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0 ANTROPOLOGIA CULTURAL 1 CLÁUDIA MARIA DA SILVA SANTOS ÁGUA BRANCA-PI 2017 Fonte: http://cultura.culturamix.com/historia/cultura-antropologia 2 Diretor Geral Eloan Coimbra Lima Diretora Acadêmica Eloane Coimbra Lima Secretária Acadêmica Ginoã das Graças Coimbra Lima Coordenação do Curso Cleidinalva Maria Barbosa Oliveira Coordenação do Nead Tiago Soares da Silva SANTOS, Cláudia Maria da Silva. Antropologia Cultural. 1ª ed. Água Branca; ISEPRO – Cursos de Graduação. 99p. Bibliografia 1. Pedagogia 2. Educação 3. Título. Ficha Catalográfica Todos os direitos em relação ao design deste material são reservados à ISEPRO. Todos os direitos quanto ao conteúdo deste material são reservados ao autor. Todos os direitos de Copyright deste material didático são à ISEPRO. 3 09 09 11 12 15 17 20 20 22 25 26 30 31 33 36 36 38 40 41 43 47 48 51 53 56 58 60 60 4 62 63 66 68 71 73 73 75 75 78 80 85 85 87 87 87 88 89 91 91 93 94 97 97 98 5 A concretização de um curso superior em Pedagogia na modalidade à distância tem como meta o atendimento às necessidades de toda comunidade quanto ao acesso e atendimento ao um ensino superior de qualidade. Desse modo, propõe-se a importância para o curso de Pedagogia numa perspectiva histórico- cultural, tendo como eixo articulador a interdisciplinaridade e a busca da construção de um currículo integrador. As disciplinas pedagógicas que formulam o currículo foram moldadas para uma sociedade cujo princípio da qualidade torna-se prioridade a partir da relação teoria-prática de um trabalho docente de qualidade que procure satisfazer as necessidades de aprendizagem, enriquecendo as experiências do educando no processo educativo. É dentro desta ideia que o curso de Pedagogia do ISEPRO na modalidade à distância constitui-se de uma base comum formada pelos conhecimentos de ciências humanas aliadas a tecnologia, de uma parte diversificada com uma ampliação dos fundamentos na leitura do fazer pedagógico dentro da escola e da sociedade e uma parte complementar com o objetivo de trabalhar os problemas educativos da realidade educacional em vista a qualificação do professor com novas formas de intervenções como aplicações de ferramentas metodológicas. O ISEPRO tem como recurso didático-educacional o uso de materiais como apostilas/livros, plataformas virtuais, internet, vídeos e principalmente um excelente sistema de acompanhamento à distância através de tutores e monitores. É válido salutar que este curso otimiza sempre seus resultados pelas experiências existentes e atendem a ampla procura de profissionais da área educacional. Os profissionais da área da educação serão orientados a sempre desenvolver a capacidade de intervenção científica e técnica assegurando a reflexão critica permanente sobre sua prática e realidade educacional historicamente contextualizada. O que espera deste docente é sua capacidade de (re) construir seu projeto pessoal e profissional a partir da compreensão da realidade histórica e profissional diante das políticas que direcionam as práticas educativas na sociedade. 6 A experiência de trabalhar a disciplina de Antropologia Cultural é realmente intrigante, portanto é imprescindível que obtenhamos conhecimentos específicos para desenvolver nossas atividades, mas sem ficarmos restritos a estes conhecimentos. Diante disso, a disciplina de Antropologia Cultural visa possibilitar a construção de um estudo antropológico básico, fundamentado em uma aproximação das abordagens teóricas e metodológicas de pesquisa que ofereça ao acadêmico autonomia na análise de questões ligadas a cultura, identidade e alteridade, além de permitir uma compreensão de conceitos da Antropologia para a prática docente, estimulando leituras sobre a escola e a educação. Portanto, fique atento ao material e siga a sequência proposta para seus estudos, acompanhe as atividades sugeridas, de forma a aprimorar e aprofundar seu aprendizado. Os conteúdos serão divididos em temas que serão trabalhados ao longo do semestre entre eles a Pré Historia da Antropologia, Cultura: Conceitos Básicos e Perspectivas Principais, Cultura na Construção dos Indivíduos (as identidades) Cultura Estruturante, Abordagem Antropológica da Educação: Contribuições para as Análises Sociais, Diversidade Cultural no Mercado de Trabalho, Dimensão simbólica do conceito de cultura, dentre outros. Para que o aluno tenha um melhor aproveitamento da disciplina, optamos trabalhar desta maneira, pois acreditamos que essa organização irá proporcionar um maior entendimento do conteúdo, fornecendo as bases necessárias para o entendimento da realidade brasileira e mundial. Esperamos com isso, que o aluno faça boas reflexões, consiga aprimorar seu conhecimento com qualidade e eficiência e ao mesmo tempo aplicar em seu cotidiano esses conhecimentos adquiridos. Organizadora: Profª Ma: Cláudia Maria da Silva Santos 7 8 UNIDADE 01 Pré – História da Antropologia Fonte: https://pt.slideshare.net/pedromaat/histria-da-antropologia-cultural 9 Antropologia Cultural 1. Pré-história da Antropologia O Renascimento explora espaços ainda desconhecidos e inicia discursos sobre habitantes que povoam aqueles lugares. A grande questão colocada é a seguinte: aqueles que acabaram de serem descobertos pertencem à humanidade? O selvagem tem uma alma? O pecado original também lhe diz respeito? Percebemos que, se no século XIV a questão é colocada, não chega a ser solucionada. Ela será definitivamente resolvida apenas dois séculos depois. Nessa época é que se inicia um esboço sobre as duas ideologias concorrentes: a recusa do estranho, apreendido a partir de uma falta, e cujo corolário é a boa consciência que se tem sobre si e sua sociedade; e a fascinação pelo estranho, cujo corolário é a má consciência que se tem sobre si e sua sociedade. Desde a metade do século XIV, no debate que se torna uma controvérsia pública entre o dominicano Las Casas e o jurista Sepulvera, estão colocados os próprios termos dessa dupla posição. Las Casas cita que “Àqueles que pretendem que os índios sejam bárbaros, responderemos que essas pessoas têm aldeias, vilas, cidades, reis, senhores e uma ordem política que, em alguns reinos, é melhor que a nossa”. LAPLATINE (1988, p.38), Sepulvera relata que “Aqueles que superam os outros em prudência e razão, mesmo que não sejam superiores em força física, são, por natureza, os senhores; ao contrário, porém, os preguiçosos, os espíritos lentos, mesmo que tenham as forças físicas para cumprir todas as tarefas necessárias, são por natureza servos” As ideologias que estão por trás desse duplo discurso, permanecem vivas hoje, quatro séculos depois da polêmica que opunha Las Casas a Sepulvera (LAPLATINE, 1988, p.39). 1.1 A figura do mal selvagem e do bom civilizado A antiguidade grega designava sob o nome de bárbaro tudo o que não participava da helenidade (em referência à inarticulação do canto dos pássaros opostos à significação da linguagem humana), o Renascimento, dos séculos XVII e XVIII falavam de naturais ou de selvagens, opondo assim a animalidade à 10 Antropologia Cultural humanidade. Para Laplatine (1988, p.40) o termo primitivo é que triunfará no século XIX, enquanto na época atual optamos por subdesenvolvidos. Entre os critérios utilizados a partir do século XIV pelos europeus para julgar se convém conferir aos índios um estatuto humano, além do critério religioso, citaremos: A aparênciafísica: eles estão nus ou “vestidos de peles de animais”; Os comportamentos alimentares: eles “comem carne crua”, e é todo o imaginário do canibalismo que irá aqui se elaborar; A inteligência tal como pode ser apreendida a partir da linguagem: eles falam “uma língua ininteligível”. Assim, não tendo alma, não acreditando em Deus, sendo assustadoramente feio, não tendo acesso à linguagem e alimentando-se como um animal, o selvagem é apreendido nos modos de um bestiário. E esse discurso sobre a alteridade, que recorre constantemente à metáfora zoológica, abre o grande leque das ausências: sem arte, sem objetivo, sem moral, sem religião, sem razão, sem consciência, sem lei, sem escrita, sem Estado, sem passado, sem futuro. De acordo com Laplatine (1988, p.41), Cornelius de Pauw acrescentará até, no século XVIII: “sem barba”, “sem sobrancelhas”, “sem pelos”, “sem espírito”, “sem ardor para com sua fêmea”. Para o autor Laplatine (1988, p.43), existem os seguintes aspectos: 1. De Pauw nos propõe suas reflexões sobre os índios da América do Norte. Sua convicção é a de que sobre estes últimos a influência da natureza é total, ou mais precisamente negativa. Se essa raça inferior não tem história e está para sempre condenada por seu estado “degenerado”, a permanecer fora do movimento da História, a razão deve ser atribuída ao clima de uma extrema umidade. Eles têm, prossegue Pauw, um “temperamento tão úmido quanto o ar e a terra onde vegetam” e que explica que eles não tenham nenhum desejo sexual. Em suma, são “infelizes que suportam todo o peso da vida agreste na escuridão das florestas, parecem mais animais do que vegetais”. 2. Ideias que serão retomadas e expressas nos mesmos termos em 1830 por Hegel, o qual, em sua Introdução à Filosofia da História, nos expõe o horror que ele ressente frente ao estado de natureza, que é o desses povos que jamais ascenderão à “história” e à “consciência de si”. 11 Antropologia Cultural Na leitura dessa Introdução, a África, e, em especial, a África profunda do interior, onde a civilização nessa época ainda não penetrou que representa para o filósofo a forma mais nitidamente inferior entre todas nessa infra-humanidade. Tudo, na África, é nitidamente visto sob o signo da falta absoluta: os “negros” não respeitam nada, nem mesmo eles próprios, já que comem carne humana e fazem comércio da “carne” de seus próximos. Vivendo em uma ferocidade bestial inconsciente de si mesma, em uma selvageria em estado bruto, ele não tem moral, nem instituições sociais, religião ou Estado. Petrificados, em uma desordem inexorável, nada, nem mesmo as forças da colonização, poderá nunca preencher o fosso que os separa da história universal da humanidade. 1.1.1 A figura do bom selvagem e do mau civilizado A figura de uma natureza má na qual vegeta um selvagem embrutecido é suscetível de se transformar em seu oposto: a da boa natureza dispensando suas benfeitorias a um selvagem feliz. Os termos da atribuição permanecem da mesma forma que o par constituído pelo sujeito do discurso (o civilizado) e seu objeto (o natural). O caráter privativo dessas sociedades sem escrita, sem tecnologia, sem economia, sem religião organizada, sem clero, sem sacerdotes, sem polícia, sem Fonte: http://mylivremente.blogspot.com.br/2014_04_22_archive.html 12 Antropologia Cultural leis, sem Estado não constitui uma desvantagem. O selvagem não é quem pensamos. A figura do bom selvagem só encontrará sua formulação mais sistemática e mais radical dois séculos após o Renascimento: no rousseauísmo do século XVIII, e, em seguida, no Romantismo. Para Laplatine (1988, p.47), toda a reflexão de Léry e de Montaigne no século XVI sobre os “naturais” baseia-se sobre o tema da noção de crueldade respectiva de uns e outros, e, pela primeira vez, instaura-se uma crítica da civilização e um elogio da “ingenuidade original” do estado da natureza. Léry, entre os Tupinambás, interroga-se sobre o que se passa “aquém”, isto é, na Europa. Ele escreve, a respeito de “nossos grandes usuários”: “Eles são mais cruéis do que os selvagens dos quais estou falando”. E Montaigne, sobre esses últimos: “Podemos, portanto de fato chamá-los de bárbaros quanto às regras da razão, mas não quanto a nós mesmos que os superamos em toda sorte de barbárie”. O selvagem ingressa progressivamente na filosofia, nos salões literários e nos teatros parisienses. Em 1721, é montado um espetáculo intitulado O Arlequim Selvagem. O personagem de um Huron trazido para Paris declama no palco: Vocês são loucos, pois procuram com muito empenho uma infinidade de coisas inúteis; vocês são pobres, pois limitam seus bens ao dinheiro, em vez de simplesmente gozar da criação, como nós, que não queremos nada a fim de desfrutar mais livremente de tudo (LAPLATINE, 1988, p.49). É o período que todos querem ver os Indes Galantes, a época em que se exibem nas feiras verdadeiras selvagens. Manifestações essas que constituem uma verdadeira acusação contra a civilização. 1.2 A invenção do conceito de homem Durante o Renascimento esboçou-se a primeira interrogação sobre a existência múltipla do homem, essa interrogação fechou-se muito rapidamente no século seguinte, no qual a evidência do cogito, fundador da ordem do pensamento clássico, excluiu da razão o louco, a criança, o selvagem, enquanto figuras da anormalidade. No século XVIII constituiu-se o projeto de fundar uma ciência do homem, isto é, de um saber não mais apenas especulativo, e sim positivo sobre o homem. 13 Antropologia Cultural Apenas no século XVIII, é que se podem apreender as condições históricas, culturais e epistemológicas de possibilidade daquilo que vai se tornar a antropologia. O projeto antropológico supõe: 1. A construção de certo número de conceitos, iniciando pelo próprio conceito de homem, enquanto sujeito e objeto do saber; abordagem totalmente inédita, já que consiste em introduzir dualidade característica das ciências exatas (o sujeito observante e o objeto observado) no coração do próprio homem; 2. A constituição de um saber que não seja apenas de reflexão, e sim de observação, isto é, de um novo modo de acesso ao homem, que passa a ser considerado em sua existência concreta, envolvida nas determinações de seu organismo, de suas relações de produção, de sua linguagem, de suas instituições, de seus comportamentos. Assim começa a constituição dessa positividade de um saber empírico sobre o homem enquanto ser vivo (biologia), que trabalha (economia), pensa (psicologia) e fala (linguística); 3. Uma problemática essencial: a da diferença. Coloca-se pela primeira vez no século XVIII a questão da relação ao impensado, bem como a dos possíveis processos de reapropriação dos nossos condicionamentos fisiológicos, das nossas relações de produção, dos nossos sistemas de organização social. Fonte: http://www.datuopinion.com/sedentario https://www.google.com.br/search 14 Antropologia Cultural Assim, inicia-se uma ruptura com o pensamento do mesmo, e a constituição da ideia de que a linguagem nos precede, pois somos antes exteriores a ela. Tais reflexões sobre os limites do prazer, assim como sobre as relações de sentido e poder eram inimagináveis antes. A sociedade do século XVIII vive uma crise da identidade do humanismo e da consciência europeia; 4. Um método de observação e análise: o método indutivo. Os grupos sociais podem ser considerados como sistemas “naturais” que devem ser estudados empiricamente, a partir da observação de fatos, a fim de extrair princípios gerais, que hoje chamaríamos de leis. Esse naturalismo, que consiste numa emancipação definitiva em relação ao pensamento teológico, impõe-se em especial na Inglaterra, com Adam Smith e, antes dele, David Hume, que escreve em 1739 seu Tratado sobre a Natureza Humana.Os filósofos ingleses colocam as premissas de todas as pesquisas que procurarão fundar, no século XVIII, uma “moral natural”, um “direito natural”, ou ainda uma “religião natural”. Esse projeto de um conhecimento positivo do homem, isto é, de um estudo de sua existência empírica considerada por sua vez como objeto do saber, constitui um evento considerável na história da humanidade. Um evento que se deu no Ocidente no século XVIII, que terminou impondo-se já que se tornou definitivamente constitutivo da modernidade. A fim de avaliar melhor a natureza dessa verdadeira revolução do pensamento – que instaura uma ruptura tanto com o “humanismo” do Renascimento como com o “racionalismo” do século clássico - examinaremos mais de perto o que mudou radicalmente desde o século XVI. 1. Trata-se em primeiro lugar da natureza dos objetos observados. Os relatos dos viajantes dos séculos XVI e XVII eram mais uma busca cosmográfica do que uma pesquisa etnográfica. O objeto de observação, nessa época, era mais o céu, a terra, a fauna e a flora, do que o homem em si, e, quando se tratava deste, era essencialmente o homem físico que era tomado em consideração. No século XVIII é traçado o primeiro esboço daquilo que se tornará uma antropologia social e cultural, constituindo-se inclusive, ao mesmo tempo, tomando como modelo a antropologia física, e instaurando uma ruptura do monopólio desta. 15 Antropologia Cultural 2. Simultaneamente, o destaque se desloca pouco a pouco do objeto de estudo para a atividade epistemológica, que se torna cada vez mais organizada. No século XVIII, a questão é: como coletar? E como dominar em seguida o que foi coletado? Não basta mais observar, é preciso processar a observação. Não basta mais interpretar o que é observado, é preciso interpretar interpretações. E é desse desdobramento, isto é, desse discurso, que vai justamente brotar uma atividade de organização e elaboração. O primeiro dará a essa atividade um nome. Ele chamará: a etnologia. 1.3 Os pesquisadores-eruditos do século XIX O século XVI descobre e explora espaços até então desconhecidos e tem um discurso selvagem sobre os habitantes que povoavam esses lugares. Após um parêntese no século XVII, esse discurso se organiza no século XVIII: ele é “iluminado” à luz dos filósofos, e a viagem se torna “viagem filosófica”. Mas a primeira tentativa de unificação, isto é, de instauração de redes entre esses lugares, e de reconstituição de temporalidades é incontestavelmente obra do século XIX. O século XIX é a época durante a qual se constitui verdadeiramente a antropologia enquanto disciplina autônoma: a ciência das sociedades primitivas em todas as suas dimensões (biológica, técnica, econômica, política, religiosa, linguística, psicológica...). Com a revolução industrial inglesa e a revolução política francesa, percebe-se que a sociedade mudou e nunca mais voltará a ser o que era. A Europa se vê confrontada a uma conjuntura inédita. No século XIX, o contexto geopolítico é totalmente novo: é o período da conquista colonial, que desembocará em especial na assinatura, em 1885, do Tratado de Berlim, que rege a partilha da África entre as potências europeias e põe um fim às soberanias africanas. É no movimento dessa conquista que se constitui a antropologia moderna, o antropólogo acompanhando de perto os passos do colono. Nessa época, a África, a Índia, a Austrália, a Nova Zelândia passam a ser povoadas de um número considerável de emigrantes europeus. Uma rede de informações se instala; são os questionários enviados por pesquisadores das metrópoles para os quatro cantos do 16 Antropologia Cultural mundo, e cujas respostas constituem os materiais de reflexão das primeiras grandes obras de antropologia que se sucederá em ritmo regular durante toda a segunda metade do século. Algumas obras publicadas neste século tem uma ambição considerável – seu objetivo não é nada menos que o estabelecimento de um verdadeiro corpus etnográfico da humanidade – caracterizam-se por uma mudança radical de perspectiva em relação à época das “luzes”: o indígena das sociedades extraeuropeias não é mais o selvagem do século XVIII, tornou-se o primitivo, isto é, o ancestral do civilizado, destinado a reencontrá-lo. A colonização atuará nesse sentido. Assim a antropologia, conhecimento do primitivo, fica indissociavelmente ligada ao conhecimento da nossa origem, isto é, das formas simples de organização social e de mentalidade que evoluíram para as formas mais complexas das nossas sociedades. Observaremos mais em que consiste o pensamento teórico dessa antropologia que se qualifica de evolucionista. Existe uma espécie humana idêntica, mas que se desenvolve em ritmos desiguais, de acordo com as populações, passando pelas mesmas etapas, para alcançar o nível final que é o da “civilização”. A partir disso, convém procurar determinar cientificamente a sequência dos estágios dessas transformações. Para Laplatine (1988 p. 65-66), o evolucionismo encontrará sua formulação mais sistemática e mais elaborada na obra de Morgan, e particularmente em Ancient Society, que se tornará o documento de referência adotado pela imensa maioria dos antropólogos do final do século XIX. Enquanto para Pauw ou Hegel as populações “não civilizadas” são populações que, além de se situarem enquanto espécies fora da História, não têm historia em sua existência individual, Haeckel afirma rigorosamente o contrario: a ontogênese reproduz a filogênese; ou seja, o individuo atravessa as mesmas fases que a historia das espécies. Disso decorre a identificação dos povos primitivos aos vestígios da infância da humanidade. A antropologia do século XIX, que pretende ser cientifica, é a considerável atenção dada: 1. A essas populações que aparecem como sendo as mais “arcaicas” do mundo: os aborígines australianos, 2. Ao estudo do “parentesco”, 17 Antropologia Cultural 3. Ao da religião. Parentesco e religião são, nessa época, as duas grandes áreas da antropologia, ou, mais especificamente, as duas vias de acesso privilegiadas ao conhecimento das sociedades não ocidentais; elas permanecem ainda, os dois números resistentes da pesquisa dos antropólogos contemporâneos. 1.4 Fundadores da Etnografia No final do século XIX se existiam homens que possuíam um excelente conhecimento das populações no meio das quais viviam a etnografia propriamente dita só começa a existir a partir do momento no qual se percebe que o pesquisador deve ele mesmo efetuar no campo sua própria pesquisa, e que esse trabalho de observação direta é parte integrante da pesquisa. Segundo Laplatine (1988, p. 77), com Boas (1858-1942) assistimos a uma verdadeira virada da prática antropológica. Ele era antes de tudo um homem de campo. Suas pesquisas totalmente pioneiras foram iniciadas a partir dos últimos anos do século XIX. No campo, ensina Boas, tudo deve ser anotado detalhadamente. Tudo deve ser objeto da descrição mais meticulosa, da retranscrição mais fiel. Para Laplatine (1988,p.77-78), o primeiro a formular com seus colaboradores (em particular Lowie, 1971) a crítica mais radical e mais elaborada das noções de origem e de reconstituição dos estágios, Boas mostra que um costume só tem significação se for relacionado ao contexto particular no qual se inscreve. Morgan e Montesquieu tinham aberto o caminho a essa pesquisa cujo objeto é a totalidade das relações sociais e dos elementos que a constituem. Mas a diferença é que, a partir de Boas, estima-se que, para compreender o lugar particular ocupado por esse costume, não se pode mais confiar nos investigadores e, muito menos nos que, da “metrópole”, confiam neles. Apenas o antropólogo pode dar conta cientificamente de uma microssociedade, apreendida em sua totalidade e considerada em sua autonomia teórica.Assim, o teórico e o observador estão finalmente reunidos pela primeira vez. Assistimos ao nascimento de uma verdadeira etnografia profissional que não se contenta mais em coletar materiais a maneira dos antiquários, mas procura detectar o que faz a unidade da cultura que se expressa através desses diferentes matérias. (LAPLATINE, 1988, p. 77-78). 18 Antropologia Cultural Ele foi um dos primeiros a nos mostrar a importância e a necessidade para o etnólogo, do acesso à língua da cultura na qual trabalha. A sua preocupação de precisão na descrição dos fatos observados, acrescentava-se a de conservação metódica do patrimônio recolhido. Finalmente, foi, enquanto professor, o grande pedagogo que formou a primeira geração de antropólogos americanos e permanece sendo o mestre incontestado da antropologia americana na primeira metade do século XX. Malinowski (1884-1942) dominou incontestavelmente a cena antropológica de 1922, ano de publicação de sua primeira obra, Os Argonautas do Pacífico Ocidental, ate sua morte, em 1942. Ele não foi o primeiro a conduzir cientificamente uma experiência etnográfica, isto é, em primeiro lugar, a viver com as populações que estudava e a recolher seus materiais de seus idiomas, mas radicalizou essa compreensão por dentro, e para isso, procurou romper ao máximo os contatos com o mundo europeu (LAPLATINE, 1988, p.79-80). Ninguém antes dele tinha se esforçado a fundo na mentalidade dos outros, e em compreender por dentro, por uma verdadeira busca de despersonalização, o que sentem os homens e as mulheres que pertencem a uma cultura que não é nossa. De acordo com Laplatine (1988, p.80) instaurando uma ruptura com a história conjetural (a reconstituição especulativa dos estágios), e também com a geografia especulativa (a teoria difusionista, que tende, no inicio do século, a ocupar o lugar do evolucionismo), Malinowski considera que uma sociedade deve ser estudada enquanto uma totalidade. Nesta época, a antropologia se torna uma “ciência” da alteridade que vira as costas ao empreendimento evolucionista de constituição das origens da civilização, e se dedica ao estudo das lógicas particulares características de cada cultura. O que o leitor aprende ao ler Os Argonautas é que os costumes dos Trobriandeses, tão profundamente diferentes dos nossos, têm uma significação e uma coerência. A fim de pensar essa coerência interna, é elaborada uma teoria (o funcionalismo) que tira o modelo das ciências da natureza: o individuo sente um certo número de necessidades, e cada cultura tem precisamente como função a de satisfazer à sua maneira essas necessidades fundamentais. Cada uma realiza isso elaborando instituições (economias, políticas, jurídicas, educativas...), fornecendo 19 Antropologia Cultural respostas coletivas organizadas, que constituem cada uma a seu modo, soluções originais que permitem atender a essas necessidades. Segundo Laplatine (1988, p. 82), para Malinowski há uma preocupação em abrir as fronteiras disciplinares, devendo o homem ser estudado através da tripla articulação do social, do psicológico e do biológico, mas para ele, convém em primeiro lugar, localizar a relação estreita do social e do biológico, já que, para ele, uma sociedade funcionando como um organismo, as relações biológicas devem ser consideradas não apenas como o modelo epistemológico que permite pensar as relações sócias, e sim como o seu próprio fundamento. Além disso, uma verdadeira ciência da sociedade inclui o estudo das motivações psicológicas, dos comportamentos, o estudo dos sonhos e dos desejos do individuo. E Malinowski, quanto a esse aspecto, vai muito além da análise da afetividade de seus interlocutores. Ele procura reviver nele próprio os sentimentos dos outros, fazendo da observação participante uma participação psicológica do pesquisador, que deve “compreender e compartilhar os sentimentos” destes últimos “interiorizando suas reações emotivas” (LAPLATINE, 1988, p.82). 20 Antropologia Cultural 1. Apresente a trajetória dos pesquisadores-eruditos do século XIX. 2. Caracterize a figura do mal selvagem e do bom civilizado. 3. Caracterize a figura do bom selvagem e do mau civilizado. 4. Como foi conceituada a Antropologia no século XX? 5. Em que se baseia a reflexão de Laplatine (1988) Léry e de Montaigne no século XVI sobre os “naturais”? Em sua opinião, a Antropologia se constitui como ciência? Justifique. 21 Antropologia Cultural UNIDADE 02 Cultura – Conceitos Básicos e Perspectivas Principais Fonte: http://www.diariorespuesta.com.mx/cuantos-tipos-de-culturas-conoces/ 22 Antropologia Cultural 2. Homens, cultura e sociedade Desde muito cedo percebemos as diferenças existentes entre o ser humano e os demais seres vivos, sobretudo os animais. Os animais constroem moradia como, por exemplo, os pássaros, buscando assim nova adaptação quando os recursos utilizados deixaram de existir, diferentemente de nós seres humanos que utilizamos várias formas de materiais para construir nossas habitações. Nos tempos primitivos, ou seja, das cavernas, ao longo de milênios, o homem passou a empregar variedade de formas e materiais sempre almejando a melhor proteção contra o frio, calor, os animais selvagens, entre outros. As comunidades foram tornando-se mais complexas com a descoberta do fogo, da fabricação de metais, utilização da argila, da madeira, e começaram a construir casas mais bem elaboradas, conforme a organização social e o estágio de desenvolvimento tecnológico em que se encontravam e se encontram atualmente. À medida que a linguagem, pensamento e uso de ferramentas possibilitaram às comunidades alterar suas estratégias de sobrevivência - modos de produção agrícola, armazenamento e comercialização de seus produtos - começa a surgir a cultura, ou seja, o homem começa a criar cultura. Segundo Vannucchi (1999, p.23) “a cultura é tudo que não é natureza. Por sua vez, é toda ação humana na natureza e com a natureza”. Contudo pode-se dizer que a terra é natureza, mas o plantio é cultura. O mar é natureza, mas a navegação é cultura. A sociologia preocupa-se em entender a cultura, mas é na antropologia que o seu estudo é aprimorado, pois é a ciência que estuda o homem e as suas obras, ou seja, a cultura. Estuda também as semelhanças e diferenças humanas. No século XIX, quando iniciaram estudos sobre comunidades, os etnólogos conceituaram essas comunidades sob a ótica etnocêntrica, contribuindo para instituir as posições preconceituosas sobre suas culturas, inserido-as em estágios inferiores a nossa sociedade dita civilizada, a partir da abordagem positivista e funcionalista. É por esta ótica que os colonizadores, quando chegaram nas Américas e na África, designaram as comunidades de “selvagens”, “primitivas”, “sem cultura”, portanto inferiores, podendo ser subjugadas, utilizando-os como subalternos, serviçais e escravos. 23 Antropologia Cultural A etnologia, ciência que estuda o conjunto das características de cada etnia, foi questionada pelos antropólogos na segunda metade do século XX, pois as abordagens serão inseridas na noção de que culturas diferentes não implicam desigualdade e inferioridade. Portanto, a “cultura” é foco central para o campo da antropologia, ou seja, para essa ciência, a definição de cultura diz respeito a várias áreas do saber humano, tais como a agronomia, biologia, artes, literatura, história etc. No sentido amplo, a palavra cultural é toda atividade humana que altera a natureza, constrói valores em todas as áreas. Cultura é tudo o que os seres humanos constroem. Com base nesse sentido, o autor Paulo Freire contribui com significativas práticas sociais e educacionais ao estimularos adultos analfabetos a se perceberem sujeitos ativos da cultura, pelas atividades que executam socialmente. Exemplo disso é quando é construído um poço para armazenar água, ou plantar uma roça, só com a sabedoria prática. Contudo as variações culturais entre os seres humanos são ligadas aos diferentes tipos de sociedades, em níveis regionais e locais. A discussão sobre cultura geralmente é colocada separadamente da sociedade como se estas fossem dissociáveis, mas observa-se que elas são até muito mais unidas do que deveriam ser. A mudança social é um fator que leva ao desenvolvimento humano. É preciso perceber que a cultura é transmitida de geração a geração, muitas vezes formalmente pela escrita e outras vezes pela oralidade. Em ambos os casos a cultura é herdada e recriada. E a aprendizagem cultural se dá quando elementos culturais são compartilhados por membros da sociedade e tornam possível a cooperação e a comunicação. 24 Antropologia Cultural Fonte: https://oduafunmi.wordpress.com/2018/01/06/la-letra-del-ano-2018-agricultura-name-y-lluvia/ Fonte: https://www.educamundo.com.br/cursos-online/cultura-indigena 25 Antropologia Cultural 2.1 Componentes da cultura A cultura de uma sociedade é expressa por valores tais como: crenças, ideias, símbolos, como objetos, e todo o conjunto construído operacionalmente a partir da experiência, de técnicas, tecnologias e teorias, em cada época histórica. Em Giddens (2005, p.38), “a cultura refere-se às formas de vida dos membros de uma sociedade ou de grupos dentro da sociedade”, pois sempre que pensamos no termo cultura imaginamos que são coisas mais distantes do nosso cotidiano como a arte, a literatura, pintura, música erudita, mas a cultura é tão presente no nosso dia a dia que a todo o momento a estamos compartilhando com o próximo. Segundo Marconi (2005, p.46), a cultura pode ser classificada por diversas maneiras como: Material - coisas materiais, bens produzidos, incluindo instrumentos, artefatos e outros objetos materiais, frutos da criação humana e resultante de determinada tecnologia. Imaterial – elementos da cultura que não tem substância material como valores espirituais, morais, crenças, normas, hábitos, cujos significados são adotados e praticados pelo conjunto de grupos sociais. Fonte: http://meioambiente.culturamix.com/noticias/indios-do-xingu/attachment/indios-do-xingu 26 Antropologia Cultural Real – todos os membros da sociedade praticam ou pensam em suas atividades cotidianas. Ideal – comportamentos expressos verbalmente como bens, perfeitos, para o grupo, mas que nem sempre são praticados. Percebe-se que esses valores são transmitidos de uma geração para outra, levando a uma determinada cultura, que pode ser também interpretado como a tradição de um povo, e essas tradições é transformada ao longo do tempo pela economia, tecnologia, saber científico entre outros fatores. Existem dois aspectos importantes que devem ser trabalhados para abordar o conceito de difusão cultural, essenciais para se compreender a dinâmica cultural existente. Dentre estes fatores estão a “aculturação”, ou seja, a fusão de duas culturas que, entrando em contato contínuo, origina mudança nos padrões da cultura de ambos os grupos, e a “endoculturação”, que é o processo de aprendizagem e educação em uma cultura desde a infância, cada indivíduo adquire as crenças, o comportamento, os modos de vida da sociedade a que pertence. É o processo de socialização. De acordo com Marconi (1998, p.64) “a difusão cultural é o processo na dinâmica cultural, em que os elementos ou complexos culturais se difundem de uma sociedade a outra”. O traço cultural que é copiado de outra cultura geralmente é reinventado pela sociedade que o copiou, e não permanece do mesmo jeito, podendo mudar de significado, forma e função. Isso assegura o caráter dinâmico da cultura, pois ela não é estática. 2.2 Cultura e construção social A cultura é feita pelo homem para satisfazer suas necessidades, pois é através da cultura que ele constrói a si mesmo e a sociedade. Todos somos frutos da cultura, seja ele de um determinado lugar ou tempo. É através dela que criamos os meios necessários para nossa sobrevivência, com o nosso jeito de ser, nossa visão de mundo, com valores, crenças, princípios, normas, regras e leis. O homem está em uma posição diferenciada dos outros seres, pois ele se relaciona no seu desenvolvimento, não somente com o ambiente natural, mas 27 Antropologia Cultural também com uma ordem eventual e social específica. A humanização é variável no sentido sociocultural, pois não existe natureza humana no sentido substrato biologicamente fixa que determine a variabilidade das formações, embora seja possível dizer que o homem tem uma natureza mais significativa, pois constrói sua própria natureza. Para compreendermos a realidade pessoal e social de alguém, é preciso entender o seu contexto social e histórico, pois os elementos culturais podem ser vistos de maneiras diferentes pela representação que os mesmos possuem em uma determinada circunstância. É através destas maneiras que se tem a ordem social, e ela existe como produto da atividade humana, já que isolado o homem não produz um ambiente humano; a ordem social, como produto humano, é interiorizada no processo de socialização. A cultura é um aspecto essencial e presente na vida do homem, pois define todo nosso jeito de ser, sendo a nossa própria maneira de pensar e viver. Mas entende-se que existem culturais diferentes, na sociedade, aprender a conviver com essas diferenças se torna essencial e necessário, tendo em vista que estamos em um mundo formado por diversas culturas, que muito se relacionam constantemente pela facilidade do transporte e tecnologias criadas. Os valores e costumes entre as culturas podem ser vistos no exemplo citado por Giddens (2005, p.39) quando cita que “os judeus não comem porco, enquanto os indianos comem porco, mas evitam carne de gado”. Todos esses diversos aspectos de comportamento são considerados como exemplos de amplas diferenças culturais que distinguem as sociedades umas das outras. Para muitos estudiosos sociólogos, as sociedades podem ser monoculturais e multiculturais, entretanto alguns antropólogos consideram que todas as sociedades formam-se com o entrosamento e a miscigenação de vários povos, desde os primitivos. O autor Giddens retrata que a sociedade japonesa é um exemplo de monocultura, mas é possível perceber que, embora o Japão tenha traços fortíssimos de uma sociedade tradicional, ela não pode ser considerada monocultural, porque vem sofrendo intensas modificações em todas as áreas de sua cultura sejam pela difusão da cultura ocidental, ou por outros aspectos. 28 Antropologia Cultural No Brasil, pode-se afirmar que acontece a mesma coisa. Observa-se que ter uma identidade cultural que diferencia um povo de outro, não implica considerar determinado país como sendo exemplo de monocultura. A identidade cultural vai forjando novas identidades para as sociedades, Com a passagem do tempo, têm transformações sociais que levam a outras maneiras de viver e perceber o mundo. Este assunto será mais bem trabalhado no decorrer desta apostila. Segundo alguns antropólogos, as diferenças culturais nos emitem em dois conceitos importantes, e que não podem ser deixados de lado como: o etnocentrismo (tendência a privilegiar a cultura de sua própria sociedade para analisar outras sociedades) e o relativismo (os indivíduos são condicionados a um modo de vida específico e particular por meio do processo de endoculturação). Através do relativismo, o ser humano adquire seus próprios valores e sua integridade cultural; já o etnocentrismo significa a supervalorizaçãoda própria cultura em detrimento das demais. Neste contexto Giddens (2005, p.40) relata: Toda cultura tem seus próprios padrões de comportamento, os quais parecem estranhos as pessoas de outras formações culturais. Se você já viajou para o exterior, provavelmente está familiarizado com a sensação que pode resultar quando você se encontra em uma nova cultura. Aspectos da vida cotidiana que você inconscientemente toma como comuns em sua própria cultura podem não ser parte da vida diária em outras partes do mundo. Mesmo em países que compartilham a mesma língua, hábitos cotidianos, costumes e comportamentos podem ser diferentes. A expressão choque cultural é realmente apropriada! Frequentemente as pessoas se sentem desorientadas quando ficam imersas em uma nova cultura. Isso acontece por que elas perderam pontos de referencia familiares que as ajudavam a entender o mundo ao seu redor e ainda não aprenderam como navegar em uma nova cultura. Os estudiosos de sociologia querem evitar o etnocentrismo, que como já foi visto, é a pratica de julgar outras culturas. Uma vez que as culturas variam tanto, é reluzente que as pessoas vindas de uma cultura amena, achem difícil simpatizar com as ideias ou comportamentos daqueles de uma cultura diferente. Portanto, o relativismo pode ser repleto de incertezas e desafios, uma vez que suspender suas próprias crenças culturais sustentadas e examinar uma situação de acordo com os padrões de outra cultura, é ter uma visão completamente diferente e levantar questões preocupantes. 29 Antropologia Cultural É importante destacar que existem as mais variadas formas de expressão da cultura, assim como cada localidade constrói seu universo cultural; portanto, é preciso compreender as diferenças entre as diversas sociedades e como, ao longo da história, as sociedades valorizam seu universo cultural diante das outras sociedades. Uma vez que este tema é bastante presente em nosso cotidiano, pois todos nós temos cultura e a nossa convivência diária cria e recria os valores culturais constantemente, é preciso compreender o ser humano como produtor de cultura desde o princípio da sua história em sociedade, assim como os vários artifícios por ele produzidos. A antropologia vem para nos ajudar a compreender as diversas correntes de pensamento e conceitos que descrevem o universo cultural do homem e seu espaço social. A cultura pode ser classificada de duas formas: cultura erudita, ou seja, é o plano da escrita e da leitura, do saber universitário, dos debates, da teoria e do pensamento científico e cultura popular, que é a produção espontânea de um povo na sua vivência cotidiana, assim como as expressões, conforme a área produzida, transmitidas pela oralidade. Entretanto, não existe uma dicotomia pura entre práticas populares e práticas eruditas. As produções se influenciam mutuamente, no processo histórico. Por exemplo, os processos de intercâmbio e influências nas escolas de samba. Vejamos que a raiz do samba remonta aos povos africanos que para aqui vieram. No Brasil, ao longo dos séculos, foram criadas formas próprias de composição musical e temática, como o samba de quintal carioca, e outras variações conforme os estados. Os desfiles das escolas de samba nos anos 30 do século XX seguiam normas estabelecidas pela ditadura de Vargas, e, quanto aos temas, deveriam ser históricos e nacionais. Entretanto, não existe uma dicotomia pura entre práticas populares e práticas eruditas. As produções se influenciam mutuamente, no processo histórico. Por exemplo, os processos de intercâmbio e influências nas escolas de samba. Vejamos que a raiz do samba remonta aos povos africanos que para aqui vieram. No Brasil, ao longo dos séculos, foram criadas formas próprias de composição musical e temática, como o samba de quintal carioca, e outras variações conforme os estados. Os desfiles das escolas de samba nos anos 30 do século XX seguiam normas estabelecidas pela ditadura de Vargas, e, quanto aos temas, deveriam ser históricos e nacionais. 30 Antropologia Cultural Hoje são contratados pelas escolas, estilistas e coreógrafos consagrados pela mídia, alem de modelos, artistas famosos de TV que desfilam como papeis de destaque nas escolas de samba. Quando pensamos em cultura popular, logo nos lembramos do carnaval, folias de reis, São João e bumba meu boi. Agora é preciso nos indagar ao tentar compreender a cultura. Será que a cultura brasileira é isso tudo? Será que é só isto? É preciso entender por que e por quem ela é produzida, e como, quando e por quem é consumida. A cultura popular existe também nos países mais industrializados, embora tenha um significado especial nas sociedades chamadas de Terceiro Mundo, pelo fato de compreender um grande número de subculturas das quais participa uma parcela significativa da população. 2.3 Culturas de massa: Industrialização cultural Além destas duas formas culturais estudadas podemos falar também da cultura de massa, nesse tipo de cultura temos uma produção industrial da cultura que vende mercadorias; mais do que isso, vende imagens do mundo e faz propaganda, para assim permanecer. A industrialização de cultura visa exclusivamente o consumo, buscando a integração dos consumidores, as mercadorias culturais, agindo como uma ponte nociva entre a cultura erudita e a popular; ela é nociva porque retira a seriedade da primeira e a autenticidade da segunda. Os meios de comunicação exercem um papel significativo nesse processo de industrialização da cultura. É através destes meios tecnológicos, mais precisamente o rádio e a televisão, que a cultura é dizimada. Um exemplo disso são alguns cantores que ao se tornarem produtos conhecidos nacionalmente vão se afastando de suas origens pela necessidade de se manterem no mercado, atingindo grandes massas, demonstrando isso no modo de se vestirem, falarem e na linguagem das composições. Isso é perceptível principalmente nas duplas sertanejas na nossa atualidade. A cultura erudita tem forte ligação com a classe burguesa e o período do surgimento do Renascimento é um marco dessa relação. Desde sua origem, a burguesia preocupou-se com a transmissão de seus conhecimentos aos seus pares, 31 Antropologia Cultural a partir de instituições como as universidades, as academias e as ordens profissionais. Com o passar dos séculos e com o processo de escolarização, a cultura dessa elite burguesa tomou corpo, desenvolveu-se e requintou-se com a tecnologia. Essa cultura erudita ou superior, também designada “cultura de elite”, foi se distanciando da maioria da população, pois era feita pela burguesia. Sobre a influência da tecnologia na cultura, Oliveira (2001, p. 158) cita: A partir do final do século XIX, a industrialização em larga escala atingiu também os elementos da cultura erudita e da popular, dando início à indústria cultural. O incessante desenvolvimento da tecnologia, tornando-se cada vez mais sofisticada, principalmente nos meios de comunicação, passou atingir um grande número de pessoas, dando origem à cultura de massa. Ao contrário das culturas eruditas e populares, a cultura de massa não esta ligada a nenhum grupo social especifico, pois é transmitida de maneira industrializada para um público generalizado, de diferentes camadas socioeconômicas. O que temos então é a formação de um enorme mercado de consumidores em potencial, atraídos pelos produtos oferecidos pela indústria cultural. A cultura de massa possui significativa relação com a sociedade de consumo, por seguirem a mesma lógica que é a da indústria com a produção em série. Contudo, é possível perceber que, ao produzir para as massas, ou seja, em grandes quantidades, cria-se a necessidade daquele produto apelando para o seu valor artístico. Por conseguinte, há estudiosos que consideram importante a difusão da culturapela mídia para a sociedade em todos os seus aspectos, pois visa à democratização e a socialização das informações; para eles não se pode radicalizar nem a análise posta em termos de separação absoluta das duas culturas, nem em relação ao papel da mídia como divulgadora de uma cultura de massa, o que só traria prejuízos para os dois tipos de cultura. Entende-se que a realidade é muito diversificada, cada lugar e cada época tem os seus produtos culturais, aquilo que é importante num período da historia pode não ser no outro. 2.4 Representações Simbólicas Existem alguns processos simbólicos presentes na nossa sociedade, como a religião, com destaque a religião católica, as influências do candomblé, da magia e 32 Antropologia Cultural suas formas de representações simbólicas construídas historicamente no Brasil, também a expansão das igrejas evangélicas na sociedade brasileira contemporânea e as consequências para o imaginário social. Toda religião cria uma série de símbolos e ritos que devem ser praticados pelos fieis nos seus templos ou fora deles, para manter os laços e vínculos com os fieis. O maior ou menor grau de poder político, social e cultural de uma instituição religiosa varia conforme a época histórica. A partir de cristo no mundo ocidental instituíram-se religiões diferenciadas como a católica romana, a ortodoxa oriental, a igreja anglicana, o protestantismo com suas várias igrejas, hoje denominadas evangélicas. Surgem também as religiões espíritas. É com a cumplicidade da religião que impérios foram erguidos e destruídos ao longo dos séculos, como também propiciou o desenvolvimento das relações materiais das sociedades, contribuindo para a construção do conhecimento filosófico, cientifico e tecnológico da humanidade. Nesse sentido podemos afirmar que a religião é muito visível no cotidiano dos indivíduos, essa busca pela religiosidade das populações mapeou e remapeou as sociedades tanto do lado ocidental como oriental nesse final do século. Neste momento em que as sociedades estão se globalizando, as religiões almejam ser aquela que tenha primazia sobre as demais e assim se torne uma religião global. Essa situação que vive a sociedade globalizada é relatada após um período em que a religião perde sua hegemonia no poder decisório das nações. 33 Antropologia Cultural TEXTO COMPLEMENTAR AS COTAS PARA NEGROS E A DESIGUALDADE BRASILEIRA Fernando Abrucio “O sucesso das políticas públicas depende da definição clara dos problemas que elas querem combater, bem como da adoção de medidas que acertem o alvo correto. Essa pequena digressão técnica é necessária para tornar mais preciso um debate que está no centro da agenda publica: a questão das cotas para negros em universidade. Para que serviria essa política discutida hoje de forma tão radical? Com certeza ela não seria capaz de atenuar o sofrimento dos negros durante a escravidão.” Quanto a isso, o máximo que podemos fazer é lembrar sempre dessa mácula da historia brasileira. É importante frisar isso porque alguns revisionistas têm argumentado que a população negra não sofreu tanto assim, pois alguns dos africanos foram traficantes e outros, quando libertos, logo compravam seu escravinho. Há ainda a tese, arrancada a força do pensamento de Gilberto Freyre, de que a convivência entre brancos e negros fora pacífica. Afinal, milhares de estupros foram consentidos. Tais analistas produziram uma grande falácia lógica. A existência de alguns escravos traficantes ou compradores de outros indivíduos de sua cor não elimina a existência de um brutal sistema opressor contra milhões de pessoas. Foi contra isso que os abolicionistas se insurgiram. Creio que nossos intelectuais revisionistas talvez fossem a época contra a abolição, porque tudo estava bem no Brasil da miscigenação. Em sua argumentação, esse revisionismo não é diferente do praticado por historiadores que desmentem a existência do holocausto por encontrarem a existência de um ou outro judeu que apoiou o nazismo. Apresentar o debate da escravidão de forma completamente distorcida não ajuda o debate das cotas. Não que as desigualdades atuais sejam fruto apenas da escravidão - é bem provável que muito da situação atual se explique pela falta de política no pós-escravidão. Mas um fato é evidente nos estudos empíricos: há desigualdade entre brancos e negros com mesma situação de renda e escolaridade. 34 Antropologia Cultural Muitos estudos econométricos mostram que, em contexto social similar, os negros têm pior desempenho escolar que os brancos. Recentemente, coordenei um: a pesquisa sobre escolas públicas. Um dos pesquisadores presenciou o que só conhecíamos por estatística. Numa sala de aula com aluno em situação equivalente de pobreza, havia uma divisão na qual, de um lado, ficavam os brancos, e de outro, os negros. Isso se repetia no intervalo. Pior: o tratamento docente era francamente favorável aos brancos. Conversamos com a professora e com a diretora: nenhuma delas havia percebido essa discriminação. Um racismo tão invisível e enraizado é difícil de combater apenas com políticas iguais para todos Para questões como essa, deveria valer a máxima de tratar desigualmente os desiguais para alcançar a justiça social. Não pense leitor, que o problema esta resolvido, pois a forma como for feita a política afirmativa, termo mais correto que “cotas”, afetarão os resultados. Cotas muito ampla e sem nenhum critério de mérito não podem ser um desestímulo para o estudo dos negros? Ademais, o cotismo não poderia se transformar numa política racialista que geraria uma atenção inexistente em nossa sociedade? São perguntas fundamentadas (e não ideológicas) em termos de políticas públicas. Para elas, deve haver respostas, ainda no terreno das políticas afirmativas, é possível ter cotas mais controladas do ponto de vista do tamanho e do mérito, inclusive com ações de ajuda aos negros já nos ciclos escolares anteriores, uma vez que a maioria deles fica no meio do caminho e nunca será cotista. Quanto ao possível acirramento racial, ele não tem acontecido nas universidades com cotas. Uma legislação e um debate equilibrados poderiam conter isso. Há dois outros grandes benefícios que uma política cotista equilibrada produziria. O primeiro é aumentar a autoestima dos negros, por meio da constituição de novas lideranças lastreadas na escolaridade. Além disso, teríamos uma maior diversidade em nossas melhores universidades, onde os negros são raríssimos. Se tivéssemos tal diversidade no meio das elites, a discussão da escravidão não teria sido retomada de forma tão leviana e inconsequente. 35 Antropologia Cultural Fonte: https://www.cartacapital.com.br/revista/995/fraudes-descaso-estatal-ameacam%20-inclusao-negros- universidade 36 Antropologia Cultural 1) Explique por que podemos afirmar que somente o homem possui cultura. 2) Dê exemplos de cultura material e imaterial, real e ideal. 3) Exemplifique os termos: Etnologia, Antropologia, Etnocentrismo. 4) Observe no seu cotidiano e explique a importância da cultura popular. 5) Analise a relação entre os meios de comunicação de massa e a cultura em nossa sociedade. Como as demais ciências auxiliam a Antropologia? 37 Antropologia Cultural UNIDADE 03 Cultura na Construção dos Indivíduos (as identidades) Cultura Estruturante Fonte: https://mundoeducacao.bol.uol.com.br/sociologia/identidade-cultural.htm 38 Antropologia Cultural3. A Identidade Cultural na Pós-Modernidade Os relatos acerca de identidade não são recentes. A sociedade moderna ocidental gerada com a industrialização e o desenvolvimento das ciências teóricas e experimentais constrói sua identidade afirmando a prioridade da razão, que ilumina e é fonte de conhecimento e das ações sociais, desvinculando-se da tutela da religião. Defende no novo o modo de produção capitalista, o regime de liberdade individual, a prioridade do indivíduo sobre o coletivo e constitucionalmente, os princípios de liberdade, igualdade e solidariedade, alicerce dos regimes democráticos. A identidade cultural de início pode ser compreendida como um conjunto de características comuns pelas quais os grupos sociais constroem sentido de pertencimento. Como foi visto, a identidade é construída através das relações sociais, grupos humanos; ela é dinâmica neste contexto. Mas a cultura pode existir mesmo que não haja identidade. A cultura depende em grande parte de processos inconscientes, já a identidade remete a uma norma de vinculação, necessariamente consciente. O conceito de identidade cultural foi adquirido em espaço instável das ciências sociais, ela revela as mudanças de sentido ao longo da história, causadas pelo que se considera uma crise originada pela ação conjunta de um duplo deslocamento como: descentralização dos indivíduos, tanto no seu lugar no mundo social e cultural, quanto de si mesmos. Alguns estudiosos enfatizam que as discussões sobre pós-modernidade, entendida como lógica cultural do capitalismo pós-industrial, surge na crise cultural, e desencadeiam crises de conceitos fundamentais ao pensamento moderno, tais como verdade, razão, universalidade, sujeito, progresso, ideologia e outros. Ocorre uma desilusão no que refere aos nortes da modernidade, a saber: a estética, a ética e a ciência. Para Castells (1999, p.22), identidade pode ser compreendida como o processo de construção de significado com base em um atributo cultural, ou ainda um conjunto de atributos culturais inter-relacionados, os quais prevalecem sobre outras fontes de significado. Para um determinado indivíduo ou ainda um ator coletivo, pode haver identidades múltiplas. Existem três formas e origens de construções de identidade, dentre estas: Identidade legitimadora – introduzida pelas instituições dominantes da sociedade no intuito de expandir e racionalizar sua dominação em relação aos atores sociais. 39 Antropologia Cultural Identidade de resistência – criada por atores que se encontram em posições/condições desvalorizadas ou estigmatizadas pela lógica da dominação, construindo, assim, trincheiras de resistência e sobrevivência com base em princípios diferentes dos que permeiam as instituições da sociedade, ou mesmo opostas a estes últimos. Identidade de projeto – atores sociais utilizando-se qualquer tipo de material cultural ao seu alcance constroem uma nova identidade capaz de redefinir sua posição na sociedade e, ao fazê-lo, de buscar a transformação de toda a estrutura social. A identidade agora mais do que nunca aparece em nossas vidas, entrando em nosso mundo particular, quando se levanta questionamentos os mais diversos sobre o sentido da vida e dos valores que tínhamos ate então como tradicionais e invioláveis. As identidades modernas, individuais e coletivas, cada vez mais estão sendo fragmentadas, descentradas e descontínuas, as bases sólidas sobre as quais se assentavam e dava sustentação a noção de identidade e aos processos de identificação, como nacionalidade, raça, classe, gênero, religião, língua, sexualidade etc., tornaram-se vulneráveis diante da nova realidade pós-moderna. Percebe-se que a identidades nacionais estão se desintegrando, como resultado do crescimento da homogeneização cultural do mundo pós–moderno, elas e outras identidades locais estão sendo reforçadas pela resistência à globalização. As identidades nacionais estão em declínio, mas nova identidade hibrida estão tomando seu lugar. Hibridas porque se constroem e se reconstroem dinamicamente nas suas práticas relacionais. Essa compreensão coloca por terra a ideia de identidade como algo estático. Na visão de Giddeans (2005), a ênfase na hibridação afasta a pretensão de se estabelecer identidades puras ou autênticas e evidencia o risco de se delimitar identidades locais autoconhecidas que se contraponham às sociedades nacionais ou globalizadas. Frente ao hibridismo e à diversidade, há essas fortes tentativas de se reconstruírem identidades purificadas para restaurar a coesão e a tradição. A reafirmação de raízes culturais tem sido uma das fontes de identificação em muitas regiões. 40 Antropologia Cultural 3.1 A identidade como valor As pessoas se comportam de acordo com sua realidade cultural, sendo que o papel desempenhado pela mídia toma um caráter fundamental em virtude da abrangência pela qual podemos entrar em contato com outras culturas. A partir do processo de globalização, a cada dia estamos vendo surgir grandes preocupações com a convivência entre os povos, pois a diversidade é grande, e assim passaram a existir influências diretas no nosso processo cultural que antes aconteciam mais lentamente. Não há identidade estática, ela é dinâmica e vai se formando a partir dos valores que elegemos como sendo os melhores. Nem sempre esses valores são aceitos por todos e assim fazemos uma negociação de sentidos, isto é, o jogo de identificações. Fonte: https://www.revistafinal.com/2014/02/14/oficinas-gratuitas-de-musica-danca-e-teatro/ 41 Antropologia Cultural Observa-se que é muito importante destacar não só as relações de poder que envolvem a questão da identidade, mas o julgamento de valor feito frequentemente, ao nos depararmos com uma realidade diferente da nossa. A cultura passou a ser mais importante como referência aos conflitos internacionais do que a ideologia ou a economia diante da realidade do mundo contemporâneo. O racismo começou a se modular e a crescer à sombra do difusionismo culturalista euro americano e do entretenimento rebarbativo oferecido às massas pela televisão e outros ramos industriais. Neste contexto, fica evidente a relação mídia X mercado na qual o valor cultural é contrabalançado pelo estereótipo consumista que constrói a identidade negra a partir dos materiais fantásticos do homem branco. É interessante porque já observamos no supermercado e bancas de revistas o surgimento de produtos voltados para as pessoas da pele escura, produtos de higiene, beleza e revistas especializadas para este público. É uma novidade no mercado que até pouco tempo atrás não existia. É um tipo de discriminação considerada como positiva, tendo em vista que leva a uma afirmação dos negros a partir dos valores próprios de sua cultura. Da mesma forma que pessoas negras que se destacam no cenário artístico, esportivo e em outras profissões servem como referências positivas. 3.1.2 Raça e identidade Agora vamos tratar de raça como elemento importante para a definição de uma identidade, para tanto precisamos recorrer novamente ao conceito de identidade, desta vez com outro enfoque, ou seja, o que leva em consideração a sua origem e os elementos chave que a compõem. A globalização faz com que ressurja a discussão sobre as diferenças entre as culturas pela subsistência do preconceito. Nessa nova ordem mundial, o que era superado pela homogeneização das identidades culturais agora se torna assunto da maior importância na luta pela sobrevivência de grupos espalhados pelo mundo, através das grandes migrações de povos marginalizados em busca de sua sobrevivência. 42 Antropologia Cultural Na pós-modernidade, o indivíduo previamente vivido como tendo uma identidade unificada e estável está setornando cada vez mais fragmentado, composto não de uma única, mas de várias identidades, algumas vezes contraditórias ou não resolvidas. Esse processo produz o sujeito conceitualizado como não tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente. A identidade torna se uma celebração móvel, formada e transformada continuamente em relação às formas as quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam. Assim, para entendermos uma identidade de maneira mais completa é preciso enfocar outros aspectos tais como espelho, invenção e a ideologia. O espelho é a relação que estabelecemos com o outro, relações de alteridade- igualdade e diferença- parâmetros através dos quais nos definimos “outros”. A invenção é a forma como construímos essa identidade – a máscara, a persona. A ideologia é o aspecto político, que escolhemos como sentido ou causa para vivermos. A palavra raça tem vários significados, sendo aplicado em muitas situações diferentes. Tais como o jogador que tem “raça”, ou “raça” de um povo. Portanto, pelo que foi exposto, pode-se considerar a raça como atributo biológico, que definirá sozinho uma identidade. Esta aparecerá como mais um elemento no conjunto de outros que ajudarão nesse conceito, uma pessoa ou sociedade tem outras características importantes para a formação de sua cultura que não apenas a questão da cor como, por exemplo, os contatos existentes entre os povos provocados pela facilidade dos meios de comunicação, dos transportes, da tecnologia; esse fluxo constante de pessoas é muito significativo para tudo que podemos analisar nessa questão sobre identidades. A busca de identidades mostra-nos que o homem, na pós-modernidade, sente a necessidade dos laços que remontam a comunidade, mesmo sabendo que uma identidade é sempre ressignificada em outro meio. Esse fato só será possível porque os elementos que compõem uma identidade não são aleatórios, eles estão em nossa bagagem social, histórica e cultural, não se eleva tudo, mas muitos são escolhidos como fundamentais no novo contexto. É preciso que façamos uma reflexão sobre como nossa população indígena, negra, grupos religiosos, entre outros, em nosso país e no mundo, estão resistindo e reagindo à massificação da cultura. Quais as saídas para essas populações 43 Antropologia Cultural reprimidas pelo desenvolvimento tecnológico? As “minorias” sociais são consideradas as novas tribos na sociedade de massa. Essas “minorias”, tais como os homossexuais, negros, povos indígenas, mulheres, portadores de deficiência, etc., trazem um importante questionamento sobre o que é normalidade e maioria. A nova organização geopolítica mundial trouxe grandes mudanças no modo de vida das populações mundiais. A alta tecnologia, também conhecida pela automação da sociedade, é a marca deste tempo de globalização, no qual entramos em contato direto e constante com outras culturas. Não é fácil lidar com os valores novos, para isso é preciso uma avaliação constante sobre nossos objetivos pessoais e coletivos, levando a um forte questionamento sobre as identidades tradicionais nas quais já estávamos acostumados. 3.1.3 Preconceito, estereótipos e discriminação O preconceito, os estereótipos, bem como as discriminações, estão relacionados com as atitudes ou comportamentos referentes aos indivíduos, aos Fonte: http://conceptualdelacultura.blogspot.com/2011/02/la-cola-del-dragon_15.html 44 Antropologia Cultural grupos, a cultura baseados em julgamentos que são mantidos mesmo diante de fatos que os contradizem; em uma sociedade capitalista a situação não poderia ser diferente. O preconceito envolve uma avaliação negativa de uma pessoa pelo simples fato de o identificarmos com um grupo determinado do qual temos preconceito. É importante entendermos que não existem apenas grupos de minorias que são alvos de atitudes preconceituosas, mas qualquer grupo social. Segundo alguns teóricos, o preconceito é resultado de frustrações pessoais e podem estar relacionados com o tipo de personalidade que o indivíduo apresenta. Por exemplo, uma pessoa pode ser autoritária, hostil, intolerante ou simplesmente por ser de um partido ou de religião. Considera que a base cognitiva do preconceito são os estereótipos, envolvidos por crenças sobre características individuais que são atribuídas a indivíduo ou grupo. Geralmente as crenças preconceituosas são consideradas como estereótipos negativos, por isso que muitas pessoas dizem que conceito de estereótipo é muito próximo do conceito de preconceito. Os estereótipos estão ligados a uma padronização rígida, cria-se um estigma em que não se vê elemento positivo no indivíduo sendo julgado na maioria das vezes, negativamente como se fossem carimbados diante de atributos dirigidos a pessoa ou grupo. Assim o estereótipo pode ser considerado como um comportamento funcional muitas vezes equivocado e condenatório, pela influência dos meios midiáticos com uma visão às vezes profunda ou artificial. É preocupante, do ponto de vista social, quando esses estereótipos são destrutivos e limitam o próprio indivíduo a buscar novos conhecimentos, criam a imagem de que o mundo é complexo demais, e diante disso levam o indivíduo a achar que lhe convém não gastar energias e nem tempo cognitivo para vencer a situação social excludente. Ao vermos uma pessoa suja, desarrumada, a imagem produzida é sempre a de achar que ele é mendigo, um preguiçoso, um criminoso. A lista é imensa. Chamamos esse ato de rotulação. A rotulação pode chegar ao cúmulo de dizer que alguém é menos capaz por ser mulher. A questão de gênero tem se tornado uma forma de estereotipar. Por exemplo, quando estipulamos que as atividades domésticas devem ser realizadas por mulheres, estamos criando um rótulo. Desta forma, se o homem fizesse tal atividade poderia estar apresentando traços femininos; ou quando acreditamos que os 45 Antropologia Cultural homens são sempre superiores às mulheres e assim por diante, reforçamos muitas vezes sem perceber os estereótipos e rótulos. A discriminação muitas vezes é provocada e motivada pelo preconceito, pode ser dada por sexo, idade, raça/etnia, social, religiosa, por portadores de necessidades especiais, por doença, aparência. Ela pode ocorrer no indivíduo, em grupo, na instituição, na sociedade em geral, é quando certas empresas deixam de contratar um excelente colaborador por ter tatuagem, ou por ser portador de necessidades especiais, entre outros. O preconceito está tão arraigado nas relações humanas que é difícil discutirmos sobre a sua natureza, visto que ele surge por diversas funções, como defesa pessoal, posição social ou até como mecanismo de sobrevivência, suas origens são profundas, ligadas à própria natureza humana. O preconceito é decorrente de fontes sociais, emocionais e cognitivas. Possui suas causas classificadas em quatro categorias: Competição e conflitos econômicos- considerados um dos percursos que mais conduzem os indivíduos na formação de estereótipos, preconceitos e discriminação, por provocarem reações de hostilidade, inimizadas onde antes prevalecia a paz, ou pelo menos a tolerância mútua. O papel do bode expiatório - o indivíduo, quando se encontra frustrado e infeliz, tende a transferir sua agressividade para grupos visíveis, aparentemente sem poder, desenvolvendo sentimentos negativos e de repulsa. Fatores de personalidade – indivíduos com personalidade autoritária têm mais propensão a desenvolver atitudes preconceituosas por serem consideradas pessoas que geralmente apresentam rigidez nas opiniões, intolerância, desconfiança, entre outros, acreditando na sua superioridade, bem como na do grupo a que pertencem. Causas sociais do preconceito – a aprendizagem social, conformidade ecategorização social: essas causas defendem a ideia de que o preconceito é criado e mantido por forças sociais e culturais. As normas sociais são aprendidas, transferidas de geração para geração. As conformidades são mantidas por medo de não ser aceito, por isso o indivíduo cede à pressão social. Muitas vezes, essas são motivadas pelos meios midiáticos e pelas artes, que são grandes disseminadoras de opiniões e agentes de 46 Antropologia Cultural socialização. Dessa forma, ocorre o que chamamos de “categorização social”, quando processamos psicologicamente as informações, categorizando as pessoas, formando estereótipos negativos com relação a elas. Preconceito é considerado uma atitude, inclusive difusa, que são influenciados pelos componentes: cognitivo, afetivo e comportamental. Etimologicamente, estereótipo é derivado de duas palavras gregas: “stereos” e “teípos”, que significam respectivamente “rígido” e “traço”. A discriminação é o comportamento, é a ação, é a conduta em si do indivíduo Fonte: https://davissenafilho.blogspot.com/2016/05/discriminacoes-preconceitos-golpe-de.html 47 Antropologia Cultural 3.2 Identidades Socioculturais e a Realidade Brasileira A ressignificação dos movimentos intelectuais e populares tentou criar marcas identitárias para o povo brasileiro. A busca de construção da identidade nacional é uma constante ao longo da história da cultura brasileira. Essa busca refletiu-se nas artes, nas ciências humanas e na ideologia política. Os debates sempre foram complexos, com alguns pontos como: aspectos da criação de um mito fundador da nação, a identificação e a valorização de singularidade que distinguem a cultura e a civilização brasileira e o relacionamento com elementos estrangeiros étnico/raciais. Sempre foi demonstrada uma grande preocupação em discutir a identidade e o futuro da nação brasileira, foram propagados diferentes discursos discutindo o que é ou não ser brasileiro. Assim destacaram-se políticos, militares, empresários e especialmente artistas e intelectuais, através da literatura, das artes plásticas, da música e mesmo de manifestos. Os artistas e intelectuais modernistas e pós- Fonte: http://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/direito-facil-1/discriminacao-ou-preconceito 48 Antropologia Cultural modernistas procuram construir práticas discursivas para tentar compreender as identidades culturais brasileiras. 3.2.1 Tentativas de se construir um caráter de identidade nacional brasileira Numa paisagem histórica do Brasil no início do século XX, visualiza-se a cidade em processo de industrialização e urbanização. Novos valores estavam se agregando, vindos de várias partes do mundo no processo migratório. Diante das grandes contradições vividas pelo Brasil, a intelectualidade procurava delinear a imagem cultural no Brasil. Inicialmente, o ser nacional do Brasil foi representado a partir do olhar estrangeiro, viajantes europeus que muitas vezes não conseguiam enxergar as construções identitárias brasileiras no século XIX, ao construírem discursos preconceituosos e etnocêntricos sobre os grupos indígenas e as manifestações culturais dos homens e mulheres negras. A intelectualidade brasileira se uniu no intuito de desconstruir o olhar estrangeiro que tentava inventar o Brasil pelas lentes eurocêntricas, em 1920. Sabiase que o principal problema da não construção de uma identidade nacional era o enfraquecimento dos traços e praticas culturais endógenas em detrimento dos exógenos. Portanto, a intelectualidade era acusada de viver de costas para a cultura brasileira, ou seja, viver expatriado em sua própria terra sonhando viver ou morrer em Paris. “Assim, a missão do intelectual era vencer a percepção de sua oralidade como exótica, ou seja, vencer o olhar estrangeiro que informava a visão de si próprio” (OLIVEIRA, 2000, P.137). Os modernistas procuravam trabalhar na perspectiva do nacional e não do regional. Em 1926 surge um movimento chamado “Manifesto Regionalista”. Esse movimento desenvolve dois temas: a defesa da região como unidade de organização nacional e a conservação dos valores regionais e tradicionais do Brasil em geral, e do nordeste em particular. 49 Antropologia Cultural Os regionalistas tinham a região como elemento constitutivo da nação, ao frisar a necessidade de uma articulação inter-regional, era preciso ser regional para poder construir um sentimento de pertença aos valores nacionais. As transformações ocorridas na sociedade brasileira pós-1930 no governo Vargas, e o impacto causado com a Segunda Guerra Mundial foram importantes para alterar a ideia de nação que se desejava. O estado novo, ao pretender ser novo e nacional, procurou juntar modernização e tradição. Impôs a noção de brasilidade ligada à questão do nacionalismo econômico e à modernização do país. Na década de 1950, o país se vê com influências de intelectuais, então teria que buscar caminhos de desenvolvimento ultrapassando todas as etapas que os países capitalistas desenvolvidos já tinham ultrapassado. Mais uma vez os intelectuais não procuram nortes para resolver os problemas brasileiros a partir das nossas próprias construções histórico-econômicas e culturais; queriam que copiassem as experiências exógenas de países como os Estados Unidos. Entretanto, com Juscelino Kubitschek e o governo populista o Brasil pode avançar 50 anos em cinco, deixando de ser essencialmente rural, expandindo-se uma nova classe social: a classe média, influenciada pelas oscilações internacionais no campo da moda e da cultura. Foi nesta década que ocorreu um movimento migratório interno entre regiões brasileiras, especialmente do Nordeste para o Sudeste do país, portanto, mão de obra barata para ampliarem a construção civil na região. Neste mesmo período ocorre um crescimento vertiginoso da indústria midiática, cinemas, jornais, emissoras de rádio e o surgimento da televisão; são criadas correntes vanguardistas estéticas como a Bossa Nova. Nessa época, o cinema brasileiro, sob o impacto do Neorrealismo italiano, procurou discutir não as marcas da nacionalidade brasileira, mas as contradições brasileiras em nível nacional. As produções cinematográficas procuravam mostrar as desigualdades em nível e tensões sociais inerentes à vida na cidade e no interior dos sertões brasileiros. Assim, no governo JK, o país despertou do sonho de desenvolvimento, por meio de um prenúncio de desestabilização econômica e recrudescimento do poder econômico da sociedade civil. Politicamente, o povo brasileiro se depara com governos populistas instáveis nas suas governabilidades e domínios militares, ou 50 Antropologia Cultural seja: eleição e renúncia de Jânio Quadros, governo de João Goulart e as reformas de base e Golpe Militar em 1964. No período da década de 50 e início da década de 60, organizam-se e crescem os movimentos sociais reivindicatórios em favor de políticas econômicas e sociais e educacionais dos direitos dos trabalhadores. No contexto cultural, os artistas e intelectuais se revestem de um caráter nacional-revolucionário, afirmando a singularidade da identidade cultural brasileira. Construía-se a chamada arte engajada, ou seja, os setores mais à esquerda passam rapidamente do conceito de uma arte nacionalista para o de arte como instrumento de transformação social. Foi no Cinema Novo que a manifestação artística passou a abordar os graves problemas sociais vivenciados pelos homens e mulheres do campo. Quando eclodiu o Golpe Militar em 1964, foram exatamente estes artistas/intelectuais da linha nacional- revolucionária que se tornaram alvos da repressão. Os artistas Caetano Veloso e Gilberto Gil foram os que ousaram propor formas e conteúdos que destoavam da MPB, de
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