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Psicologia Social II - Aulas EAD

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PSICOLOGIA SOCIAL II
Apresentação da Disciplina
· 
· Alinhada com princípios fundamentais do Código de Ética da Psicologia, esta disciplina apresenta caminhos para que a atuação do psicólogo ocorra “com responsabilidade social, analisando crítica e historicamente a realidade política, econômica, social e cultural”. (Código de Ética do Psicólogo, p.7)
· A subjetividade é o fenômeno a ser estudado com suas implicações e efeitos no modo como se produz conhecimento em psicologia e na prática do profissional do psicólogo.
· A disciplina parte da análise das relações entre subjetividade e cultura, para, através de um olhar crítico, construir possibilidades de intervenção em problemas enfrentados pela psicologia no Brasil e considerados especificidades de nossa realidade histórica e cultural.
· Vamos estudar diversos conceitos utilizados para a análise e planejamento de trabalho do psicólogo e também como a pesquisa em psicologia é afetada a partir das implicações de uma psicologia crítica.
Objetivos
· 
· Discutir a especificidade teórica e conceitual da psicologia socio-histórica;
· Identificar alterações na prática profissional do psicólogo a partir das contribuições de uma perspectiva crítica em psicologia;
· Elaborar propostas de pesquisas em articulação com a especificidade teórica e conceitual de uma perspectiva sócio-histórica da psicologia.
Resumos
· 
· Aula 1: Psicologia Sócio-histórica I – Outra Perspectiva em Psicologia - Nesta aula, veremos o contexto em que surge a proposta de uma perspectiva crítica em psicologia e como ela se fundamenta. Sob uma base interacionista, a psicologia sócio-histórica terá como fenômeno de estudo a subjetividade.
· Aula 2: Psicologia Sócio-histórica II – Contribuições Para O Pensamento Psicológico - Nesta aula, abordaremos as contribuições que marcam a perspectiva crítica, como consequência de seu fundamento sócio-histórico. Analisaremos conceitos de neutralidade, normalidade e a posição de uma psicologia crítica, que tem como princípio o compromisso social.
· 
· Aula 3: Teoria das Representações Sociais - esta aula, estudaremos uma das importantes contribuições teóricas no campo da psicologia social e muito utilizada em pesquisas, tomada como recurso de análise para o estudo da subjetividade. Entenderemos, também, o uso da teoria das representações sociais em pesquisa.
· Aula 4: Identidade - Nesta aula, analisaremos o conceito de identidade como um dispositivo que permite estudar a subjetividade e fundamentar o trabalho do psicólogo. Relacionaremos com a prática e pesquisa do psicólogo
· 
· Aula 5: Estudos de Gênero e Psicologia - Nesta aula, analisaremos a teoria de gênero como um importante recurso para o estudo da subjetividade. O conceito de gênero e suas pesquisas serão importantes recursos para o trabalho e pesquisa em psicologia social sob uma perspectiva sócio-histórica.
· Aula 6: Ideologia – Atualidades - Nesta aula, tomaremos o conceito de ideologia sob uma perspectiva crítica em psicologia, considerando diversas formas de compreender e utilizar este conceito. Relacionaremos este conceito, ainda, com a pesquisa em psicologia, para uma melhor compreensão de sua utilização na psicologia social.
· 
· Aula 7: Estudos Sobre Família - Nesta aula, entenderemos como o conceito de família tem sido estudado pela psicologia sócio-histórica e suas implicações para o trabalho do psicólogo. Compreendendo a família como efeito de fenômenos complexos, explicaremos como este conceito vem sofrendo transformações e suas implicações de estudo.
· Aula 8: Psicologia Social e Escola - Nesta aula, compreenderemos como as considerações de uma psicologia crítica produziram alterações no campo de trabalho do psicólogo, considerando a realidade de atuação escolar. Identificaremos as diferenças que marcam a atuação do psicólogo antes e depois dos estudos da psicologia social crítica.
· 
· Aula 9: Psicologia Social e Saúde - Nesta aula, compreenderemos como as considerações de uma psicologia crítica produziram alterações no campo de trabalho do psicólogo, considerando a realidade de atuação da saúde. Entenderemos como se fundamenta o trabalho do psicólogo na saúde a partir das contribuições da psicologia social crítica.
· Aula 10: Pesquisa em Psicologia Social - Nesta aula, explicaremos como a pesquisa em psicologia comprometida com a transformação social toma contornos próprios, evidenciando os principais métodos utilizados pela psicologia social contemporânea.
Aula 1 - Psicologia Sócio-histórica I – Outra Perspectiva em Psicologia
· 
· A história da psicologia no Brasil retrata uma mudança de postura no modo como se produz conhecimento na psicologia e, deste modo, está profundamente ligada às demandas sociais de nosso país. A Psicologia também se percebeu envolvida com a necessidade de enfrentar os problemas de nossa realidade buscando novas formas de construir uma prática, reinventando a si mesma.
· É fundamental a compreensão de como surge uma psicologia comprometida com a transformação social. A compreensão do pensamento científico e da responsabilidade sobre o conhecimento produzido ganham uma orientação que reconhece a impossibilidade da neutralidade, sendo necessário um posicionamento ético-político que oriente sua prática.
Objetivos
· 
· Distinguir a psicologia social positivista da psicologia sócio-histórica;
· Explicar o fenômeno de estudo chamado subjetividade.
Críticas à Psicologia Social no Brasil
· Vamos começar esta aula com um panorama histórico da psicologia social no Brasil:
· 1960
· A década de 1960 foi vivida em diversas partes do mundo com a influência de significativos movimentos desejosos por uma transformação social. No Brasil, não foi diferente. Não apenas a psicologia, mas profissionais de diversas áreas viveram uma crise de referências em seu trabalho.
· Os problemas vivenciados eram graves, e o modo de atuação até então não produzia significativos resultados na direção da transformação social.
· O Brasil experimentava uma realidade dura, com problemas na saúde da população, baixos índices educacionais, uma forte desigualdade e diversos outros problemas que foram provocando uma descrença em discursos de igualdade de oportunidades.
· 1970
· A crise da psicologia social no Brasil e na América Latina ganha força a partir da década de 1970, quando, segundo Bernardes (2001, p. 31) os pontos principais de questionamento eram:
· “[...] a dependência teórico-metodológica, principalmente dos Estados Unidos, a descontextualização dos temas abordados, a simplificação e superficialidade das análises destes temas, a individualização do social na psicologia social, assim como a não preocupação política com as relações sociais no país e na América Latina em decorrência das teorias importadas. A palavra de ordem era a transformação social.
· As preocupações dessa época possibilitaram o desenvolvimento ou adoção de diferentes teorias e metodologias, como:
· A das Representações Sociais
· A Análise Institucional
· A Psicologia Sócio-Histórica, que receberá maior destaque nesta disciplina
· Ao final desta disciplina, você terá referências para conhecer mais sobre essas teorias. Neste momento, é essencial que você procure compreender o que fundamenta a crítica feita à psicologia social predominante daquela época (até a década de 1970).
Comentário - Para além de um ato político no sentido da transformação social, era necessário também fundamentar como essas ações seriam realizadas sem que deixasse de caracterizar o conhecimento como científico e se tornasse simplesmente “política”, que era uma crítica feita nesse tempo.
· A psicologia social de orientação positivista, na década de 1970, buscava estudar a interação humana e suas consequências cognitivas e comportamentais, mas sem a preocupação com a transformação social.
· Nesse contexto, como o conhecimento era compreendido? O conhecimento era compreendido como neutro, na medida em que se concentrava em encontrar relações não aleatórias entre variáveis, sendo papel de um tecnólogo social a função de resolver problemassociais (Rodrigues, 1985).
· Esse modo de fazer psicologia produzia condições para uma psicologia desvinculada da realidade social, por entender que tratava de realidades próprias da dinâmica cognitiva e comportamental, reduzida à realidade individual e, portanto, transposta a qualquer contexto.
· A defesa da neutralidade do conhecimento científico faz parte dessa psicologia, que observa o modelo das ciências naturais.
· Por outro lado, a psicologia sócio-histórica se opõe a esse modo de compreender a psicologia, entendendo o humano como ativo, social e histórico. Em outras palavras:
· [...] a sociedade, como produção histórica dos homens que, através do trabalho, produzem a vida material; as ideias, como representações da realidade material; a realidade material, como fundada em contradições que se expressam nas ideias; e a história, como o movimento contraditório constante do fazer humano, no qual, a partir da base material, deve ser compreendida toda produção de ideias, incluindo a ciência e a psicologia. Vejamos qual a relação dessas psicologias:
· A Psicologia Sócio-Histórica tem como base a Psicologia Histórico-Cultural de Vygotsky (Bock, 2001) para superar uma perspectiva mecanicista do humano, que pressupõe uma regularidade com funcionamento próprio, causa-efeito de si mesmo.
· Neste momento, é importante que você acompanhe a proposta dessa linha de pensamento de modo que não reste dúvida na superação de uma dicotomia entre uma psicologia individual X social, ou seja, a noção de indivíduo (causa-efeito de si mesmo) e de subjetividade (contextualizado). Para isso, vamos caminhar por algumas referências que marcam nossa cultura na compreensão do indivíduo.
· Talvez você já tenha estado numa roda de amigos em que alguém disse uma frase parecida com: “Ah, isso é gente de índole má... nasceu assim, vai morrer assim”. Nesta frase, parece que a pessoa faz referência a algo imutável, que orienta a ação. A conduta da pessoa independe de sua história de aprendizagem ou das suas vivências. Seria interessante perguntar às pessoas ao nosso redor o que elas entendem pela palavra “índole”, e ainda, o que se compreende pela expressão “pessoa de índole má”. Além dessa expressão, podemos encontrar outros modos pelos quais o senso comum expressa uma compreensão da pessoa que limita sua possibilidade de existência, pois atribui a explicação da sua conduta para algo além do vivido. 
· É possível que você também já tenha pensado algo do tipo: “Será que quando eu morrer irei me lembrar do que vivi?” Esse tipo de questionamento é muito comum em nossa cultura, e só é possível a partir de referências religiosas. Considerando nossa realidade, o Brasil tem a religião cristã como predominante em sua história.
Comentário - O que quero apontar neste momento é que nossa compreensão do humano é profundamente afetada pela tradição religiosa em nossa cultura, seja você religioso ou não. Neste exemplo, seria a memória uma característica do espírito, uma realidade abstrata?A referência ao espiritual tem efeitos relevantes em nossa cultura. A crença de que o espírito (na religião cristã) é o responsável pelas nossas vontades, memórias e condutas foi muito forte em nossa história, marcada pela normatização social através de símbolos e conhecimento religioso cristão para a vida comum.
· Essa perspectiva colaborou para a individualização da experiência, afinal as escolhas de uma pessoa que escapam da norma podem ocorrer por uma fraqueza de vontade, por efeitos de um inimigo espiritual ou mesmo por distanciamento do sagrado, por exemplo. Em outras palavras, são compreendidas pela referência de uma escolha esperada (que seja realizada conforme o ensinamento religioso), e aquilo que se afasta dessa realização representa um desvio da sua natureza (espiritual), pois se afasta da expectativa (de Deus) sobre como se deve viver. Essas referências que nossa tradição reproduz é carregada de afetos, desejos, valores e apontam na direção da interação humana para se realizar num certo sentido, compondo nossa percepção de mundo.
· Cabe recordar neste momento os estudos sobre história que trataram de um período de mudança de referências, em que saímos de um teocentrismo para um antropocentrismo. Em outros termos, a referência para todas as questões que era centrada na leitura religiosa da vida, a partir do Deus cristão, e passa a ter como centralidade o humano.
· As explicações para os comportamentos, as vontades, sobre as possibilidades de vida não estariam mais na religião, mas na realidade humana. Ganham força os estudos sobre a biologia humana, fundamentada na materialidade da vida. Agora não mais revelada (conhecimento religioso), e sim experimental (positivismo).
· As contribuições das pesquisas sobre o funcionamento do corpo humano serviram para produzir novas perguntas sobre a vida humana. Deste modo, não seria mais a natureza espiritual que fundamentaria a vida, e sim a natureza biológica. 
· O indivíduo é investigado na sua realidade biológica, referência para a compreensão da memória, das vontades, dos afetos.
· Desvios de uma vida que já tinha sido normatizada pela perspectiva religiosa passam a serem estudados como desvio biológico: Uma doença, uma má formação ou efeitos de uma substância que alterou o organismo. O fora da norma agora seria avaliado pelas suas possibilidades da biologia. As análises ainda repousavam sobre o indivíduo, mecânico, causa-efeito de si, que deveria existir conforme a expectativa de seu tempo, sob o risco de sofrer as determinações da ciência (que surge sob uma tradição religiosa) para sua correção.
Comentário - Um importante aspecto descrito por Bock (2001) que colaborou para a noção do individualismo foi o advento das ideias liberais, que romperam com a estabilidade do mundo feudal. A valorização de ideias como liberdade, igualdade e fraternidade oportunizaram novas perguntas que até então não precisavam ser feitas devido à regularidade das relações mantidas pela tradição religiosa.
· A noção de liberdade e igualdade oportunizava que as pessoas, que agora não estão mais sujeitas a um ordenamento religioso, elaborassem suas próprias escolhas. Neste cenário, surge também a noção de eu, que estará relacionada com a produção de uma psicologia que investigue esse mundo interno do indivíduo (eu). Essas ideias foram utilizadas pelo liberalismo para o “questionamento das hierarquias sociais e das desigualdades características do período histórico do feudalismo”. (Bock, 2001, p. 20) 
· Agora, na realidade liberal, as desigualdades eram explicadas pelo diferente aproveitamento que cada pessoa fazia das oportunidades vividas.
· Cada pessoa será responsável pelo seu destino, de acordo com o próprio esforço, pois seriam igualmente livres.
· A psicologia que surge no Brasil é fortemente influenciada por estas ideias. Por exemplo, as leituras sobre o campo do trabalho buscavam apenas o melhor aproveitamento das características individuais para o exercício do trabalho, sem produzir questões sobre as condições e sentidos da realização daquela atividade para o trabalhador.
· Os estudos eram concentrados na investigação do mundo interno desse indivíduo, sua dinâmica de funcionamento, para uma melhor adaptação ao mundo.
Exemplo - Tomemos o exemplo do desejo de maternidade. Pergunte a uma jovem mulher próxima a você se ela pretende ter filhos. Procure compreender os motivos que considera relevante para cada escolha, afirmativa ou negativa. Sob uma perspectiva da tradição religiosa-cristã, a maternidade é um projeto divino que se realiza no corpo da mulher. Portanto, é esperado que a maternidade seja realizada, afinal é para isso que lhe foi dado um útero. Não desejar a maternidade representa um descumprimento ou um distanciamento na relação com o divino e, portanto, pode ser vivido com afetos negativos, que constrangem.
· Neste caso, temos uma adequação da mulher a uma certa expectativa religiosa, que desqualifica uma escolha por não ter filhos. Talvez alguma mulher já tenha escutado frases como: “Você está triste? Estádesanimada? Nossa, você não quer ter filhos... lamento por você, já que é tão bom...”. Em muitos casos essas frases têm um forte componente religioso, pois é presumido que aquilo que foi planejado por Deus é bom (natural), e o que se distancia dele é negativo ou uma falsa realização. De outro modo, a escolha por não ter filhos pode ser interpretada como algo que não é natural, em função de sua própria biologia. Neste sentido, a defesa da realização de sua natureza biológica tem como consequência perguntas como: “Você está doente? Tem algum problema no seu corpo? Você não pode ter filhos?” Nestes dois casos, não se põe em questão o contexto, mas a expectativa de uma natureza que deve se realizar.
· No mundo moderno, com a valorização da liberdade e a participação da mulher em atividades de trabalho fora da residência, a maternidade começou a ganhar outros contornos. 
· Na atualidade, é mais comum encontrarmos mulheres que não querem ter filhos ou que planejam tê-los após um percurso profissional, porém muitas vezes essas escolhas são vividas com um constrangimento (em função da expectativa presente em nossa tradição). Como se posiciona a psicologia frente a essa realidade? Deveria o saber psicológico colaborar para que a mulher realize sua natureza (espiritual ou biológica)?
· Desejos diferentes da norma social já foram motivos de intervenção, por entender que o indivíduo estava “desajustado” à sua natureza ou a alguma crença de que aquele modo de vida seria natural. Uma prática psicológica alinhada a esses discursos serviria para a manutenção da norma vigente, inclusive para manter desigualdades ou formas de sofrimento.
Atenção - A psicologia sócio-histórica faz um afastamento de qualquer entendimento abstrato (natureza) acerca do objeto de estudo da psicologia que seja desvinculado do vivido. É preciso dar lugar para a compreensão da história. O fenômeno estudado pela psicologia reflete a condição econômica, social e política onde vive o humano. Portanto, o entendimento de que a compreensão e a conduta das pessoas ocorrem por um processo de interação é fundamental. É na interação com a realidade material, em um processo vivencial, que surgem modos de se relacionar. Em outros termos, o fenômeno psicológico não é pré-existente no sentido de já existir algo que determine suas características.
· 
· A maternidade, tomada como exemplo, é produzida num complexo sistema de relações que possuem um sentido, uma direção predominante em como essas relações ocorrem
.
· A biologia é compreendida como uma potencialidade, para algo que pode ser vivido ou não. Gestar uma criança é algo próprio do sexo feminino, possibilitado pelo seu corpo. O que fazer com essa potencialidade é pertinente a uma experiência que se dá em meio a uma cultura. É isso que chamamos de subjetividade!
Atenção - O conceito de subjetividade não se resume a uma percepção particular da pessoa. Ao contrário, o conceito diz primeiro de um aspecto coletivo. O que não significa que a subjetividade é um processo passivo, afinal a interpretação das interações vividas é livre, podendo reproduzir o sistema de relações dominante ou inventar outro modo de se relacionar.
· O ser humano é ativo nesse processo de compreensão de mundo, e sua interpretação se dá num sistema predominante de significação com relações pré-existentes ao indivíduo. Portanto, falar de uma subjetividade feminina significa abordar os modos de vivenciar a realidade feminina, que pode incluir a escolha por não ter filhos, o que só é possível a partir das condições de possibilidade do surgimento de uma maternidade (relações econômicas, políticas e sociais).
· A subjetividade é vivida por um indivíduo, mas reflete um sistema de relações, uma coletividade, pois é aí que ela se dá.
· A partir do conceito de subjetividade, compreendemos que podem existir infinitas possibilidades de modos de vida, que são apenas expressão do processo de viver. A biologia não determina nossas relações, e a vivência religiosa é uma escolha particular.
· O que motivou diversos psicólogos a se interessarem por esse outro modo de entender a subjetividade (agora não mais reduzida ao eu, descolado da realidade social) é a realidade de desigualdade ou sofrimento de muitas pessoas. Essa realidade foi por diversas vezes reforçada pela prática psicológica que reproduzia o sistema dominante de relações e, portanto, colaborava para a manutenção dessa desigualdade ou sofrimento. Sobre esse aspecto, Bock (2001, p. 28) adverte que: Também aqui a Psicologia tem naturalizado o que é social. Tem tomado o padrão da normalidade, que é eminentemente social, como natural do desenvolvimento humano. 
Dessa forma, no que é natural não cabe interferência do homem; cabe registrar e diferenciar. Assim, as diferenças entre os homens, tomadas como naturais, tornaram-se fontes e justificativas das desigualdades sociais.
· Com essas preocupações, a prática e pesquisa da psicologia no Brasil foi construindo um percurso conforme as necessidades de nossa realidade. Foi preciso reinventar as práticas e pesquisas em psicologia, o que vamos abordar nas aulas seguintes desta disciplina.
· Vimos até aqui conteúdo suficiente para que você diferencie uma psicologia positivista, na qual predomina um individualismo, para a psicologia sócio-histórica, que tem como fenômeno de estudo a subjetividade.
· Compreender essa diferença é um dos objetivos desta aula, e vamos retomá-la nas aulas seguintes a partir de temas específicos. Portanto, subjetividade é um conceito que trata de um sistema de relações que cria condições de possibilidade para a produção de significado e sentido, concebido como uma construção no nível individual a partir de relações com o mundo material e social. Não é natural, mas produzido a partir das condições de possibilidade de onde se vivencia a realidade. São esses princípios que fundamentarão a prática de uma psicologia comprometida com a transformação social, tema que vamos estudar na próxima aula.
____________________________________________________________________________________________________________________
Aula 2 - Psicologia Sócio-histórica II – Contribuições Para O Pensamento Psicológico 
· 
· Uma psicologia crítica, que concentra seus estudos sobre a subjetividade, contribui para a revisão da prática psicológica em diversas áreas e, principalmente, para a revisão do lugar e função que o saber psicológico ocupa junto à sociedade.
· Nesta aula, discutiremos sobre o conceito de normalidade e suas implicações, e faremos uma crítica à noção de neutralidade científica, que provoca a psicologia a se posicionar, de modo a assumir um compromisso pela transformação social.
Objetivos
· 
· Explicar o conceito de normalidade na perspectiva sócio-histórica;
· Criticar a noção de neutralidade científica;
· Analisar o posicionamento de compromisso social da psicologia.
A Homossexualidade e a Saúde Mental
· Em 23 de dezembro de 1987, Luis Antônio Martinez Corrêa foi assassinado brutalmente. Seu corpo foi encontrado amarrado em seus pés e mãos, com um golpe na cabeça, estrangulado e mutilado com 107 facadas no seu apartamento em Ipanema, Rio de Janeiro. Esse assassinato é apresentado no início do premiado documentário Temporada de Caça, da cineasta Rita Moreira, exibido em 1988, que trata da onda assassinatos a homossexuais que ocorria em São Paulo e no Rio de Janeiro. O documentário foi filmado quando também ocorreu em São Paulo uma operação da prefeitura chamada Tarântula, que provocou a prisão e o assassinato de travestis numa ação de higienização da cidade.
· Para saber mais sobre o assunto, sugerimos que assista ao seguinte documentário: Hunting season (Temporada de caça). Direção: Rita Moreira. Estados Unidos: RM Produções, 1988. 22 min, son., color.
Comentário - Algo que considero impressionante nas cenas deste documentário é a serenidade com que os entrevistados respondem que apoiam a violência e o assassinato de travestis. Esse discurso era comum na década de 1980 e talvez por isso impressione tanto.
· As pessoas que responderampela violência são na atualidade pais, mães, avós, professores, policiais, ocupam cargos públicos. Seriam essas pessoas todas anormais ou doentes por reproduzirem esse discurso? Era comum ouvir um pai dizer que preferiria um filho morto a um filho homossexual.
· A homossexualidade foi alvo de diversas categorizações em nossa história, sendo considerada um desvio da natureza, seja biológica ou espiritual, e condenada em diversos países.
· Em 6 de setembro de 2018, os principais jornais noticiaram que nesta data a homossexualidade foi descriminalizada na Índia, mas permanecendo ilegal em mais de 70 países.  
· Sob um pretenso discurso de neutralidade por afirmar uma natureza biológica, a homossexualidade chegou a ser categorizada como doença pela Organização Mundial de Saúde. O critério do que seria considerado normal, mesmo do ponto de vista da saúde, estava fortemente influenciado pela tradição religiosa e por estudos científicos que pretendiam fazer a sustentação do discurso religioso. Outras pesquisas também serviram para propor teorias de uma existência de criminosos natos, buscando na biologia a determinação de comportamentos complexos. 
· A extensão dos afetos, comportamentos, valores sujeitos a uma noção de natureza humana compôs o terreno para produzir a anormalidade desses campos.
· O exemplo da homossexualidade é um caso que merece atenção pela psicologia, afinal a psicologia é um saber que lida diretamente com a classificação de transtornos mentais.
· Há décadas, modernas e sólidas pesquisas multidisciplinares internacionais garantem que ‘a homossexualidade não constitui doença, distúrbio ou perversão’. Já em 1970 a American Psychology Association, desde 1985 o nosso Conselho Federal de Medicina e desde 1993 a Organização Mundial de Saúde excluíram o código 302.0 da Classificação Internacional de Doenças, deixando a homossexualidade de ser considerada “desvio e transtorno sexual”. Em 1999, foi a vez do Conselho Federal de Psicologia promulgar uma portaria ratificando a normalidade da homossexualidade, em um tempo que condenou as teorias e terapias homofóbicas.” MOTT, 2006, p.510
· Além da moral religiosa, também a noção de natureza biológica sustentada por discursos científicos colaborou fortemente para a produção de afetos negativos em torno da homoafetividade.
· As caracterizações negativas como aberrações, pecado, doença ou transtorno mental marcam o modo como ocorriam as relações em torno da homoafetividade.
· Sob uma perspectiva da psicologia sócio-histórica, a noção de normalidade não se identifica com o conceito de natureza. Fundamentalmente, reflete um processo de interação.
· Toda interação tem um sentido, isto é, como numa relação de forças, a interação possui uma direção para os afetos, para a ação, que produz um sentido, um significado para aquela realidade.
· Essas interações, que ocorrem através dos costumes, do sistema de valor, enfim, da cultura e que são vividas por cada pessoa, serão o cenário e o processo onde é produzida a subjetividade.
Atenção - O conceito de normalidade, sujeito à noção de natureza humana como uma norma a ser observada, serve para a conservação do sistema dominante de relações. O anormal não é visto como diferença, mas como desvio, doença.
· É interessante notar que o conceito de normal, nesta perspectiva, não está relacionado à saúde da pessoa. O conceito de normalidade estava mais vinculado aos costumes, à cultura da época. Na psicologia sócio-histórica, o diferente da norma, do sistema dominante, é compreendido como possibilidade.
· Podemos afirmar que, se o processo de subjetivação ocorre na interação, ele é potente em se diversificar na mesma medida em que são possíveis outras interpretações. Em outras palavras, o conceito de normalidade está relacionado às práticas e saberes predominantes numa cultura, o que pode variar conforme cada momento histórico e cultura.
· As noções de saúde e doença precisaram ser revistas neste aspecto, principalmente para o que se chamava de doença mental. A Organização Mundial de Saúde (OMS) utiliza o termo transtorno mental, porém costuma ser preferido pelos profissionais de saúde no Rio de Janeiro falar em “sofrimento mental”. Afinal, o que seria uma desordem ou um transtorno psíquico em relação a uma vida psíquica ordenada, normal? 
· Se a compreensão da realidade ocorre na atividade de vivência da pessoa, são tantas as possibilidades de experiência subjetiva que a noção de vida psíquica normal ou ordenada precisa ser reformulada.
· Considero importante o apontamento de Benevides e Passos (2005), que, ao tratar da humanização do Sistema Único de Saúde, fazem uma observação sobre os cuidados em saúde a partir de outro modo de pensar, diferente do ajustamento da pessoa à norma:
· “Pensar a saúde como experiência de criação de si e de modos de viver é tomar a vida em seu movimento de produção de normas, e não de assujeitamento a elas. A contribuição de Canguilhem (1978) para o debate acerca da normatividade da vida é indispensável aqui. Este autor nos indicou como a vida se define não por um assujeitamento a normas, e sim por uma produção delas.” BENEVIDES; PASSOS, 2005, p. 570
· Esperar que todas as pessoas vivam uma vida normal, no sentido de estar sujeitada à norma, é uma ilusão, justamente porque o processo de produção de normas é próprio da experiência de vida, e não dada por uma natureza pré-existente. Podemos dizer, portanto, que a sexualidade poderá (enquanto potência) ser vivida de inúmeras formas, de modo que tentar categorizá-la (normatizando-a) seria sempre incompleto.
· A homoafetividade pode ser compreendida então como uma possibilidade de expressão de vida do humano. É comum neste ponto que pessoas mais incomodadas com a discussão sobre normalidade façam um questionamento do tipo: “Tudo bem, então, tudo é possível? Não existe norma?”
· Afirmar que ao humano as possibilidades são infinitas não significa dizer que qualquer expressão de vida seja desejável. Por exemplo, costuma ser consenso que modos de vida racista não são desejáveis. Em outros termos, a vivência de afetos e valores próprios de um sistema racista podem ser evitados ou diminuídos em sua incidência se as interações tiverem um direcionamento neste sentido. Evidentemente, será necessário um princípio que fundamente a ação, funcionando como norma. A pergunta fundamental seria: Esse princípio aumenta a potência de vida ou a diminui?
· Vimos no início desta aula exemplos de diminuição da vida a partir da defesa de uma ideia que pretendia expurgar a diferença relacionada ao sexo heteronormativo.
· Sobre uma neutralidade impossível
· 
· As ideias do positivismo sustentaram posições que excluíam os elementos sociais e culturais do fenômeno de estudo. A psicologia, de base positivista, buscava encontrar leis naturais que regulassem o fenômeno, desconsiderando qualquer experiência e vida social.
· O conhecimento produzido era pensado como isolado dos interesses e valores sociais. Deste modo, ao tomar o objeto de estudo como natural, estudos psicológicos buscavam desvelar as leis naturais que regulassem o humano sob a justificativa de um conhecimento que gozava de neutralidade.
· 
· O modo como a psicologia sócio-histórica irá superar a visão positivista será através do método do materialismo histórico e dialético que, na expressão de Bock, (2001, p. 33) terá três características:
· 
· “Uma concepção materialista, segundo a qual a realidade material tem existência independente em relação à ideia, ao pensamento, à razão; existem leis na realidade, numa visão determinista; e é possível conhecer todas as realidades e todas as suas leis.
· Uma concepção dialética, segundo a qual a contradição é característica fundamental de tudo que existe, de todas as coisas; a contradição e sua superação são a base do movimento de constante transformação da realidade...
· Uma concepção histórica, segundo a qual só é possível compreender a sociedade e a história por meio de uma concepção materialista e dialética; ou seja, segundo a qual a história deve ser analisadaa partir da realidade concreta, e não a partir das ideias [...]”.
· 
· A partir desse método, o conhecimento produzido a partir da psicologia sócio-histórica não buscará uma regularidade universal dos fenômenos, mas apenas aquele contingente ao sistema de relações que está envolvido.
· A contradição e a transformação serão processos próprios da condição de vida. Portanto, mais do que meramente encontrar regularidade, trata-se de buscar melhores condições de vida, abandonando uma pretensa neutralidade.
· Retomemos a questão da proposição da homoafetividade como doença. Existe alguma neutralidade possível em questões dessa ordem? Afinal, o psicólogo, como um profissional de saúde, lidará diretamente com esse tipo de diagnóstico. O conhecimento produzido interfere diretamente na realidade, portanto a neutralidade é uma impossibilidade. E, por reconhecer essa impossibilidade, um posicionamento será necessário. Não haverá lugar científico fora de forças que produzem uma tensão em um sentido ou outro.
· Félix Guattari, psicanalista francês que produziu importantes trabalhos no campo da saúde mental, em entrevista no Brasil, fez um questionamento que segue esta mesma direção, ao propor que: “[...] devemos interpelar todos aqueles que ocupam uma posição de ensino nas ciências sociais e psicológicas, ou no campo de trabalho social — todos aqueles, enfim, cuja profissão consiste em se interessar pelo discurso do outro. Eles se encontram numa encruzilhada política e micropolítica fundamental. Ou vão fazer o jogo dessa reprodução de modelos que não nos permitem criar saídas para os processos de singularização, ou, ao contrário, vão estar trabalhando para o funcionamento desses processos na medida de suas possibilidades e dos agenciamentos que consigam pôr para funcionar. Isso quer dizer que não há objetividade científica alguma nesse campo, nem uma suposta neutralidade na relação (por exemplo, analítica).” GUATTARI; ROLNIK, 1986, p. 29
· Frente à encruzilhada política não há saída que não implique em um posicionamento ético-político. Mais uma vez: frente a um campo de possibilidades, como estabelecer um princípio que não reproduza, ou que pelo menos tente evitar, os horrores contra a vida como a história nos apresenta? Este é um ponto fundamental.
Compromisso Social Com A Psicologia
· A segunda guerra mundial, findada em 1945, trouxe muitas marcas de sofrimento e horrores que provocaram mudanças de referências. Podemos dizer que a religião não nos livrou da guerra, o conhecimento científico também não produziu parâmetros e condições para que evitássemos tantos assassinatos e conflitos; ideologias diversas fracassaram também em evitar mortes. Concluímos então que, mais importante do que uma defesa da norma, é a possibilidade da crítica. Crítica enquanto análise, revisão dos fundamentos e suas consequências.
Atenção - Nenhuma teoria é absoluta, nenhum conceito deve ser inquestionável. A ciência não produz verdades, mas uma leitura de mundo. Permitir a crítica significa também uma disponibilidade para conhecer a diferença.
· Foi no pós-guerra que se afirmou a declaração universal dos direitos humanos como uma defesa da vida, em detrimento de ideologias.
· A vida como valor ou parâmetro para a atuação da psicologia é o que faz trabalhadores da saúde mental preferirem o termo sofrimento a transtorno, por exemplo. Afinal, posso acolher uma pessoa que sofre, e o sofrimento relatado por ela será o objeto de trabalho.
· Quando o diagnóstico está na frente da vida, podemos reproduzir novamente formas de avaliação que busquem uma adequação da vida psíquica a uma ideia de normalidade, mesmo que aquilo que escapou à norma não implique em diminuição da vida. Ou seja, o trabalho será realizado com uma noção abstrata de ser humano, impedindo possibilidades de expressão de vida. O trabalho realizado, isto é, a intervenção psicológica, será completamente diferente, dependendo do princípio de análise.
· A psicologia social afirma então uma posição implicada com a transformação social que produza melhoria das condições de vida. As pesquisas realizadas deverão observar as crises presentes em nossa realidade, para produzir um conhecimento contextualizado a partir de nossas condições de vida. Esse posicionamento produzirá uma mudança de posição tanto nas práticas da profissão quanto no seu modo de produzir conhecimento, fazendo afirmações e tomando posturas que estejam alinhadas com os princípios de direitos humanos. Como exemplo de um posicionamento ético-político, em novembro de 2014 o Conselho Federal de Psicologia iniciou uma campanha de comunicação em apoio à luta pela despatologização das identidades trans e travestis.
· Desde 22 de maio de 2015, o site Despatologização das identidades Trans e Travestis apresenta notícias, legislação e publicações sobre o tema.
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· 1993
· Em 1993, entrou em vigor a CID-10, que retirou a homossexualidade das categorias de transtorno mental, mas ainda conservou o transtorno de identidade sexual, que atinge especificamente este público.
· 2018
· Somente em 18 de junho de 2018, a OMS anunciou a retirada dos transtornos de identidade de gênero das categorias de transtornos mentais.
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· Atenção - A alternativa utilizada nesta exclusão ocorreu com a criação de um novo capítulo para tratar da saúde sexual, no qual foi adicionada a categoria incongruência de gênero. Essa categoria foi uma alternativa para reduzir o estigma produzido quando tratado como transtorno mental. A manutenção de uma categoria ocorre para oportunizar o acesso a procedimentos terapêuticos, mas sem o estigma anterior.
· A psicologia, enquanto categoria profissional que em sua prática trabalha com diagnósticos de transtorno mental, não tem como ser neutra neste tema. Iremos reproduzir o entendimento de que uma vida travestida é algo doentio, ou iremos atuar para que, nas possibilidades dessa realidade, seja um processo possível de se viver.
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Aula 3 - Teoria das Representações Sociais 
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· Nesta aula, discutiremos sobre a teoria das Representações Sociais conforme abordagem de Serge Moscovici. A compreensão do conceito e da forma como uma representação social é produzida é fundamental para o uso deste conceito na psicologia social.
· A partir da contribuição de pesquisas que objetivam compreender o fenômeno das representações sociais, é possível analisar a forma como elas contribuem para as relações sociais.
Objetivos
· Definir o conceito de representações sociais;
· Relacionar essa noção com a psicologia social crítica.
Representações Sociais – Do Que Se Trata?
· Inicie esta aula fazendo o seguinte exercício: pense num cientista.
· É provável que você e muitas pessoas construam a imagem do cientista como uma pessoa de jaleco branco, cabelos brancos, talvez meio careca e possivelmente trabalhando com equações ou produtos químicos. 
· Em geral, as imagens que temos de um cientista dificilmente está relacionada a ciências humanas, sendo mais comumente associada a pesquisadores do campo das ciências biológicas ou exatas.  
· Apesar de ser óbvio que o conhecimento científico é composto por diversas áreas de conhecimento, não nos damos conta de que excluímos de nossas elaborações muitas áreas de conhecimento. 
· De outro modo, repare que alguns conhecimentos são assumidos por nós como realidade sem estranhamento algum.
Exemplo - Pode ser que você já tenha participado de uma conversa sobre o valor de uma consulta médica ou tenha comparado o valor pago pelo plano de saúde a um médico com o valor pago a outros profissionais de saúde e, nesta conversa, alguém dissesse algo semelhante à seguinte fala: “É caro, mas também, para ser médico tem que estudar muito...”.
· Por acaso você iria a um psicólogo se soubesse que ele não estudou ou que não estuda muito?
· Repare que facilmente encontramos um discurso que justifica a desigualdade dos ganhos na profissão da medicina em relação a outras áreas da saúde com a utilizaçãode argumentos de mérito, apesar de não existir relação direta entre o esforço durante a formação acadêmica e o ganho financeiro no exercício profissional.
· Nossas reações a determinadas realidades estão relacionadas com definições comuns na sociedade em que vivemos. Nestes dois exemplos, temos representações que atuam no reconhecimento de uma realidade e também sobre como devemos responder à realidade.
Teoria das Representações Sociais
· Essa teoria foi proposta por Serge Moscovici através da obra A psicanálise, sua imagem e seu público. Nessa obra, publicada em 1961 como tese de doutorado, Moscovici resgata o conceito de representações coletivas proposto por Émile Durkheim, estudando as representações acerca da psicanálise, percebida pelo público parisiense.
· As representações sociais constituem, portanto, estudos sobre saberes populares resultantes do processo de interação social. São explicações, ideias que implicam em uma prática e que colaboram para a construção de uma realidade comum. Nesse sentido, a teoria das representações sociais está intimamente relacionada com o estudo dos registros simbólicos sociais.  
· Segundo Moscovici (1978, p. 26-27): “No final das contas, ela produz e determina os comportamentos, pois define simultaneamente a natureza dos estímulos que nos cercam e nos provocam, e o significado das respostas a dar-lhes. Em poucas palavras, a representação social é uma modalidade de conhecimento particular que tem por função a elaboração de comportamentos e a comunicação entre indivíduos (...) Elas possuem uma função constitutiva da realidade, da única realidade que conhecíamos por experiência e na qual a maioria das pessoas se movimenta (...) É, alternativamente, o sinal e a reprodução de um objeto socialmente valorizado.”
· Segundo Moscovici (2010), as representações sociais têm duas funções:
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· Convencionam aspectos da realidade, localizando em uma determinada categoria como um modelo que é compartilhado por um grupo de pessoas.
· São prescritivas, ou seja, produzem uma norma que é instituída através de uma tradição que regula como devemos pensar. Não é raciocinado por nós, mas um processo que é imposto sobre nós.
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· Por seu caráter prático, as representações são capazes de influenciar o comportamento do indivíduo ou de uma coletividade.
· As representações são produzidas nas atividades cotidianas, no trabalho, como produto de ações e comunicações.
· Profissionais como professores, comunicadores da ciência e de outros saberes criam ou transmitem representações mesmo sem perceber como o fazem.
Exemplo - Esse é um conceito que nos permite compreender como uma pessoa que tem atitudes racistas rejeita a ideia de que seja racista, ou seja, ela repete atitudes por representações que não são atos conscientes, mas naturalizadas, e nega essas atitudes como parte de si. Com isso, assistimos em jogos de futebol a torcedores jogarem bananas para um jogador de futebol negro, aos gritos de “macaco”, carregado de um afeto negativo que tentava desqualificar o jogador usando sua cor de pele como argumento. Mas o torcedor nega que seja racista quando racionaliza o processo. Em outros termos, ele realiza atitudes a partir de representações que favorecem atitudes racistas, que reproduzem uma compreensão da realidade e prescreve um modo de agir.
· Moscovici (2010) trata o lugar onde são produzidas as representações a partir da distinção de dois universos: consensuais e reificados.
· O universo consensual reflete uma realidade de pessoas livres e iguais, em que cada um tem a possibilidade de falar pelo grupo. Pode ser representado pelas conversas em locais públicos, como praças, bares, onde diversos conhecimentos sobre política, religião, futebol, educação etc. são expressos. Revelam seu ponto de vista construindo normas pelas quais agir.
· Já no universo reificado, temos uma sociedade com diferentes papéis e classes, em que a participação está sujeita à competência adquirida. São os especialistas que produzem discursos sobre a realidade, médicos em programas de televisão, psicólogos, sacerdotes e outros. O universo reificado é compreendido pelo conhecimento científico, enquanto as representações sociais correspondem ao campo do universo consensual.
· A partir do entendimento destes dois universos, Moscovici afirma que a finalidade de todas as representações é: Tornar familiar algo que não familiar, ou a própria não familiaridade. MOSCOVICI, 2010, p. 54
· Em outras palavras, como os universos consensuais são espaços de saberes populares, a passagem do conhecimento científico para o conhecimento popular ocorre como um processo de familiarização. São os modos de entendimento popular sobre expressões criadas no universo reificado.
· O conhecimento de expressões da psicanálise, por exemplo, como histérica, neurótico ou inconsciente, são compreendidos pelo universo consensual de modo diferente do que é tratado no universo reificado. Ocorre um processo que torna familiares essas expressões.
Processos que Geram as Representações Sociais
· Podemos classificar esses processos como:
· Ancoragem
· A ancoragem está relacionada a uma classificação dessa realidade não familiar. Essa classificação, em geral, está associada a um juízo de valor, pois no processo de ancoragem, ao classificar uma pessoa ou ideia, já a situamos em categorias históricas que possuem uma dimensão de valor. O novo conhecimento é ancorado a categoria preexistente.
· O processo de ancoragem é fundamental para a compreensão de determinados fenômenos, auxiliando a enfrentar dificuldades.
· Oliveira e Werba (2008, p. 109) utilizam o exemplo de: “[...] quando surgiu o problema da Aids, diante das perplexidades e dificuldades em entendê-la e classificá-la, uma das formas encontradas pelo senso comum para dar conta de sua ameaça foi ancorá-la como uma ‘peste’, mais especificamente ‘a peste gay’ ou o ‘câncer gay’. Assim representada, embora classificada de forma equivocada e preconceituosa, a nova doença pareceu menos ameaçadora, pois já havia sido categorizada pelo senso comum como uma peste, que só aconteceria aos “gays”.
· Objetivação
· Significa tornar concreta uma realidade que antes não conseguíamos visualizar, ou projetar uma imagem que a represente.
· Um dos exemplos apresentados por Moscovici está na religião, quando chama de “pai” ao Deus cristão. Afinal, chamar Deus de pai é objetivar uma imagem já conhecida, transferir algo que está no pensamento para algo que exista no mundo.
· Esses processos nos permitem compreender como as representações contribuem para a construção de relações sociais. A significação, produto das representações, ocorre a partir das condições de possibilidade do sistema de valores. Como possuem uma característica prescritiva, implicam em atitudes em relação à pessoa ou objeto, portanto, através do estudo das representações sociais podemos analisar pensamento e prática social do grupo em enfoque.
· Denise Jodelet (2001) fornece importante contribuição para os estudos das representações sociais pesquisando as representações sociais da Aids. Argumenta em seus estudos que identifica duas concepções: uma moral e social, outra biológica.
· Concepção moral e social
· A Aids representa qualidades de uma sociedade marcada por condutas imorais, sendo vista como um “castigo de Deus”. Essa visão moralista colaborou para a produção de uma rejeição das pessoas estigmatizadas.
· Concepção biológica
· Permite a compreensão de que o contágio poderia ocorrer de diferentes formas, sendo um perigo que se aliava e servia a um discurso racista, utilizando o argumento biológico para a exclusão, o que servia para adotar ou justificar tais práticas.
· Segundo Jodelet (2001, p. 11): Assim, duas representações – uma moral e outra biológica – são construídas para acolher um elemento novo: veremos que se trata de uma função cognitiva maior da representação social. Apoiam-se em valores variáveis – segundo os grupos sociais de onde tiram suas significações – e em saberes anteriores, reavivados por uma situação social particular: enotaremos que são processos centrais na elaboração representativa. Estão ligadas tanto a sistemas de pensamento mais amplos, ideológicos ou culturais [...]. 
As instâncias ou substitutos institucionais e as redes de comunicação informais ou da mídia intervêm em sua elaboração, abrindo caminho a processos de influência e até mesmo de manipulação social – constataremos que se trata de fatores determinantes na construção representativa.
· Jodelet (2001) apresenta exemplos de como as representações sociais são fenômenos complexos ativados na vida social.
· Diversos elementos compõem a representação, sendo eles processos informativos, expressos através de crenças, na defesa de valores, com atitudes ou mesmo opiniões, imagens, entre outros. Esses elementos em relação com a ação serão objeto de análise e investigação científica, que terá como tarefa a descrição, análise e explicação nas suas dimensões, formas, processos e funcionamento.
Exemplo - Outro exemplo de pesquisa pode ser encontrado no trabalho de Maciel et al. (2011), que estudam as representações sociais de familiares acerca da loucura e do hospital psiquiátrico. A pesquisa foi realizada com a participação de diversos familiares de usuários de serviços de saúde mental, através de teste de associação livre de palavras. Os resultados mostraram uma dimensão negativa, estranha, que produz uma relação com significantes da loucura atravessados por um sentimento de medo, que produz um afastamento de qualquer experiência humana que se afaste do padrão de normalidade ou racionalidade.
· O trabalho da reforma psiquiátrica, na proposta de reinserção da pessoa que viveu longa internação e também na reorientação do trabalho, que deixa de se asilar para um projeto de atenção psicossocial comunitária, precisará considerar contribuições de pesquisas como a de Maciel et al. (2011) na elaboração de suas ações. Diante disso, podemos nos questionar: Como produzir laço social junto a uma realidade que sofreu décadas de segregação social? Será necessário recompor os elementos de representações sociais que colaborem para a convivência comunitária no lugar da exclusão.
Abordagem Estrutural – Jean-Claude Abric
· Os estudos das representações sociais não se limitaram à contribuição de Moscovici. Um exemplo é a abordagem estrutural discutida por Jean-Claude Abric, chamada de Teoria do Núcleo Central.
· Para Abric (1998), as representações não se explicam apenas como reflexo da realidade, mas possuem uma estrutura organizada que serve para a interpretação da realidade. Essa estrutura rege as relações, determinando práticas e saberes.  
· Para o autor, a representação: É um sistema de pré-codificação da realidade, porque ela determina um conjunto de antecipações e expectativas. ABRIC, 1998, p. 28
· Segundo ele (1998), o núcleo central é composto por dois sistemas: central e periférico.
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· Sistema central - Reflete as condições sócio-históricas e valores do grupo, constituindo uma base comum, coletivamente partilhada das representações. Este sistema é resistente à mudança, de modo a garantir a continuidade da representação. Tem como função gerar o significado básico da representação.
· Sistema periférico - É o que possibilita a interface entre a realidade concreta e o sistema central. Portanto, é aquele que possibilita a integração entre experiências e histórias individuais, admitindo particularidades entre os membros do grupo e contradições.
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· Observe o que afirma Abric (1998, p.34) sobre esse duplo sistema: É a existência deste duplo sistema que permite compreender uma das características básicas das representações, que pode parecer contraditória: elas são, simultaneamente, estáveis e móveis, rígidas e flexíveis. 
Estáveis e rígidas posto que determinadas por um núcleo central profundamente ancorado no sistema de valores partilhado pelos membros do grupo; móveis e flexíveis, posto que se alimentando das experiências individuais. Elas integram os dados do vivido e da situação específica, integram a evolução das relações e das práticas sociais nas quais se inserem os indivíduos ou os grupos.
· O núcleo central consiste num subsistema que pode organizar e dar estabilidade à representação de determinado objeto social. O núcleo possui, portanto, três funções básicas: (ABRIC, 1998)
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· Geradora - Pela qual os elementos ganham um valor, um sentido.
· Organizadora - Que une entre si os elementos da representação.
· Estabilizadora - Em que elementos resistem às mudanças.
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· Assim, para que uma representação mude, é necessário que ela se organize em torno de outros núcleos centrais. A coerência de um grupo não se define por consenso entre seus membros, mas pela organização em torno de um núcleo central da representação. Desse modo, a análise de uma representação social, para Abric (2003), consiste em conhecer o conteúdo, a estrutura interna e o núcleo central. O núcleo central é o fundamento da representação, que se diferenciará e se individualizará no sistema periférico.
· As representações sociais têm sido pesquisadas em variados métodos de pesquisa:
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· Moscovici - Em seus estudos na década de 1960, usou a interpretação de textos escritos nos meios de comunicação para analisar como a psicanálise foi interpretada por aqueles veículos de comunicação e, posteriormente, reinterpretada pelo senso comum.
· Denise Jodelet (2005) - Optou por um método enológico na sua investigação sobre a loucura. Ela passou um período como habitante de uma comunidade francesa, convivendo com famílias, observando o cotidiano dos residentes e dos pacientes.
· Jean-Claude Abric (1998) - Desenvolveu um instrumento de pesquisa, um questionário respondido a partir de um termo indutor escolhido pelo pesquisador. As respostas foram posteriormente organizadas, possibilitando uma análise das expostas para o reconhecimento da estrutura das representações. Consiste numa análise de evocação, que tem como critério a frequência e a ordem da evocação.
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Aula 4 - Identidade 
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· O conceito de identidade é bastante diverso e trabalhado de distintas formas, em diversas disciplinas como antropologia, sociologia e psicologia. Isto torna o conceito multifacetado e, por conta disso, bastante complexo estudá-lo. Contudo, apesar das dificuldades, esse conceito é muito relevante para a disciplina e se faz necessário conhecer como a psicologia social o tem utilizado.
· Nesta aula, vamos abordar a categoria identidade a partir dos autores Antônio da Costa Ciampa e Stuart Hall. Você poderá acompanhar as discussões sobre conceito de identidade, personagem, encontro com a diferença, identidade pessoal e identidade social.
Objetivos
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· Conceber a categoria identidade a partir dos autores Antônio da Costa Ciampa e Stuart Hall;
· Avaliar como a categoria identidade pode ser utilizada como ferramenta para a psicologia social.
Conceito de Identidade
· O tema de identidade em geral nos remete à forma como é feita a apresentação individual.
· Você já reparou em como as pessoas são apresentadas em programas de televisão?
· Imagine a seguinte situação: Você está caminhando pelo seu município e um repórter do principal jornal da sua cidade o(a) aborda para uma entrevista que irá tratar dos problemas da sua cidade. Como você se identificaria para o repórter? Quais elementos estão presentes na sua resposta?
· Um exemplo é quando algumas pessoas se identificam como membros de determinada família, utilizando o sobrenome. A família da qual as pessoas fazem parte serve como referência de reconhecimento das pessoas em determinada região. Por outro lado, nas histórias em quadrinhos, é comum encontrarmos heróis que possuem uma identidade secreta. Afinal, o que isso significa quanto ao modo como ele lida com o mundo a sua volta? E você, por acaso age da mesma maneira em casa e no seu trabalho? Será que as pessoas que você conhece (mãe, chefe, colega de trabalho, amigo etc.) descreveriam você do mesmo modo?
· Paraa psicologia social, o conceito de identidade representa e produz sentimentos que o indivíduo desenvolve a respeito de si e que é uma construção que ocorre na interação social, a partir das histórias individuais, características particulares e no contexto de uma determinada cultura.
Identidade e a Relação do Indivíduo com a Sociedade
· A questão que se coloca para a psicologia social é: Como compreender esta interação na direção de uma compreensão de identidade?
· Um dos principais estudos em psicologia social sobre o conceito de identidade foi a pesquisa realizada pelo professor Antonio da Costa Ciampa, em 1977, com o tema “A identidade social e suas relações com a ideologia”. Posteriormente, em 1993, na obra A Estória do Severino e a História da Severina: um ensaio de Psicologia Social, este conceito é discutido como um processo, em constante movimento. Neste caso, a noção de identidade passa a ser entendida como o próprio processo de identificação.
Comentário - Ciampa (2001) apresenta a ideia de que a identidade se constitui como uma representação de um momento histórico; é parte do tempo, do lugar, da família de origem e da vida que o indivíduo vive.
· Essa proposta de compreensão de identidade contraria as teorias apresentadas até a década de 1980, que entendiam a identidade como estática, enquanto o autor destaca a importância das relações sociais, afirmando que, ao compreendermos a identidade, se compreende a relação do indivíduo com a sociedade.
· Para Ciampa (2001), identidade é metamorfose, e a expressão dessa metamorfose ocorre por meio de personagens que representamos socialmente. Nas palavras do autor: [...] podemos dizer que as personagens são momentos da identidade, degraus que se sucedem, círculos que se voltam sobre si em um movimento, ao mesmo tempo, de progressão e de regressão... Ao mesmo tempo, como o concreto é a síntese de múltiplas e distintas determinações, o desenvolvimento da identidade de alguém é determinado pelas condições históricas, sociais, materiais dadas, aí incluídas as condições do próprio indivíduo. CIAMPA, 2001, p. 198. Portanto, cada indivíduo apresenta-se como autor de diferentes personagens, sendo impossível que o indivíduo se apresente em sua totalidade. O estudo da identidade do indivíduo também não pode estar dissociado do estudo da sociedade; caso contrário, teríamos um ser a-histórico, desconectado do contexto de vida.
· Outro autor que discute a categoria identidade como ferramenta de análise é Stuart Hall (2005), um sociólogo jamaicano que trabalhou na Inglaterra, vivenciando diferentes culturas. Hall faz uma discussão a partir da proposição de uma crise de identidade, investigando os caminhos percorridos por essa crise e propondo novos olhares para o tema: A questão da identidade está sendo extensamente discutida na teoria social. Em essência, o argumento é o seguinte: as velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até aqui visto como sujeito unificado. HALL, 2005, p. 7
· Enquanto o pensamento clássico parte de uma compreensão de mundo em que o sujeito não tem dependência ou relação com a realidade em que está inserido, Hall (2005) assume que a construção subjetiva das identidades tem relação direta com a realidade que é vivenciada pelo sujeito. Portanto, o ser humano não nasce com uma identidade já definida; o desenvolvimento da identidade está vinculado ao processo de inserção na cultura.
Identificação: Um Processo Provisório?
· Ainda segundo Hall, o próprio processo de identificação tornou-se provisório, transformado continuamente em relação às formas pelas quais somos identificados. Identidade será então: Algo formado ao longo do tempo através de processos inconscientes, e não algo inato, existente na consciência no momento do nascimento... Ela permanece sempre incompleta, e está sempre em “processo”, sempre sendo formada... 
Assim, em vez de falar da identidade como uma coisa acabada, deveríamos falar de identificação e vê-la como um processo em andamento. HALL, 2005, p. 24
· Para Hall (2005), as sociedades modernas se caracterizam por uma mudança estrutural no final do século XX. Ocorreu uma fragmentação das referências culturais de gênero, sexualidade, etnia, raça, classe e nacionalidade que forneciam referências sólidas para a identificação. Em outras palavras, mudaram, também, as nossas identidades.
· O contexto social e indivíduo se misturam, oportunizando uma concepção de sujeito, agora como: [...] previamente vivido como tendo uma identidade unificada e estável, está se tornando fragmentado; composto não de uma única, mas de várias identidades, algumas vezes contraditórias ou não resolvidas [...]. 
Esse processo produz o sujeito pós-moderno, conceptualizado como não tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente. A identidade torna-se uma “celebração móvel”: formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam. HALL, 2005, p. 12-13
· A abordagem culturalista presente em seus estudos privilegia as variadas posições que um sujeito adota em sua trajetória e sua fragmentação.
· Os autores dessa perspectiva defendem também que transformações sociais repercutem nas identidades pessoais, posto que a ideia de si próprio pode perder a estabilidade nesse período de transformações. Um exemplo disso nos é dado por Sergio Gomes da Silva (2006), no seu texto A crise da masculinidade: uma crítica à identidade de gênero e à literatura masculinista, quando fala: [...] a atual crise da masculinidade, compreendendo-a como um mal-estar, um conflito identitário originado a partir do movimento feminista e que encontra ecos não só na primeira crise como também no culto à masculinidade ocorrido no século XIX. 
Tipos de Identidade
· Stuart Hall (2005) define três tipos de identidade em diferentes momentos históricos:
· Identidade do sujeito do iluminismo - Possui uma visão individualista do sujeito.
· Identidade do sujeito sociológico - Considerada na sua compreensão da complexidade do mundo moderno, a relação com outras pessoas e como isso reflete sobre elas. Também pontua que a cultura tem um papel de mediação.
· Identidade do sujeito pós-moderno - Enfatiza a identidade como um processo de transformação contínua, rejeitando a compreensão de algo fixo ou permanente.
· Essa introdução a alguns autores sobre o tema objetiva apresentar a forma como a categoria identidade tem sido utilizada na psicologia através de dois autores próximos da psicologia social. Contudo, esta categoria é utilizada de diferentes maneiras.
· A própria etimologia contribui para isso, já que a origem da palavra identidade vem do latim, idem, que significa “o mesmo”. Assim, é importante se perguntar: Por que estudar identidade, uma vez que a própria palavra não abarca a processualidade desse fenômeno? Stuart Hall (2004, p. 104) se posiciona sobre essa questão: [...] uma vez que eles não foram dialeticamente superados e que não existem outros conceitos, inteiramente diferentes, que possam substituí-los, não existe nada a fazer senão continuar a se pensar com eles – embora agora em suas formas destotalizadas e desconstruídas, não se trabalhando mais no paradigma no qual eles foram originalmente gerados.
· O conceito de identidade vai muito além da psicologia. Disciplinas como filosofia, antropologia e comunicação também se debruçam sobre esta ideia e são responsáveis por pesquisas e teorizações acerca dessa temática.
· Por conta da complexidade e variedade de abordagens possíveis para tratar desse tema, utilizaremos como base da nossa aula o texto O papel da diferença na construção da identidade, de Marian Ferrari (2006).
· Vamos abordar alguns pontos importantes dessa discussão, a saber: personagem, encontro com a diferença, identidade pessoal e identidade social. Importante destacar que esse texto está alinhado com a compreensão de identidade do psicólogo Antonio Carlos Ciampa,que citamos anteriormente.
Personagem
· Como vimos, as formas como nossas identidades são construídas não são um processo individual; elas são também influenciadas pela ideologia dominante na sociedade em que estamos inseridos. As ideias de nossa cultura influenciam diretamente as personagens que construímos e que nos atravessam. Lembrando que “personagem” é conceito do psicólogo social Ciampa (1987), que se refere à atualização social de modos de ser decorrentes das interações vividas.
· O conceito de personagem mostra que Ciampa (1987) entende a identidade como um processo em constante transformação, utilizando o termo metamorfose para caracterizá-la.
Exemplo - Para explicar o complexo movimento dialético da construção da identidade, Ciampa utiliza como exemplo o nosso nome completo. Ele é formado por prenome e sobrenome. O primeiro nos identifica, nos torna únicos; o segundo nos coloca como membro de uma família, a nossa unicidade perde força. É nessa relação entre igualdade e diferença, singularização e simbiose que formamos nossa identidade.
· A maneira como Ciampa estuda e teoriza sobre identidade é alinhada com a perspectiva sócio-histórica, posto que os aspectos históricos e dialéticos estão presentes na sua escrita. Contudo, percebe-se que a compreensão de um sujeito cada vez mais isolado e individual tem ganhado espaço. Isto é resultado do que Jurandir Freire Costa (1989) chama de cultura do narcisismo. Santi (2005, p. 200) explica que essa cultura: [...] não é aquela na qual as referências sólidas acabam de se perder, mas aquela na qual a instabilidade de longa data torna-se insuportável e leva à busca de refúgios que possam parecer mais sólidos e seguros.
Encontro com a diferença
· Quando falamos da construção da identidade, o encontro com o outro é fundamental.
Exemplo - Se na sua construção identitária você se define como mulher, é porque existe um homem; se você se define como negro, é porque existem brancos, indígenas e amarelos.
· Nós não nos definimos, por exemplo, como terráqueos, pois nas nossas relações sociais não criamos laços com extraterrestres. Esses são simples exemplos para mostrar que na construção de uma identidade – seja ela coletiva ou pessoal – é necessário o outro para termos os parâmetros do nosso próprio processo identitário. Contudo, na nossa sociedade atual, como ocorre essa convivência com o outro? Em vez de ser entendida como potência de vida, a diferença está ligada ao medo, ao terror, e tendemos a nos afastar do encontro com tudo que não é o nosso próprio reflexo.  Por isso a reflexão da cultura do narcisismo é tão relevante quando falamos de identidade. Enquanto parte de um corpo social, ao negarmos o encontro com o outro, perdemos a nossa capacidade de nos ampliar.  
· Ferrari (2006, p. 6) nos alerta que: Introjetam-se como traços superegoicos valores cuja principal ameaça é o isolamento, a exclusão através da perda de amor do outro. Diante destas condições, os laços de confiança, de inventividade e de exploração do desconhecido não têm espaço para se realizar. Logo, a singularidade necessária ao processo de individuação não acontece.
· O que se percebe é que a dicotomia individual/ social é artificial, posto que o primeiro se constrói na vivência social. Mas isso significa dizer que não existe identidade pessoal? Claro que não! O que precisa ficar claro é que a identidade pessoal se constrói dentro de um sistema de relações sociais preexistente a nossa própria vida. Assim, a identidade pessoal se ergue na criação de múltiplas máscaras que, apesar de serem feitas em sociedade, são realizadas de maneira singular. Assim, não podemos jamais confundir que, ao afirmar o caráter relacional da identidade, estamos negando a existência de uma identidade pessoal.
Constante Construção
· Strey (1998) denuncia que a dicotomia entre identidade pessoal e identidade social é falsa, posto que elas são concomitantes, se constroem juntas, ao mesmo tempo.
· O indivíduo ocupa um duplo papel de personagem e autor de sua própria identidade – personagem, pois ele interpreta a sua própria história – e autor, já que essa história também é escrita por ele.
· O fato de, no senso comum, termos, de maneira bem sólida, a ideia de que a identidade é algo estático, dificulta bastante a compreensão mais ampla conforme abordado nas pesquisas em psicologia.
· A letra da famosa Modinha para Gabriela, de Dorival Caymmi, eternizada por Gal Costa, diz assim:
· Eu nasci assim, eu cresci assim
E sou mesmo assim, vou ser sempre assim
Gabriela, sempre Gabriela
Quem me batizou, quem me nomeou
Pouco me importou, é assim que eu sou
Gabriela, sempre Gabriela
· Essa letra passa não só a ideia de que a identidade é imutável e fixa, como também de que a influência externa em nada afeta esse processo, como podemos ver nos versos:
· Quem me batizou, quem me nomeou
Pouco me importou, é assim que eu sou
· Na realidade, a identidade não é algo acabado; é uma constante construção, que se inicia com o começo da vida e termina com a nossa morte.  Assim, ao estudarmos a identidade por uma perspectiva sócio-histórica, temos como desafio ir contra uma lógica predominante em nossa cultura:
· A de um indivíduo natural, que possui uma essência que determina seus afetos, comportamentos e compreensão da realidade, fazendo desse um outro desafio quando decidimos estudar o complexo conceito de identidade.
· Um exemplo de pesquisa em psicologia que utiliza o conceito de identidade como categoria de análise pode ser encontrado no artigo Relações raciais no Brasil e a construção da identidade da pessoa negra.
· Nesse artigo, os autores, Márcia Cristina Costa Pinto e Ricardo Franklin Ferreira (2014), fazem uma reflexão sobre o processo de construção da identidade da pessoa negra em meio às relações raciais brasileiras, estudando um percurso histórico desde a época do Brasil Colônia até o período republicano. Nessa pesquisa são abordados conceitos como a ideologia do branqueamento, ocorrida no final do século XIX e o mito da democracia racial, ideal desenvolvida em meados do século XX.
· As autoras sustentam que o caminho para uma conscientização e formação da identidade negra articulada a valores positivos é um processo a ser construído.
· A categoria identidade tem sua importância e influência para a autoestima e a maneira de existir, sendo, portanto, fundamental para a compreensão dos processos de como a pessoa negra desenvolve sua identidade, principalmente em contextos sociais adversos, nos quais ocorre discriminação. Em propostas semelhantes a esta, a psicologia pode contribuir com diferentes abordagens de fenômenos subjetivos ligados ao processo de construção da identidade da pessoa negra e de sua autoestima. Cabe, portanto, à psicologia, assumindo o seu compromisso social de melhoria das condições de vida, auxiliar na criação de espaços para a expressão dos sentimentos que são produzidos no confronto com o preconceito e a discriminação racial.
· O tema de relações raciais ainda é pouco explorado pela psicologia no Brasil, e a categoria de identidade pode ser um caminho para fomentar discussões e pesquisas nessa área.
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Aula 5 - Estudos de Gênero e Psicologia 
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· O conceito de gênero não se reduz ao feminismo, mas tem sua origem através das lutas do movimento feminista. Nesta aula, vamos verificar como este conceito é utilizado por estudiosos e também sua utilização pela psicologia social.
· É fundamental a compreensão do conceito como ferramenta de análise social que atende aos princípios de uma psicologia comprometida com a transformação social e com os direitos humanos
Objetivos
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· Identificar a origem dos estudos de gênero;
· Definir gênero na psicologia social;
· Examinar como o conceito de gênero pode ser utilizado para análise na psicologia social.
Premissa
· Uma cena ainda comum na família brasileira pode ser retratada no diálogo de uma mãe com a filha, quando a mãe diz: Minha filha, venhaaprender a fazer isso (cozinhar, lavar, cuidar da casa etc.) [...], pois um dia você irá casar. Se a filha, indignada em perceber que apenas ela foi convocada para o trabalho doméstico enquanto o irmão está livre em casa, se queixa com a mãe, reclamando ser injusto ou não entender por que apenas ela é obrigada a fazer tais tarefas, sua atitude reflete uma problematização da noção de gênero em sua família. Ela está colocando em questão a expectativa de comportamento que a mãe tem sobre ela. Por outro lado, até 1990 era raro encontrar um homem caminhando com roupas de cor rosa. Essa cor estava associada ao estereótipo feminino ou homoafetivo, o que poderia representar uma desqualificação de sua moral, na percepção masculina da época. Até mesmo as ofensas também refletem expectativas sociais.
· Ofensas dirigidas ao homem
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· Mulherzinha
· Bichinha
· Afeminado
· Viado
· 
· Ofensas dirigidas à mulher
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· Piranha
· Vadia
· Biscate
· Puta
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· O que se espera manter com essas desqualificações? Quais comportamentos se quer evitar? O conceito de subjetividade, compreendido como modos de ser, de experimentar os afetos, de se relacionar, parte do princípio de que não existe algo que pré-determine os comportamentos complexos, os modos de vida de cada pessoa. O que não significa negar as diferenças biológicas, que afinal existem, mas apenas como potencialidade. Contudo, o que será feito com as condições em que se experiencia a vida, ou mesmo como serão vivenciadas as potencialidades, é próprio da cultura. Dito de outro modo, a mulher tem útero. Sua condição biológica oportuniza vivências que não são possibilidades para a pessoa do sexo masculino.  Entretanto, o que ela fará a partir da sua condição de pessoa que tem útero não está predeterminado, mas será significado nas interações que experienciar, ou seja, será próprio de sua cultura.
Estudo de Relações
· Colaboram para determinadas percepções e expectativas sobre os sexos reflete o modo como a cultura se organiza, podendo revelar discursos e práticas que servem para sustentar desigualdades, hierarquias entre os sexos e, até mesmo, violência.
Exemplo - Bastaria lembrar que o código civil brasileiro de 1916 vigorou por 86 anos, como exemplo de legislação que institucionalizava a desigualdade e a hierarquia. Neste período de vigência, até a década de 1960 a mulher precisava de autorização do marido para poder trabalhar. (CABRAL, 2008)
· Seria ingênuo pensar que as práticas culturais tão fortemente definidas, inclusive legais, não tenham ainda efeitos nas relações de hoje.
Estudos Sobre a Mulher
· Coincidiram com o início da primeira onda do Movimento Feminista, na década de 1960 nos Estados Unidos e no Reino Unido, que centrava suas lutas e reivindicações na mulher pela igualdade de direitos. Este, no entanto, não era um movimento para todas as mulheres, e sim para as burguesas, brancas e de classe média/ alta.
· Segundo Sardenberg (2004), somente a partir da metade da década de 1970, o objeto de estudo sofreu modificações, passando de “mulher” para “mulheres”, incluindo, também, as negras e de camadas populares.
Atenção - O intuito era o de tratar de diferentes situações culturais e sociais e responder às opressões de raça e de classe, observando as diferentes realidades experienciadas por cada uma delas.
· Mesmo diante dessa ampliação, Sardenberg (2004) sinaliza a ausência, naquela época, de um objeto de estudo unânime para as feministas acadêmicas e militantes. De acordo com a autora, isso só aconteceu no final da década de 1970, com a conceitualização do termo “gênero” que, numa perspectiva feminista, permitiu abarcar relações de poder sobre o masculino e o feminino, bem como especificidades marcadas por características histórico-culturais, possibilitando discutir também os objetos de estudo anteriores.
· Inicialmente, gênero era uma palavra usada como construção social das identidades sexuais, descrevendo o que é socialmente construído. Nessa concepção, de acordo com Sardenberg (2004), o sexo era tido como natural e a-histórico. Foi Gayle Rubin, um antropólogo cultural americano, quem, na década de 1970, propôs o conceito de sistema sexo/ gênero. Ele enfocou a relação existente entre essas duas categorias, ao conceituar esse sistema como “um conjunto de arranjos através dos quais uma sociedade transforma a sexualidade biológica em produtos da atividade humana e na qual essas necessidades sexuais transformadas são satisfeitas” (1975, p. 2), referindo-se à normatização social que incide e molda cada sexo.
Estudos de Gênero
· Nas décadas de 1970 e 1980, surgiram discussões feministas sobre o emprego de gênero, que começaram a reavaliar as explicações correntes da vida social apoiadas na experiência de mulheres.
· De acordo com Sorj (1992), esses estudos envolviam duas dimensões:
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· A ideia de que o gênero seria um atributo social institucionalizado.
· A noção de que o poder estaria distribuído de modo desigual entre os sexos, subordinando a mulher.
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· A partir do lançamento do artigo Gênero: uma categoria útil para análise histórica, Joan W. Scott (1990) tem sido forte referência em pesquisas sobre gênero. A autora realiza um resgate histórico do termo “gênero” e do uso que as feministas nele engendraram, caracterizando-o como “uma maneira de referir-se à organização social da relação entre os sexos”. (SCOTT, 1990, p. 2)
· Carrara et al. (2010) apresentam duas características fundamentais no conceito de gênero, a partir dos quais essa sessão baseará:
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· Sua arbitrariedade cultural – ou seja, ele só pode ser compreendido em relação a uma cultura específica, sendo-lhe atribuídos sentidos distintos a partir do contexto sociocultural em que se manifesta;
· O caráter necessariamente relacional das categorias de gênero: só é possível conceber o feminino em relação ao masculino, e vice-versa.
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· Conforme apontado, o advento do movimento feminista e as incursões acerca do gênero mobilizaram estudiosas a inscrever as mulheres no aprendizado da história das transformações sociais, visibilizando aquelas que foram propositadamente apagadas dos acontecimentos históricos sociais. Vejamos agora contribuições de outros autores:
· Scott – Esse autor atenta para a dimensão de classe e sua relação com as categorias raça e gênero, e problematiza uma suposta paridade: o conceito de classe, baseado na teoria marxista, implica considerações sobre determinações econômicas e mudanças históricas, enquanto que gênero e raça não implicam o mesmo propósito. Segundo a autora, “no caso de gênero, o seu uso comporta um elenco tanto de posições teóricas quanto de simples referências descritivas às relações entre os sexos”. (SCOTT, 1990, p. 4). Assim, mesmo que se parta de epistemes distintas, ao pensar gênero enquanto categoria relacional, torna-se imprescindível destacar aspectos como raça e classe e, assim, dimensionar as relações de poder e como elas se expressam. “O conceito de gênero, hoje corrente em páginas de jornais e textos que orientam as políticas públicas, nasceu de um diálogo entre o movimento feminista e suas teóricas, e as pesquisadoras das disciplinas de história, sociologia, antropologia, ciência política, demografia, entre outras.” CARRARA, et al., 2010, p. 15
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· Gayle Rubin (1993) - Outra importante contribuição para o campo dos estudos de gênero partiu da já citada antropóloga que definiu como sistema sexo/ gênero a dinâmica que transforma a percepção da diferença “biológica” em produtos da cultura. Para essa autora, tal sistema atravessaria a constituição e o destino dos corpos, criando a distinção entre homens e mulheres e a consequente dominação masculina.
· Butler (2003) - Para esse autor, gênero foi concebido, originalmente, em oposição a sexo, com a finalidade de questionar a construção de que a biologia é o destino, e isto sugeria uma descontinuidade entre corpos sexuados e gêneros culturalmente construídos. Posteriormente, o gênero deixou de ser visto apenas como diferença sexual e passou a ser considerado uma categoria múltipla e relacional que

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