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1 SUMÁRIO 1 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICO-EVOLUTIVA DA PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE ............ 2 1.1. Evolução histórica do pensamento ambiental da gestão de recursos hídricos ............ 8 1.2. Fase da exploração desregrada ..................................................................................... 9 1.3. Fase fragmentária ....................................................................................................... 11 1.4. Fase holística ............................................................................................................... 12 2 CLASSIFICAÇÃO AMBIENTAL NA JURÍDICA .......................................................................... 15 2.1 2.1. Meio Ambiente Natural ........................................................................................ 16 2.2 2.2. Meio Ambiente Artificial ...................................................................................... 17 2.3 2.3. Meio Ambiente Cultural ....................................................................................... 18 2.4 2.4. Meio Ambiente do Trabalho ................................................................................ 19 2. CONCEITO CONSTITUCiONAL DE MEIO AMBIENTE ............................................................. 19 2.1. Competência Ambiental .............................................................................................. 22 3. OBJETO DA TUTELA AMBIENTAL ......................................................................................... 27 3.1. A inserção da tutela ambiental no mundo jurídico ..................................................... 28 3.2. A inserção da tutela ambiental no ordenamento jurídico brasileiro .......................... 32 3.3. O descompasso entre a realidade e legislação de proteção ao meio ambiente ........ 36 3.4. A posição da sociedade frente à negligência estatal .................................................. 39 4. O MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO COMO DIREITO FUNDAMENTAL ... 42 4.1. O Direito Ambiental Comparado ................................................................................. 44 5. CONCLUSÃO ........................................................................................................................ 45 BIBLIOGRAFIA .............................................................................................................................. 47 2 1 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICO-EVOLUTIVA DA PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE1 Fonte: meioambienterio.com Ao longo da história, antes que o Direito Ambiental se firmasse como um ramo autônomo da Ciência Jurídica, inúmeros dispositivos jurídicos brasileiros e portugueses ao longo da história previram a proteção legal ao meio ambiente. Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin defende que a evolução da legislação ambiental brasileira se desenvolve em três fases ou momentos históricos, que são a fase de exploração desregrada, a fase fragmentária e a fase holística. Talvez seja mais adequado terminologicamente tratar esses mesmos momentos históricos como fase fragmentária, fase setorial e fase holística, porque na fase que Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin chama de fase de exploração desregrada já existe uma legislação ambiental esparsa e na fase que ele chama de fragmentária a legislação ambiental passa a existir em função de cada área de interesse econômico. É preciso dizer que essas fases históricas não possuem marcos afirmativos precisamente delineados, de maneira que elementos 1 Texto extraído do autor Talden Queiroz Farias 3 caracteristicamente pertencentes a uma fase podem estar cronologicamente relacionados a outra fase. O primeiro momento histórico no que diz respeito à legislação ambiental brasileira é aquele descrito como do descobrimento até aproximadamente a década de 30 sendo chamado de fase fragmentária. Essa fase é caracterizada pela não existência de uma preocupação com o meio ambiente, a não ser por alguns dispositivos protetores de determinados recursos ambientais. Édis Milaré faz um estudo da legislação ambiental desse período afirmando que o esbulho do patrimônio natural e a privatização do meio ambiente eram muito comuns nesse período. Na época do descobrimento vigorava em Portugal as Ordenações Afonsinas, cujo trabalho de compilação foi concluído no ano de 1446 durante o reinado de Dom Afonso IV. É possível encontrar na Ordenações Afonsinas algumas referências à preocupação com o meio ambiente, a exemplo do dispositivo que tipificava como crime de injúria ao rei o corte de árvores frutíferas. As Ordenações Manuelinas foram editadas em 1521 também contendo dispositivos de caráter ambiental, a exemplo da proibição da comercialização das colmeias sem a preservação das abelhas ou da caça de animais como coelhos, lebres e perdizes com instrumentos que pudessem denotar crueldade. A tipificação do corte de árvores frutíferas passou a ser punida com o degrado para o Brasil quando a árvore abatida tivesse valor superior a trinta cruzados. As Ordenações Filipinas, editadas durante o período em que o Brasil passou para o domínio espanhol, proibiam que seja jogassem na água qualquer material que pudesse matar os peixes e suas criações ou que se sujasse os rios e as lagoas. A tipificação de árvores frutíferas é mantida, prevendo-se como pena o degredo definitivo para o Brasil. O primeiro Código Criminal de 1830 tipificou como crime o corte ilegal de madeira e a lei nº 601/1850 discriminou a ocupação do solo no que diz respeito a ilícitos como desmatamentos e incêndios criminosos. Na prática só eram punidos aqueles que de alguma forme prejudicassem os interesses da Cora ou dos latifundiários ou grandes comerciantes. Com a proclamação da República a falta de interesse pela questão ambiental permaneceu e talvez até tenha se acentuado. Durval Salge Jr. ressalta que sob 4 o aspecto jurídico a preocupação com o meio ambiente sequer existia, tanto no período colonial quanto no imperial e republicano Nessa fase ainda não existe de fato uma preocupação com o meio ambiente, a não ser por alguns dispositivos isolados cujo objetivo seria a proteção de alguns recursos naturais específicos como o pau-brasil e outros. Tais restrições se limitavam à preservação de um ou outro elemento da natureza, destacando sempre a importância botânica ou estética ou o direito de propriedade. A segunda fase é chamada de fragmentária e se caracteriza pelo começo da imposição de controle legal às atividades exploratórias tratamento ambiental e tem como início o final da década de 20. Contudo, esse controle era exercido de forma incipiente porquê de um lado era regido pelo utilitarismo, visto que só se tutelava o recurso ambiental que tivesse valoração econômica, e de outro pela fragmentação do objeto, o que negava ao meio ambiente uma identidade própria, e em consequência até do aparato legislativo existente. Edis Milaré destaca a importância do Código Civil de 1916 como precedente de uma legislação ambiental mais específica ao trazer alguns elementos ecológicos, especialmente no que diz respeito à composição dos conflitos de vizinhança. Mas foi aproximadamente a partir do final da década de 20 que surgiu uma legislação ambiental mais completa, embora o meio ambiente tenha continuado a ser compreendido de forma restrita. Ricardo Toledo Neder afirma que o que marca o Estado brasileiro após a década de 30 em relação ao meio ambiente é o estabelecimento do controle federal sobre o uso e ocupação do território e de seus recursos naturais, em uma atmosfera de disputa entre o governo central e as forças políticas e econômicas de diferentes unidades da Federação. Para o autor, a “regulação pública sobre recursos naturais no Brasil nasceu da coalização de forças políticasindustrialistas, classes médias e operariado urbano que deu origem à Revolução de 30 e do modelo de integração (nacional e societária) daí decorrente”. Os recursos ambientais como a água, a fauna, as floras passaram a ser regidos por uma legislação diferenciada, de maneira a não existir articulação entre cada um desses elementos ou entre cada uma das políticas específicas. 5 Dessa forma, a saúde pública passou a ser regida pelo Regulamento de Saúde Pública ou Decreto nº 16.300/23, os recursos hídricos passaram a se reger pelo Código das Águas ou Decreto-lei nº 852/38, a pesca pelo Código de Pesca ou Decreto-lei nº 794/38, a fauna pelo Código de Caça ou Decreto-lei nº 5.894/43, o solo e o subsolo pelo Código de Minas ou Decreto-lei nº 1.985/40, e a flora pelo Código Florestal ou Decreto nº 23.793/34. A partir da década de 60 começa a segunda etapa da fase setorial, que é marcada pela edição de normas com maiores referências às questões ambientais propriamente ditas do que as da fase anterior. Entre os textos legislativos mais importantes se destacam o Estatuto da Terra ou Lei nº 4.504/64, o Código Florestal ou Lei nº 4.771/65, a Lei de Proteção à Fauna ou Lei nº 5.197/67, o Código de Pesca ou Decreto-lei nº 221/67 e o Código de Mineração ou Decreto-lei nº 227/67. Por conta da ênfase dada ao direito de propriedade não existia efetivamente uma preocupação com o meio ambiente, já que não se considerava as relações de cada dos recursos naturais entre si como se cada recurso ambiental específico não influísse no restante do meio natural e social ao redor de si. O Estado reduzia sua atuação aqueles recursos ambientais naturais que pudessem ter algum valor econômico. No entendimento de Ricardo Toledo Neder, a legislação ambiental desse período tinha como objetivo viabilizar a regulação administrativa centralizada de uma autoridade geopolítica em cima dos recursos ambientais como tarefa da União. Esse mesmo autor afirma que é na fase setorial, chamada por ele de fase de gestão de recursos naturais, que o Estado passa a regulamentar o uso dos recursos ambientais por meio de outorgas e concessões a particulares, que assim poderia explorar a fauna, a flora, os minérios, os recursos hídricos, os recursos pesqueiros e a exploração da terra. Essa estrutura administrativa estava praticamente centralizada na União, que desempenhava as políticas relativas a cada um dos tipos de recursos ambientais por meio dos seguintes órgãos específicos: Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica (DNAEE), Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), Departamento Nacional de Prospecção Mineral (DNPM), 6 Superintendência do Desenvolvimento da Pesca (SUDEPE) e Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Cada um desses órgãos federais passou a desempenhar suas atribuições e competências em todo o território nacional independentemente da atuação dos demais, o que conduziu a ações descoordenadas e conflitantes. Ainda na atualidade a Administração Pública ambiental é pautada pela existência de lógicas setoriais de ação e de interesses que impedem a integração das políticas públicas de meio ambiente. Fonte: www.amazonia-ibam.org.br Tanto até esse quanto nos momentos anteriores a legislação ambiental brasileira estava mais ou menos em compasso com a legislação internacional, refletindo a falta de conscientização ambiental da época. Depois da 2ª Guerra Mundial, com o aceleramento desordenado da produção agrícola e principalmente da produção industrial, a esgotabilidade dos recursos naturais ficou evidente. Todavia, somente a partir de meados da década de 60, com a divulgação de dados relativos ao aquecimento global do planeta e ao crescimento do buraco na camada de ozônio na atmosfera, e com a ocorrência de catástrofes ambientais, como o vazamento do petroleiro Torrey Canyon em 1967 e a ameaça imobiliária contra o parque de Vanoise, na França, é que a sociedade civil começou a gradualmente construir uma consciência ambiental. 7 Em junho de 1972 a Organização das Nações Unidas organizou em Estocolmo, na Suécia, a 1ª Conferência das Nações Unidas Sobre o Meio Ambiente, aprovando ao final a Declaração Universal do Meio Ambiente que declarava que os recursos naturais, como a água, o ar, o solo, a flora e a fauna, devem ser conservados em benefício das gerações futuras, cabendo a cada país regulamentar esse princípio em sua legislação de modo que esses bens sejam devidamente tutelados. Essa declaração abriu caminho para que a legislação brasileira, e as demais legislações ao redor do planeta, perfilassem a doutrina protetiva com a promulgação de normas ambientais mais amplas e efetivas. Édis Milaré afirma que no Brasil somente a partir da década de 80 a legislação começou a se preocupar com o meio ambiente de uma forma global e integrada. A Lei nº 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, é o primeiro grande marco em termos de norma de proteção ambiental no Brasil. Essa legislação definiu de forma avançada e inovadora os conceitos, princípios, objetivos e instrumentos para a defesa do meio ambiente, reconhecer ainda a importância deste para a vida e para a qualidade de vida. O segundo marco é a edição da Lei da Ação Civil Pública ou Lei nº 7.347/85, que disciplinou a ação civil pública como instrumento de defesa do meio ambiente e dos demais direitos difusos e coletivos e fez com que os danos ao meio ambiente pudessem efetivamente chegar ao Poder Judiciário. A Constituição Federal de 1988 foi o terceiro grande marco da legislação ambiental ao encampar tais elementos em um capítulo dedicado inteiramente ao meio ambiente e em diversos outros artigos em que também trata do assunto, fazendo com que o meio ambiente alcance à categoria de bem protegido constitucionalmente. O quarto marco é a edição da Lei de Crimes Ambientais ou Lei nº 9.605/98, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas aplicáveis às condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. Essa Lei regulamentou instrumentos importantes da legislação ambiental como a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica e a responsabilização penal da pessoa jurídica. É preciso destacar que é somente na fase holística que surge o Direito Ambiental propriamente dito, com princípios, objetivos e instrumentos peculiares. Nessa fase desponta a ideia de intercomunicação e interdependência entre cada 8 um dos elementos que formam o meio ambiente, o que faz com que esses elementos devam ser tratados de forma harmônica e integrada. 1.1. Evolução histórica do pensamento ambiental da gestão de recursos hídricos Fonte: buscaarvore.com.br Texto extraído do autor João Thiago Cavalcante A gestão dos recursos hídricos no Brasil não é um fenômeno recente, trazido pelo Código das Águas, em 1934, e consolidado com a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Nos idos do Brasil - Colônia, no início do século XVI, com as Ordenações Afonsinas (1480), Manuelinas (1520) e, posteriormente, sob o domínio dos espanhóis, as Filipinas (1606), moldava-se uma espécie de embrião da legislação ambiental. Esse arcabouço legal, porém, foi implantado, segundo ALMEIDA (2002), sob um viés de caráter econômico e sanitário, não preservacionista. Ou seja, as primeiras preocupações da coroa portuguesa era conservar os recursos naturais disponíveis para viabilizar a exploração econômica então vigente e de modo que compatível com a saúde de seus colonizadores. A evolução histórica da gestão de recursos hídricos está diretamente relacionada com a história evolutiva da proteção ambiental. 9 Nessa linha, estudaremos a divisão proposta pelo nobre professor Antônio Herman de Vasconcelos Benjamin, que identifica três fases, indissociáveis e não estanques, da evolução legislativo-ambientalbrasileira: a Fase da Exploração Desregrada, a Fragmentária e a Fase Holística. 1.2. Fase da exploração desregrada Nesta primeira fase, que vigorou do descobrimento do Brasil, em 1500, até o início da segunda metade do século XX, evidenciam-se poucas normas de proteção ambiental que, nas palavras de BENJAMIN (1999): “(...) não visavam, na vocação principal, resguardar o meio ambiente como tal. Seus objetivos eram mais estreitos. Ora almejavam assegurar a sobrevivência de alguns recursos naturais preciosos em acelerado processo de exaurimento (o pau-brasil, p. ex.), ora, em outro plano, colimavam resguardar a saúde, valor fundamental este que ensejou, não só entre nós, algumas das mais antigas manifestações legislativas de tutela indireta da natureza” Na intenção de conservar para explorar, resguardando indiretamente a saúde de seus colonizadores, a coroa portuguesa seguia conivente com uma exploração ambientalmente não sustentável. Um aspecto destacado por ALMEIDA (2002) é que nos poucos artigos das Ordenações Afonsinas (1480) e das Manuelinas (1520), relacionados às questões ambientais, não havia legislação específica de proteção aos recursos hídricos, ressaltando, quanto às Ordenações Manuelinas, as primeiras noções de zoneamento ambiental, ao vedar a caça em determinados locais, bem como a noção de reparação do dano ecológico. As Ordenações Filipinas (1606), por sua vez, previram a primeira ideia de poluição no parágrafo 7º do Título LXXXVIII do Livro V. Com isso, o dispositivo em tela, se não inaugurou uma espécie de gestão dos recursos hídricos do Brasil – Colônia, foi o seu precursor. Sob a égide da Constituição de 1824, que embora não tenha normatizado a proteção de recursos hídricos, vigorou o Código Penal de 1890, o qual dispôs em seu artigo 162, in verbis: 10 “Art.162. Corromper, ou conspurcar, a agua potavel de uso comum ou particular, tornando-a impossível de beber ou nociva a saúde: Pena de prisão celular por um a três anos. [sic]” A primeira Constituição Republicana de 1891 limitou-se a normatizar a competência privativa do Congresso para legislar sobre águas navegáveis. À luz desta Constituição, foi promulgado o Código Civil dos Estados Unidos do Brasil (Lei n. 3.071, de 1º de janeiro de 1916). Nos artigos 563 a 568 desse código, o ordenamento jurídico então vigente se referia à água, basicamente, como bem de valor não econômico e ilimitado, vinculando-o ao direito de propriedade e de vizinhança. É dizer, o usuário poderia utilizar as águas da forma que melhor o aprouvesse, desde que fossem respeitados os direitos de vizinhança (ALMEIDA, 2002). De maneira inovadora, a Constituição de 1934 estatuiu o embrião do que hoje conhecemos como Outorga de Direito de Uso de Recursos Hídricos, ao dispor em seu artigo 119 que o aproveitamento industrial das minas e das jazidas minerais, bem como das águas e da energia hidráulica, ainda que de propriedade privada, dependia de autorização ou concessão federal, na forma da lei, reconhecendo, pois, o valor econômico das águas. Na mesma época foi decretado o Código de Águas, o primeiro modelo de gerenciamento de águas até então existente, rompendo com o paradigma da legislação obsoleta que regulou a proteção jurídica das águas desde o descobrimento, em 1500. Comparativamente, ALMEIDA (2002) destaca que o Código das Águas considera tal recurso hídrico como bem dotado de valor econômico a toda coletividade, enquanto o Código Civil de 1916, além de não reconhecer o valor econômico da água, a sua regulamentação fundava-se no direito de vizinhança. Tanto a Carta Constitucional de 1937 quanto à de 1946 repetiram a preocupação em estabelecer a competência exclusiva da União para legislar, além da exploração econômica das águas vigente no Código das Águas. A Ordem Constitucional de 1946, entretanto, quanto ao tema ora desenvolvido, destacou-se em relação à anterior, por incluir as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países dentre os bens de domínio da União (art. 46), bem como estabeleceu que as autorizações ou concessões 11 seriam conferidas exclusivamente a brasileiros ou a sociedades organizadas no país (art. 153, § 1º). Até esse ponto, verifica-se, ainda, a proteção do direito de preferência no uso das águas ao proprietário do solo sob o manto do direito de vizinhança. Como observa ALMEIDA (2002): [...] não havia qualquer fundamento constitucional que justificasse e legitimasse as intervenções legislativas sobre matérias de cunho estritamente ambiental. Os dispositivos supracitados não tutelavam a proteção do meio ambiente, mas tão somente fixavam a competência da União para legislar a respeito da exploração econômica de alguns bens ambientais de domínio federal. [...] Em que pese as caracterizações pontuais de proteção ambiental e, especificamente, aos recursos hídricos, o pensamento que vigorou até meados do século XX ia de encontro à necessidade de conservar para explorar e conquistar novas fronteiras agrícolas, minerárias e da pecuária. A relação homem-natureza, como ensina o nobre jurista BENJAMIN (1999), “Tinha na omissão legislativa seu traço preponderante, relegando-se eventuais conflitos de cunho ambiental quando muito ao sabor do tratamento pulverizado, assistemático e privatístico dos direitos de vizinhança”. 1.3. Fase fragmentária Fonte: www.diariodonoroeste.com.br 12 Nesta segunda fase de evolução histórica de proteção ao meio ambiente e aos recursos hídricos, juridicamente buscou-se a regulamentação das atividades exploratórias de forma esparsa, reprimindo e tipificando as condutas danosas à natureza. Influenciado pela Conferência das Nações Unidas sobre o meio ambiente, o Brasil passou a legislar setores ecológicos com vista a proteger os recursos naturais, ainda sem a consciência de que esses recursos fazem parte de um sistema uno e complexo. Por exemplo, foi estabelecida a preservação de cursos e mananciais de água (artigo 2º, VII da Lei nº 4.132/62). Foi instituída a Lei da Ação Popular (Lei n. 4.717/65), que permitia ao cidadão acionar o Poder Judiciário em face de atos ou contratos administrativos ilegais ou lesivos ao patrimônio público, inclusive ao meio ambiente. Em 1965 foi promulgado o Código Florestal (Lei n. 4.771/1965). Estabeleceu, em seu artigo 2º, a proteção das florestas e das matas ciliares situadas ao longo dos cursos d'água, nascentes, lagos, lagoas ou reservatórios. Após a promulgação da Constituição de 1967 e, posteriormente, a de 1969, ambas sem alteração significativa ao tratamento dado à água pelas cartas políticas anteriores, dois decretos se destacaram quanto à forma de proteger nossos recursos hídricos. O primeiro, Decreto n. 75.700/75, estabeleceu área de proteção para fontes de água mineral. O segundo, Decreto n. 79.367/77, estabeleceu as normas e o padrão de potabilidade de água. 1.4. Fase holística Antes de discorrermos sobre o presente tópico, cumpre-nos elencarmos o significado da palavra “holística”. Foi criada a partir do termo holos que em grego significa “todo” ou “inteiro”. Nesse sentido, a palavra holística, segundo o dicionário Aurélio, significa um estudo que defende uma análise global e um entendimento geral dos fenômenos. A fase holística aqui tratada rompe com o pensamento de proteção isolada de alguns recursos naturais com vista a sua exploração econômica (Fase Fragmentária) e constrói a noção de um verdadeiro sistema de proteção ecológica. Segundo BENJAMIN (1999), resguarda-se a partir de agora todos os 13 recursos naturais, inclusive os hídricos, a partir do todo: o Meio Ambiente ecologicamente equilibrado. E essa ideia de meio ambiente ecologicamente equilibrado foi insculpida pelo legislador originário no rol dos direitos fundamentais estabelecidos pela Constituição Federal de 1988, em seu art. 225.Não obstante, foi a Lei nº 6.938/81, que criou a Política Nacional do Meio Ambiente, a grande precursora da Fase Holística, onde, nas palavras do professor Antônio Herman V. Benjamin, “o ambiente passa a ser protegido de maneira integral, vale dizer, como sistema ecológico integrado”. Ressaltou, ainda, o citado autor: “Só com a Lei n. 6938/81, portanto, é que verdadeiramente começa a proteção ambiental como tal no Brasil, indo o legislador além da tutela dispersa, que caracterizava o modelo fragmentário até então vigente (assegura-se o todo a partir das partes). ” Portanto foi a partir desse novo sistema integrado de proteção ao meio ambiente que nos deparamos com institutos jurídicos garantidores da concepção holística aqui pesquisada. Citamos, por exemplo, a avaliação de impactos ambientais como um dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente (art. 9º, inciso III), regulamentado pela Resolução nº. 001/1986, do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA. A citada resolução estabeleceu as definições, as responsabilidades, os critérios básicos e as diretrizes gerais para uso e implementação da Avaliação de Impacto Ambiental. Segundo o entendimento do CONAMA, disposto no artigo 1º da resolução, considera-se impacto ambiental qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam a saúde, a segurança, o bem-estar da população, as atividades sociais e econômicas, a biota, as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente e a qualidade dos recursos ambientais. Nesse diapasão, em conformidade com a fase atual de proteção jurídica do meio ambiente, onde se busca a preservação de todos os recursos naturais do país por meio de uma política una e complexa de gestão desses recursos, é que incluímos a atual Política Nacional de Recursos Hídricos. 14 No Brasil, vigora a Política Nacional de Recursos Hídricos, criada pela Lei nº 9.433/97, a qual estabeleceu princípios e regras essenciais de proteção e controle de nossas águas, tanto quantificativa como qualitativamente. Não obstante, vimos que esse é o resultado da evolução histórica por que passou o ordenamento jurídico-ambiental brasileiro desde o Brasil-Colônia, e que se relaciona diretamente à evolução da gestão de nossos recursos hídricos. O embrião do pensamento jurídico-ambiental da gestão de recursos hídricos inaugurou a Fase Desregrada, em que a ordem era conservar para explorar, e não preservar. Aliada a isso, havia a noção de que os recursos hídricos eram infinitos e não dotados de poder econômico, respeitando apenas os limites do direito de propriedade e de vizinhança. A Fase Fragmentária, segundo momento histórico de evolução da gestação de recursos hídricos no Brasil, promoveu a legislação esparsa do meio ambiente, regulando as atividades exploratórias e tipificando condutas danosas à natureza, incluindo o uso da água, como o Código Florestal de 1965 e a Lei da Ação Popular. Por fim, chegamos à Fase Holística de proteção de nossos recursos hídricos, a partir da qual o ordenamento jurídico rompe com uma proteção isolada de alguns recursos naturais e estabelece um sistema de proteção ambiental uno e complexo, aliando-se ao mandamento fundamental do meio ambiente ecologicamente equilibrado, insculpido no art. 225 da CRFB/1988. 15 2 CLASSIFICAÇÃO AMBIENTAL NA JURÍDICA Fonte: i0.wp.com A partir dos conceitos de meio ambiente, é possível identificar áreas distintas que integram e formam a totalidade do que se entende por Meio Ambiente: a natural, a artificial e a cultural. Fiorillo (2003) esclarece que a divisão do meio ambiente em aspectos que o compõem busca facilitar a identificação da atividade degradante e do bem imediatamente agredido. Não se pode perder de vista que o direito ambiental tem como objeto maior tutelar a vida saudável, de modo que a classificação apenas identifica o aspecto do meio ambiente em que valores maiores foram aviltados. Atualmente, utiliza-se uma classificação para Meio Ambiente que identifica uma quarta área de estudo: o Meio Ambiente do Trabalho. Assim sendo, o Meio Ambiente classifica-se, segundo a doutrina jurídica, em: - Meio Ambiente Natural; - Meio Ambiente Artificial; - Meio Ambiente Cultural; - Meio Ambiente do Trabalho. 16 2.1 2.1. Meio Ambiente Natural Fonte: netnature.files.wordpress.com/ O Meio Ambiente Natural, também chamado de Meio Ambiente Físico, é composto pela atmosfera, águas (subterrâneas e superficiais, mar territorial), solo e subsolo, fauna e flora e o patrimônio genético. A tutela do Meio Ambiente Natural se dá pelo artigo 225 da Constituição Federal, em seu parágrafo 1º, incisos I e VII, e parágrafo 4º: Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: I - Preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; VII - proteger a fauna e a flora, vedadas na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoque a extinção de espécies ou submetam animais à crueldade. § 4º A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua 17 utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais. 2.2 2.2. Meio Ambiente Artificial O Meio Ambiente Artificial “é compreendido pelo espaço urbano construído, consistente no conjunto de edificações (chamado de espaço urbano fechado), e pelos equipamentos públicos (espaço urbano aberto) ” (FIORILLO, 2003, p. 21). O Meio Ambiente Artificial é uma área que está diretamente relacionada ao conceito de cidade. A tutela constitucional do Meio Ambiente Artificial está presente no artigo 225 da Constituição Federal, que trata especificamente do Meio Ambiente, mas também nos artigos 21, inciso XX e 182 (que trata da Política Urbana) da carta constitucional, dentre outros: Art. 21. Compete à União: XX - Instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos. Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público Municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei têm por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. 18 2.3 2.3. Meio Ambiente Cultural Fonte: conteudo.imguol.com.br Integra o Meio Ambiente Cultural o patrimônio artístico, paisagístico, arqueológico, histórico e turístico. Vale pontuar que, apesar de serem bens produzidos pelo Homem e, portanto, também serem caracterizados como artificiais, eles diferem dos bens que compõem o Meio Ambiente Artificial em razão do valor diferenciado que possuem para uma sociedade e seu povo. O Meio Ambiente Cultural é tutelado especificamente pelo artigo 216 da Constituição Federal brasileira: Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V -os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. 19 2.4 2.4. Meio Ambiente do Trabalho O Meio Ambiente do Trabalho é constituído pelo ambiente, local, no qual as pessoas desenvolvem as suas atividades laborais, remuneradas ou não remuneradas, “cujo equilíbrio está baseado na salubridade do meio e na ausência de agentes que comprometam a incolumidade físico-psíquica dos trabalhadores, independentemente da condição que ostentem” (FIORILLO, 2003, p. 23). A tutela do Meio Ambiente do Trabalho também está contida na Constituição Federal nos artigos 225 e 200, inciso VIII: Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho. Ressalta-se que a tutela do Meio Ambiente do Trabalho difere da tutela dos direitos trabalhistas. As normas e leis que integram o Direito do Trabalho disciplinam as relações jurídicas entre empregado e empregador, ao passo que, a tutela do Meio Ambiente do Trabalho refere-se à segurança e saúde do trabalhador no ambiente em que ele trabalha (FIORILLO, 2003). 2. CONCEITO CONSTITUCIONAL DE MEIO AMBIENTE Fonte: vignette2.wikia.nocookie.net 20 Texto extraído do autor Carolina Grosso de Souza A Constituição Federal, como lei supremo do Brasil, traça os limites do ordenamento jurídico nacional. Devido a este motivo, que apontaremos na norma constitucional os fundamentos da proteção ao meio ambiente. Nas primeiras discussões constitucionais o debate ambiental surgiu atrelado a outro direito fundamental, o legislador buscava a proteção ao meio ambiente com o fim de proteger a saúde humana. Este é o primeiro fundamento constitucional da proteção ao meio ambiente, a saúde humana, sendo pressuposto a saúde ambiental. Como já mencionado a Constituição Federal de 1988 foi inovadora quanto ao direito ao meio ambiente, as Constituições posteriores não apresentam tal tutela. Referente ao histórico das Constituições brasileiras Édis Milaré (2005, P.183) apresenta a conclusão: Do confronto entre as várias Constituições brasileiras, é possível extrair alguns traços comuns: a) Desde a Constituição de 1934, todas cuidaram da proteção do patrimônio histórico, cultural e paisagístico do pais; b) Houve constante indicação no texto constitucional da função social da propriedade, solução que não tinha em mira – ou era insuficiente para – proteger efetivamente o patrimônio ambiental; c) Jamais se preocupou o legislador constitucional em proteger o meio ambiente de forma específica e global, mas, sim, dele cuidou de maneira diluída e mesmo casual, referindo-se separadamente a alguns de seus elementos integrantes (agua, floresta, minérios, caça, pesca), ou então disciplinando matérias com ele indiretamente relacionadas. Nossa atual Constituição Federal é tida como uma das mais avançadas do mundo, pois traduz em vários dispositivos a tutela ambiental. Contudo, importante lembrar que juntamente com a CF/88, temos outros diplomas originados do Poder Público, que visam a proteção do patrimônio ambiental do Brasil como: Lei 7.735/1989 (cria o IBAMA), Lei 9.974/2000 (Lei de Agrotóxicos), Lei 9.433/1997 (Política Nacional de Recursos Hídricos), Lei 9.795/1999 (Política Nacional de Educação Ambiental), entre outras. 21 Outro fundamento constitucional que visa à proteção ao meio ambiente é a valorização do trabalho humano e da livre iniciativa, ambos os princípios da ordem econômica nacional previstas no art. 170 da CF/88. A relação de defesa do meio ambiente com tais princípios é complexa, mas de suma relevância para a efetividade dos interesses difusos e coletivos. Neste sentido, esclarece Édis Milaré (2005, p. 186): De qualquer modo, cabe ressaltar que, nos termos da Constituição, estão desconformes – e, portanto, não podem prevalecer – as atividades decorrentes da iniciativa privada (da pública também) que violem a proteção do meio ambiente. Ou seja, a propriedade privada, base da ordem econômica constitucional, deixa de cumprir sua função social – elementar para sua garantia constitucional – quando se insurge contra o meio ambiente. Seguindo a ideia do meio ambiente como um direito difuso, apontamos o art. 225 da CF/88, em que define o meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito da coletividade, como sendo de uso comum do povo e essencial para a sadia qualidade de vida. Assim, com base na “sadia qualidade de vida” podemos apontar ainda, outro fundamento constitucional que protege o meio ambiente, o direito à vida. Ainda se referindo ao art. 225 da CF/88, por ser determinado como um direito difuso e da coletividade, possui caráter de direito fundamental, sendo indisponível. Quanto a indisponibilidade explana Mirra (1994, p.13): Ressalta-se que essa indisponibilidade vem acentuada na Constituição Federal pelo fato de mencionar-se que a preservação do meio ambiente deve ser feita no interesse não só dos presentes, como igualmente das futuras gerações. Estabeleceu-se, por via de consequência, um dever não apenas moral, como também jurídico e de natureza constitucional, para as gerações atuais de transmitir esse “patrimônio” ambiental as gerações que nos sucederam e nas melhores condições do ponto de vista do equilíbrio ecológico. Assim, podemos afirmar que os titulares do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado não são apenas os cidadãos do país, representados pelas gerações presentes, mas também, aqueles que poderão existir, representados pelas gerações futuras. 22 Com base nos fundamentos constituições apresentadas, direito a saúde humana, princípio da ordem econômica, direito a vida e indisponibilidade, que o meio ambiente merece proteção constitucional. A Constituição Federal de 1988 inseriu o direito ao meio ambiente no título VIII – Da ordem social, dedicando o Capítulo VI somente ao meio ambiente. Assim, mesmo o direito ao meio ambiente não estando no art. 5º da CF/88, em que especifica os direitos fundamentais, ele é um direito fundamental e possui proteção constitucional. A proteção constitucional do meio ambiente como direito fundamental já está superada pela doutrina e jurisprudência. O meio ambiente não é direito fundamental somente no Brasil, e por isso deveria estar descrito no art. 5º da CF/88. O meio ambiente é um bem mundial, que deve ter uma atenção global. Não devemos preservar o meio ambiente para as gerações futuras brasileiras, mas sim para “todas” as gerações futuras, de todo o planeta Terra. Esta é uma das argumentações que justificam o direito ao meio ambiente como direito fundamento, demonstrando que não é necessário que ele esteja expresso no art. 5º da CF/88, para ser considerado um direito fundamental. 2.1. Competência Ambiental Fonte: www.polpharma.pl 23 A Constituição Federal de 1988 é bem claro quanto às regras de competência legislativa, embora seja apresentado um sistema complexo. As regras de competência ambiental são classificadas em: competência material exclusiva, competência legislativa exclusiva, competência material comum e competência legislativa concorrente. Lembrando que a classificação de competência ambiental segue as regras da competência em geral entre os poderes. A competência legislativa exclusiva ambiental diz respeito a competência privativa da União, taxada no art. 22 da CF/88: Art. 22 – Compete privativamente à União legislar sobre: I – Direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho; II – Desapropriação; III – requisições civis e militares, em caso de iminente perigo e em tempo de guerra; IV – águas, energia, informática, telecomunicações E radiodifusão; V – serviçopostal; VI – Sistema monetário e de medidas, títulos e garantias dos metais; VII – política de crédito, câmbio, seguros e transferência de valores; VIII – comércio exterior e interestadual; IX – Diretrizes da política nacional de transportes; X – Regime dos portos, navegação lacustre, fluvial, marítima, aérea e aeroespacial; XI – trânsito e transporte; XII – jazidas, minas, outros recursos minerais e metalurgia; XIII – nacionalidade, cidadania e naturalização; XIV – populações indígenas; XV – emigração e imigração, entrada, extradição e expulsão de estrangeiros; XVI – organização do sistema nacional de emprego e condições para o exercício de profissões; XVII – organização judiciária, do Ministério Público e da Defensoria Pública do 24 Distrito Federal e dos Territórios, bem como organização administrativa destes; XVIII – sistema estatístico, sistema cartográfico e de geologia nacionais; XIX – sistemas de poupança, captação e garantia da poupança popular; XX – Sistemas de consórcios e sorteios; XXI – normas gerais de organização, efetivos, material bélico, garantias, convocação e mobilização das polícias militares e corpos de bombeiros militares; XXII – competência da polícia federal e das polícias rodoviária e ferroviária federais; XXIII – seguridade social; XXIV – diretrizes e bases da educação nacional; XXV – registros públicos; XXVI – atividades nucleares de qualquer natureza; XXVII – normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1º, III; XXVIII – defesa territorial, defesa aeroespacial, defesa marítima, defesa civil e mobilização nacional; XXIX – propaganda comercial. Assim, as matérias arroladas neste artigo são privativas da competência da União, devido a sua importância geral, ou seja, são questões se suma importância para a nação, que só podem ser tratadas pelas autoridades máximas do país. Neste sentido aponta Raul Machado Horta (1995, p.415): “competência de legislação privativa é, por sua natureza, monopolística e concentrada no titular dessa competência. ” Referente ao campo ambiental a competência material comum aos entes governamentais: União, Estados, Distrito Federal e Municípios, está disposta no art. 23 da CF/88, incisos III, IV, VI, VII e XI. Art. 23 – É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: I – Zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público; 25 II – Cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência; III – proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos; IV – Impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural; V – Proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência; VI – Proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; VII – preservar as florestas, a fauna e a flora; VIII – fomentar a produção agropecuária e organizar o abastecimento alimentar; IX – Promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico; X – Combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos; XI – registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios; XII – estabelecer e implantar política de educação para a segurança do trânsito. Parágrafo único – Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional. Este artigo não traz somente a competência comum de defesa ao meio ambiente, mas sim um “poder-dever”, devido obrigação de proteção ambiental imposta pela Constituição Federal. Assim, o art. 23 da CF/88 atribui uma cooperação administrativa entre os entes federados, para atuarem na sociedade de forma recíproca, buscando o bem comum. Com base neste dispositivo, alguns doutrinadores intitulam a competência comum, em administrativa ou fiscalizatória. 26 A competência legislativa concorrente do meio ambiente, ou seja, a possibilidade de os entes governamentais legislar sobre matéria ambiental, é disciplinada pelo art. 24 da CF/88, que dispõe sobre a competência específica: Art. 24 – Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: I – Direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico; II – orçamento; III – juntas comerciais; IV – custas dos serviços forenses; V – produção e consumo; VI – florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição; VII – proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico; VIII – responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; IX – educação, cultura, ensino e desporto; X – criação, funcionamento e processo do juizado de pequenas causas; XI – procedimentos em matéria processual; XII – previdência social, proteção e defesa da saúde; XIII – assistência jurídica e defensoria pública; XIV – proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência; XV – proteção à infância e à juventude; XVI – organização, garantias, direitos e deveres das polícias civis. Sobre a competência concorrente afirma Sirvinskas (2006, p.92): A competência concorrente permite que dois ou mais entes da federação possam legislar sobre a mesma matéria. Essa competência pode ser dividida em competência concorrente cumulativa e não-cumulativa. A primeira é aquela que permite a União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar sobre matérias a eles atribuídas sem limites prévios, enquanto a não-cumulativa não permite aos entes federativos legislar plenamente, devendo respeitar a competência vertical dos entes de hierarquia superior. Nossa Constituição Federal adotou a competência concorrente não-cumulativa no sentido de atribuir a União responsabilidade de 27 legislar sobre normas de caráter geral, e aos Estados e Distrito Federal, sobre normas específicas. 3. OBJETO DA TUTELA AMBIENTAL Fonte: www.bayerjovens.com.br O objeto de tutela jurídica, assevera José Afonso da Silva, não é tanto o meio ambiente considerado nos seus elementos constitutivos. O que o Direito visa a proteger é a qualidade do meio ambiente em função da qualidade de vida. Pode-se dizer, ensina o autor, que há dois objetos de tutela, no caso: um imediato, que é a qualidade do meio ambiente; e outro mediato, que é a saúde, o bem-estar e a segurança da população, que se vem sintetizando na expressão “qualidade de vida” (SOUSA, 2014). É certo que a legislação protetora toma como objeto de proteção não tanto o ambiente globalmente considerado, mas dimensões setoriais, ou seja: propõe- se a tutela da qualidade dos elementos setoriais constitutivos do meio ambiente, como a qualidade do solo, do patrimônio florestal, da fauna, do ar atmosférico, da água, do sossego auditivo e da paisagem visual (SOUSA, 2014). É verdade que a Constituição tenta organizar a proteção ambiental segundo uma visão mais global do objeto de tutela, conforme se vê dos §§ 1º e 4º deseu art. 225, que se voltam para a proteção imediata de processos e conjuntos constitutivos do meio ambiente e da realidade ecológica, como forma 28 de assegurar a efetividade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. 3.1. A inserção da tutela ambiental no mundo jurídico Fonte: ricosurf.com.br Texto extraído da autora Suzana Carolina Dutra A todo instante, estamos nos deparando com inúmeros e variados problemas ambientais, seja por meio da nossa realidade empírica, seja através das fontes de informação que noticiam diuturnamente as agressões ao meio ambiente. De forma progressiva, o patrimônio natural da humanidade vem sendo dilapidado e os seus recursos explorados de forma indiscriminada. Além disso, problemas como o desmatamento, a queima de combustíveis fósseis, o uso intensivo de agrotóxicos e fertilizantes no solo, dentre outros fatores, têm representado alterações diversas das características do meio ambiente, degradando-o. A degradação da qualidade ambiental gera consequências que afetam não apenas a biota, mas também a saúde, a segurança e o bem-estar da 29 população, por vezes de forma irreversível, geralmente para atender aos interesses de uma minoria privilegiada que se apropria dos recursos naturais, apenas socializando com o restante da população as externalidades ambientais. Segundo Milaré (2004), o homem, para a satisfação de suas novas e múltiplas necessidades, as quais são ilimitadas, disputa os bens da natureza, naturalmente limitados. Afirma esse autor que o processo de desenvolvimento dos países se realiza, basicamente, à custa dos recursos naturais vitais, provocando a deterioração das condições ambientais em ritmo e escala até ontem ainda desconhecidos. A paisagem natural da terra está cada vez mais ameaçada pelas usinas nucleares, pelo lixo atômico, pelos dejetos orgânicos, pela chuva ácida, pelas indústrias e pelo lixo químico. Por conta disso, em todo o mundo – e o Brasil não é nenhuma exceção -, o lençol freático se contamina, a água escasseia, a área florestal diminui, o clima sofre profundas alterações, o ar se torna irrespirável, o patrimônio genético se degrada, abreviando os anos que o homem tem para viver sobre o planeta. (MILARÉ, 2004, p. 48, grifo do autor). Da transcrição retro, observa-se que o desequilíbrio ecológico é uma realidade concreta, que a degradação ambiental se acentua progressivamente, e que a inserção de modelos econômicos insustentáveis está destruindo as condições essenciais à existência humana na Terra. Esse cenário, configurado pela exigência de restabelecimento do equilíbrio ambiental, torna patente a necessidade de se criar meios para frear as condutas que degradam o meio ambiente. A sociedade se vê, então, obrigada a pressionar o Estado para que sejam desenvolvidos mecanismos de preservação do equilíbrio do meio ambiente. Um desses mecanismos diz respeito à elaboração de normas protetivas ambientais de direito interno e internacional, fazendo ex surgir uma realidade inversa à anterior, pois, como lembra Reale (1987, p.297), se antes recorríamos à natureza para dar uma base estável ao Direito – e no fundo esta é a razão do direito natural – assistimos hoje a uma trágica inversão, sendo o homem obrigado a recorrer ao Direito para salvar a natureza que morre. Essa trágica inversão da realidade é o resultado de um fenômeno social que os cientistas vêm caracterizando como uma crise ambiental. A percepção 30 de tal crise desencadeou, já na década de 1960, um processo de conscientização de alguns segmentos sociais que acabou tomando dimensões internacionais, conduzindo as nações a uma discussão, nos grandes foros internacionais, da problemática ambiental. Como consequência, tem-se a elaboração de importantes conferências, convenções e tratados sobre a necessidade de proteção ambiental. Na década de 1970, realiza-se em Estocolmo, capital da Suécia, a primeira conferência em nível internacional, visando à sistematização de mecanismos de proteção ambiental. Esse evento, promovido pela Organização das Nações Unidas – ONU, contou com a participação de 113 países e foi denominado de Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano. Desse evento resultou um Plano de Ação para o Meio Ambiente, com 109 recomendações centradas em três grandes tipos de políticas, relativas à avaliação, gestão do meio ambiente mundial e medidas de apoio, como informação, educação e formação de especialistas. Também foi instituído o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. A Conferência de Estocolmo foi resultado da percepção das nações ricas e industrializadas sobre a degradação ambiental causada pelo seu modelo de crescimento econômico, o qual desencadeia a progressiva escassez de recursos naturais. Em verdade, tal conferência decorreu da necessidade de se discutir temas ambientais que poderiam causar conflitos internacionais, pois as nações economicamente mais desenvolvidas – consideradas como ricas pelo autor citado – acreditavam que o crescimento econômico de base industrial e o crescimento demográfico dos países em desenvolvimento eram os grandes responsáveis pela poluição e degradação dos recursos naturais não renováveis. Portanto, tais países tinham como meta barrar a pretensão de industrialização dos países em via de desenvolvimento e não desenvolvidos, acreditando que poderiam permutar tecnologias com commodities primárias para os países de capitalismo periféricos. Essa intenção não se mostrou compatível com os interesses dos países em via de desenvolvimento, os quais reivindicavam o evolver da industrialização, ainda que isso implicasse em poluição. 31 Por conseguinte, os esforços dos países industrializados, responsáveis, eles sim, pela anunciada crise ambiental, eram contrapostos aos interesses dos países em via de desenvolvimento, interessados em modificar iniquidades. Essa divergência de interesses, ganhando dimensão política, conduziu a discussões acerca da necessidade de se promover desenvolvimento econômico harmonizado com exigência de sustentabilidade socioambiental. Os debates políticos remeteram a um consenso quanto à premência de se instaurar uma Nova Ordem Econômica Internacional, capaz de conjugar a ideia de progresso com a de conservação ambiental e equidade social. Vinte anos após a Conferência de Estocolmo, foi realizada a Conferência das Nações de Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), em 1992, na cidade do Rio de Janeiro. Esse evento, que ficou mais conhecido como ECO/92, foi a segunda manifestação solene da ONU em prol do meio ambiente, resultando na elaboração da Declaração sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento e no estabelecimento da Agenda 21. A Declaração sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento é um documento em que ficou consignada a necessidade de proteção ambiental centrada no ser humano, e neste reafirmava-se a expressão desenvolvimento sustentável, enquanto a Agenda 21 consiste em guia de implantação de ações para proteção ambiental no século XXI. Essas ações devem ser implementadas pelos Governos, Agências de Desenvolvimento e Grupos Setoriais, independente da área onde a atividade humana afete o Meio Ambiente, devendo a Agenda 21 ser entendida como proposta de estratégia destinada a subsidiar um planejamento estratégico, adaptado no tempo e no espaço às peculiaridades de cada país e ao sentimento de sua população, com plena observância de todos os princípios contidos na Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. De acordo com Almeida e Apolinário (2009, p.30), foi na CNUMAD que pela primeira vez o atual modelo de desenvolvimento econômico foi criticado, sendo considerado injusto socialmente e perdulário do ponto de vista ambiental. Nesse evento também foi proposto o caminho para uma nova sociedade, justa e ecologicamente responsável,produtora do desenvolvimento sustentável. Observa-se que a Conferência de Estocolmo e a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO/92) foram os marcos 32 mais importantes para a tutela do direito ambiental internacional. Com relação à Conferência de Estocolmo, afirma Soares (2001, p.70) que desde a realização da Conferência das Nações Unidas em Estocolmo, 1972, emergiu e fortaleceu- se por toda comunidade internacional uma enraizada consciência de que as questões relativas à proteção da ecologia diziam respeito não só aos elementos componentes do meio, tomados isoladamente ou em conjunto, mas com particular ênfase na atuação e finalidade de proteção ao próprio homem. Em relação à ECO/92, foi consagrada a ideia, nascida em Estocolmo, de desenvolvimento sustentável e integrado. Segundo as deliberações da ECO/92, somente essa forma de desenvolvimento amenizaria as desigualdades sociais, um dos fatores que contribuem para a degradação do meio ambiente. Assegurar possibilidades para uma melhor condição de vida para aos seres humanos é, portanto, uma das formas de fazê-los desfrutar um meio ambiente saudável, somente possível com o equilibro ecológico entre fatores bióticos e abióticos existentes nos planetas, haja vista ser ele um grande ecossistema. Vale ressaltar ainda que outras contribuições surgiram, posteriormente, tentando articular a necessidade de desenvolvimento com a de conservação ambiental, sobretudo no campo jurídico. 3.2. A inserção da tutela ambiental no ordenamento jurídico brasileiro Fonte: www.iorise.com 33 No Brasil, foi somente a partir de 1970 que se deram os primeiros passos efetivos na história da proteção jurídica ao meio ambiente, década em que surgiram os primeiros diplomas legais tutelando a qualidade ambiental. A necessidade de combate à poluição nas áreas industrializadas, principalmente em Cubatão, polo industrial em que a população foi vitimada pela degradação ambiental, sobretudo da qualidade do ar, em virtude da grande quantidade de fumaça liberada pelas chaminés das indústrias ali instaladas, além, das alterações adversas às características do meio ambiente, em face do nível crítico de degradação ambiental, conduziram a sociedade a lutar pelo seu bem-estar e segurança social. Em 1980, com objetivo de proteção ambiental, foi editada, em âmbito federal, a Lei nº 6.803/80, dispondo sobre diretrizes básicas para o Zoneamento Industrial nas áreas críticas de poluição. No ano de 1988, objetivando a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida e visando a assegurar, no país, condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana, foi editada a Lei nº 6.938/81, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA). Esse último diploma legal mereceu especial atenção, pois se preocupou em trazer os conceitos de meio ambiente, poluição e degradação do meio ambiente, além de estabelecer diretrizes destinadas a orientar a ação dos Governos da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios quanto à preservação da qualidade ambiental e manutenção do equilíbrio ecológico. Por meio dessa Lei, foi instituído também o Sistema Nacional do Meio Ambiente/ SISNAMA e o Cadastro Técnico Federal de Atividades e Instrumentos de Defesa Ambiental. O SISNAMA tem como finalidade estabelecer uma rede de agências governamentais nos diversos níveis da Federação que pudessem assegurar os mecanismos capazes de implantar eficientemente a PNMA. Com a instituição da PNMA, a legislação brasileira deu um passo à frente em termos de proteção ambiental. Entretanto, na realidade empírica, não representou um avanço, na medida em que contraria os interesses desenvolvimentistas do capitalismo, motivo por que não se verificou a sua 34 concreta implementação, o que só veio a acontecer posteriormente, com a Constituição Federal de 1988. Apesar da PNMA, até 1988 observa-se que a defesa ambiental foi objeto de leis setoriais, conquanto não havia um tratamento unitário à tutela ambiental, não obstante a necessidade de se tratar tal problemática segundo uma visão que inter-relacionasse todos os setores associados ao meio ambiente. Nesse diapasão, afirma Soares (2001, p. 39): Faltavam, até então, normas constitucionais que fundamentassem uma visão global da questão ambiental, que propende para a proteção do patrimônio ambiental globalmente considerado em todas as suas manifestações, em face da atuação conjunta dos fatores desagregantes de todos os objetos de tutela (água, ar, solo e sossego). As Constituições brasileiras anteriores a 1988 nada trouxeram, especificamente, sobre a proteção do meio ambiente natural, nelas encontrando- se apenas uma orientação quanto à competência da União para legislar sobre água, florestas, caça e pesca, possibilitando, assim, a criação de leis e códigos de proteção a esses elementos, tais como o Código Florestal e os Códigos de Água e de Pesca. A Constituição de 1988, em um ato de pioneirismo, deu um tratamento constitucional à problemática ambiental ao destinar um capítulo inteiro à questão, firmando o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e impondo ao poder público e à coletividade o dever de defender e preservar a natureza para presentes e futuras gerações, consagrando assim o chamado princípio intergeracional. Por força do texto constitucional, o direito ao meio ambiente hígido passou a ser considerado direito fundamental de terceira geração, ou seja, direito de titularidade coletiva e difusa. A esse tipo de direito, associa-se um poder que se atribui não ao indivíduo, identificado em sua singularidade, mas, em um sentido verdadeiramente mais abrangente, à coletividade, considerando que é elemento essencial à manutenção das condições de existência humana. Silva (2007) explicita que no qualificativo fundamental (grifo do autor) encontra-se a indicação de que se trata de situações jurídicas sem as quais o ser humano não é capaz de se realizar, de conviver e, por vezes, nem mesmo 35 sobreviver. Ainda de acordo com o referido autor, direito fundamental é aquele que a todos, por igual, deve ser reconhecido, não apenas no plano formal, mas concreta e materialmente efetivado. Nessa condição se encontra o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, diante da sua essencialidade à manutenção da vida no planeta. Nessa mesma linha de raciocínio apresenta-se Medeiros (2004), quando afirma que ao incluir o meio ambiente como bem jurídico passível de tutela, o constituinte delimitou a existência de uma nova dimensão do direito fundamental à vida e do próprio princípio da dignidade da pessoa humana, haja vista ser o meio ambiente o espaço em que se desenvolve a vida em todas as suas formas, sobretudo a humana. Analisando a evolução da tutela ambiental na história do constitucionalismo brasileiro, observa-se que o tratamento dispensado à matéria após 1988 representou um processo evolutivo, porquanto se antes tínhamos constituições que não disciplinavam a matéria ambiental, agora temos uma Carta Magna que, além de reconhecer as necessidades de proteção do meio ambiente, busca compatibilizar crescimento econômico com a exigência de desenvolvimento sustentável. Não obstante os avanços constitucionais, a realidade empírica tem mostrado que há um descaso por parte do poder público com relação ao dever de tutela ambiental, situação justificada, principalmente, em face da prevalência dos interesses econômicos sobre os interesses difusos em uma sociedade capitalista. 36 3.3. O descompasso entre a realidade e legislação de proteção ao meio ambiente Fonte: animais.culturamix.com O crescimento de projetos e práticas relacionadas à proteção do meioambiente pressupõe um despertar, na sociedade, de uma consciência quanto à necessidade de conjugar desenvolvimento econômico com sustentabilidade ambiental. A percepção dos efeitos decorrentes das alterações adversas às características do meio natural associa-se a essa tomada de consciência social, responsável pela fragilização da concepção antropocêntrica e da ideia de que por meio da ciência e da tecnologia o ser humano sempre encontra uma solução para os problemas causados ao meio ambiente. Na perspectiva antropocêntrica, o ser humano é o centro de toda a atividade realizada no orbe, não sendo o planeta compreendido em sua totalidade e, por isso, dissociado do entendimento de que esse todo constitui-se pelas partes, formando um imenso ecossistema, Portanto, não se situando o ser humano como parte integrante dessa cadeia ecológica, não poderia estabelecer uma relação harmônica com o meio ambiente, percebendo a natureza apenas com um mero fator de produção material, ou seja, algo de interesse meramente econômico e mercadológico. Como consequência, os modelos de desenvolvimento econômico têm sido responsáveis por relações de produção de caráter predatório quando se trata do 37 uso dos recursos naturais, indiscriminadamente explorando-os, despreocupados da necessidade de garantia do direito fundamental à qualidade ambiental. Esse modelo civilizatório, de base antropocêntrica, tem, portanto, associado a si, um modelo material de produção que não respeita os limites dos recursos naturais, explorando-os até a exaustão, o que levará, como alerta o sistema econômico mundial ao colapso por absoluta escassez de fontes energéticas e alimentares. As perspectivas de um colapso das condições de manutenção da vida no orbe têm conduzido a sociedade a pressionar o Estado para assegurar a conservação do meio ambiente, dando azo à criação de um mecanismo jurídico que limite as ações sobre o meio ambiente. O Brasil atualmente dispõe de uma vasta legislação de proteção ao meio ambiente, influenciando, de forma positiva, o ordenamento jurídico nacional, haja vista ser o direito um sistema normativo e não um mero conjunto de normas. Entretanto, não obstante a existência de uma forte legislação ambiental, a realidade empírica vem demonstrando um descompasso entre o escopo do ordenamento jurídico ambiental e as ações econômicas sobre o meio ambiente: A produção capitalista é por sua própria natureza anti-ambiental, inclusive com a progressiva degradação ou exaustão dos recursos naturais. Sem esquecer que em alguns setores não há ainda alternativa para proceder de forma ambientalmente correta, como é o caso dos derivados de energia fóssil (petróleo e carvão). A racionalidade do sistema a curto e a longo prazo implica no domínio e destruição dos recursos naturais, desvelando o viés da insustentabilidade, uma vez que toda a natureza passa a ser compreendida como bens naturais com fins de apropriação privada. Não se pode negar que, além do interesse capitalista na desregulamentação das normas de proteção do meio ambiente, a estrutura burocrática estatal não se encontra devidamente preparada para garantir a efetivação das leis ambientais. Conforme Duarte (2003), constatam-se problemas de carência de informações e de planejamento, restrições de natureza política e orçamentária, falta de integração entre as políticas públicas, deficiências regulatórias e conflitos institucionais. O entendimento de que a preservação do meio ambiente impede o desenvolvimento econômico responde pela falta de recursos financeiros para 38 uma adequada implementação das políticas ambientais pelos órgãos burocráticos, gerando, com essa insuficiência orçamentária, problemas que vão desde a falta de verbas para contratação de pessoal, em regra despreparados e em números escassos, até a incapacidade de custeio de ações fiscalizatórias ostensivas e impedimento de definição de metas, principalmente a longo prazo. Além disso, as políticas públicas, em sua maioria, estão sendo vistas pelos administradores como políticas de governo, o que gera a descontinuidade das ações governamentais, sendo bastante comum no sistema político brasileiro a paralisação de planos, programas e projetos elaborados pela gestão anterior, principalmente quando o sucessor possui diferente vinculação político-partidária. Essa prática gera graves prejuízos ao meio ambiente e, por conseguinte, à população. Assim, se por um lado houve um aperfeiçoamento da ordem jurídica, observa-se que em face da inércia estatal diante do dever constitucional de conservação do meio ambiente há, ainda, uma forte prevalência dos interesses mercadológicos, incompatíveis com as leis da natureza. Portanto, todo o aparato normativo existente não vem sendo, por si só, capaz de permitir a efetiva proteção ambiental, dependente de ações executivas e políticas dos organismos estatais. Dessa forma, a consagração, em nossa Lei Maior, do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado não tem sido suficiente para que tal direito seja efetivamente assegurado, não basta apenas legislar, mas torna-se essencial que o Estado se lance ao trabalho de concretizar as regras postas. Diante desse descompasso entre a produção legislativa e realidade vivenciada, a sociedade hodierna passa, agora, a enfrentar o desafio de pressionar os governantes a assumirem uma postura ativa no tocante ao dever de proteção ambiental. 39 3.4. A posição da sociedade frente à negligência estatal Fonte: imgs.mongabay.com A nossa Constituição Federal dá uma atenção especial ao direito ambiental, que também passa a ser objeto do dever de proteção e defesa por parte do Estado e da coletividade, uma vez que, nos moldes do artigo 225, impõe-se ao Poder Público o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. A tutela da qualidade ambiental deve ser exercida pelo Poder Público, nas três esferas de poder, cabendo-lhe o desenvolvimento de ações capazes de assegurar, conforme termos da CF de 1988: 1) a preservação e restauração dos processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; 2) a diversidade e a integridade do patrimônio genético do país e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético; 3) definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos; 4) exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental; 5) controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; 6) 40 promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente; 7) e proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. Assegura ainda a nossa Lei Maior que as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados e a obrigação de recuperar o meio ambiente degradado daquele que explorar recursos minerais, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei. Em que pese essa proteção constitucional do meio ambiente, a exigência de uma elogiável legislação ambiental e o fato do Brasil ser signatário de inúmeras convenções internacionais sobre o meio ambiente, contraditoriamente o Estado não tem se mostrado capaz de resolver a problemática do meio ambiente. Diante da essencialidadeda proteção ambiental, configura-se imprescindível que a sociedade se organize com o objetivo de exigir que o Poder Público torne eficazes as normas ambientais, assegurando higidez ao meio ambiente. Problemas como carência de informações e de planejamento, restrições de natureza política e orçamentária, falta de integração entre as políticas públicas, deficiências regulatórias e conflitos institucionais, citados por Carneiro (2001), precisam ser resolvidos, não podendo a população ficar passiva diante da inércia estatal ao dever de assegurar o direito fundamental à qualidade ambiental. Isso porque, como explica o referido autor, a carência de informações e planejamento não contribui para que se compreendam os efeitos que as diversas atividades produtivas, em especial as capitalistas, acarretam aos processos ecológicos fundamentais, bem como os custos sociais e econômicos decorrentes dessa produção. A ausência, limitação e desatualização ou imprecisão dos dados relativos às variáveis ambientais inviabiliza o planejamento das ações do poder público. Essa realidade estatal malfere a 41 legislação ambiental, impossibilitando a superação dos efeitos negativos da atividade produtiva e uma conciliação dos interesses socioambientais com a necessidade de desenvolvimento, que precisa ser sustentável. Isso exige a formalização, implantação e avaliação de políticas públicas. Entretanto, o movimento empírico, no Brasil, tem demonstrado que as políticas públicas são vistas pelos governantes como meras políticas de governo, gerando descontinuidade das ações formuladas e já implementadas pelos governos antecessores. A paralisação de planos, programas e projetos elaborados pela gestão anterior, que ocorre, principalmente quando o sucessor possui diferente vinculação político- partidária, gera graves prejuízos para o meio ambiente e, por conseguinte, para a qualidade de vida da população. Pelo exposto, constata-se que todo o aparato normativo existente não vem sendo capaz de permitir o efetivo zelo pelo ambiente, uma vez que tal direito depende da ação concreta dos organismos estatais. A mera edição de leis não é suficiente para a efetiva solução da problemática ambiental, sendo necessária a mudança da postura da população e dos órgãos competentes, de modo a dar concretude ao disposto no caput do artigo 225 da CF/88. Para que isso ocorra, o ordenamento jurídico deve assegurar a adoção de medidas preventivas e um processo educacional que possibilite, além de hábitos em favor da proteção ao meio ambiente, uma consciência crítica sobre as reais causas da crise ambiental. Imprescindível se faz a aplicação concreta e efetiva dos instrumentos de gestão ambiental, como a contabilidade, auditoria, licenciamento, além da aplicação de medidas coercitivas em caráter retórico e não punitivo, ou seja, de modo a convencer o possível infrator a não cometer determinada infração, pois seu cometimento acarretará mais prejuízo que possíveis lucros, levando as empresas poluidoras à compreensão de que é preciso toda cautela antes de agir sobre o meio ambiente. 42 4. O MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO COMO DIREITO FUNDAMENTAL Fonte: img.over-blog-kiwi.com Texto extraído do autor Sérgio Quezado Gurgel E Silva Deve-se iniciar o assunto seguinte com a apreciação de julgado de nosso Supremo Tribunal Federal no sentido de declarar a qualidade e importância do meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental, in verbis. “Agravo regimental no recurso extraordinário. Constitucional. Ação civil pública. Defesa do meio ambiente. Implementação de políticas públicas. Possibilidade. Violação do princípio da separação dos poderes. Não ocorrência. Precedentes. 1. Esta Corte já firmou a orientação de que é dever do Poder Público e da sociedade a defesa de um meio ambiente ecologicamente equilibrado para a presente e as futuras gerações, sendo esse um direito transindividual garantido pela Constituição Federal, a qual comete ao Ministério Público a sua proteção. 2. O Poder Judiciário, em situações excepcionais, pode determinar que a Administração pública adote medidas assecuratórias de direitos constitucionalmente reconhecidos como essenciais sem que isso 43 configure violação do princípio da separação de poderes. 3. Agravo regimental não provido”. Entende-se que o direito ao meio ambiente é direito fundamental de terceira dimensão – ou geração –, sendo estes garantidores da fraternidade e da solidariedade entre os sujeitos. Expressamente, o Ministro do STF, Celso de Mello já assim qualificara este direito, quando do julgamento do MS 22.164 em 30.20.1995. Muito embora nossa Carta Magna contemple aos dispositivos constantes ao Título II de sua redação a alcunha de “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, a doutrina e jurisprudência já é pacífica no sentido de que o rol não é exaustivo, e que outras disposições em artigos esparsos são contempladas com a mesma fundamentabilidade. Ademais, saliente-se que o próprio art. 225 concebe seus direitos como essenciais, e que o art. 5º, LXXIII prevê a utilização de ação popular para a defesa do meio ambiente, que não poderia ser outra cousa senão algo fundamental, sob esta ótica. José Afonso da Silva acerta com precisão ao lecionar que “o que é importante é que se tenha a consciência de que o direito à vida, como matriz de todos os demais direitos fundamentais do Homem, é que há de orientar todas as formas de atuação no campo da tutela do meio ambiente. Cumpre compreender que ele é um fator preponderante, que há de estar acima de quaisquer outras considerações como as de desenvolvimento, como as de respeito ao direito de propriedade, como as da iniciativa privada. Também estes são garantidos no texto constitucional, mas, a toda evidência, não podem primar sobre o direito fundamental à vida, que está em jogo quando se discute a tutela da qualidade do meio ambiente. É que a tutela da qualidade do meio ambiente é instrumental no sentido de que, através dela, o que se protege é um valor maior: a qualidade da vida”. 44 4.1. O Direito Ambiental Comparado Fonte: www.cidadederibeiraopreto.com.br Consigne-se, entrementes, que para uma melhor apreciação dos paradigmas brasileiros de proteção ambiental, interessante tomar parâmetros de caráter internacional a fim de se atentar se a guarida constitucional do tema é satisfatória ou carece de explanações sobre pontos que são tratados em outras Leis Maiores. Com efeito, é a Carta Magna Portuguesa de 2005 para definir, em seu art. 66, item 1, que “todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender”, demonstrando basicamente os mesmos fundamentos basilares de nossa Carta Magna, bem como abraçando, com afinco, o princípio da participação. Em seu item seguinte, ainda no mesmo artigo 66, estabelece os encargos do Estado para a mantença do meio ambiente, donde podemos vislumbrar princípios conhecidos, como o da precaução e prevenção, da educação ambiental, do desenvolvimento sustentável, et cetera. A Constituição Federal Espanhola, por sua vez, ao art. 45, I, expõe que “todos tienen el derecho a disfrutar de un médio ambiente adecuado para el desarrollo de la persona, así como el deber de conservarlo”, seguindo o mesmo 45 padrão português já comentado, em seus itens seguintes, estabelece os princípios da prevenção e precaução, do desenvolvimento sustentável, do poluidor-pagador e da educação ambiental Em pesquisa junto às Leis Maiores da Itália, Alemanha e Estados Unidos da América, não fora possível encontrar dispositivos que tratassem da matéria ambiental. Pela análise do exposto, observa-se que o direito positivado e princípio lógico de cunho ambiental em nossa Constituição/88 é ainda mais abrangente e aprofundado que
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