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REDE DE ENSINO – DOCTUM BACHARELADO EM DIREITO RAPHAEL ASSUNÇÃO GONÇALVES, 210800023 VICTOR HUGO DE MATTOS MARTINS, 170800144 RESENHA CRÍTICA: A POSSE E O DIREITO AO USUCAPIÃO DOCTUM SERRA/ES 2021 2 REDE DE ENSINO – DOCTUM BACHARELADO EM DIREITO RAPHAEL ASSUNÇÃO GONÇALVES, 210800023 VICTOR HUGO DE MATTOS MARTINS, 170800144 RESENHA CRÍTICA: A POSSE E O DIREITO AO USUCAPIÃO Resenha crítica apresentada para a disciplina Direito CIVIL IIII, no curso de Direito, da Rede de Ensino – DOCTUM. Prof: Paulo Cesár Carvalho DOCTUM/ES 2021 3 RESENHA CRÍTICA Toda posse ad usucapionem é uma posse injusta, de MARCUS EDUARDO DE CARVALHO DANTAS, publicado na Revista Civilistica.com, nº 1, de 2016. O texto objeto de nosso estudo demonstra a relação entre a posse injusta/justa e a possibilidade de usocapião. O autor justifica que o escopo do texto é discriminar os dois significados por meio dos quais uma posse pode ser considerada “injusta”. A primeira dimensão é a formal, onde toda a posse ad usucapionem é sempre e necessariamente uma posse “injusta”, uma vez que a viabilização da posse está localizada na contramão ao interesse e autorização do proprietário. A segunda dimensão retratada pelo autor, enxerga a posse “injusta” a partir de uma analise moral, considerando justificada a perda da propriedade em função da materialização da posse de outrem. Marcus Eduardo de Carvalho Dantas afirma que a propriedade não deve ser observada como absoluta em caráter do proprietário, tampouco disponível devido à inércia do mesmo. A doutrina entra em consenso quando define o usucapiente como aquele que exerce a posse com o objetivo deliberado de passar a ser o proprietário da coisa, ou que acredita que já tem o direito que ao final será seu, é o chamado “animo de dono”. O Código Civil de 2002 delimita a posse no art. 1200: É justa a posse que não for violenta, clandestina ou precária. O que acontece no campo dos fatos, é a posse adquirida por qualquer uma das modalidades de vícios existentes, sendo exercida por um longo período de tempo com ausência de incomodo ao esbulhador. Neste caso supracitado de injusta posse, o esbulho será considerado eternamente “injusto”? Para responder à dificuldade existente ante uma posse 4 “eternamente injusta, a argumentação dos estudiosos se orienta em torno da ideia de que é possível (e necessário) “sanar” os vícios existentes no momento da aquisição, no intuito de garantir que a posse originariamente injusta se transforme em uma posse justa e, assim, seja capaz de gerar a usucapião. O autor põe luz à nebulosidade do estudo jurídico ao confundir dois significados de “injustiça”. A saber: Em uma primeira acepção, a “justiça/injustiça” é relativa ao modo pelo qual a posse foi obtida, chave pela qual, por coerência, toda posse não autorizada – como é o caso da ad usucapionem – deve ser reconhecida como “injusta”. Em um outro sentido, a “justiça/injustiça” é decorrente de uma avaliação moral acerca do conteúdo da posse, do modo pelo qual ela foi exercida durante todo o tempo necessário para usucapir. É uma análise de quanto aquela posse “merece” gerar a aquisição da propriedade pela usucapião. Trata-se de um julgamento acerca dos valores que foram efetivados por meio da materialização do apossamento e o quanto eles justificam suficientemente a sua prevalência frente ao direito de propriedade. É uma análise material, de conteúdo, portanto, da posse exercida durante todo aquele tempo exigido em cada hipótese de usucapião”. Em consonância com a opinião do autor o Tribunal de Justiça do Maranhão decidiu: PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. APELAÇÃO. AÇÃO REIVINDICATÓRIA. DIREITO DE PROPRIEDADE. POSSE INJUSTA. INDIVIDUALIZAÇÃO DO IMÓVEL. REQUISITOS PREENCHIDOS. EXCEÇÃO DE USUCAPIÃO. REJEITADA. POSSE INJUSTA. AUSÊNCIA DE DECURSO DO PRAZO DA 5 USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. DESPROVIMENTO. 1. Segundo o artigo 1.228 do CC, "o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha". 2. A ação reivindicatória tem como finalidade possibilitar ao proprietário, dotado do título registral, retomar a coisa de terceiro que injustamente a possua ou detenha, devendo, para a sua procedência, restar comprovados nos autos: 1) a titularidade do domínio sobre o bem reivindicado; 2) a individuação da área reivindicada 3) a posse injusta do réu sobre a coisa, os quais restaram devidamente comprovados nos autos. 3. Hipótese em que não restou evidenciado o requisito da posse mansa e pacífica do apelante para fins de procedência da exceção de usucapião, porquanto o autor, ora apelado, antes do decurso do prazo decenal da prescrição aquisitiva, contado desde o falecimento de sua genitora (2001), se opôs à sua pretensa posse ad usucapionemno ano de 2011, conforme se extrai do depoimento da parte requerida. 4. Logo, forçoso reconhecer que uma vez comprovado o domínio do apelado, a individuação da área reivindicada e a posse injusta, deve ser mantida a sentença que julgou procedente a reivindicatória. 5. Apelo desprovido. (TJ-MA - AC: 00001629220138100031 MA 0008502019, Relator: KLEBER COSTA CARVALHO, Data de Julgamento: 28/02/2019, PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL) 6 No esforço dos doutrinadores em criar mecanismos que possam justificar a posse “injusta” como possível à usucapião, o autor constrói critica que as formas de saneamento são tão amplas e variadas que sempre que o possuidor tiver o tempo de posse, e os requisitos específicos para usucapir em cada hipótese, os vícios de algum modo terão sido eliminados. E se é inevitável considerá-los sanados, é porque as estratégias de saneamento são na verdade irrelevantes para a aquisição pela usucapião, e tal afirmativa raramente é utilizada. Na construção de sua critica a doutrina, o autor sugere um olhar mais preciso da posse ad usucapionem, se a posse sempre for caracterizada como injusta e que isso não impede a usucapião em nenhuma modalidade, o ganho sistemático será visível, pois os vícios outrora considerados importantes passam a ser apenas subjetivos. Se toda posse ad usucapionem é injusta, o que importa é saber se o usucapiente tinha ou não conhecimento disto. Marcelo Dantas cita o jurista Daniel Eduardo Carnacchioni, reforçando assim, sua tese de que “o conceito de posse injusta somente é fundamental para fixar a legitimidade passiva nas ações possessórias”. Para o autor, as estratégias de saneamento tem uma única finalidade: tornar uma posse tida como injusta em uma posse justa, supondo que o requisito de saneamento dos vícios da posse são imprescindíveis para que se haja o usucapião. O autor destaca que as estratégias são tão amplas e tem tantas vertentes que é quase inevitável a prática do saneamento, destacando que: “para uma parte da doutrina, a simples manutenção da posse pelo curto período de um ano faz com que ela perca o vício de origem e se torne apta a viabilizar a usucapião.” Para Dantas, a interpretação é oriunda de uma leitura particular da norma processual que faz a reserva da tutela liminar para os casos cuja posse tenha sido perdida há menos de ano e dia. Necessário trazer o Art. 924, CPC, que diz: 7 Art. 924. Regem o procedimento de manutenção e de reintegração de posse as normas da seção seguinte, quando intentado dentro de ano e dia da turbação ou do esbulho; passado esse prazo, será ordinário, não perdendo, contudo, o caráter possessório. Tal ponderação tem relação com a diferença entre a dita “posse nova” e a “posse velha”. Sendo a segunda, os casos em que o esbulhador exerce posse há mais de ano e dia, fazendo com que o esbulhado perca a possibilidade de uma reintegraçãoliminar. Mesmo quando se tratando da posse velha, não há impedimento para que o esbulhado busque alguma medida mais célere, sendo necessária a utilização via tutela antecipada, apresentada na norma jurídica no Art. 273 do CPC/73, mas que hoje é regulada 294-311 do novo CPC. No novo CPC/2015, a tutela cautelar é pautada no “fumus boni iuris e periculum in mora”. E a tutela antecipada baseia- se em verossimilhança do que é alegado, fundado receio de dano ou abuso do direito de defesa. Ambas estão reunidas em torno da tutela provisória, elencada nos seguintes termos: Art.294. A tutela provisória pode fundamentar-se em urgência ou evidência. Parágrafo único: A tutela provisória de urgência, cautelar ou antecipada, pode ser concedida em caráter antecedente ou incidental. Os requisitos para tais medidas, em muito semelhantes aos termos do CPC revogado, de uma maneira geral estão regulados, como indicado, entre os artigos 294 e 311. Há de se destacar que, segundo expressa o autor, uma parte importante da doutrina civilística brasileira interpreta as diferenças que estabelecem o direito processual como uma estratégia de saneamento, que decorre da simples passagem do tempo. O pensamento simples: Se não cabe mais a reintegração de posse, isso significa que a posse antes injusta, se transformou em posse justa. E esse entendimento é adotado por outros doutrinadores, como por exemplo, Maria Helena Diniz, que indica expressamente: “se o adquirente a título clandestino ou violento provar que sua clandestinidade ou violência cessaram há maisde ano e dia, sua posse passa a ser reconhecida, convalescendo-se dos vícios que a maculavam.” A interpretação é criticável porque o fato de o possuidor esbulhado ter que fazer uma prova mais consistente do seu direito para que se obtenha a tutela antecipada não significa que a posse do esbulhador tenha passado a ser justa. Significa apenas que, em virtude do momento do esbulho não ser mais tão nítido, a prova para a retomada da posse deve ter mais consistência para que a tutela seja concedida. Desse mesmo modo, quando se tem em conta de que não há nenhuma modalidade de usucapião com menos de um ano, todas as vezes que o possuidor tiver superado tal prazo o vício será limpo, razão pelo qual não existiria hipótese de possuidor com tempo superior suficiente para usucapir que já não se tenha passado pelo “marco saneador”. Também por isso parece curiosa a hipótese de saneamento pela passagem do tempo vislumbrada, o autor cita Fábio Ulhoa Coelho: 8 A posse só deixa de ser violenta se o antigo possuidor não se interessa pela retomada do bem ou, não obtendo sucesso no exercício do desforço imediato, desiste da luta. Desaparecendo a violência nesse caso, a posse se torna justa. (...) Em suma, o desinteresse do desapossado em defender a sua posse descaracteriza a origem viciada da do novo possuidor.” De acordo com tal raciocínio, todas as vezes que o possuidor tiver posse ad usucapionem pelo tempo necessário para usucapir a posse injusta terá se transformado em posse justa. E se isso é assim, para que serve o exame dos vícios objetivos?” Ainda entre os estudiosos brasileiros da área, Silvio Rodrigues é defensor da tese de que após ano e dia de exercício da posse pelo esbulhador, o possuidor esbulhado perderia seu direito de retomar a posse por via processaria possessória, sendo cabível apenas uma ação reivindicatória, com base no título. Sendo esse impedimento um reflexo de que a posse, que antes era injusta por se tratar de aquisição violenta, teria passado a ser justa, levada em consideração a passagem do prazo. É interessante como o raciocínio de Silvio Rodrigues é uma mistura do que é positivado em sistemas utilizados em países como a Espanha e Portugal. A questão é que no Brasil, diferente do que ocorre no ordenamento dos maiores países da península Ibérica, não há nenhuma disposição normativa que ampare tal interpretação. Na Espanha e em Portugal, o período de tempo de um ano e dia tem, em primeiro lugar, uma função específica: decretar o momento da perda da posse por parte do possuidor esbulhado. Como mostra o código civil espanhol: Código Civil espanhol: “Artículo 460. El poseedor puede perder su posesión: (...) 4. Por la posesión de otro, aun contra la voluntad del antiguo poseedor, si la nueva posesión hubiese durado más de un año”. Traduzido pela língua portuguesa em: Código Civil Espanhol: “Artigo 460. O possuidor pode perder a posse: (...) 4. Pela posse de outra, mesmo contra a vontade do antigo dono, se a nova posse durasse mais de um ano ”. Já o Código Civil de Portugal diz: “Artigo 1267º (Perda da posse): 1. O possuidor perde a posse (...) d) Pela posse de outrem, mesmo contra a vontade do antigo possuidor, se a nova posse houver durado mais de um ano”. Por fim, seguindo o mesmo raciocínio sustenta o que prevê o Art. 1224 do nosso Código Civil: “Art. 1.224. Só se considera perdida a posse para quem não presenciou o esbulho, quando, tendo notícia dele, se abstém de retornar a coisa, ou, tentando recuperá-la, é violentamente repelido.” 9 Onde embora não haja uma referência objetiva de tempo, é possível verificar que o possuidor esbulhado não perde o seu direito de posse no exato momento em que ocorre a perda no plano fático. A função do dispositivo, tanto no Brasil e no estrangeiro é única: “garantir que não haja solução de continuidade no exercício da posse quando intervalos intermitentes ococrrem.” É importante ressaltar que no ordenamento português, assim como no direito Espanhol, o prazo de um ano é correspondente a “caducidade” das ações de reintegrações ou manutenção de posse. Versa o Art. 1.282 do Código Civil Português: “A acção de manutenção, bem como as de restituição da posse caducam, se não forem intentadas dentro do ano subsequente ao acto da turbação ou do esbulho, ou ao conhecimento dele quando tenha sido praticado a ocultas”. acção de manutenção, bem como as de restituição da posse caducam, se não forem intentadas dentro do ano subsequente ao acto da turbação ou do esbulho, ou ao conhecimento dele quando tenha sido praticado a ocultas”. Já o diploma civil espanhol preceitua no seu artigo 1968.1 do Código Civil espanhol: “Artículo 1968. Prescriben por el transcurso de un año: 1.La acción para recobrar o retener la posesión” Traduzindo para língua portuguesa: Prescrevem no curso de um ano: 1.A ação para recuperar ou manter a posse. " Ante o exposto, não nos restam dúvidas que, fazendo coro com o autor do artigo, o prazo de “ano e dia” exerce função de muita importância. Em ambos ordenamentos o expurgo dos vícios pela passagem do tempo é respaldado pela norma, ainda que existam críticas feitas ao raciocínio em nosso ordenamento jurídico, também se aplicam aos demais sistemas: não existindo também neles nenhuma modalidade de usucapião com menos de um ano, a ideia do saneamento dos vícios, da mesma forma que aqui não tem função, porque sempre que o usucapiente tiver prazo para usucapir, tais vícios terão deixado de existir. Alguns estudos tem indicado que os vícios objetivos podem ser considerados sanados, uma vez constatado o cumprimento da função social por parte do esbulhador. De toda forma, o saneamento pelo cumprimento da função social da posse pode ser criticado de imediato porque não há na norma do ordenamento jurídico brasileiro qualquer definição sobre o que é, sobre qual a função social contida na posse. Os doutrinadores tem buscado dar substância a tal princípio, pela conexão que tradicionalmente é feita entre a função social da posse e a efetivação de direitos fundamentais como os de moradia e trabalho. A possibilidade de buscar extrair essa conexão da relação entre posse e propriedade: levando em consideração que a propriedade deve cumprir a função social, a posse também deve ser lida como subordinada ao referido princípio. Porém, sea função social da propriedade é em grande medida a “função social da posse exercida pelo proprietário” seria viável dizer que o contrário também tem verdade? - Teria um possuidor de uma área de grande extensão de terra na zona rural as mesmas obrigações direcionadas ao proprietário, estabelecidas pelo Art. 184, 10 CF/88, que versa: Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei. §1°. As benfeitorias úteis e necessárias feitas serão indenizadas em dinheiro. §2°. O decreto que declarar o imóvel como de interesse social, para a ação de desapropriação. § 3º Cabe à lei complementar estabelecer procedimento contraditório especial, de rito sumário, para o processo judicial de desapropriação.§ 4º O orçamento fixará anualmente o volume total de títulos da dívida agrária, assim como o montante de recursos para atender ao programa de reforma agrária no exercício. § 5º São isentas de impostos federais, estaduais e municipais as operações de transferência de imóveis desapropriados para fins de reforma agrária.” E qual seria a consequência do descumprimento desse dispositivo por parte de quem é apenas o possuidor? E nos casos de posse urbana, qual o conteúdo a ser cumprido para que a função social seja contemplada? Essa vacância de uma definição sobre o conteúdo da função social da posse acarreta prejuízo a sua utilização como critério para avaliação do expurgo dos vícios objetivos. A possibilidade do saneamento advinda de um princípio tão maleável tem como consequência o seu reconhecimento em um número de situações tão isoladas que fica difícil vislumbrar em quais circunstâncias o exercício regular da posse não o atenderia. Na prática jurídica, até a criação de galinhas é precedente para o cumprimento da função social da posse. Isso quando, mesmo sem que haja comprovação de tempo, o possuidor prova que construiu lojas e casas de aluguel que pretendia usucapir, ou ainda nos casos em que a área pretensa a usucapir foi utilizada apenas como garagem e ou área de lazer durante o lapso temporal que se faz necessário para a usucapião. Considerações finais: O artigo discorre em um conteúdo muito rico e de muita valia, sobretudo para trazer à luz quando uma posse é injusta ou não. Analisar todos pontos, entendo os problemas que se dão quanto à doutrina, passando pelo tempo, pela função social e demais questões abordadas, nos trazem a reflexão e a uma análise moral. O autor foi muito feliz do início ao fim, cabendo destaque à conclusão que ressalta a ineficiência do saneamento dos vícios da posse. Sem deixar de lado a ideia de que o exercício da posse é, de longe, mais importante do que o não uso. Palavras-chave: posse, direitos reais, usucapião, resenha crítica 11
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