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A IDENTIDADE AMAZÔNICA NA CANÇÃO PARAENSE (4)

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A IdentIdAde AmAzônIcA nA cAnção pArAense
Edilson Mateus Costa da Silva
Nepan Editora
Rio Branco - Acre
2020
Rio Branco - Acre - Brasil
Diretor administrativo:
Marcelo Alves Ishii
Conselho Editorial
Agenor Sarraf Pacheco - UFPA
Ana Pizarro - Universidade Santiago/Chile
Carlos André Alexandre de Melo - UFAC
Elder Andrade de Paula - UFAC
Francemilda Lopes do Nascimento - UFAC
Francielle Maria Modesto Mendes - UFAC
Francisco Bento da Silva - UFAC
Francisco de Moura Pinheiro - UFAC
Gerson Rodrigues de Albuquerque - UFAC
Hélio Rodrigues da Rocha - UNIR
Hideraldo Lima da Costa - UFAM
João Carlos de Souza Ribeiro - UFAC
Jones Dari Goettert - UFGD
Leopoldo Bernucci - Universidade da Califórnia
Livia Reis - UFF
Luís Balkar Sá Peixoto Pinheiro - UFAM
Marcela Orellana - Universidade Santiago/Chile
Marcello Messina - UFAC
Marcia Paraquett - UFBA
Maria Antonieta Antonacci - PUC/SP
Maria Chavarria - Universidad San Marcos
Maria Cristina Lobregat - IFAC
Maria Nazaré Cavalcante de Souza - UFAC
Miguel Nenevé - UNIR
Raquel Alves Ishii - UFAC
Sérgio Roberto Gomes Souza - UFAC
Sidney da Silva Lobato - UNIFAP
Tânia Mara Rezende Machado - UFAC
Contato: editoranepan@gmail.com
Projeto Gráfico e Arte final da capa: Marcelo Alves Ishii
Diagramação: Marcelo Alves Ishii
S586i Silva, Edilson Mateus Costa da
A identidade amazônica na canção paraense / Edilson Mateus Costa 
da Silva. – Rio Branco: Nepan, 2020.
128 p.
ISBN: 978-65-990272-1-5
1. Música – Pará. 2. Música regional. 3. Música popular - Barsil. 4. 
Música brasileira. I. Título.
CDD 22. ed. 780.98115
Bibliotecária Maria do Socorro de O. Cordeiro – CRB 11/667
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
A IDENTIDADE A IDENTIDADE 
AMAZAMAZÔÔNICA NA NICA NA 
CANCANÇÃÇÃO O PPARAENSEARAENSE
S u m á r i o
prefácIo
mIstérIos dA cAnção regIonAlIstA ................................ 7
Antonio Maurício Dias da Costa
Introdução ..................................................................................... 9
o “regIonAl” nos Anos 70 (sobre A 
AmAzônIA e o brAsIl) ............................................................. 16
“Imagens” da Amazônia .............................................................16
O Pará no “Futuro” ...................................................................18
o regIonAl-populAr nA cAnção ....................................... 27
Indústria Cultural e produção artística .........................................27
O “regional-popular” ..................................................................31
o cAncIoneIro “nAtIvo” de pAulo André e 
ruy bArAtA .................................................................................. 43
“cAn you see, mr. bIll?”: músIcA de 
protesto e crítIcA à “IntegrAção” dA 
AmAzônIA ................................................................................ 61
odIsséIA AmAzônIcA: AlterIdAde e 
memórIAs do “exílIo” ............................................................. 75
o cAnto do uIrApuru: A erA regIonAlIstA 
de fAfá de belém ..................................................................... 87
fAfá: “publIc relAtIons” .....................................................107
conclusão ...................................................................................122
referêncIAs .................................................................................125
FONTES: ................................................................................. 126
7
Sumário
Prefácio
mIstérIos dA cAnção regIonAlIstA
Antonio Maurício Dias da Costa
Faculdade de História/ PPGHIST – UFPA
A canção e seus mistérios. É por esse caminho que Edilson Mateus Costa da Silva nos conduz neste seu livro revelador “Ruy, Paulo e Fafá”. Mas não por mistérios do sobrenatural. As “revelações” do autor apontam para a eficácia da canção 
como “canal de comunicação” entre os artistas, os produtores, a mídia e o público em geral. Letra e 
música tornam-se, nas palavras do autor, modelos e conceitos, oriundos da vida social e aptos a reinven-
tá-la, por meio da imaginação artística. Na obra dos artistas em foco, a palavra cantada (e musicada) 
propõe-se como narrativa de uma sociedade sobre si mesma, na direção do que o autor chama de regio-
nal-popular. Voltarei a isso adiante.
Vai longe no tempo a proposição intelectual de que a música expressa a “alma do povo”. A 
ideia desenvolvida pelos filósofos românticos europeus desde fins do século XVIII desembarcou no Bra-
sil nas primeiras décadas do século XX, com a busca modernista pela “verdadeira música brasileira”. 
É certo que esta “música nacional” não foi descoberta de forma pura, como se queria, mas o trabalho 
de musicólogos, folcloristas e literatos, entre os anos 1920-40, revelou os vários caminhos da produção 
da música popular. Tal variedade, por sinal, contribuiu inclusive para repensar a ideia de popular na 
música, dadas as influências estrangeiras e eruditas detectadas pelos pesquisadores na música de ori-
gem rural.
O que se descobriu com estas pesquisas, ou se constatou mais tarde, é que a produção musi-
cal é um dos campos mais dinâmicos de circulação cultural, dada a sua f luidez e imaterialidade. Mas, 
ao mesmo tempo, ela pode estipular repertórios simbólicos que se impõem junto à sociedade dotados até 
mesmo de força política. É nesta chave que entra em cena a noção de regional-popular desenvolvida por 
Edilson Mateus Silva. Enunciados e imagens propostos na canção emergem socialmente como narrati-
vas sobre o regional, reinventando-o.
O regional, em termos políticos e culturais, acaba por ser uma expressão menor do nacio-
nal, ao mesmo tempo a ele condicionado. Nação e região formam um par combinado e se reforçam 
mutuamente quando agentes políticos e artísticos atuam em seus nomes. Mais ainda: região não pode 
ser pensada em exclusão ao nacional. Há entre os dois planos uma continuidade visceral, uma relação 
complementar, pela qual se mantém o jogo metonímico entre a parte e o todo.
O regional-popular presente nas canções de Ruy Barata, Paulo André e Fafá de Belém se 
constituiu numa vertente do regionalismo musical brasileiro na Amazônia, recriado a partir dos anos 
1970. Regionalismo amazônico proposto e imaginado nestas canções como comunidade política e cul-
tural. A suposta unidade humana e espacial amazônica é promovida como evidência poético-musical, 
componente do repertório mais amplo da música popular brasileira.
8
Sumário
A música regional amazônica de Ruy, Paulo e Fafá emerge a partir de condicionantes esti-
lísticas, mercadológicas, políticas e culturais próprias dos anos 1970 no Brasil. É o caso, por exemplo, 
dos projetos de “integração” da Amazônia ao país ensejados pelos governos militares. Esta foi uma 
temática orientadora do discurso político incorporado de forma implícita ou explícita nas canções do 
trio de artistas. Ao mesmo tempo, tal orientação criativa permitiu o ingresso destas obras na vitrine 
do mercado musical brasileiro, exatamente quando se consolidava o rótulo MPB enquanto complexo 
artístico-musical de escala nacional.
Ruy, Paulo e Fáfa formam como que um contínuo de produção musical que vai da menor 
à maior inserção no mercado da música. Ruy Barata, literato oriundo da geração de escritores surgidos 
em Belém nos anos 1940, desenvolveu sua carreira artística e política na capital paraense, tornando-se 
referência como intelectual de esquerda combativo ao regime militar. Algumas de suas criações poéticas 
foram vertidas pelo “violão de rua” de seu filho Paulo André, cantor e compositor surgido em Belém 
nos festivais estudantis da canção, promovidos na cidade desde fins dos anos 1960. Paulo André chegou 
a desenvolver uma carreira de relativa projeção nacional nos anos 1970 e 1980, mas suas composições 
só alcançaram grande fama na voz de Maria de Fátima Moura Palha, a Fafá de Belém.
A alcunha da cantora denota sua posição adventícia em meio aos círculos de cantores e 
compositores baseados no eixo Rio São Paulo nos anos 1970. Desdeo primeiro disco gravado, Fafá se 
tornou uma espécie de porta-voz (ou “porta-bandeira”) nacional de um novo regionalismo amazônico. 
Seus registros das composições de Paulo André e Ruy Barata tornaram-se um conjunto discursivo sobre 
a Amazônia. O regionalismo da MPB feita na Amazônia pela tríade artística acrescentou-se às ondas 
anteriores regionalistas surgidas nas artes paraenses desde a segunda metade do século XIX. Como 
aponta Edilson Mateus Silva, a Amazônia de Fafá tornou-se trilha de novela e cenário de videoclipes, 
marcada por imagens de f lorestas, rios, vestes e adereços indígenas e rurais.
Fafá tornou-se então a representante do “novo” exotismo amazônico no cenário da canção 
popular brasileira. Seus discos de início de carreira seguiram a trilha das constantes “redescobertas” 
da Amazônia pelo Brasil. Isso, ao mesmo tempo em que o governo federal, na mão dos militares, pro-
movia projetos econômicos de integração da Região Norte à matriz de desenvolvimento do país. Assim 
revela-se a filiação do regional-popular ao nacional-popular no domínio da canção: a moderna tradi-
ção musical paraense ensejada por artistas como Ruy, Paulo e Fafá contribuiu, a partir das margens 
e na chave do exótico, para a formação da pauta artístico-política-mercadológica da Música Popular 
Brasileira como complexo cultural.
Este é o principal “mistério” elucidado neste livro. O autor enfrenta a polissemia da músi-
ca-canção, das capas de disco e dos videoclipes cruzando-os com textos jornalísticos e registros memoria-
lísticos. O resultado foi uma brilhante dissertação de mestrado, a qual tive a honra de orientar, e que vai 
agora ao público na forma (mais leve!) de livro. Que o prazer desta leitura nos ajude a entender a força 
sociológica que tem a canção, a arte e a criação em nosso mundo aparentemente duro e materialista.
9
Sumário
Introdução
Os personagens abordados neste livro possuem uma relevância ímpar no que tange ao conhecimento da história do Pará no século XX. Ruy Ba-rata, Paulo André Barata e Fafá de Belém são peças fundamentais na 
configuração do imaginário local, nacional e internacional sobre a Amazônia. As canções 
da dupla de compositores Paulo André e Ruy Barata estabeleceram profundas interpreta-
ções acerca da realidade do “homem amazônico” nas suas riquezas e nas suas mazelas. Eles 
foram cronistas dos tempos da “integração”/ “colonização” da região e exportaram para o 
mundo um canto de denúncia e de defesa das tradições das populações tradicionais amazô-
nicas.
Segundo Vicente Salles: “Tal como o uirapuru – mito canoro da Amazônia – 
canta rodeado de admiradores, Fafá de Belém se faz rodear de admiradores muito além 
das fronteiras da terra natal”. Compreendeu o eminente erudito paraense, que a cantora é 
a própria essência da sonoridade paraense exportada para os mais longínquos lugares. O 
exotismo, a sensualidade e a poética amazônica na voz, no corpo e na mente se converteram 
em um panorama musical e audiovisual decisivo para a definição do sentimento de “paraen-
sismo” que se configurou ao longo da segunda metade do século XX. 
Estes artistas nos transportam para uma Amazônia mítica e internalizada no 
sentimento do ser paraense, nos localizando na mata, nos rios e na vivência bucólica e poé-
tica da cultura tradicional da região. Redimensionam nossa perspectiva ao interligar esse 
mosaico com a diversidade e a multiplicidade dos encontros e trocas estabelecidos com o 
cosmopolitismo e a ruralidade, entre o folclórico e o popular, entre o regional e o universal. 
Portanto, esta obra tem como objetivo esclarecer nossa vivência sonora paraora e narrar a 
construção de uma identidade amazônica pautada na atualização de nossa história.
Esta obra é fruto das pesquisas que desembocaram em minha dissertação de mes-
trado. O texto aqui presente sofreu ampliação e revisão, e isto se deveu a uma necessária 
incorporação de fontes e um rearranjo argumentativo. Por outro lado, a maior parte da obra 
permaneceu a mesma e a tese central e as conclusões advindas ainda possuem a sua vali-
dade. As inclusões vieram solucionar, ou melhorar, caminhos narrativos reiterando nosso 
conhecimento sobre o assunto.
***
A canção popular é um fenômeno cultural capaz de colaborar na formação da 
identidade de um povo. O alto poder de divulgação e assimilação que as músicas possuem 
no âmbito da sociedade as tornam um amplo canal de comunicação capaz de (re)elaborar 
e discutir conceitos através de temáticas expressas nas letras, nas melodias, nos timbres, na 
escolha dos instrumentos e dos gêneros musicais. 
A música pode ser definida como uma organização de sons com o objetivo de 
estabelecer uma comunicação, uma organização que não ocorre no vazio. As comunidades 
elaboram suas escalas, suas melodias e suas harmonias com base em escolhas culturais e 
10
Sumário
a musicalidade somente ganha sentido em sua realidade sociocultural. O fenômeno musi-
cal deve ser compreendido como “vazado de historicidade”, ou seja, “é sempre produção 
e interpretação das culturas”.1 Isto implica dizer que existe na relação entre a produção 
e a difusão, pressupondo a presença de criadores/compositores, executantes/intérpretes e 
ouvintes/público, “condições históricas especiais que na realidade criam e instituem as re-
lações entre som, criação musical, instrumentista e o consumidor/receptor”.2 Portanto, as 
obras de arte revelam muitas questões sobre o imaginário social. A arte é uma metaforização 
a respeito do mundo ancorada na relação que o indivíduo/autor constrói com a sociedade. 
Em um movimento dialético, o artista é capaz de interagir, construir e reconstruir ideias e 
debates, trazer à tona contradições e respostas.
Sensibilidades e sociabilidades convergem para fundar as interpretações de mun-
do.3 Toda definição e impressão que se elabora no imaginário humano é fruto tanto daquilo 
que conhece, quanto daquilo que sentimos, quanto sujeitos históricos. Analisar a obra poé-
tica e musical é buscar elementos que componham o pensamento real e vivido, construído a 
partir das experiências e das memórias. Toda obra de arte é um testemunho histórico carre-
gado de emoções e razões, cabe ao historiador interpretar de maneira coerente e articular a 
relação entre o “eu” e a sociedade.
A música, tanto a canção (letra e melodia) quanto a instrumental, deve ser pen-
sada como expressão artística capaz de criar e consolidar modelos e conceitos. Em especial, 
no século XX “o mundo passa a entrar e ser inventado a partir do ouvido”.4 Mais além, há 
uma “(...) predominância do sentido da escuta na invenção do mundo do século XX (...).” 5 
Nesse sentido, a música popular brasileira é capaz de criar um sentido de nação a partir dos 
veículos divulgadores da mídia. Desta forma, não é possível compreender a configuração 
da identidade nacional sem levar em consideração o papel do imaginário vinculado pela 
canção popular de massa. A partir destas considerações, irei tomar a canção popular como 
um elemento central na formação da identidade cultural de um grupo, de uma comunidade, 
de um “povo”.
Tomando esta perspectiva penso a Amazônia como “inventada” pela escuta e 
pelos que produzem a música popular. A partir do momento em que há gravações e divulga-
ção de conteúdos temáticos tidos como representantes da região do extremo norte, os sons 
passam a ser narrativas que colaboram na (re)elaboração da cultura amazônica. 
A canção popular colaborou para a constituição de uma tradição no campo da 
cultura brasileira, entre outras palavras, a música é um elemento fundamental na compreen-
são da própria identidade cultural do país. Neste sentido, o discurso da modernidade mu-
sical brasileira está pautado em valores ligados à tradição.6 A canção popular percorre uma 
narrativa sincopada, um ir e vir no tempo histórico, valorizando, omitindo e “apagando” 
1 WISNICK, José Miguel. O som e o sentido. São Paulo: Cia. Das Letras, 2002, p. 48.
2 RAYNOR, Henry. História Social da Música. Rio de Janeiro: Guanabara,1986, p. 8.
3 PESAVENTO, Sandra J. et all. Sensibilidades e sociabilidades: perspectivas de pesquisa. Goiânia: Editora da UCG, 2008.
4 TÉO, Marcelo. Introdução. In: A vitrola nostálgica: música e constituição cultural (Florianópolis, décadas de 1930 e 1940). Flo-
rianópolis: Letras contemporâneas, 2007. p. 21
5 TÉO. Marcelo. Op. Cit. p.21.
6 NAPOLITANO, Marcos. “Introdução”. A síncope das idéias. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2007. p.5.
11
Sumário
concepções de acordo com o momento específico e os debates em torno das representações 
musicais. Não podemos pensá-la tendo um sentido único, sem retornos, sem rupturas e sem 
permanências.7 Ressaltando que este parâmetro deve ser pensado a partir da sua inserção na 
indústria fonográfica. 
A análise que proponho tem como sentido compreender como as narratividades 
da canção e da poética interagem entre si e com debates políticos e culturais, estabelecendo 
que a política, a cultura e a arte são indissociáveis, tendo toda manifestação artística forjada 
em um diálogo pautado nas representações da sociedade.
É importante ressaltar que a canção é um documento que se difere do poema. A 
existência da canção é ancorada no binômio texto-som, o que torna estas duas instâncias 
inseparáveis na sua composição. A canção não pode ser analisada somente pelo parâmetro 
do texto, já que o arranjo, as escolhas instrumentais e a interpretação devem ser tomados 
em conta e, na medida em que a música é um documento, a gravação e esses elementos in-
teragem dando seu sentido uníssono.8 Assim, ao utilizar a letra, deve ser tomada como um 
dos elementos da fonte que isolados não revelam a existência histórica. A análise das letras, 
destituídas do âmbito sonoro, configuram uma visão parcial do documento, que só pode ser 
compreendida no contexto geral da criação poético-sonora. No caso da indisponibilidade 
da audição dos fonogramas, parte do objeto música popular nunca será apropriado pelo 
pesquisador. Sendo assim, a performance (a execução pelo intérprete) é um elemento central 
na realização histórico-social da canção, o que torna a audição fundamental no processo de 
coleta do material e do percurso metodológico de um trabalho que visa abordar a canção 
como documento histórico.9 
O ato de criação do poema é ligado à forma métrica e seu recurso de verso, já a 
canção está ligada à fala. A canção possui um tom coloquial, no qual a letra é construída 
no parâmetro da pronúncia e do canto.10 A questão do poema é relacionada ao estudo da 
literatura, é uma manifestação artística que no campo da história é tomada a partir dos 
parâmetros que a tornam um documento histórico. Toda obra literária pode ser objeto de 
estudo devido ao fato de ser uma representação do mundo do autor em sua época e em seu 
lugar, mesmo as obras ficcionais são carregadas de definições sobre a sociedade em que o 
autor vive. Os romances e os poemas tornam-se matéria de história pelas mesmas razões em 
que as canções; na essência são narrativas ancoradas na individualidade e na relação com 
os grupos sociais. 
Outra noção importante é a polissemia, a capacidade que uma obra artística pos-
sui de levantar diversos sentidos no âmbito da obra, assim como o público pode desenvolver 
7 Para o autor, existem três linhas gerais na música popular que se constituíram como um parâmetro: a Bossa Nova, o ‘samba do 
morro’ e a MPB. Para o autor, a tradição da MPB é criada junto com as primeiras gravações que estariam entre o fim do século 
XIX e o começo do XX. Indo mais além do samba, busca os gêneros que lhe originaram: Maxixe, polca, lundu, modinha, etc. 
O autor busca compreender a gerência do paradigma musical do samba como representação sonora da cultura brasileira. Este 
se deve a dois fatores: 1) o gênero foi criado no momento das primeiras gravações de música no Brasil; 2) Surge de uma neces-
sidade de pensar uma sonoridade que fosse a síntese do povo brasileiro, logo, o samba possuindo características das três raças 
prioritárias, se constituindo como uma musicalidade mestiça, tal como a sociedade brasileira. Cf. NAPOLITANO, Marcos. A 
síncope das idéias. Op.Cit. p.6
8 NAPOLITANO, Marcos. “Para uma história cultural da música popular”. In: História e Música. 2 ed. São Paulo: Autêntica, 
2005, p.78.
9 Idem.
10 TATIT, Luiz. O cancionista: composição de canções no Brasil. São Paulo: EDUSP, 2002, p. 11.
12
Sumário
diversas interpretações.11 Aliado às preocupações metodológicas nos usos da canção, tam-
bém é necessário lidar com as múltiplas narrativas que envolvem um estudo de videoclipes 
e imagens de todo tipo, pensando-as como discursos que se cruzam, incorporando novos 
elementos a esta análise. A música deve ser pensada como a inserção de elementos visuais 
associados à produção e divulgação do material fonográfico. 
A partir desta perspectiva, busco explorar o material fonográfico disponível nos 
arquivos sonoros que guardam a produção musical paraense ao longo da segunda metade 
do século XX. Desta forma, irei confrontar a visão da opinião pública com a produção local 
existente. A hipótese que sustento é a de que esta documentação fonográfica, em grande 
parte inédita para a historiografia, pode trazer novos elementos para a construção históri-
co-social da música e da cultura popular e das representações de identidade regional. Com 
relação ao uso da canção popular como documento histórico deve ser levado em considera-
ção que “as canções poderiam constituir-se um acervo importante para se conhecer melhor 
ou revelar zonas obscuras das histórias do cotidiano dos segmentos subalternos”.12 Também 
deve ser ressaltada a riqueza da canção como fonte histórica capaz de “compreender certas 
realidades da cultura popular e desvendar a história de setores da sociedade pouco lembra-
dos”.13 Em termos historiográficos, somente a partir da “abertura documental” houve a 
ampliação do conceito de documento e o fim da pretensão de objetividade da historiografia 
tradicional que compreendia as produções culturais, entre elas a canção, como uma fon-
te excessivamente subjetiva.14 Com bases em novas perspectivas de pesquisa “mesmo uma 
documentação exígua, dispersa e renitente [como a canção popular!], pode, portanto, ser 
aproveitada”.15 
Embora tenha ocorrido uma expansão da produção acadêmica a partir dos anos 
80, a historiografia ainda é bastante tímida ao nível quantitativo de pesquisas sobre a músi-
ca popular urbana, ou seja, “o uso da canção popular urbana como fonte continua bastante 
restrito e precário, e aparentemente ainda mantém um status de segunda categoria no uni-
verso da documentação”.16 Esta afirmação se confirma no trato da história da Amazônia, já 
que quantitativamente o campo de pesquisa ainda engloba poucos pesquisadores e ao nível 
qualitativo o documento fonográfico tem sido utilizado como fonte de ‘segunda categoria’, 
mesmo em trabalhos sobre música popular, se tornando evidências acessórias. 
11 PARANHOS, Adalberto. “Entre o sim e o não: ciladas da canção”. Revista ArtCultura, vol. 3, n. 3, 2001. 
12 MORAES, José Geraldo Vinci de. 2000, p. 205.
13 Aliado a essa riqueza documental, os pesquisadores da canção popular por meio dos fonogramas têm encontrado diversos 
problemas como: a pouca organização dos acervos públicos, escassez de arquivos específicos sistematizados, além de uma dis-
persão das fontes sonoras (NAPOLITANO, 2008). Sobre os arquivos sonoros disponíveis para pesquisadores no Pará, destaca-
mos para nosso estudo voltado para o fonograma, a Fonoteca Satyro de Melo (Fundação Cultural Tancredo Neves) em Belém 
que disponibiliza acervo relativo a Long Plays gravados por artistas nacionais e internacionais, bem como possui um acervo 
específico e numeroso a respeito dos artistas paraenses gravados no Pará ou fora do Estado. Os problemas relativos à dispersão. 
14 Segundo Burke (1992) a partir do surgimento da “Escola” dos Annales na França (aproximadamente em 1929) houve uma 
abertura documental no sentido de que a historiografianão ficou mais restrita aos documentos “oficiais” de arquivos que objeti-
vavam realizar estudos relativos à política. Desta forma, documentos sonoros não poderiam ser concebidos como fontes para o 
conhecimento histórico. Embora, mesmo após a abertura documental somente nas décadas de 1970 e 1980 este tipo documental 
passou a ser explorado sistematicamente pela historiografia. No caso do Pará, estudos deste tipo só passaram a ser realizados 
com a afirmação dos programas de pós-graduação no século XXI. 
15 Op. Cit. p. 212
16 Op. Cit. p. 213.
13
Sumário
O canal de comunicação estabelecido com o público é realizado em grande parte 
pela canção. Portanto, qualquer estudo que busque estudar a música popular deve partir da 
escuta do material sonoro disponível. As canções realizam a partir do seu binômio texto-som 
o nexo de comunicação nas escolhas rítmicas, instrumentais e textuais que é compreendido 
pelo compositor e pelo público de forma integrada. Além disso, entendo que o desenvolvi-
mento dos elementos ligados à indústria fonográfica como os discos (incluindo a arte gráfi-
ca), as festas e shows só existem fundados na matéria-prima canção. Os elementos da mídia 
e as representações em torno do artista e do gênero só podem ser compreendidos com uma 
análise detida da produção sonora. Neste sentido, para compreendermos as representações 
de arte, cultura e identidade regional, considero o fonograma a fonte histórica central desta 
obra. A partir dele, as colocações dos críticos, dos especialistas, jornalistas e estudiosos da 
cultura popular na segunda metade do século XX. As canções são em essência, narrativas 
da cultura popular. Neste sentido, nossa metodologia levará em consideração cada um dos 
elementos que interagem na sua composição, bem como as escolhas textuais e musicais pos-
suem importante caráter simbólico pelo qual posso estudar o fenômeno em questão.
A partir da década de 1970 há uma significativa inclusão de artistas paraenses na 
indústria fonográfica, uns como Fafá de Belém no âmbito nacional e internacional, outros 
no circuito local. É um momento de entusiasmo dos meios da imprensa paraense, do público 
e dos sujeitos ligados à produção musical. Ocorreu a efervescência de um ambiente propício 
pela frequência de artistas paraenses no campo da mídia. A partir dessa década, surgiu a 
possibilidade de trazer ao grande público os cantores e compositores reconhecidos somente 
em ‘rodas de samba’, gravando suas obras. Ou seja, artistas que pertenciam a uma “nova ge-
ração” à época, como Paulo André Barata, passaram a ter seus talentos publicados ao lado 
de figuras já consagradas do cancioneiro paraense como Waldemar Henrique. As gravações 
nesse sentido, também são uma tentativa de divulgar e sintetizar a música popular paraense 
a partir da valorização e/ou (re)invenção das tradições musicais e assim modernizar a ex-
pressão da canção popular local. 
Neste trabalho busco uma definição do conceito de “música regional”. Um termo 
que se configura nos dias atuais como uma verdadeira memória da musicalidade paraense. 
Em qualquer “barzinho” da capital paraense é senso comum a definição de um “estilo” 
musical diferenciado dos outros, em especial da Música Popular Brasileira, também deno-
minada pela sua sigla MPB. 
Obviamente, o “Regional paraense” refere-se a uma diversidade musical envol-
vendo não somente sonoridades particulares da região, mas também influências de gêneros 
nacionais e internacionais que ganham uma manifestação característica na região Norte. 
Em outras palavras, não há musicalidade ‘pura’, uma cultura popular isolada de diálogos e 
incorporações de sons externos. Os artistas paraenses são formados de diversas referências, 
onde diversas vozes entram em dissonância. Mas aqui seguimos o rastro de um estilo que se 
advoga a capacidade de expressar a vivência amazônica a partir do ponto de vista paraense, 
passando a ser chamado de Música Regional. 
Em um plano mais amplo proponho analisar o processo de (re)construção da 
identidade amazônica nos anos de 1970, a partir do seu principal produto cultural paraense 
14
Sumário
exportado neste período: a canção popular. Nossa narrativa estará pautada em compreender 
o desenrolar político e ideológico desse segmento artístico-cultural, nos detendo na sua con-
tribuição junto aos símbolos e ressignificações de Amazônia conhecidos pelas outras regiões 
do Brasil e do exterior. 
Aqui é desenrolado um conceito de regional-popular, que é uma postura política 
voltada ao regionalismo na música como protesto frente à exploração econômica externa 
das riquezas da floresta amazônica e dos problemas sociais oriundos da “integração” nacio-
nal da Amazônia. No capítulo 1 e 2 que a relação entre os conceitos amplamente divulgados 
nos meios estudantis através dos Centros Populares de Cultura (CPCs), sobre o nacional-po-
pular, recebeu um redimensionamento para o contexto local. Este capítulo inicial servirá 
como subsídio ao debate sobre as temáticas amazônicas inclusas na obra dos artistas da 
música regional popular. Tratarei de questões sociais e políticas vivenciadas na Amazônia 
nos anos 60/70 e que compõem um pano de fundo da obra desses artistas e da mídia (local 
e nacional) veiculadores de discursos envolvendo a Amazônia. 
Neste livro há uma análise da obra do compositor Paulo André em parceria com 
seu pai Ruy Barata (poeta e letrista). Estes foram percussores de um estilo musical que in-
troduziu na música brasileira os elementos do ainda exótico “homem amazônico”. A com-
preensão da obra de ambos é fundamental no diálogo a respeito da década de 1970 onde 
há um caloroso debate sobre a “integração” econômica da Amazônia, compreendendo que 
suas canções figuram como uma crônica desses tempos.
Desta forma, os capítulos posteriores têm como objetivo analisar a convergência 
entre política e escolhas musicais, desvendar os discursos que se desenrolam nas tramas so-
noras, como os discursos em torno da “integração” nacional implicaram em escolhas temá-
ticas e nos arranjos musicais. Se os dilemas nacionais são “traduzidos e equacionados” pelo 
debate cultural e estético, os dilemas regionais também podem ser pensados e compreendi-
dos a partir das manifestações musicais. No capítulo 3 abordo a presença do regionalismo 
nas composições da dupla Paulo André e Ruy Barata, abordando os elementos regionais e 
a busca “etnográfica” empreendida por eles em busca de uma sonoridade especificamente 
paraense17.
No capítulo 4 serão abordadas as críticas sonoras produzidas pela dupla em rela-
ção às políticas nacionais de integração nacional da Amazônia. Neste sentido, analisarei os 
símbolos e perspectivas regionalistas que incorporam a presença da cultura paraense como 
uma atitude de “resistência” política local.
No capítulo 5 analisarei como a dupla pensou a relação Brasil-Amazônia, assim 
como verificam uma alteridade entre o Pará e os outros lugares do mundo, no sentido de 
valorizar a cultura local. Neste capítulo desenvolverei a concepção de “exílio” que traça na 
cultura amazônica uma narrativa homérica da vivência do caboclo amazônico.
Neste estudo irei me deter às atuações artísticas musicais de Ruy Barata, Paulo 
André Barata e da cantora Maria de Fátima Palha Figueiredo (Fafá de Belém), buscando 
analisar as representações de Amazônia divulgadas a partir das suas carreiras, interpretando 
que tipos de conceitos regionais exprimem e de que forma contribuíram durante os anos de 
17 NAPOLITANO, Marcos. In: História e Música. São Paulo: Autêntica, 2005. 2 ed. p.7
15
Sumário
1970 aos debates em torno da “integração” nacional e da (re)elaboração da Cultura Paraen-
se. Neste sentido, no âmbito deste objetivo será necessário aliar a este panorama artístico-i-
deológico sua inserção nos debates mais amplos que envolvem o discurso político da época, 
no tocante à política local, à imprensa e ao meio acadêmico. 
Como afirmado anteriormente, uma hipótese inicial que será desenvolvida nos 
capítulos posterioresé o potencial das canções gravadas envolvendo os artistas citados como 
um conjunto de narrativas sonoras que atinge uma divulgação significativa sem igual no 
período estudado. Nesse sentido, será fundamental delinear esse contexto para que possa 
perceber como se processou o diálogo entre essas canções e suas divulgações nas mídias. 
Cabe compreender que diálogos estão sendo travados e até que ponto essa música regional 
pretende (re)inventar a Amazônia. Entender as particularidades musicais desse período é 
compreender o imaginário constituído em torno da ideia de Amazônia, que não pode ser 
analisado à margem dos debates travados nos campos do audiovisual. A leitura que as ou-
tras regiões faziam estão a cargo das exibições midiáticas, principalmente televisivas. Neste 
sentido, nos capítulos 6 e 7 nossa análise se concentra no estudo da “era regionalista” da 
cantora Fafá de Belém, pensando o delineamento dos elementos regionalistas na sua obra, 
assim como foi recebida pela opinião pública local, nacional e internacional. Fundado neste 
objetivo, serão exploradas fontes que conjugam narrativas audiovisuais a respeito da Ama-
zônia nas mídias da época, nos detendo na análise do acervo audiovisual da obra da canto-
ra Fafá de Belém. A compreensão dos LPs e dos videoclipes protagonizados pela cantora 
podem nos informar a respeito do que o grande público brasileiro consumia no tocante às 
representações de Amazônia. 
A carreira de Fafá de Belém é um importante campo de debate, tendo como refe-
rencial suas aparições na mídia nacional, pensando-a como intérprete de um regionalismo 
amazônico pautado nas canções dos artistas paraenses. Neste sentido, irei compreender o 
lugar da cantora na mídia, tendo em vista a importância ideológica que a mesma assumia e 
continua assumindo no imaginário sobre a região. Para tanto, privilegio as canções produzi-
das, as aparições televisivas e as críticas nos meios da imprensa envolvendo Fafá de Belém. 
16
Sumário
o “regIonAl” nos Anos 70 (sobre A 
AmAzônIA e o brAsIl)
Tomo aqui a canção popular paraense como seio da nossa problemática. A com-
preensão da História Social da Amazônia e do Pará pode ser feita a partir da investigação 
sobre esse tipo de mídia e seus usos sociais. Este é um esforço de analisar uma nuance regio-
nalista fortemente presente em canções a partir dos anos de 1970. Ou seja, a música popular 
é uma construção metafórica das relações sociais que compõem um panorama da História 
do Pará. Relacionando-se a esse âmbito, o presente capítulo se volta ao discurso regionalista 
em diversos campos, partindo da perspectiva de que há intimas relações sustentadas entre a 
canção popular (e a arte em geral), a imprensa, os meios acadêmicos e o público.
“imagenS” da amazônia
O final dos anos de 1970 se configura como um período de menor interdição da 
censura, em que a relação entre mídia e política se tornou mais próxima e mais aberta. Neste 
sentido, um “potente campo midiático” se desenvolveu, com destaque para a televisão, não 
sendo possível compreender a relação que a sociedade mantém com a política, sem conside-
rar a “(oni)presença da mídia no mundo e no Brasil contemporâneo”. Os meios de comuni-
cação não só distribuem informação, mas transformam e constroem os discursos políticos. 
Há, portanto, uma “sociabilidade ambientada pela comunicação”.18 
A presença da mídia ambienta todos os níveis da convivência humana, bem como 
na vida urbana o consumo dela é uma das principais atividades, ao lado do trabalho. Além 
disso, assume uma função fundamental na vida contemporânea: a “universalização de de-
terminados referentes”. Desta forma, posso abordar elementos que se entrelaçam à cultura 
brasileira e global, dando subsídios à formação de uma determinada visão de mundo.19 
A mídia é, ao mesmo tempo, uma divulgadora de ideias e uma (re)criadora de 
discursos políticos. Com o surgimento e a consolidação da televisão como veículo difusor 
foi inserido um novo elemento que deu força redobrada a essa função: os recursos imagé-
ticos. O audiovisual multiplicou o poder de influência que esta mídia possuía na formação 
da “opinião pública”, tal como na construção de uma memória. Embora, esse processo não 
enquadre o público como um mero recebedor passivo das informações, que ao contrário, 
seleciona e interpreta os discursos em voga.20 
Esta percepção não se refere somente ao meio jornalístico, mas se remete também 
às programações de entretenimento que “difundem informações, valores e categorias para a 
apreensão da realidade”. A relação entre uma combinação de um sistema escolar deficiente 
com o alto grau de disseminação que a mídia audiovisual assumiu na segunda metade do 
século XX no Brasil, tornou os meios eletrônicos de comunicação, destacando a televisão, o 
“aparelho ideológico dominante”.21
18 MIGUEL, Luis Felipe. Política e mídia no Brasil: episódios da história recente. Brasília: Editora Plano, 2002. P.9.
19 MIGUEL, Luis Felipe. Op. Cit. p.13.
20 MIGUEL, Luis Felipe. Op. Cit. p.22.
21 MIGUEL, Luis Felipe. Op. Cit. p.24.
17
Sumário
É importante notar que a mídia televisiva não possui um poder pautado na sub-
missão de público massivo. Pelo contrário, a sociedade recebe da TV uma “oferta de temas”. 
Logo, o poder deste veículo está depositado “na possibilidade e na capacidade” de difundir 
assuntos que podem ou não ser interessantes aos telespectadores. Ao mesmo tempo, não 
poderei deixar de lado a noção de que a mídia transmite a maior parte das percepções que 
os sujeitos têm de suas realidades. A partir deste ponto de vista posso afirmar que a TV é um 
importante canal de produção da realidade devido ao seu “poder de oferta”, sugerindo que 
as aparições televisivas de elementos amazônicos são importantes indicativos a respeito de 
como as outras regiões do Brasil passaram a ter contato com essa ainda “exótica” identidade 
no contexto dos anos de 1970, onde estão inseridas as aparições da cantora Fafá de Belém.22 
A percepção da região amazônica, com suas aparições na TV, passou por um processo de 
“produção de uma realidade social como experiência coletiva”.23 A maioria dos programas 
a respeito da região amazônica nos anos 70 foram “ambientais”/“ecológicos” e possuíam 
este modelo de estrutura pautada em narrativa de “aventura”. Este discurso esteve pautado 
em um desconhecimento dos “centros hegemônicos” a respeito da história das áreas am-
bientadas nos documentários, desenhando um aspecto “caricatural”, fundado em antigos 
relatos de cronistas do período colonial. Desta forma, o foco se prende a biodiversidade, 
ignorando a existência humana das sociedades caboclas. 
Por outro lado, é necessário compreender que as construções audiovisuais do 
Centro-Sul do país a respeito da Amazônia são fundadas no próprio universo consumidor, 
uma espécie de “contrato de leitura”. No qual existia uma intencionalidade compartilhada 
entre emissor e receptor. Ou seja, os programas televisivos que utilizavam como tema a 
Amazônia se fundavam em um amplo senso do público a respeito dos conceitos em torno 
da região, “(...) o que a mídia do centro hegemônico emite não é casual ou desconectado 
do seu universo consumidor (...)”. Trata-se de um contrato de comunicação dependente do 
processo de produção/circulação/consumo dos textos midiáticos.24 Por essa razão o termo 
“natureza e povos da f loresta” é muito genérico, sendo que através destas construções imagé-
ticas se tem a percepção de que são categorias capazes de agrupar uma ampla diversidade 
que abraça índios em aldeias ou em cidades, vendedores de produtos da floresta nas feiras, 
agricultores, pescadores, etc.25
A Amazônia é projetada nos anos de 1970 como um modelo definido a partir 
do domínio natural sobre os indivíduos que habitam a região, sendo o social o “invasor” 
subordinado às dimensões tropicais de habitantes “primitivos”. Esta visão é sustentada em 
dois pressupostos: 1) As populações indígenas foram sendo dissociadas e deram origem às 
caboclas, sendoo elemento constante e soberano a floresta; 2) O fato de que as limitações 
econômicas e sociais dos povos das florestas estão ligadas aos fatores naturais, não histó-
ricos.26 Devido a esta construção que diz respeito às populações que habitam a Amazônia, 
22 DUTRA, Manuel José Sena. A Natureza da TV: uma leitura dos discursos da mídia sobre a Amazônia, biodiversidade, povos 
da floresta. Belém: NAEA, 2005. p.35.
23 DUTRA, Manuel José Sena. Op. Cit. p.34.
24 Op. Cit. p.47
25 Idem
26 ADAMS, Cristina et all. Introdução. In: ADAMS, Cristina; MURRIETA, Rui Sérgio Serreni; NEVES, Walter A. Sociedades 
caboclas amazônicas: modernidade e invisibilidade. São Paulo: Annablume: FAPESP, 2006. p.15.
18
Sumário
criou-se uma invisibilidade virtual das sociedades caboclas amazônicas. Esta situação de vida 
“marginal” está ligada também às práticas econômicas externas ao modelo capitalista, ba-
seados em recursos extraídos da natureza.27 
Outro ponto importante é o conceito de identidade cabocla. Esta é resultado dos 
constantes processos externos à vivência das sociedades caboclas e às transformações eco-
nômicas globais. A inserção destes indivíduos na dinâmica capitalista, de maneira violenta 
e coercitiva, fez com que a identidade do caboclo fosse construída na “oposição”. No sen-
tido de “oposição e ‘indiferença’ em sua relação com os patrões” para diminuir a domina-
ção histórica.”28 A intelectualidade dos anos 1970, em grande parte, colaborava com esta 
concepção, desenvolvendo linhas teóricas pautadas em “estudos ecológicos”, fundados em 
“realidades a-históricas” que interpretavam a vivência das sociedades caboclas como um 
modelo folk de intervenção no meio ambiente, condicionados a uma existência limitada por 
questões naturais. 
o Pará no “futuro” 
A região Amazônica a partir da década de 1960, principalmente após o golpe 
militar de 1964, passou por um processo de “integração” econômica ao resto do País patro-
cinado pelo Estado Brasileiro, tendo como objetivo o aproveitamento de recursos naturais 
presentes na imensidão dos “sertões” da floresta amazônica através de um complexo legis-
lativo e de incentivos econômicos de toda ordem à obtenção de terras e subsídios. Os bene-
fícios da apropriação teriam como objetivo o ‘progresso’ do Brasil e o fim do isolamento da 
região amazônica.29 
Primeiramente, é necessário compreender que a região amazônica não deve ser 
pensada como uma entidade autônoma, pelo contrário, a própria noção de configuração 
regional deve estar pautada na relação com o espaço nacional. Desta forma, a questão ama-
zônica dos anos 70 é antes de tudo uma questão brasileira.
O processo de “integração” da Amazônia ao Brasil está relacionado às questões 
do mercado mundial envolvendo as outras regiões brasileiras e outros países. As nações, 
e mesmo as regiões, estão incluídos em uma comunidade mundial. Dessa forma, trato de 
uma “aldeia global” baseada na ampla rede de informações possibilitada pelo avanço das 
tecnologias eletrônicas, assim como a existência de sistema de “fábrica global” que inclui o 
entrelaçamento das atividades econômicas envolvendo todos os indivíduos, nos mais diver-
sos níveis ou na exclusão, do mundo em uma cadeia capitalista.30 Portanto, o processo de 
“integração” nos anos 60/70 se configurou a partir desta realidade global. Neste período, 
a Amazônia ainda era uma fronteira a ser redefinida no capitalismo. Assim, o governo bra-
sileiro, assumiu como objetivo criar uma estrutura que possibilitasse a ocupação da Ama-
zônia. A partir desse momento, o país estava incluído em um novo padrão de inserção em 
ordem planetária.31
27 ADAMS, Cristina et alli.Op. Cit. p.16.
28 Op. Cit. p.17.
29 LOUREIRO, Violeta R. “O avanço do capital na Amazônia e o fracasso do Projeto desenvolvimentista regional”. In: Estado, 
homem, natureza. Belém: Cejup, 1992. p.70
30 IANNI, Otávio. “Metáforas da globalização”. In: Teorias da globalização. Rio de Janeiro: civilização brasileira, 2006. p.16. 
31 BECKER, Bertha K. “A Amazônia no espaço brasileiro”. In: Amazônia. São Paulo: Ática, 1994. p.11.
19
Sumário
Para manter e ampliar o desenvolvimento industrial, reduzindo sua dependên-
cia frente a outros países, foi estabelecido um amplo sistema onde o governo brasileiro em 
conjunto com grandes firmas e bancos mundiais, disponibilizou grandes investimentos em 
infraestrutura para a região amazônica com incentivos fiscais às indústrias internacionais.32 
A dimensão ideológica do Estado brasileiro nos anos 60/70 também colaborou 
para tornar possível este processo. Havia uma preocupação com o espaço da região, que 
devia ter seu território ocupado de maneira efetiva. Esta dimensão simbólica fazia parte da 
doutrina de segurança nacional da ditadura militar no Brasil (1964-1985) e tinha como eixo 
a necessidade de um controle político, social e militar efetivo.33
A Amazônia foi uma prioridade geopolítica dos governos militares devido ao 
grande volume de recursos naturais encontrados na região: “1/20 da superfície terrestre, 1/5 
da disponibilidade de água, 1/3 das reservas florestais do mundo (...)”. Ao lado deste fa-
tor, também a baixa densidade demográfica contribuía (“3,5 milésimos da população mun-
dial”).34 No plano interno, o governo via a nova fronteira como a solução para os problemas 
sociais da região Nordeste, com novas frentes de trabalho e oportunidades econômicas. 
Também seria a solução capaz de dar continuidade ao crescimento da região Centro-Sul. 
No plano geopolítico externo, o governo brasileiro via como ponto fundamental a ocupação 
da região amazônica para conter a “vulnerabilidade da extensa e isolada região, assim como 
neutralizar possíveis ‘focos revolucionários’”.35
Para pôr em prática esta ocupação da Amazônia nos anos 60/70, foi utilizada 
uma estratégia de controle técnico-político. Foram pensados mecanismos que facilitassem o 
desenvolvimento industrial e o controle social da região. Desta forma, ocorreu a “Implanta-
ção de redes de integração espacial” que eram divididas em redes rodoviárias (construção de 
grandes eixos viários) como a Transamazônica, possibilitando o trânsito para outras regiões 
do país, e a Cuiabá-Santarém que interliga a Amazônia internamente; redes de telecomunicacão 
envolvendo tecnologias de informação, com destaque para a telefonia e a TV que “difundiam 
valores modernos”; redes urbanas que eram sedes e agências administrativas governamentais 
e privadas, assim como núcleos de povoamento; redes hidrelétricas que eram fundamentais 
para a implantação de indústrias estrangeiras, devido ao fornecimento de grandes massas 
de energia necessárias.36 Também foi utilizado como estratégia de ocupação, manipular as 
terras, Ou seja, territórios que eram dos governos dos Estados passaram a ser de jurisdição 
Federal. Também foi utilizada a estratégia de subsídios a empresas estrangeiras.37
A respeito deste processo de “integração”, Heraldo Maués afirma que o pretenso 
progresso não chegou ao País como um todo e em seu pensamento elabora uma síntese das 
décadas do projeto: 
“(...) Uma palavra sobre um contexto mais recente de integração da Amazônia ao 
contexto regional nacional. Este novo processo teve inicio nos anos 50, através dos 
32 BECKER, Bertha k. Op. Cit. p.10.
33 Ver FERREIRA, Jorge. “A doutrina de Segurança Nacional”. In: ________. (org.) O Brasil Republicano. Rio de janeiro: civi-
lização brasileira, 2006. Vol. 4.
34 BECKER, Bertha K. Op. Cit. p.13.
35 Idem
36 BECKER, Bertha K. Op. Cit. p.14.
37 Idem
20
Sumário
órgãos de fomento que deram origem aos atuais SUDAM e BASA e acabou condu-
zindo aos chamados Grandes Projetos, implantados durante o regime autoritário, 
visando ‘desenvolver’ a Amazônia. Todos sabemos do fracasso dos grandes projetos 
do ponto de vista dos interesses regionais, com exceção de um pequeno grupo que se 
beneficia efetivamente com o repasse de recursos públicos (via incentivos fiscais, em 
nome de mesmo ‘desenvolvimento’). A isso se junta a tutela militarexercida sobre a 
Amazônia, cuja materialização mais evidente se encontra no Projeto Calha Norte, 
que atinge diretamente populações indígenas, mas também visa atingir populações 
ribeirinhas (caboclas) da região. Falar em situação colonial não seria adequado? Um 
duplo colonialismo e uma dupla exploração: o colonialismo interno sobre as popu-
lações nativas (...) e a exploração das riquezas naturais da região (...)”38
Para o autor, o que resume o processo histórico em questão é uma espécie de 
“colonialismo”. O primeiro incide sobre as populações nativas (caboclas) e a exploração das 
riquezas naturais da região. Heraldo Maués referiu-se ao “fracasso” dos grandes projetos 
da perspectiva do ‘desenvolvimento’ que deveria ter sido promovido na região e que não 
ocorreu, mas serviu para o favorecimento de um “pequeno grupo” com os incentivos fiscais. 
Além disso, é interessante notar que Maués se referia tanto ao colonialismo oriundo de ou-
tras regiões do Brasil, quanto ao originário de grandes empresas no exterior. È interessante 
notar que nessa perspectiva as populações tradicionais são deixadas à margem do avanço 
dos capitais na Amazônia remontando aos anos 1950 quando ocorreu a criação de órgãos 
que tinham como objetivos fomentar a economia da região sem uma preocupação com estas 
populações ribeirinhas e indígenas que habitavam o lugar, mas visavam se apropriar dos 
recursos naturais abundantes. 
A linha de interpretação defendida por Maués é sustentada por outros intelec-
tuais. Entre eles, Violeta Loureiro defende a tese de que a “classe burguesa paraense”, uma 
pretensa elite, participa como um ponto de apoio ao processo descrito vendo o momento 
como uma importante oportunidade econômica. E esta seria responsável pela condição de 
dependência frente ao capital nacional e internacional devido à sua fragilidade e ao des-
preparo político. Portanto, os recursos públicos destinados ao ‘desenvolvimento’ da região 
amazônica estariam concentrados em pequenos grupos econômicos na maioria fora da re-
gião e do País. 39
O jornalista paraense Lúcio Flávio Pinto sustenta opinião semelhante ao do an-
tropólogo Heraldo Maués, referindo-se à integração da Amazônia brasileira como “coloni-
zação”. Em matéria intitulada “A verdadeira recuperação ou a mesma colonização” ironiza 
a proposta da SUDAM, o Programa de Recuperação Sócio Econômica do Nordeste Paraen-
se, tratando o mesmo como “repetição de erros”, pois teria como proposta concessão de sub-
sídios às culturas comerciais e não às alimentares, de produção familiar e camponesa. Desta 
forma, o programa viria a priorizar os grandes produtores e o agronegócio, não o pequeno 
produtor, agravando ainda mais a concentração fundiária da região.40
38MAUÉS, Raimundo Heraldo. “Amazônias: identidade regional e integração nacional”. In: Uma “outra” invenção da Amazônia. 
Belém: CEJUP, 1999. 
39 LOUREIRO, Violeta R. Op. Cit. p.100
40 PINTO, Lúcio Flávio. A verdadeira recuperação ou a mesma colonização. O Liberal, Belém, 12 jan. 1976. p. 10.
21
Sumário
Ao tratar do Nordeste Paraense o jornalista se refere a uma contradição do Pro-
grama, sugerindo que a integração da Amazônia se configurou como um enclave gerador de 
profundos problemas sociais. A estrutura física, as obras em prol do ‘desenvolvimento’, não 
conseguiu dar conta de uma efetiva melhoria na qualidade de vida das populações locais e 
migrantes, como na passagem:
“(...) A relativa estrutura física e econômica que ela apresenta contrasta com graves 
problemas sociais, que em boa parte a tornam semelhante ao próprio nordeste bra-
sileiro (...). Embora alguns indicadores pudessem atestar certo grau de progresso 
na área – como o crescimento urbano, a participação de certos setores na indústria, 
agricultura e pecuária, a própria abertura de novas estradas – na verdade sua situa-
ção humana ainda é deplorável”.41
O jornalista critica nesta passagem o “progresso” que teve impacto limitado nos 
aspectos humanísticos. O processo de desenvolvimento se concentrava no avanço das rela-
ções econômicas favorecidas pela estrutura criada para que grandes empresas pudessem vir 
explorar/colonizar a região. Lúcio Flávio Pinto chega a comparar a realidade amazônica 
com a nordestina, no sentido de que ambas são bastante deploráveis no que tange ao baixo 
nível de qualidade de vida estabelecido por políticas públicas que somente se preocupavam 
com a economia dos grandes grupos empresarias, desenvolvendo estruturas que não bene-
ficiam suficientemente suas populações locais. Outro ponto importante é a degradação da 
natureza. Segundo ele o sistema fundiário degradava o solo que perdia seu valor. Esse estado 
das terras era fruto de “erros” da política fundiária para a Amazônia. Portanto, além da es-
trutura montada não favorecer a melhoria de vida das populações locais, ela veio prejudicar 
as atividades pré-estabelecidas de camponeses que habitavam a região.
Em artigo do Jornal O Liberal de 1976 (sem identificação do autor), foi encontra-
do um recado ao presidente Geisel, servindo como uma espécie de desabafo às políticas de 
integração da Amazônia até então desenvolvidas: 
“Presidente, é difícil hoje ser um homem rural da Amazônia. Os entraves ainda exis-
tentes na distribuição de terras, tanto para o pequeno e médio agricultor quanto para 
o empresário (...). Nossa política fundiária repousa sobre bases obsoletas e inefica-
zes. Sem o título de terra o agricultor se distancia cada vez mais das facilidades que 
lhe permitiriam trabalhar o solo. E mesmo se conseguisse essa facilidade esbarraria 
na seca burocracia que cerca o crédito rural (...). Os documentos exigidos (...) ame-
drontam o camponês, ele não entende o porquê de tanta papelada para um simples 
plantio. Que falta de confiança no homem amazônico, Presidente!”.42
É importante notar que o vocativo “Presidente” possui significância específica 
e fundamental para compreender a querela presente na passagem. No texto percebo que o 
problema do sistema fundiário na região é causado por decisões da esfera federal. Ou seja, 
na mesma leitura de “colonização” de Heraldo Maués e Flávio Pinto, a exploração da re-
gião amazônica pelo Centro-Sul era encabeçada e representada pela presença do Presidente. 
Ao se dirigir ao chefe do executivo, o artigo condena todo o aparato político do projeto de 
integração. A matéria também faz referência ao que chama de “círculo vicioso”, um re-
41 Idem.
42 Um círculo vicioso. O Liberal, Belém, 12 jan. 1976. Informativo Agropecuário. p.3.
22
Sumário
corrente descaso com o pequeno produtor rural, o “homem amazônico”, proprietário por 
“direito e tradição” destas terras regionais, mas sofre com a problemática legislativa que 
dificulta a aquisição de pequenas propriedades, tornando-o marginal ao sistema agrícola. 
Critica também a falta de um órgão capaz de administrar uma possível reforma agrária, uma 
distribuição de terra que efetive melhorias sociais, além de fiscalizar o patrimônio fundiá-
rio, dificultando a “grilagem de terras”.43 Afirma que os problemas sociais do “povo aqui” 
foram causados por esse processo de agressão ao meio ambiente, devido à dificuldade do 
pequeno produtor em se fixar a terra, sendo forçado a constantes migrações e severos danos 
ao solo. A conclusão remete a solução para o problema do “círculo vicioso”, dizendo que 
este é oriundo da inexistência de “uma política de desenvolvimento integrado, um processo 
de comercialização mais sadia, a garantia do governo à produção do pequeno e do médio 
agricultor”.44
Em outra matéria, do mesmo O Liberal sobre a visita do Presidente (1976), foi 
levantada uma questão duplamente importante e que está ligada ao nosso debate: a devas-
tação florestal ocasionada pela “integração” foi a principal pauta de discussão da reunião 
dele com a Comissão Executiva do ARENA regional, os deputados e a Juventude Arenista 
do Pará. Segundo o periódico, o deputado Gerson Peres apresentou os dados de uma CPI 
(Comissão Parlamentar de Inquérito)que teria apurado o nível de devastação dos açaizei-
ros no interior do Pará realizada pelas indústrias de palmito, delimitando que “2/3 das 
indústrias de palmito não têm áreas de reflorestamento”.45 Neste sentido, é importante no-
tar a preocupação no âmbito regional com a questão do meio ambiente. A base de apoio 
político do Estado Autoritário no Pará, o ARENA, visualizava a integração nacional como 
um enclave ambiental que necessitava ser corrigido pelas instâncias do governo federal. A 
natureza possui uma relevância central dentro das discussões envolvendo a “integração” 
sendo enquadrada como um elemento essencial à própria identidade amazônica. Na mesma 
matéria, outra reivindicação é elaborada pelos deputados referente à criação do porto de Be-
lém, em contraponto à política de integração nacional baseada na construção de rodovias. 
Um argumento sustentado pelas riquezas hídricas do Estado buscando demonstrar ao chefe 
do executivo que a integração nacional deve levar em conta as particularidades da vida na 
região. O transporte pelos rios foi como parte do cotidiano e da identidade das comunida-
des amazônicas, assim como a natureza.46 A preocupação da referida CPI estava ligada ao 
problema recorrente em análise da “colonização” e “exploração econômica”. A montagem 
e implantação das indústrias de palmito, expressão das políticas de incentivos fiscais, gerou 
receita, mas acabou prejudicando o ambiente natural, pois não realizam o reflorestamento, 
caracterizando a exploração predatória dos recursos naturais. 
Em matéria do mesmo jornal, intitulada “Ameaça de fome e devastação do açaí 
no interior” há críticas severas à implantação de “fábricas” de palmito que industrializam 
o açaí. Os problemas levantados foram: tomada de terras de produtores rurais locais e os 
graves problemas socioeconômicos que os mesmos enfrentam. De fato, ocorria de muitos 
43 Obtenção de terras através de títulos falsos ou outros meios ilegais, como coação.
44 Um círculo vicioso. O Liberal, Belém, 12 jan. 1976. Informativo Agropecuário. p.3.
45 Geisel pergunta: Afinal, que mal já fez o AI-5 ao Pará? O Liberal, Belém, 13 jan. 1976. p.9
46 Geisel pergunta: Afinal, que mal já fez o AI-5 ao Pará? O Liberal, Belém, 13 jan. 1976. p.9
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Sumário
desses perderem títulos de terras para os industriais. Essa nota ainda trata de um episódio 
de norte-americanos que expulsaram lavradores locais que alegavam junto à justiça serem 
proprietários, delimitando um quadro de preocupação dos pequenos produtores regionais 
que sobreviviam da extração do açaí.47 
O conceito de “povo” vai sendo reelaborado nesses anos, como havia sugerido. 
Vai sendo forjado o ideal paraense amazônico, além do tipo caboclo, que ganha status de 
guardião da legítima cultura regional. Ao longo desse processo o tipo ideal ribeirinho fun-
ciona como manobra discursiva em debates distantes das zonas rurais e rios em que esse 
“povo” habita. As críticas ao governo federal e sua pretensa integração são baseadas na sua 
incompetência de garantir melhorias socioeconômicas junto à população regional. Há vozes 
que articulam um discurso “solidário” utilizando o tipo ribeirinho como o centro das preo-
cupações políticas, tal como em matérias do tipo “’Povo’, condena as fabriquetas de palmito 
de açaí”48 ou “Palmito que o povo não come”49.
Aziz Ab´Saber afirma que mais recentemente a região vem sofrendo uma “inva-
são progressiva” das outras regiões do Brasil e de outras partes do mundo. Esta afirmativa é 
seguida de um ‘histórico’ da formação do povo da região, que chama de “País dos igarapés 
e das grandes matas”. Mais à frente afirma que: “(...) Mesmo na contingência de uma so-
ciedade em mudanças, os intelectuais do Pará conservam sua originalidade, (...) procurando 
servir populações locais (...)”.
Para Violeta Loureiro, a “integração” da Amazônia estava preocupada com inte-
resses diversos, mas são arranjos governamentais que tem como princípio o favorecimento 
do capital nacional e estrangeiro, e “(...) excluíam ou ignoravam a vida, a cultura e os in-
teresses das classes pobres rurais e urbanas da Amazônia (...)”.50 Em outras palavras, aqui 
reside a mesma crítica: o progresso econômico não veio acompanhado de melhorias sociais. 
Lúcio Flávio Pinto foi, ao lado dos outros intelectuais apontados neste capítulo, 
uma espécie de cronista destes tempos sendo fundamental na construção do conceito de 
Amazônia como uma área de devassidão principalmente abordada por seus artigos sobre 
a situação de exploração econômica seguida de descaso social. Mais voltado à questão da 
terra no Pará que geraram intensos conflitos até hoje, uma marca da ocupação desordenada, 
não deixa de lado a “solidariedade” com o amazônida, com o povo dos rios. Define sua 
carreira nos anos 70 como destinada a “ajudar a população da Amazônia a pensar sobre sua 
própria (e triste) situação e a resolver-se pela participação no traçado do seu destino (...)” 
Dentro da mesma explicação recorre à ideia de “colônia”, sugestão de Amazônia como 
país: “(...) minha única preocupação é a de servir informações a pessoas interessadas em 
revelar a verdadeira face – a colonial – desta pobre rica região amazônica (...). Como efeito 
de conclusão, explica que sua intenção foi compreender o “drama” desses tempos para os 
contemporâneos e para outras gerações, além de não ser “omisso nestes difíceis tempos que 
temos vivido na Amazônia, como no Brasil”.51
47 Idem
48 A província do Pará, Belém, 25 fev. 1976. 
49 Op. Cit. p.1, caderno 2.
50 Idem
51 PINTO, Lúcio Flávio. “Nota explicativa”. In: No rastro do saque. São Paulo: Hucitec, 1978.
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Sumário
A imprensa jornalística nesses meados de 70 andou bastante dividida, entre análi-
ses negativas extremas como a de Lúcio Flávio Pinto no O Liberal, até uma imprensa branda 
e positiva como em diversos momentos do jornal A Província do Pará. Esta última divide-se 
quanto à opinião de seus colunistas. João Malato considerava a situação das políticas go-
vernamentais como problemáticas, não sendo estabelecidas medidas que proporcionassem 
o “desenvolvimento” da região. Pelo contrário, a preocupação do jornalista era de que o 
referido programa não acabasse se tornando mais uma “agressão à ecologia regional”. Em 
outra matéria define a atividade de “integração” pelo Governo Federal como uma atividade 
fracassada, que vinha causando malefícios. Mesmo assim, Malato tinha a esperança de que 
o programa conseguisse atingir um objetivo específico de servir à preservação da flora e da 
fauna pelo fato de ter sido um projeto do deputado paraense Ubaldo Corrêa (MDB), apon-
tado por ele como “esforçado batalhador pela preservação”. 
Há na imprensa da década de 1970 quem pensasse os “novos tempos” como espe-
rança de desenvolvimento da Amazônia observando os recursos investidos na região como o 
que levaria o Pará ao futuro, ao progresso. O jornalista Gabriel Hermes é um exemplo desta 
visão otimista que a elite paraense possuía:
“O Pará nos próximos anos exige de todos uma forte arregimentação de energias, 
uma ativa e bem orientada ação. Começamos a viver uma nova época – a dos gran-
des projetos. Fala-se uma linguagem nova, a dos bilhões de cruzeiros (...). É o nosso 
Estado campo pleno de expansão (...) Talvez o vulto das cifras não esteja sendo bem 
observado (...) pois tudo poderá provocar mudanças na nossa economia e no nosso 
estilo de vida em pouco tempo. (...) Os recursos alcançam tal monta que nos poderão 
levar ao triunfo contra a rotineira vida e o passado (...)”.52
Além do tom otimista, é interessante notar o posicionamento ‘profético’ do mes-
mo quando se referiu às mudanças que possivelmente viriam a ocorrer. Toda a vida da re-
gião passaria a sofrer influência desses Grandes Projetos exclusivamente para o melhor. O 
passado seria superado pelo ‘progresso’ que traria finalmente melhorias socioeconômicas. 
Segundo Gabriel Hermes: “(...) Começamos a viver uma nova época – dos grandes proje-
tos. (...) Os recursos alcançam talmonta que nos poderão levar ao triunfo contra a rotineira 
vida e o passado (...)”. O olhar esperançoso do jornalista vai longe, fazendo conjecturas de 
enriquecimento da região baseado na “linguagem dos bilhões de cruzeiros”.53 Assim como 
Hermes, há outros esperançosos, utilizando inclusive uma analogia entre verde e esperança: 
“Vem ai a frota verde” (autor anônimo), faz a relação ao comentar sobre navios de passa-
geiros que receberam este nome, que iriam transitar nos rios do Pará, no final dos anos 70: 
“(...) Essa denominação está bem caracterizada para a Amazônia chamada também 
de ‘inferno verde’, e por ser a cor que simboliza a esperança de todos nós de, em 
breve, estarmos vendo os novos navios de passageiros singrando os rios Amazônicos, 
atendendo às populações ribeirinhas e também ao turismo nacional e internacional, 
entre Belém e Manaus (...)”.54 
52 HERMES, Gabriel. O Pará no futuro. A província do Pará, Belém, 18 jan. 1976. p.4. 
53 O Pará no futuro. A Província do Pará. 18 jan. 1976, p.4.
54 Vem aí a “Frota Verde”. A Província do Pará. 16 jan. 1976, caderno 2, p.1. 
25
Sumário
Esse olhar positivo sobre os “novos tempos” era tido como perigoso para intelec-
tuais como Lúcio Flávio Pinto e Violeta Loureiro. A autora se preocupa em várias passagens 
da sua obra com uma pretensa alienação dos próprios intelectuais e da burguesia regional, 
que parecem estar inebriados com o volume de recursos que se destinava a região. Segundo 
a autora a “integração” era ao mesmo tempo a explicação para a “esperança” de elites “ex-
cluídas” e a falta de criticidade desses “novos tempos”, que se configura como uma espécie 
de traço cultural:
“A sociedade regional se sentia inferiorizada pela distância em relação aos gran-
des centros do país, marginalizado em relação aos principais centros produtores da 
cultura nacional e, como se isto só não bastasse – cercado de mata, água, índios e 
animais. A integração, portanto, era necessária e vital para garantir aos amazônidas 
a condição de partícipes da modernidade e da condição de brasileiros (...)”.55
O Governo do Estado do Pará transitou entre apoiar os grandes projetos, os gran-
des recursos que entravam na capital e divulgar uma imagem positiva dos “novos tempos”. 
Aloysio Chaves, o então governador, defendia em 1976 um discurso de preservação da na-
tureza aliado ao cuidado com as populações do interior, que seria realizado com a criação 
de infraestrutura mínima e levando ao pretenso “progresso” não só as elites, mas o “povo”. 
Em certa matéria pode ser lida a premissa: “Governo põe fim a devastação da Amazônia”56, 
que demonstrava o interesse em defender o elemento central para a delineação da própria 
identidade paraense. Desta forma o governo não era apresentado como “vilão”, mas como 
conciliador dos interesses do desenvolvimento. Igualmente, um “defensor do povo” do inte-
rior, ribeirinho. Em diversas matérias sobre comitivas ao interior esta perspectiva estava pre-
sente, manifestando o apoio ao governo que proporcionava pretensas melhorias estruturais 
às populações do Estado.57 
Segundo Pere Petit, para pensar a Amazônia nesses anos é necessário compreen-
der que não há um discurso unificado. Já ficou claro neste texto o quanto a “integração” 
nacional divide opiniões. Para o autor, havia os regionalistas-conservadores que eram mais ali-
nhados à política governamental, vendo-a como necessária ao desenvolvimento da região. 
Entre estes o então governador do Estado do Pará Alacid Nunes (1975-1979) e o colunista 
Gabriel Hermes, anteriormente citado. Também classifica outro grupo de analistas como 
os regional-progressistas, mais voltados a uma visão negativa, entre eles Lúcio Flávio Pinto58. 
Embora estes grupos qualifiquem de maneira divergente a atuação do Estado, ambos utili-
zam a noção de regional como um elemento de construção ideológica específica. De certa 
forma, configuram a Amazônia como um ambiente diferente e tido como negligenciado no 
espaço brasileiro. 
O conceito de regional comporta um componente nacionalista, ou seja, os discur-
sos em torno de Amazônia em diversos momentos se alinham a uma identidade nacional, 
não há, portanto, tendências “separatistas”. Segundo Pere Petit os discursos regionalistas 
55 LOUREIRO, Violeta. “O avanço do capital na Amazônia e o fracasso do Projeto desenvolvimentista regional”. In: Estado, 
Homem, Natureza. Belém: Cejup, 1992. p.96.
56 A Província do Pará. 21 mar. 1976.
57 O Pará no futuro. A Província do Pará. 18 jan. 1976, p.4.
58 PETIT, Pere. “Economia, política e discursos regionalistas no Pará”. In: Chão de Promessas: elites políticas e transformações 
econômicas no Estado do Pará Pós-1964. Belém: Paka-tatu, 2003. p.269.
26
Sumário
são “(...) práticas que não pretendem pôr em risco a unidade nacional e que são, geralmente, 
orientadas a exigir do poder central um maior interesse na região (...).59 O autor crítica uma 
tendência anti-regionalista que observa a perspectiva local como uma unificação de interesses 
comuns, afim de “diluir” as contradições de classe, uma postura, segundo ele, bastante co-
mum a intelectuais militantes de esquerda.60
Este roteiro explicativo também será fundamental na compreensão do contexto 
que os artistas ligados à música popular urbana paraense ocupavam na década de 1970 em 
diante. Seus temas em grande medida incorporam os debates em torno da integração na-
cional e suas repercussões, das mais variadas maneiras. Escolhi para esta investigação uma 
abordagem que incorpore essa problemática a nível político-ideológico em diálogo com a 
perspectiva estética e as minúcias que outros focos talvez não possam revelar.
59 Op. Cit. p.253.
60 Op. Cit. p.270.
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Sumário
o regIonAl-populAr nA cAnção
indúStria cultural e Produção artíStica
Para compreender a ideia de cultura brasileira me voltei à ideia do “calei-doscópio”, no sentido de que existem muitas possibilidades a essa defini-ção.61 As regiões seriam uma clara exposição deste enunciado. São bastan-
te visíveis inúmeras diferenças econômicas, sociais e culturais, que se articulam entre si e se 
influenciam. Os aspectos estruturais ligados à indústria cultural explicam as diferenças entre 
esses espaços, como se o capitalismo em seu desenvolvimento transformasse esses elementos 
culturais em mercadoria, além de uma demanda por produtos importados principalmente 
dos Estados Unidos exercendo seu imperialismo na América Latina.62
Os elementos estruturais influenciam na dinâmica cultural de uma determinada 
sociedade. Nesse sentido a implantação da Indústria Cultural no Brasil, seu aparato tecno-
lógico de informação e produção (estúdios, gravadoras, etc.), influenciou de maneira deci-
siva nos rumos que tomaram as manifestações artísticas, entre elas a música popular. Em 
todos os cantos do país, a canção sofreu intervenções da perspectiva industrial da obra de 
arte, dando corpo à noção de profissionalismo e de integração ao grande público. Somente 
a partir dos anos de 1960 pode ser visualizado um panorama de inserção da música popular 
em um sistema mercantil no qual estava consolidada uma parafernália capaz de produzir, 
divulgar e comercializar esse produto artístico. 63 
Nos anos 60/70 havia uma discussão sobre a Indústria Cultural e sua influência 
nos rumos da cultura. As preocupações que os indivíduos ligados à arte musical tinham em 
relação ao sucesso junto ao público e seu papel como agentes político-sociais estavam asso-
ciadas à crítica da noção de Indústria Cultural. Para o autor, o principal referencial teórico 
utilizado para pensar a atuação do artista nos campos da mídia eram os teóricos da Escola de 
Frankfurt. Proposições do poeta Ferreira Gullar, participante da direção do Centro Popular 
de Cultura (CPC) da UNE, a respeito das publicações que deviam dar suporte filosófico ao 
movimento, trouxeram traduções de obras como de Theodor Adorno e Walter Benjamin.64 
Essa perspectiva demonstra que muitos debates que nortearam a canção popular brasileira,nesse período, estiveram ligados ao contato dos artistas com a Indústria Cultural, seja do 
cantor ou compositor, seja da opinião pública em geral. Desta forma, é importante uma 
reflexão acerca do conceito de Indústria Cultural, no nosso caso específico a Indústria Fo-
nográfica e explicar a emergência do debate sobre cultura popular nos anos 1960 no Brasil. 
Theodor Adorno em ensaio clássico “O fetichismo na música e a regressão na 
audição” se refere à questão do gosto como um dos problemas centrais na sua crítica à In-
dústria Cultural. Segundo ele, o fetichismo é oriundo da mercantilização da obra de arte 
que a transformou em mero objeto de troca (fetichismo). Isto fez com que as massas na sua 
61 NAPOLITANO, Marcos. Cultura Brasileira: Utopia e massificação (1950- 1980). São Paulo: Contexto, 2006. p. 16.
62 SODRÉ, Luis Werneck. Síntese da História da Cultura Brasileira. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999. 19 ed. p. 70.
63 ORTIZ, Renato. A Moderna Tradição Brasileira: cultura brasileira e indústria cultural. São Paulo: Brasiliense, 1991. 3 ed. 
64 ORTIZ. Renato. A moderna tradição brasileira. Op. Cit. p. 106.
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Sumário
época, primeira metade do século XX, se tornassem desprovidas de parâmetros de aprecia-
ção e escolha, o que o autor chama de “regressão da audição”. A Indústria Cultural torna 
repetitivo todo tipo de produção musical, como se não houvesse criatividade e diversidade 
na imaginação dos artistas, criando modelos de composição que devem ser seguidos para 
fins de divulgação e execução pela mídia.65 
A chamada Escola de Frankfurt, na qual incluímos Theodor Adorno, é pioneira 
na crítica à Indústria Cultural, percebendo-a como fruto de um processo de mercantilização 
da criação cultural humana ao status de bens de consumo. A teoria marxista acerca do feti-
chismo será utilizada por esses teóricos na crítica da incorporação da cultura ao mercado, 
que a faz deixar de ser um “bem supremo”.66 Walter Benjamin irá tratar essa perspectiva 
como a perda da ‘aura’, ao se referir à arte. Isto se deveu ao fato de que os espetáculos artís-
ticos posteriores às gravações, musicais ou cinematográficos, eliminaram certa função ‘ele-
vada’ da arte. No momento do palco, estava concentrado o caráter funcional que traria mais 
valor nas diversas manifestações. A perda da ‘aura’ pode ser pensada como a banalização 
da apreciação e do ‘gosto’ pelas obras artísticas.67 A sua preocupação a respeito da Indústria 
Cultural se concentra em grande parte ao campo artístico no sentido da sua reprodutibilidade. 
Ou seja, na medida em que o avanço tecnológico capitalista chega ao ponto de tornar possí-
vel a gravação de músicas e de filmes o valor em torno da arte ganha outro sentido. A perda 
da ‘aura’ significa dizer que a função em que desempenhava com “arte responsável” e pos-
suidora de “critérios como o do conhecimento” não existe mais. Tornou-se um produto in-
serido nas estruturas capitalistas que têm como fim a produção e circulação em larga escala.
Embora, compartilhe da visão de Theodor Adorno, Walter Benjamin via esse 
processo de reprodutibilidade como importante no sentido de proporcionar o acesso de um 
público mais amplo a essas produções culturais, bem como não acredita na dominação 
social irreversível e total que a Indústria Cultural imprime em relação ao público. Para 
Adorno, não é possível a liberdade de escolha baseado na perspectiva da inexistência do 
indivíduo.68 Ao se concentrar na maneira como é produzida a música, o autor revela seu 
negativismo. A Indústria Cultural criava uma padronização tal das composições, que “(...) 
O critério de julgamento é o fato de a canção de sucesso ser a conhecida de todos”. Esta 
padronização contribuía para o “emudecimento” do homem, dessa forma ele não ouve, mas 
passa a consumir produtos culturais dos quais se torna passivo. O fetichismo musical, portan-
to, é o consumo de valores sonoros sem que sequer sejam compreendidas pelo consumidor. 
Em suas palavras: “(...) Com efeito, a música atual, na sua totalidade, é denominada pela 
característica de mercadoria (...)”.69
A Escola de Frankfurt possui uma profunda contribuição aos estudos no campo 
da mídia e da comunicação. Esta deve ser compreendida não como um sistema teórico aca-
bado, mas um “projeto de pesquisa” muito mais amplo que guarda seu valor nas possibili-
65 ADORNO, Theodor. O fetichismo na música e a regressão da audição. Textos escolhidos. São Paulo: Nova Cultural, 2000. 
(Coleção os pensadores). P.173
66 ADORNO. Op. Cit. p.173
67 BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. Textos escolhidos. São Paulo: Nova Cultural, 2000. 
(Coleção os pensadores). 
68 ADORNO. Op.Cit. p.173
69 Op. Cit. p.180
29
Sumário
dades que criou para os estudos posteriores. Nesse sentido, mesmo autores com abordagens 
renovadas ainda consideram a Escola de Frankfurt como fundamental nos seus estudos, não 
sendo esgotada.70 O autor separa a crítica a Indústria Cultural em dois grandes campos de 
reflexão. O primeiro comporta estudos conceituais do processo de mercantilização da cultu-
ra e meios de comunicação. A este pertencem Adorno e Horkheimer. Um segundo conjunto 
reúne estudos acerca dos “efeitos do processo de produção cultural contemporânea”. A 
Escola de Frankfurt é relevante quanto aparato teórico para a segunda categoria classifica-
tória, servindo como referência a todas as pesquisas que incluíram reflexões sobre Indústria 
Cultural.71 
Neste trabalho me utilizei das reflexões acerca da crítica da indústria cultural, 
porém tomando como sentido a restrição do tempo e o lugar histórico ao qual me detive. O 
modelo Frankfurtiano será problematizado sob um prisma específico que se localiza na his-
tória da produção musical no Brasil e na Amazônia na década de 1970. Muitos dos pontos 
são redimensionados a esta realidade.
Nesse período de afirmação da Indústria Cultural no Brasil “gerou-se um conjun-
to de representações simbólicas de Brasil e de povo brasileiro que até hoje atua em nossas 
consciências”.72 Processo semelhante pode ser encontrado em Belém, porém, em menor 
escala. Os anos de 1970 são o momento onde se forjou uma “linha amazônica” da arte, ba-
seado no mesmo princípio enunciado, embora situado em aspectos locais. 
A Amazônia carrega uma especificidade própria e sua expressão musical também 
deve ser tomada da mesma forma. Porém, existem questões relativas à cultura brasileira que 
servem para análise de uma problemática regional. A questão da cultura está inserida neste 
âmbito, esteve sempre presente nos debates intelectuais, mas com o advento da Indústria 
Cultural ganhou uma nova face ligada às massas, ao aspecto mercadológico. Essa questão 
mudou o “âmbito da cultura popular”, ou seja: “(...) cruzamento de elementos memoriais, 
ditos folclóricos, com elementos de uma cultura cada vez mais ligada ao lazer urbano das 
massas trabalhadoras”.73 
A arte engajada dos anos de 1960 não conseguiu atingir às massas ao nível da 
grande virada dos anos de 1970 quando ocorreu uma simbiose da MPB com a Indústria 
Cultural, o que permitiu expandir o alcance da música popular em escala comercial. Por 
outro lado, é necessário ressaltar que a arte engajada do CPC já nutria uma relação intensa 
com a indústria fonográfica. Ironicamente, o engajamento musical passou a conviver com 
os ditames e favorecimentos do mercado, transformando a música de protesto em um dos 
estilos musicais mais lucrativos deste período. A Indústria Cultural foi o principal veículo 
de divulgação da arte engajada. Os públicos são formados nas apresentações televisivas ou 
mesmo na presença em festivais. Esses tinham como objetivo ser uma ‘vitrine’ dos artistas 
para as grandes gravadoras.74
70 RUDIGER, Francisco. A escola de Frankfurt e a trajetória da crítica a indústria cultural. Estudos de Sociologia, v. 3, n. 4, p.17, 
1998. 
71 RUDIGER, Francisco. Op. Cit. p. 18.
72 NAPOLITANO, Marcos. Cultura Brasileira: Utopia e massificação (1950- 1980). São Paulo: Contexto,

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