soberano, quanto ajudam a legitimar politicamente os seus profetas ou representantes. É de suma importância abordá-los nesse ponto, visto que o assunto facilita a compreensão teológica do autor que embasa posteriormente a noção de pecado, a qual toda esta pesquisa se destina (incluindo-se outras implicações).
Hobbes destaca que os milagres são “obras admiráveis de Deus” (Ibid., p. 317) para não deixar que os homens sucumbam na própria “dúvida” e, por isso, devem ser raros e não ter causa conhecida. Atenta-se, por outro lado, para o problema de que aquilo que para um homem parece um milagre, pode para outro não o parecer (ainda que, desde os relatos bíblicos, Deus saiba exatamente a quem dirige os seus sinais).
A definição de milagre segundo Hobbes: 
(...) podemos definir um Milagre como uma obra de Deus (além da sua operação por meio da natureza, determinada na criação) feita para tornar manifesta aos seus eleitos a missão de um ministro extraordinário enviado para a sua salvação” (ibid., p. 320)
 
Até Hobbes chegar nesta definição, ele demonstra o que vem a ser um milagre. Um milagre é primeiramente uma obra que causa admiração. Há duas coisas que causam assombro ou admiração: coisas estranhas, ou seja, coisas que nunca aconteceram, ou só muito raramente, e, a segunda são coisas que aconteceram apenas pela mão de Deus. Exemplo: “se um cavalo ou uma vaca falassem seria um milagre.” (Ibid., p. 317)
Nesse contexto “teológico”, encontra-se a noção de “religião”, que o autor aborda não estritamente como fenômeno sociológico, mas como questão de fé, expressão do convívio humano baseado na relação entre Deus e a humanidade (pressupondo-se toda a experiência que inclui os aspectos mencionados, como os milagres, os profetas etc.).
A religião, segundo Hobbes, surge em razão da fé e do medo. Por esse motivo, seria útil para ordenar as relações sociais. Portanto, de modo geral, ela se fundamenta na autoridade daqueles que determinam tais relações, ou que as teriam recebido diretamente de Deus. Tal autoridade, mantém-se enquanto sua liderança ou reputação não são questionadas ou suprimidas. Sendo assim, Hobbes indaga: 
(...) toda religião estabelecida assenta inicialmente na fé de uma multidão em determinada pessoa, que se acredita não apenas ser um sábio e esforçar-se por conseguir a felicidade de todos, mas também ser um santo, a quem o próprio Deus decidiu declarar sobrenaturalmente sua vontade (ibid., p. 104)
 O poder espiritual como condutor de um povo relembra a história bíblica de Moisés, que recebera diretamente de Deus orientação e força para conduzir à liberdade o povo escolhido. Lembra-se que o poder espiritual necessita da fé daqueles que o seguem e de milagres que sustentem e reforcem tal fé. Bastou, por exemplo, que Moisés se retirasse do comando daquele povo por apenas quarenta dias, para que aquele se revoltassee buscasse outro deus (um bezerro de ouro), conforme se pode verificar no livro do Êxodo (32, 1-6). Logo, Hobbes defende que todo representante “legítimo” de Deus, tem como objetivo principal submeter os homens à sua autoridade:
Em resumo, tanto as histórias e profecias do Antigo Testamento como os Evangelhos e Epistolas do Novo Testamento tiveram um só e único objetivo, a conversão dos homens à obediência a Deus; 1, em Moisés e nos sacerdotes; 2, no homem Cristo; e 3, nos apóstolos e nos sucessores do poder apostólico. Porque efetivamente estes representaram, em momentos diversos, a pessoa de Deus; Moisés e seus sucessores, os Sumos Sacerdotes e reis de Judá, no Antigo Testamento; o próprio Cristo, durante o tempo que viveu na terra; e os apóstolos e seus sucessores, desde o dia do Pentecostes (quando o Espírito Santo baixou sobre eles) até o dia de hoje. (ibid., p, 287)
Dentre os referidos representantes legítimos de Deus, Hobbes trata especificamente (no capítulo XLI do Leviatã) da missão de Cristo, dividindo a, conforme as Sagradas Escrituras, em três partes: como redentor ou salvador; pastor conselheiro ou mestre e rei eterno. A primeira refere-se à característica do sofrimento para remissão do pecado o Povo de Deus; a segunda, à da pregação e dos milagres, que seriam uma forma de “(...) persuadir e preparar os homens a viverem de forma a tornarem-se Merecedores da Imortalidade (...)” (Ibid., p. 351), culminando-se, assim, na terceira parte de sua missão, a de Rei Eterno.
O que mais importa aqui é que, para Hobbes (e conforme Cristo mesmo ensinou), o reino de Deus não é deste mundo e seu reinado somente se efetivará após a sua ressurreição. Tais palavras (extraídas do evangelho de João, 18, 36), significam que, para Hobbes, os seguidores de Deus não possuem o direito de legislar em questões que não digam respeito à fé, ou mesmo sobre as leis do Estado nessas condições. No entanto, acrescenta-se que “(...) nada foi feito ou ensinado por Cristo a diminuir o Direito Civil dos Judeus ou de Cesar”. (ibid., p. 351) Pode-se deduzir a partir disso que a lei civil poderia estar estruturada plenamente de acordo com a vontade de Deus, o que não implica que o seu cumprimento o esteja.
2.3 Do poder Eclesiástico ao poder das Trevas
No capítulo XLII do Leviatã, Hobbes trata mais especificamente do Poder Eclesiástico, retomando a passagem bíblica dos dez mandamentos, classificando-os em duas partes, “(...) a Primeira tábua contém as Leis de Soberania” (ibid., p, 254) e “(...) a Segunda Tábua continha o Dever de cada qual para como os outros” (ibid., p, 255). Assim, a primeira tábua continha como mandamentos: amar a Deus sobre todas as coisas, não usar o Seu santo nome em vão, e a segunda, mandamentos como honrar pai e mãe, não matar, não roubar, claramente voltados para o relacionamento social, temporal (observando-se que, na concepção bíblica, quando não estivermos mais nesse mundo temporal, tais preceitos deverão constituir em nós um novo estado de natureza, isto é, os mandamentos que observamos agora com toda a vigilância para não feri-los, farão parte de nós naturalmente depois).
No capítulo seguinte, tratando-se ainda do Poder Eclesiástico, Hobbes faz referência ao poder da Igreja desde Moisés, passando por Cristo e os Apóstolos, bem como por seus representantes. A Igreja, para o autor, não tem poder coercitivo ou de obrigar os indivíduos a alguma lei estatal, “(...) apenas o poder de proclamar o Reino de Cristo e de persuadir os homens a se submeterem; e através de preceitos e bons conselhos ensinar aos que se submeteram o que devem fazer para serem recebidos no Reino de Deus (...)” (Ibid., p, 357), que, como vimos, só se realizará plenamente após a vinda definitiva de Cristo e não antes disso.
Pode-se destacar três palavras-chave para se entender a relatividade do Poder Eclesiástico, segundo a concepção hobbesiana: “proclamar”, “persuadir” e “submeter”. A primeira, refere-se a algo anunciado e prometido; a segunda, ao esforço para se provocar a aceitação dessa novidade ou promessa; a terceira (e mais importante), trata da não obrigatoriedade, mas voluntariedade da aceitação. A “submissão” é, nesse sentido, facultativa, opcional, diferente daquela oriunda do pacto primeiro (entre Deus, Adão e Eva) que gerou o Poder Temporal. Deste modo, o Poder Eclesiástico não tem força alguma sobre aqueles que não o aceitarem. Hobbes afirma ainda: 
(...) a missão dos ministros de Cristo neste mundo é levar os homens a crer e ter fé em Cristo. Mas a fé não tem nenhuma relação ou dependência com a coerção e a autoridade, mas apenas com a certeza ou probabilidade de argumentos tirados da razão ou de alguma coisa em que já se acredita. Portanto, os ministros de cristo neste mundo não recebem desse título poder para punir alguém por não acreditar ou por contradizer o que dizem (...). (ibid., p. 358)
Pode-se reafirmar, com relação ao “poder eclesiástico”, que este se associa à livre adesão (de fé) por parte dos cidadãos, isto é, constitui-se à medida que há um pacto civil e religioso, pressupondo-se um Deus soberano cuja autoridade fora conquistada por sua própria manifestação divina (através dos milagres, profetas, dentre outros sinais). Com efeito, baseando-se na concepção hobbesiana sobre os poderes Eclesiástico e Civil, ambos compartilham do horizonte da natureza humana, mais especificamente do medo. No caso do Poder Civil, o medo se deve à morte “natural” prematura, causada pela permanente possibilidade de guerra de todos contra todos. Quanto ao Poder Eclesiástico ou Espiritual, no entanto, o medo se deve ao desconhecido, o transcendente, sobretudo ao risco da morte eterna.
A partir do capítulo XLIV, na quarta parte do Leviatã, trata-se do que Hobbes chama de “trevas espirituais”, um tipo de estado de ilusão ou atitude contra-doutrinária, resultante da “má interpretação das Escrituras”. A reflexão acerca do assunto, nada mais é do que uma crítica ao mau uso do poder de Deus (ou confiado por Este) por parte dos seus escolhidos, fundamentando-se tanto em fatos bíblicos quanto em posicionamentos da Igreja de Roma.
Além das formas de poder já mencionadas, haveria ainda “poderes malignos” (oriundos do Reino das Trevas). Segundo Hobbes, Satanás, chamado príncipe dos demônios, influencia as pessoas que estão sob seu domínio neste mundo, chamadas de filhos das trevas. No entanto, o referido Reino seria, nas palavras de Hobbes, uma “confederação de impostores”, que se utilizam de doutrinas errôneas para despreparar os fiéis, torná-los descrentes quanto à vinda do Reino de Deus. Deste modo, ficaríamos mais vulneráveis à confusão e falta de referencial de fé. “(...) Os homens não possuem outros meios para reconhecer suas próprias trevas senão através do raciocínio a partir dos desastres imprevistos que lhes aconteceram no caminho.” (Ibid., p. 425)
Nota-se que os desastres do caminho fazem os homens descobrirem as próprias trevas, o que não ocorre por acaso. Destaca-se que o Demônio consegue implantar-se quando as pessoas não conhecem as Escrituras, pois “apagam” as luzes do Sagrado, da Religião, e as confundem com a demonologia (doutrinas dos demônios) e falsos conceitos, confundindo também os demais, que não se aprofundam na religião.
Segundo a avaliação de Hobbes sobre os fundamentos bíblicos da nossa realidade política, pode-se identificar três erros (ou “abusos”, nas palavras do autor) com relação à nossa interpretação da bíblia e suas aplicações práticas: o primeiro, é que alguns homens estão isentos dos tributos e dos tribunais do Estado Civil (como o Clero Secular, os Monges, Frades etc.), o que Hobbes considera inadequado (e até perigoso), porque tais comunidades são tão numerosas a ponto de poder reagir contra o próprio Estado, caso houvesse condições para tal. O segundo erro, é transformar a “consagração” (que ocorre da Missa) em “conjuração”. Para justificar essa crítica, o autor afirma que o ato de “consagrar”, nas Escrituras, significa dar ou dedicar algo a Deus (santificá-lo; torná-lo exclusivo ao divino),o que seria, em outras palavras, mudar o uso, de profano e comum a sagrado. Deste modo, a “consagração” (da Missa) seria pura conjuração ou encantação, por pretender que os homens acreditem numa alteração da natureza, o que “não existe”. O terceiro erro, diz respeito à má interpretação dos termos “vida eterna”, “morte eterna” e “segunda morte”, visto que Hobbes concorda com a ideia de que o homem não precisa da mediação divina para a própria Salvação (porque todo o necessário para tal, já nos fora dado desde Adão), como se pode observar:
(...) a espada flamejante à entrada do Paraíso, muito embora impeça o homem de chegar à árvore da vida, não o impede de possuir a imortalidade que Deus lhe tirou por causa do seu pecado, nem o faz precisar do sacrifício de Cristo para recuperar a mesma, e consequentemente não apenas os fiéis e justos, mas também os maus e os gentios gozarão a vida eterna, sem qualquer morte, e muito menos uma segunda e eterna morte. Para remediar a isto, diz-se que por segunda e eterna morte se entende uma segunda e eterna vida, mas em tormentos, figura que nunca é usada exceto exatamente neste caso. (ibid., p. 431)
Para Hobbes, o principal abuso na interpretação das Escrituras, no entanto, é tentar provar que o Reino de Deus é a “atual Igreja, ou multidão de cristãos”. O Reino de Deus, como defende o autor, é único, desde a época de Moisés, porém, com a promessa de que haverá uma segunda vinda de Cristo e, enquanto esta não acontece, todos estão submetidos aos reis civis, exceto os cristãos, que já estão no “reino da Graça” (praticamente salvos ou eleitos), visto que Cristo já prometera estabelecer o seu reinado perpétuo, cujos súditos estão sob a sua lei.
Apesar disso, Hobbes justifica que os tributos imputados pelo regime “clerical” cristão à sociedade (referindo-se, mais especificamente, à cobrança do valor dez por cento do salário individual), seriam parte desse “abuso” de poder ou má interpretação dos preceitos bíblicos. O filósofo destaca que o Estado tinha fama de tirano e explorador por cobrar a vigésima parte do salário dos súditos, mas, à Igreja ou “direito de Deus” (conforme se compreendia), não se ousava questionar. O povo era obrigado a pagar um tributo ao Estado e outro ao Clero. Conforme o poder Civil (no qual a Igreja não exerce domínio absoluto), o Clero Romano não tem o direito de obrigar que todos os habitantes sigam a mesma religião, permitindo-se a liberdade de profissões de fé, desde que não ofendam o poder civil, o que se considera mais justo do ponto de vista hobbesiano.
Embora se esteja evidenciando os contrastes entre o regime ou pacto Civil e as leis da Igreja, referindo-se às determinações equivocadas ou formas cristãs de injustiça social, o autor não resume sua crítica aos aspectos econômicos, mas aponta também para fatores rituais, questões de fé e devoção dos cristãos. Hobbes mostra que alguns dentre os referidos ritos, durante as celebrações mais comuns, servem apenas para encantar e seduzir. Por exemplo, durante a consagração, o padre diz: “Este é o meu corpo, Este é o meu sangue”. O que, porém, está sendo ali consagrado é um simples pedaço de pão e um cálice de vinho e não, verdadeiramente, o corpo e o sangue de Cristo (isto é, não haveria, segundo o autor, alguma espécie de “transubstanciação” de caráter metafísico). Do mesmo modo, durante a celebração do batismo, em que o padre soprava o rosto da criança para afastar os poderes do demônio e permitir a entrada do Espírito Santo, segundo Hobbes, deixava-se subentendido que todas as crianças são demoníacas até receberem o sopro. Pode-se notar, portanto, um paralelo hobbesiano entre o domínio da Igreja e o poder das Trevas, no ponto em que se abusa da confiança de Deus, acusação que o autor atribui aos cristãos, sobretudo ao Clero Romano.
Com relação ainda ao referido Reino das Trevas, no Capítulo XLVI do Leviatã, sugestivamente intitulado Das trevas resultantes da “vã filosofia” e das “tradições fabulosas”, há uma tentativa de desqualificação desses aspectos, em termos de definição do conceito de filosofia. Hobbes classifica não apenas os conteúdos de caráter teológico, mas os metafísicos em geral (conforme a tradição aristotélica), como absurdos e contrários à “razão natural”, que se baseia em “raciocínio”. Deste modo, tenta justificar que as questões em nível meta-natural seriam descartáveis à filosofia e à constituição das Leis Civis, e que, tanto o Reino de Deus quanto o Reino das Trevas, independentemente de sua aceitação religiosa, não poderiam ser um critério de importância à articulação do Estado Civil. A preocupação de Hobbes, de fato, era que se compreendesse corretamente o contexto bíblico e não se utilizasse deste para conquistar algum poder civil.
(...) nada há de absurdo que algum dos antigos filósofos não tenha defendido (como diz Cícero, que era um deles). E acredito que dificilmente pode afirmar-se alguma coisa mais absurda em filosofia natural do que aquilo que hoje se denomina a metafísica de Aristóteles, nem mais repugnante ao governo do que a maior parte daquilo que disse em sua Política, nem mais ignorante do que uma grande parte de sua Ética. (...) E quanto ao estudo da filosofia não tinha outro lugar senão o de ajudante da religião romana, e dado que a autoridade de Aristóteles é a única em curso nela, esse estudo não é propriamente filosofia (cuja natureza não depende de autores) mas aristotelia. (...) Para agora descermos aos tópicos particulares da vã filosofia, derivada para as Universidades e daqui para a Igreja, em parte proveniente de Aristóteles, em parte da cegueira do entendimento (...) (Ibid., p. 464-465, grifo nosso)
Finalizando a obra, no último capítulo do Leviatã, Hobbes mais uma vez aponta o erro de se pensar que a atual Igreja, agora militante sobre a terra, é o Reino de Deus (o reino de glória; terra da promissão) e não o reino da graça que é apenas uma promessa da terra (ou seja, a Igreja é uma “promessa da terra” segundo Hobbes). O autor destaca que tal erro implica em outros, como a noção de que “os pastores e professores da Igreja estão habilitados, como ministros públicos de Deus, ao direito de governar a Igreja e consequentemente (porque a Igreja e o Estado são a mesma pessoa) a serem reitores e governantes do Estado." (Ibid., p. 477) Além disso, há uma série de esclarecimentos sobre domínio equivocado da Igreja, que formam um total de doze argumentos sobre o exposto, como se pode conferir:
Em segundo lugar, que todos os outros bispos, seja em que Estado for, não recebem seu direito nem imediatamente de Deus, nem mediatamente de seus soberanos civis, mas do Papa, é uma doutrina pela qual acabam existindo em todos os Estados cristãos muitos homens poderosos (...) Em terceiro lugar, a isenção destes e de todos os outros padres, e de todos os monges e frades, em relação ao poder das leis civis (...) Em quarto lugar, dar a seus padres (que no Novo Testamento nada mais são do que presbíteros, isto é, anciãos) o nome de sacerdote, isto é, sacrificadores, que era o título do soberano civil e dos seus ministros públicos entre os judeus quando Deus era seu rei. (...) Em quinto lugar, o fato de ensinar que o matrimônio é um sacramento deu ao clero o juízo sobre a legitimidade dos casamentos (...) Em sexto lugar, a negação do casamento aos padres serviu para assegurar este poder do Papa sobre os reis (...) Em sétimo lugar, pela confissão auricular obtém, para a manutenção de seu poder, um melhor conhecimento dos desígnios dos príncipes e dos grandes personagens do Estado civil do que estes podem obter acerca dos desígnios do Estado eclesiástico. Em oitavo lugar, pela canonização dos santos e pela declaração de quais são mártires, asseguram seu poder na medida em que induzem os homens simples a uma obstinação contra as leis e as ordens de seus soberanos civis até à própria morte, se pela excomunhão dos Papas eles forem declarados hereges ou inimigos da Igreja, isto é (de acordo com sua interpretação), inimigos do Papa. Em nono lugar, asseguram o mesmo pelopoder que atribuem a todos os padres de fazerem Cristo e pelo poder de ordenar a penitência, e de remir ou reter os pecados. Em décimo lugar, pela doutrina do purgatório, da justificação pelos atos externos e das indulgências, o clero se enriquece. Em undécimo lugar, por sua demonologia e pelo uso do exorcismo, e outras coisas com isso relacionadas, conservam (ou julgam conservar) mais o povo sob o domínio de seu poder. Finalmente, a metafísica, a ética e a política de Aristóteles, as distinções frívolas, os termos bárbaros, e a linguagem obscura dos escolásticos ensinada nas Universidades (que foram todas erigidas e regulamentadas pela autoridade papal) servem lhes para evitar que estes erros sejam detectados e para levar os homens a confundirem o ignis fatuus da vã filosofia com a luz do Evangelho. (Ibid., p. 478-480, grifo nosso)
“defender a comunidade (...) garantindo –lhes assim uma segurança suficiente”.

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