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1 UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL - UNIJUI DHE - DEPARTAMENTO DE HUMANIDADES E EDUCAÇÃO CURSO DE PSICOLOGIA MEDICALIZAÇÃO INFANTIL ANA PAULA FAGUNDES Santa Rosa, 2017. 2 UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL - UNIJUI DHE - DEPARTAMENTO DE HUMANIDADES E EDUCAÇÃO CURSO DE PSICOLOGIA MEDICALIZAÇÃO INFANTIL ANA PAULA FAGUNDES ORIENTADOR(A): Me. SILVIA CRISTINA SEGATTI COLOMBO Trabalho de conclusão de curso apresentado como requisito parcial para conclusão do curso de formação de Psicólogo. Santa Rosa, 2017. 3 RESUMO Este trabalho foi construído a partir da necessidade da reflexão e discussão do uso de como estão sendo feitos os diagnósticos, e o uso dos medicamentos em crianças. Com o objetivo de estudar quais seriam os principais medicamentos utilizados, e as possíveis causas no desenvolvimento. O estudo foi realizado a partir de pesquisa bibliográfica, onde está dividido em dois capítulos: o primeiro voltado para o desenvolvimento infantil, trazendo um breve histórico sobre a criança, com um olhar da psicanálise sobre a infância e o infantil, utilizando como principais autores: Donald Winnicott, Melanie Klein, José Martins Filho, Sigmund Freud, e Leila Mendonça. O segundo capítulo, trata da problemática da medicalização na atualidade, trazendo como pontos principais, as mudanças na família e na sociedade, a história do uso dos psicofármacos, diagnóstico e uso da Ritalina. Foram utilizados como principais autores: Sigmund Freud, Leila Mendonça, Diana Jerusalinsky, e Julieta Jerusalinsky. A partir do estudo foi possível observar que as crianças estão cada vez mais cedo sendo diagnosticadas com algum tipo de transtorno e fazendo uso de medicamentos como a Ritalina. Palavras chave: Infância, Psicofármacos, Desenvolvimento, Diagnóstico. 4 SUMÁRIO INTRODUÇÃO.................................................................................................................. 5 1. UM OLHAR SOBRE O DESENVOLVIMENTO INFANTIL..................................7 1.1 Breve histórico da criança.........................................................................................7 1.2 Um olhar da psicanálise sobre Infância e o infantil............................................ 11 1.3 Desenvolvimento segundo Winnicott....................................................................13 1.4 Desenvolvimento segundo Melanie Klein............................................................ 17 2. PROBLEMÁTICA DA MEDICALIZAÇÃO NA INFÂNCIA NA ATUALIDADE.22 2.1 Mudanças na Família e na Sociedade................................................................. 22 2.2 Breve Histórico do uso dos psicofármacos..........................................................27 2.3 Diagnóstico e o uso da Ritalina............................................................................. 29 CONCLUSÃO..................................................................................................................33 REFERÊNCIAS...............................................................................................................35 5 INTRODUÇÃO Dado ao fato do uso abusivo de medicamentos em sujeitos em desenvolvimento pretendo realizar uma pesquisa com o intuito de estudar os efeitos, em crianças pequenas e refletir seu papel no processo de constituição psíquica. O objetivo geral foi estudar o uso dos medicamentos em crianças e as possíveis consequências no seu desenvolvimento psicológico. Além disso, pesquisar sobre o desenvolvimento infantil, a partir da visão da psicanálise, identificar como são feitos os diagnósticos e quais os principais medicamentos utilizados. Também, descrever as mudanças sociais e familiares, que levam ao discurso social atual de medicar. O estudo foi realizado a partir de pesquisa bibliográfica, utilizando para levantamento de dados: artigos, livros, sites da Internet, entre outras fontes. A pesquisa foi organizada em dois capítulos: o primeiro sobre o desenvolvimento infantil, trazendo um breve histórico sobre a criança; trazendo um olhar da psicanálise sobre a infância e o infantil; e o desenvolvimento infantil segundo Winnicott e Melanie Klein. Para desenvolvimento do estudo foram utilizados: Martins Filho, Sigmund Freud, Leila Mendonça, Donald Winnicott e Melanie Klein, como principais autores. O segundo capítulo trata da problemática da medicalização na atualidade, trazendo as principais mudanças na família e sociedade; a história do uso dos psicofarmacos; como são feitos os diagnósticos e o uso da Ritalina. Foram utilizados como principais autores: Sigmund Freud, Leila Mendonça, Diana Jerusalinsky, e Julieta Jerusalinsky. Devido ao crescente número de crianças que cada vez mais cedo estão fazendo uso de medicamentos, se faz necessário a discussão, reflexão e conscientização dos responsáveis das possíveis causas, que o uso precoce de 6 medicamentos pode trazer para o desenvolvimento dessas crianças. O que justifica a necessidade de se pesquisar melhor o assunto, visto que considerando a formação em psicologia este tema é recorrente no cotidiano da área. 7 1.UM OLHAR SOBRE O DESENVOLVIMENTO INFANTIL 1.1 Breve histórico da criança Ao estudar o conceito de infância ao longo da história, percebe-se que é algo recente. Não existiam preocupações com o brincar, cuidados com saúde e desenvolvimento, preocupações presentes hoje neste período. Até o século XII não havia a concepção de infância, não havendo representação ilustrativas de crianças. Áries ressalta que “na sociedade medieval a criança a partir do momento em que passava a agir sem solicitude de sua mãe, ingressava na sociedade dos adultos e não se distinguia mais destes”. (1981, apud MARTINS FILHO, 2012,p.156). Ou seja, as crianças eram consideradas neste período como adultas em miniatura,não havendo distinção, por exemplo, nas roupas e costumes dos adultos. O abandono de crianças está presente desde a Antiguidade. Mitos gregos como Édipo por exemplo, Moisés, abandonado em uma cesta de vime, entre outros. Segundo Martins Filho: Gregos e romanos tinham pouca preocupação com o infanticídio, pois era dado ao pai o direito de vida e morte sobre os filhos. Os gregos não matavam, como frequentemente se diz, apenas os desvalidos, os malformados, os “defeituosos”. E, vale ressaltar, matavam-se mais mulheres do que homens, porque os gregos eram guerreiros. (2012, p.18) Na Roma Antiga, o nascimento de uma criança não era apenas um fator biológico, mas também uma aceitação paterna. De acordo com Costa (2012) ao citar Veyne (1989) o aborto, o abandono e morte de crianças eram corriqueiras e consideradas legítimas. A criança que o pai não levantar será exposta diante da casa ou num monturo público; quem quiser que a recolha. Igualmente será rejeitada se o pai estiver ausente, ou tiver ordenado à mulher grávida [...] Enjeitavam ou afogavam crianças mal formadas (nisso não havia raiva, e sim razão, diz Sêneca: É preciso separar o que é bom do que não pode servir para nada), ou ainda os filhos de sua filha que “cometeu uma falta”. Entretanto, o abandono dos filhos legítimos tinha como causa principal a miséria de uns e a política patrimonial de outros [...] Contudo mesmo os mais ricos podiam enjeitar um filho indesejado cujo nascimento pudesse perturar 8 disposições testamentárias já estabelecidas (VEYNE, 1989 p.24, apud COSTA, 2012) Para Martins Filho (2012), diferente dos gregos os romanos tinham no abandono, e as vezes no infanticídio, uma forma de “resolver o problema” dos filhos indesejados. Era frequente na época, Inocêncio III observar das janelas do palácio papal, todas as manhãs, pescadores ao recolher as redes do rio Tigre, e entre os peixes, encontrarem cadáveres de crianças pequenas e até mesmo bebês, corpos que eram jogados durante a noite. A partir daí o papa pediu para que seus auxiliares, verificassem todas as manhãs se não haviam crianças respirando, para que pudesse benze-las. Assim,surgiu a crença de que sem a bênção do batismo, elas não poderiam entrar no Reino dos Céus, criando assim o conceito “limbo”, lugar definido como uma caverna escura entre o purgatório e céu (mais tarde papa Bento XVI,aboliu o conceito de limbo). Martins Filho (2012) considera que a criança, não é e nunca foi, o elemento considerado mais importante pela sociedade. Pelo contrário, o abandono de bebês é um fenômeno constante na história da humanidade. O que muda segundo ele, é a naturalidade com que tal costume foi encarado, sua insignificância social. Áries (1981 apud, Martins Filho,2012), aponta que a relação criança/infância foi sendo transformada a partir da nova visão e condutas da Igreja Católica. A partir destas condutas novos modelos familiares surgiram ressaltando a importância do laço sanguíneo. No século XVIII a Igreja Católica passou a acusar de bruxaria quem matasse crianças. O sentimento relacionado a infância surge a partir do discurso cristão do menino Jesus, onde a criança passa ser um mediador entre o céu e a terra. Aos poucos com o advento do cristianismo e a influência da Igreja, a violência contra as crianças foi reduzida. Embora no centro de Roma, existia um local chamado Coluna Lactária, local onde as famílias podiam abandonar os bebês, e outras pessoas poderiam recolher para criar, muitas crianças não sobreviviam, e eram devoradas pelos cães. Martins Filho (2012) ressalta que, historicamente, a piedade e a caridade só passaram a ter destaque no século V, quando a Igreja modifica o simbolismo do abandono das crianças. Aparece a oblata, onde o abandono das crianças nas igrejas 9 passou a ter outra conotação, os filhos eram deixados nas igrejas para adotar uma vida religiosa abrindo mão de quaisquer bem familiar, que deveriam passar para a igreja quando os parentes morressem. Outra iniciativa para reduzir a morte das crianças foi a criação da roda dos expostos. Uma caixa de madeira com uma gaveta ou um cilindro giratório, com abertura dupla, uma para o exterior e outra para o interior da instituição. Eram deixadas em igrejas ou órgãos públicos, onde as mães geralmente durante a noite deixavam seus bebês, algumas com bilhetes, com informações como nome, data de nascimento. Nos primeiros dias as crianças eram entregues a amas de leite, que deveriam apresentar diariamente a criança para constatar que esta estava viva. Segundo Martins Filho: Houve momentos, principalmente na Europa, em que eram pagos pequenos soldos a essas senhoras “amamentadoras”, para que exercessem esse papel - o que, claro, muitas vezes acabou causando problemas. Haviam pessoas que solicitavam vários bebês para ganhar um pouco mais. Outras, no caso de a criança falecer (o que era muito comum nos primeiros meses), usavam outros menores, emprestados, para apresentar à instituição e receber seus estipêndios.( 2012, p.27) Eram raras as crianças que sobreviviam, e as que chegavam até por volta dos sete anos, tinham que aprender algum ofício para os meninos: carpintaria, marcenaria, etc., e as meninas afazeres domésticos e preparação para o casamento. As rodas dos expostos duraram vários séculos, a última brasileira foi a da Santa Casa de São Paulo, extinta em 1950. (MARTINS FILHO, 2012,p.26). Segundo Passeti, no Brasil os primeiros conceitos de crianças foram trazidos pelos Jesuítas, onde propagam-se duas representações infantis: uma mística repleta de fé, é o mito da criança-santa; a outra de uma criança que é o modelo de Jesus, muito difundida pelas freiras carmelitas. Nesse contexto, os Jesuítas veem nas crianças indígenas “o papel em blanco” que desejam escrever; antes que os adultos os contaminem com seus maus costumes.(s/a p.3, apud HENICK e FARIA, s/a). Para Neto (2000), a passagem da infância à puberdade era entendida como o momento onde, se passava da inocência original da infância à idade e conhecimento do bem e do mal, em que a criança assumiria o comportamento adulto (p.105, apud, HENICK e FARIA). 10 Para evitar que as crianças fossem “contaminadas” pelos maus hábitos dos adultos, os Jesuítas criaram o projeto pedagógico de colonização jesuítica, “A infância é percebida como momento oportuno para a catequese porque é também momento de unção, iluminação e revelação [...] Momento visceral de renúncia, da cultura autóctone das crianças indígenas” (DEL PRIORI, 1995, apud HENICK e FARIA s/a, p. 4). As crianças que resistiam, ou não se recusavam a participar, era dito pelos Jesuítas que o mal já habitava nelas, Os jesuítas viam a catequese como forma de “conservar a docilidade e a obediência da criança, mais uma forma de ação que acabava por negar a cultura indígena” (NETO, 2000, p. 106 apud, HENICK e FARIA). Neto descreve que, mesmo com a proposta pedagógica, os Jesuítas encontravam problemas como o abandono de crianças, órfãs e migrantes. Presenciavam por volta do século XVIII: [...] um estrondoso número de bebês abandonados que eram deixados pelas mães à noite, nas ruas sujas. Muitas vezes eram devorados por cães e outros animais que viviam nas proximidades ou vitimados pelas intempéries ou pela fome (NETO, 2000, p. 107). Para diminuir a situação de abandono no período Colonial, foram criadas as Rodas dos Expostos. No entanto, a mesma não perdurou por muito tempo, por volta do século XIX no Brasil essas instituições começaram a ser fechadas, pois passaram a ser consideradas contrárias aos interesses do Estado. As rodas começam a “receber críticas de médicos higienistas, que viam esta forma de assistencialismo como responsável pelas mortes prematuras de crianças” (HENICK e FARIA, s/a). Com o fechamento dessas instituições, as crianças passaram a viver em situação de rua, sendo vista pela sociedade como marginais, sendo então necessária alguma providência. “Dessa forma, caberia ao Estado implantar uma política de proteção e assistência à criança, a qual foi estabelecida por meio do Decreto 16.272, de novembro de 1923” (NETO, 2000,p.110 apud, HENICK e FARIA, s/a). 11 As mudanças de concepção e formas de assistência às crianças abandonadas tiveram início a partir de 1960. Neto afirma que: No ano de 1964, o governo militar introduziu, mediante a Lei 4.513 de 1º de dezembro de 1964, a Política Nacional do Bem - Estar Social do Menor, cabendo a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM) sua execução. Seus objetivos eram cuidar do menor carente, abandonado e delinquente, cujos desajustes sociais se atribuíam aos desafetos familiares ( 2000, p. 111). Em vários Estados foram instaladas as FEBEM’s (Fundação Estadual para o Bem Estar do Menor) que tinham com objetivo, adequar a assistência que antes era quase exclusiva da Igreja. As crianças órfãs ou abandonadas passaram a ser encaminhadas para essas fundações, onde esperavam por uma família que as adotasse, enquanto recebiam cuidados das “damas de caridade”, senhoras que as cuidavam voluntariamente. Em 1988, com a Constituição Cidadã, foram inseridos os Direitos Internacionais da Criança. Em 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) vem garantir os direitos das crianças e adolescentes, como consta no art. 4º o qual determina é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária, entre outros mais que asseguram a criança e adolescentes de ter seu desenvolvimento na sociedade em que vive (Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069/1992). Fica evidente ao estudar a história da criança ao longo dos anos, e nas diferentes culturas, que a criança diferenciava-se do adulto apenas na estatura. Não eram considerados cuidados diferenciados, vestimentas, espaço para brincar e se desenvolver, assim que alcançavam uma certa idade, ou pudessem parar em pé sozinhas, iniciavam suas atividades no trabalho para ajudarna renda familiar. A infância como espaço de brincadeiras e aprendizagem como conhecemos hoje, é algo muito recente na história, sendo criadas leis que punem infanticídio, maus tratos, garantindo direitos, como educação. 1.2 Um olhar da psicanálise sobre Infância e infantil 12 Infância e infantil são termos geralmente utilizados como sinônimos, mas para a psicanálise ganham significados diferentes. Enquanto a infância refere-se a um tempo da realidade histórica, marcando a diferença entre criança e adulto, período das primeiras inscrições do sujeito, o infantil refere-se a marca no psiquismo, independente da idade do sujeito, é atemporal e está remetido a conceitos como pulsão, recalque e inconsciente. A infância faz parte da história da psicanálise como uma de suas marcas mais duráveis. Freud não desenvolveu sua teoria voltada diretamente para uma clínica com crianças, porém, ele estava voltado para ela. “Enquanto a psicologia clássica se voltava para a transcrição ou tradução daquilo que se observava na criança, ou seja, suas manifestações, a metapsicologia freudiana se voltava para aquilo que dessas manifestações escapavam à tradução ou à transcrição.” ( MENDONÇA, 2013, p.54). Freud foi atravessado por restos das manifestações das crianças que observava, ou seja, construiu a representação da criança, não através da observação direta, mas a partir da análise com pacientes adultos. Mendonça, exemplifica em quais momentos Freud, marcou a infância, ao longo de suas obras: [...] a criança que grita (1895) permite a Freud situar o desamparo humano e a experiência de satisfação que o encontro com o outro proporciona; a criança que sonha (1900) possibilita-lhe consolidar, mais uma vez, que o sonho é realização de desejo; a criança que brinca (1907) porta-se como o adulto que fantasia; a criança que investiga e teoriza sobre sua origem (1908) aponta para Freud que o esforço de saber dela surge das pulsões que a governa e não de uma capacidade inata de pensar; a criança que se angustia (1909) apresenta-lhe o lugar que ela ocupa na economia subjetiva do outro; a criança que repete situações desagradáveis (1920) leva-o a formular que, através do jogo, ela repete o que lhe causou grande impressão na vida, transformando a passividade em atividade [...] (MENDONÇA, 2013, p.55) Freud nos primórdios da psicanálise, pensou ter encontrado uma criança seduzida e traumatizada, que tempos depois, tornou-se um adulto, acreditava que estas perturbações, tanto histéricas quanto obsessivas, apoiavam-se em experiências de caráter sexual, vivenciadas na infância, pela qual o corpo do sujeito teria sido afetado. 13 ( MENDONÇA, 2013, p.55). Assim formulou a teoria da sedução, onde a causa das neuroses seria um acontecimento no real, de ordem sexual. As experiências sexuais infantis que consistem na estimulação dos órgãos genitais, em atos semelhantes ao coito, e assim por diante, devem, portanto ser consideradas, em última análise, como os tramas que levam a uma reação histérica nos eventos da puberdade e ao desenvolvimento de sintomas histéricos (FREUD, 1896, p. 203). Com a fala dirigida a Fliess, “não acredito mais em minha neurótica” (1897, 1987, p.309), Freud inicia uma desconstrução em relação a teoria do trauma. O discurso da psicanálise passa a ter como fundamento não mais o sexual de uma realidade objetiva, mas o sexual de uma realidade psíquica, partindo das fantasias. Não seriam mais acontecimentos datados na infância os causadores das perturbações psíquicas, mas uma fantasia sexual, inconsciente e infantil, derivada das primeiras relações de objeto. (MENDONÇA, 2013, p.57). O infantil não consiste em uma construção tardia na psicanálise, a especificidade conceitual que contorna a ideia de infância e infantil, sempre esteve de algum modo, presente nos trabalhos de Freud. Desde sempre o verdadeiro interesse, de Freud sobre o relato da infância, foi o infantil recalcado. (ZAVARONI, 2007, s/p). Apesar de Freud não ter desenvolvido sua teoria diretamente com crianças, ou ter conceitualizado de forma direta infância e infantil, estes conceitos estiveram presentes em suas obras. Para melhor estudar o desenvolvimento infantil serão utilizados dois autores pós freudianos: Winnicott e Melanie Klein. 1.3 Desenvolvimento segundo Winnicott A psicanálise, desde o início de sua instituição como método investigativo de tratamento psíquico por Freud, sofreu diversos acréscimos e alterações, que mostram um progresso do método. Para Freud, a ideia de progresso era plenamente aceitável, apesar de que, em seu texto “Um estudo autobiográfico” (1925 [1924]), ele comentou como era-lhe impossível falar disso na fase em que a psicanálise já era praticada por outras pessoas, da mesma forma pode falar da ascensão gradativa desse método, 14 quando as atividades deste eram, ainda, exercidas apenas por ele próprio. Freud escreveu: Como método de tratamento é um método como muitos, embora seja, para dizer a verdade, primus inter pares. Se não tivesse valor terapêutico não teria sido descoberto, como o foi, em relação a pessoas doentes, e não teria continuado desenvolvendo-se por mais de 30 anos. (Freud 1933[1932], p.154) Donald Woods Winnicott, pediatra, psiquiatra infantil e psicanalista, pensava como Freud: via a psicanálise como uma ciência que se desenvolve. Em Natureza Humana, comentou que, “a teoria psicanalítica está em permanente desenvolvimento, e deve desenvolver-se num processo natural e tanto semelhante às condições emocionais do ser humano que esteja sendo estudado”. (1988, p.46). No início ainda ligado às formulações freudianas, encontrava dificuldades emocionais em seus pacientes. Dificuldades estas que pareciam ter iniciado nos primeiros dias de vida e que não conseguiam ser explicadas pelo complexo de Édipo. Assim, ao definir a sua teoria do amadurecimento pessoal, ou teoria do desenvolvimento emocional do ser humano, Winnicott enfatizou que esta inclui “ a história total do relacionamento individual da criança até seu meio ambiente específico.” (1971, p. 14). Para Winnicott (1965), a doença psíquica, não tem o mesmo sentido de doença dado pela psiquiatria, a qual lhe atribui um caráter hereditário ou constitucional; trata-se de um tipo de imaturidade, uma parada no continuar-a-ser do indivíduo por defesa ou reação contra a angústia que emerge diante de uma invasão, ou impedimento de algo que precisava ter acontecido e não aconteceu. (1989, p.118). Deste modo, as consequências da falha ambiental para a saúde psíquica da criança podem ser relacionadas de acordo com o momento em que a falha acontece, na linha de evolução, que parte da dependência absoluta rumo à independência. (1965 [1962]). Para Winnicott, a criança nasce indefesa, com tendências para o desenvolvimento, sendo tarefa da mãe oferecer um suporte adequado para que as condições inatas alcancem um desenvolvimento. A sustentação ou holding protege contra a afronta 15 fisiológica. O holding deve levar em consideração a sensibilidade epidérmica da criança, ou seja, tato, temperatura, sensibilidade auditiva, sensibilidade visual, e sensibilidade às quedas, inclui toda a rotina de cuidados ao longo do dia e da noite. A criança desconhece tudo o que não seja ela própria, a mãe funciona como um ego auxiliar. (MOURA, 2008, s/p) Segundo Moura (2008), Winnicott propõe, a “preocupação materna primária”, que segundo o autor se dá durante os últimos meses de gestação e primeiras semanas posteriores ao parto. Neste período a mãe adquire uma sensibilidade, capacidade particular de se identificar com as necessidades do bebê. Moura descreve que: Para Winnicott, o ser humano nasce, como um conjunto desorganizado de pulsões, instintos, capacidades perceptivas e motoras, que conforme progridem o seu desenvolvimento vai se integrando, até alcançar uma imagem unificada de si e do mundo externo. (MOURA, 2008, s/p) Winnicott, define a “preocupação materna primária” como: Gradualmente, esse estadopassa a ser o de uma sensibilidade exacerbada durante e principalmente ao final da gravidez. Sua duração é de algumas semanas após o nascimento do bebê. Dificilmente as mães o recordam depois que o ultrapassaram. Eu daria um passo a mais e diria que a memória das mães a esse respeito tende a ser reprimida (WINNICOTT, 1988, p. 401) Para descrever os conceitos de “mãe boa” e “não boa”, Moura cita que: Winnicott diz que a “mãe boa” é a que responde a onipotência do lactante e, de certo modo, dá-lhe sentido. O self verdadeiro começa a adquirir vida, através da força que a mãe, ao cumprir as expressões da onipotência infantil, dá ao ego débil da criança. A mãe que “não é boa” é incapaz de cumprir a onipotência da criança, pelo que repentinamente deixa de responder ao gesto da mesma, em seu lugar coloca o seu próprio gesto, cujo sentido depende da submissão ou acatamento do mesmo por parte da criança. (MOURA, 2008, s/p) O conceito de objeto transicional, descrito por Winnicott, recebe três usos diferentes: um processo evolutivo, como etapa do desenvolvimento; vinculada às angústias de separação e às defesas contra elas; representando um espaço dentro da mente do individuo. É algo que não está definido nem dentro nem fora da criança, 16 servira para que o sujeito possa experimentar com essas situações, demarcando os limites em relação ao externo e interno.(MOURA, 2008, s/p) O objeto transicional funciona como uma espécie de ponte entre o mundo interno e externo. Moura (2008) descreve que, o objeto transicional ocupa um lugar que Winnicott chama de ilusão. O objeto transicional é conservado pela criança, ela é quem decide a distância entre ela e tal objeto. Como estes objetos “representam” a mãe é essencial que ela seja vivenciado como um objeto bom. Winnicott aponta algumas características que são comuns aos objetos transicionais: a criança afirma uma série de direitos sobre o objeto; o objeto é afetuosamente ninado e excitadamente amado e mutilado; deve sobreviver ao ódio, ao amor, e à agressão. É muito importante que o objeto sobreviva à agressão, possibilitando a criança neutraliza-la, dando-lhe, posteriormente, um fim construtivo, ao notar que esta não destrói os objetos. (MOURA, 2008, s/p)] Sobre os objetos transicionais, Winnicott coloca: Introduzi os termos ‘objetos transicionais’ e ‘fenômenos transicionais’ para designar a área intermediária de experiência, entre o polegar e o ursinho, entre o erotismo oral e a verdadeira relação de objeto, entre a atividade criativa primária e a projeção do que já foi introjetado, entre o desconhecimento primário de dívida e o reconhecimento desta. Por esta definição, o balbucio de um bebê e o modo como uma criança mais velha entoa um repertório de canções e melodias enquanto se prepara para dormir, incidem na área intermediária enquanto fenômenos transicionais, juntamente com o uso que é dado a objetos que não fazem parte do corpo do bebê, embora ainda não sejam plenamente reconhecidos como pertencentes á realidade externa. (1975, p.14) O desenvolvimento psíquico descrito por Winnicott, conta com três etapas sucessivas, sendo elas: interação e personalização, adaptação a realidade e a crueldade primitiva: Para Winnicott as experiências iniciais ou diádicas são estruturantes do psiquismo, participam da organização da personalidade e dos sintomas. O bebê nasce em um estado de não integração. Onde os núcleos do ego estão dispersos e, para o bebê, estes núcleos estão incluídos em uma unidade que ele forma com o meio ambiente. A meta desta etapa é a integração dos núcleos do ego e a personalização – adquirir a sensação de que o corpo aloja o verdadeiro self. O objeto unificador do ego inicial não integrado da criança é a mãe e sua atenção (holding). (MOURA, 2008, s/p.). 17 Adaptação a realidade: A medida que o desenvolvimento progride, a criança tem um ego relativamente integrado, e com a sensação de que o núcleo do si-próprio habita o seu corpo. Ela e o mundo são duas coisas separadas. A etapa seguinte é conseguir alcançar uma adaptação à realidade. Nessa etapa a mãe tem o papel de prover a criança com os elementos da realidade com que irá construir a imagem psíquica do mundo externo. A adaptação absoluta do meio ao bebê se torna adaptação relativa, através de um delicado processo gradual de falhas em pequenas doses.(MOURA, 2008, s/p). Crueldade primitiva: Depois de a criança ter alcançado a diferenciação entre ela e o meio circundante e se adaptar em certa medida à realidade, pela absorção de pautas objetivas dela, que modificam suas fantasia, o último passo que deve dar é integrar em um todo as diferentes imagens que tem de sua mãe e do mundo. Winnicott pensa que a criança pequena tem uma cota inata de agressividade, que se exprime em determinadas condutas auto-destrutivas. O bebê volta seu ódio sobre si mesmo para proteger o objeto externo; (MOURA, 2008, s/p.). Bleichmar e Bleichmar (1992), afirmam que simultaneamente a mãe que é agredida e a mãe que cuida vão se aproximando na mente do indivíduo, que assim adquire a capacidade de se preocupar com seu bem-estar, como objeto total. Isto constitui o grande sucesso que, que Winnicott identifica como a última das etapas do desenvolvimento emocional primitivo. 1.4 Desenvolvimento segundo Melanie Klein Melanie Klein nasceu em Viena no ano de 1882 e faleceu em Londres em 1960, psicanalista austríaca, e seguidora de Freud. Em sua teoria procurou reforçar e buscar novos aspectos no desenvolvimento da criança. Introduziu o conceito de identificação projetiva (associada ao ato de ‘expelir’ os sentimentos aversivos gerados pelo seio mau), com base nas relações objetais; e outros conceitos como introjeção (é o ato de ‘buscar em si’ os sentimentos bons gerados pelo seio bom) e a idealização (fantasia, de um seio eterno que satisfará suas necessidades sempre). Klein partiu do princípio que desde muito cedo a criança tem noções de bom e mau, sendo capaz de manifestar sentimentos em relação a objetos. 18 Na teoria constituída por Klein encontramos o conceito de posição, conceito que remete a constituição da subjetividade do bebê. Tais posições podem ser denominadas como posição esquizo-paranóide e posição depressiva. A posição esquizo - paranóide inicia no nascimento até os seis meses de idade, onde o desenvolvimento do eu é determinado pelos processos de introjeção e projeção. A primeira relação objetal do bebê ocorre com o chamado seio amado e odiado - seio bom e seio mau. Segundo Klein (1946) a defesa primordial é a clivagem, o seio é o objeto primordial e será dividido em seio bom e seio mau, ou em um objeto que está ausente, como a mãe que está ausente para amamenta-lo inaugurando no bebê com isso o processo de clivagem em sua subjetividade. Ele percebe o seio como bom porque o amamenta e como mau porque se ausenta. Para Klein (1946), o psiquismo se origina em um vínculo intersubjetivo, em primeiro lugar, a relação de objeto do bebê e sua mãe, estudando as características emocionais deste vínculo, para descobrir qual angústia predominante e as fantasias constitutivo. Outra hipótese, é a de que angústia existe desde o começo da vida, é o motor essencial para o desenvolvimento psíquico, ao mesmo tempo, é a origem de toda patologia mental. O interesse de Klein está em descrever o desenvolvimento psíquico precoce, principalmente no primeiro ano de vida, pois considera o fundamento de todo o desenvolvimento psíquico posterior. A posição depressiva é, para Klein o ponto crucial do desenvolvimento, pois estabelece as bases para o equilíbrio psíquico e o controle das angústias psicóticas. A inveja primária, outra hipótese fundamental, retoma sua ideia de que a agressão se origina desde o início da vida, tendo uma base constitucional. O ponto de partida é o que ela denomina de “técnica psicanalítica do jogo infantil”. Na análise com crianças, aceita seus jogos, dramatizações, expressões verbais e sonhos, como material igualmente significativo. Através deles, exploraas fantasias conscientes e inconscientes da criança. Seu objetivo é explorar o inconsciente infantil, 19 interpretar as fantasias, sentimentos angústias e experiências expressas no jogo, e se houver inibições, explorar as causas. Para Klein (1928), a análise de crianças é completamente análoga a do adulto. A neurose de transferência se desenvolve do mesmo modo, apenas variando a forma de comunicação, através do jogo, para ajusta-la as possibilidades de expressão infantil. Klein formulou duas hipóteses importantes: 1) a existência de um superego precoce, que primeiro situa entre os dois e três anos de idade e, depois, faz retroceder até o começo da vida psíquica; 2) a ideia do complexo de Édipo precoce, situado nos períodos pré-genital do desenvolvimento. Na primeira hipótese, destacou que a agressão possui papel central, tanto no desenvolvimento psíquico precoce, como durante a vida do sujeito. Centrou seu interesse em investigar os períodos pré verbais do desenvolvimento, aos quais atribuiu uma grande riqueza de fantasias inconscientes. Na segunda hipótese, Klein (1928) interessada em estudar os períodos pré edípicos do desenvolvimento mental, logo muda o conceito de fases libidinais, ao afirmar que, nas crianças pequenas, observa uma mescla de pulsões orais, anais e genitais que se sobrepõem a partir das primeiras relações de objeto. Ao dizer que as pulsões orais estão misturadas precocemente com as genitais também implica adiantar a triangulação edípica e estágios pré genitais do desenvolvimento. Surge a ideia de complexo de Édipo precoce, quando a sexualidade contém agressão, isto produz sentimento de culpa. As relações de angústia, dor e culpa também se relacionam com a ideia do superego precoce. As pulsões agressivas pré genitais expressam-se, desde o começo da vida, através de fantasias inconscientes, que estão dirigidas para o corpo da mãe. Nos tratamentos de crianças neuróticas e psicóticas, Klein (1928) descreve uma grande variedade de fantasias inconscientes. O jogo infantil é uma maneira simbólica de elaborar fantasias e modificar a angústia. A criança procura dominar os perigos de seu 20 mundo interno, deslocando-os para o exterior e aumentando dessa forma, a importância dos objetos externos. O jogo é como uma ponte entre a fantasia e a realidade, uma maneira da criança produzir símbolos, necessários para o desenvolvimento mental. Klein (1928) observou na clínica, no jogo e nas fantasias infantis, que as crianças podiam partir em dois um objeto, dissociá-lo, separando um aspecto totalmente bom, que projetavam em uma pessoa, de um aspecto exclusivamente mau, que situavam em outra. Denominou-o de mecanismo de splitting, ou dissociação. Para organizar as primeiras modalidades do funcionamento mental, opondo-se à angústia persecutória, a angústia principal que o ego sente é a de ser atacado. É experimentada pelo ego como uma ameaça de forças hostis que o atacam, tem origem principalmente interna ( a pulsão de morte age como uma força destrutiva dentro do individuo) e também, externa: a experiência traumática do parto e todas situações posteriores que provocam frustrações. As defesas mais arcaicas, os processos fundamentais para a construção dos primeiros objetos externos e internos, seriam: dissociação, projeção e introjeção. A dissociação dos objetos é acompanhada, inexoravelmente, de uma dissociação do ego. É uma defesa necessária para proteger o ego débil de uma angústia persecutória excessiva. Aplica-se a objetos e também a estruturas e fantasias. Serve para separar o bom do mau, mas também o interno do externo e a realidade da fantasia. A projeção aparece, primeiramente, ligada à pulsão de morte, cuja ameaça de destruição interna é neutralizada, ao ser expulsa para fora do sujeito. Esta projeção de agressão e de libido permite que se constituam os objetos parciais seio bom e seio mau. Este conceito de projeção se enriquece com a descrição da identificação projetiva, como mecanismo básico. A introjeção também é um mecanismo essencial para a constituição do psiquismo, pois é por introjeção dos primeiros objetos que se constroem os objetos internos. Isso 21 permite a formação do ego e, também, do superego. Para Klein (1928) os objetos que se introjetam nunca são uma cópia fiel dos objetos externos, mas que estes se encontram deformados por uma projeção das pulsões e sentimentos do sujeito. Na teoria kleiniana, a posição depressiva é uma nova organização da vida mental, constituindo um momento chave para o desenvolvimento e a normalidade. Durante a elaboração da posição depressiva, o vínculo com a realidade externa se modifica. Enquanto na posição paranóide os objetos externos são percebidos deformados pelas projeções agressivas e libidinais, clivadas em dois mundos diferentes, agora o vínculo com o mundo externo é, mais realista, pois aspectos bons e maus são reconhecidos com menos distorções. Havendo uma maior discriminação entre fantasias e realidade, assim como entre realidade externa e interna. Os sentimentos que predominam nesta posição são a tolerância à dor psíquica e a culpa pelas fantasias agressivas para com os objetos amados. 22 2.PROBLEMÁTICA DA MEDICALIZAÇÃO NA INFÂNCIA NA ATUALIDADE 2.1 Mudanças na Família e na Sociedade Mendonça partindo da leitura do texto de Freud ‘O mal estar na civilização’ (1930) considera que, a grande intenção do homem - busca da satisfação irrestrita e imediata, cuja a efetivação vai de encontro imediato às normas estabelecidas pela cultura, que são regidas pelo princípio da realidade. Portanto a vida em comum só se torna possível mediante a restrição da ordem de satisfação que move o sujeito, assim para entrar na cultura seria necessário uma certa dose de renúncia pulsional. (p.105) Para Freud (1930), “o homem civilizado trocou uma parcela de suas possibilidades de felicidade por uma parcela de segurança.” ( 1930;1987,p.119 apud MENDONÇA, 2013, p.106) Mendonça considera que: Nos tempos atuais, a afirmativa freudiana parece ter sofrido uma inversão, visto que o homem atual tem trocado a sua segurança por uma parcela a mais de felicidade; diga-se de passagem, uma parcela que não tem fim, pois ele quer mais, mais e mais. Ele almeja a obtenção de prazer sem nenhuma restrição. Assim, o imperativo de gozo parece se evidenciar cada vez mais como uma norma, o que leva ao apagamento da alteridade, uma vez que o poder do indivíduo prevalece sobre o poder do coletivo. (2013, p.106) Neste sentido Mendonça (2013) questiona de que forma a cultura afetou as famílias, especialmente a mulher, que foi segundo ela, quem mais rompeu com as tradições, deixando de ser ‘donas de casa’ passaram a ser ‘donas da casa’; e ainda quais seriam os efeitos disso nas crianças, já que a mulher, inserida em uma cultura que oferece inúmeros objetos que prometem a satisfação e felicidade plena, que parecem obter equivalência ao que antes representava um filho. (...) na cultura contemporânea parece que o filho não é mais objeto privilegiado do desejo de uma mulher. Assim, podemos supor que o lugar que o filho ocupa para a mulher contemporânea e a forma como ele tem sido inscrito no desejo, somado à precariedade da função paterna, tem rompido com toda uma configuração simbólica 23 - pai, mãe e filho - dando lugar a uma configuração no real - homem, mulher e criança, a qual deixa em evidência um gozo, privando a criança do olhar desejante mais consistente. (MENDONÇA, 2013, p.106) Freud (1926), descreve que não se nasce mulher, torna-se mulher. Para Lacan (1985), a mulher não existe; falta de um significante que a represente. A mulher na falta de um esteio, que a deixa muito mais próximo do real, muitas vezes tenta encontra-lo na maternidade. “Entretanto, se a maternidade não lhe dá a completude fálica1, o investimento libidinal que surge em função dessa esperança, e que ela dispensa ao seu bebê, é promissor ao favorecimento de uma organização psíquica”. (MENDONÇA, 2013, p.73).Em Três Ensaios sobre a teoria da sexualidade Freud (1905) indica o lugar da criança na subjetividade da mulher. Freud, liga maternidade e castração2, é por ter deparado com o fato de não ter um pênis que a menina poderá deslizar da inveja em relação ao órgão para o desejo de ter um filho. Sendo assim a maternidade seria uma via de substituição do desejo e estaria ligada ao complexo de castração. Para tornar-se mulher, Freud (1932) diz, que a menina precisa realizar duas árduas tarefas, o que faz com que o desenvolvimento da menina seja mais árduo que o do menino. 1 “Embora mantendo o caráter primário do falicismo e do monismo sexual, Lacan propôs, ao mesmo tempo, introduzir a idéia da relação precoce com a mãe, sob a categoria de um “desejo materno”, como tinham feito antes dele Melanie Klein e Donald Woods Winnicott, e livrar a terminologia freudiana de qualquer equívoco centrado no paternalismo. Assim, ele revisou a doutrina clássica vienense à luz de suas sucessivas revisões e de sua própria tópica do simbólico, do imaginário e do real. Com isso, Lacan fez do falo (grafado como Falo) o objeto central da economia libidinal, porém um falo desligado de suas conivências com o órgão peniano. Dentro dessa ótica, o falo é assimilado a um significante puro da potência vital, dividindo igualmente os dois sexos e exercendo, portanto, uma função simbólica. Se o falo não é um órgão de ninguém, nenhuma libido masculina domina a condição feminina. O poder fálico não mais é articulado com a anatomia, e sim com o desejo que estrutura a identidade sexual, sem privilegiar um gênero em detrimento do outro. Na perspectiva lacaniana, a teoria freudiana, por um lado, e as teses inglesas, por outro, traduzem-se numa mesma álgebra ternária. Na relação primordial com a mãe, a criança é “desejo do desejo materno”. Pode identificar-se com a mãe, com o falo, com a mãe como portadora do falo, ou então apresentar-se, ela mesma, como provida do falo”.(ROUDINESCO, 1998) 2 “Sigmund Freud, denominou Complexo de Castração o sentimento inconsciente de ameaça experimentado pela criança quando ela constata a diferença anatômica entre os sexos”. (ROUDINESCO,1998). 24 Sendo a mãe o primeiro objeto de amor do menino e da menina, Freud começa a indagar como a menina encontra o caminho que a leva ao pai e, mais, como, quando e por que ela se afasta da mãe.( MENDONÇA, 2013, p.75). Para Freud a menina teria a tarefa de trocar de zona erógena, visto que a sua sexualidade, inicialmente, teria caráter inteiramente masculino. Para o bom desenvolvimento da sexualidade, ela terá que não apenas renunciar a sua sexualidade ativa, mas também mudar o objeto de amor, se antes era a mãe, agora deverá se o pai. (MENDONÇA, 2013, p.76). Segundo Mendonça (2013), Freud retoma a teoria da sedução para compreender, a natureza das relações libidinais da menina com sua mãe. Antes o sedutor era o pai, neste momento, a pessoa que seduz é a mãe. Aqui a fantasia toca o chão da realidade, pois foi realmente a mãe quem, por suas atividades concernentes à higiene corporal da criança, inevitavelmente estimulou e, talvez, até mesmo despertar, pela primeira vez, sensações prazerosas nos genitais da menina. (FREUD, 1932, p.121) Fica claro que para a criança sobreviver necessita da mediação do olhar desejante do Outro (função materna). Segundo Mendonça (2013), “sem essa mediação ela encontra a morte como destino - se não a morte real, a perda da vitalidade”, (p.88) podendo se abater e deprimir. Winnicott para apontar a importância da função materna, desenvolve o conceito de preocupação materna primária, caracterizado por um estado psíquico especial da mãe, cuja sensibilidade exacerbada da mãe é o cerne e que ele se refere como ‘doença normal’. A mãe necessita de uma salubridade tanto para desenvolver esse estado quanto para recuperar-se à medida que o bebê não necessita mais, possibilita a adaptação sensível da mãe às necessidades do bebê desde os primeiros momentos. (WINNICOTT, 1958, p. 401 apud MENDONÇA, 2013, p.100). Para Winnicott, a preocupação materna primária é a base para a organização psíquica, criando um sentimento de confiança no bebê, o qual possibilita uma separação do não eu a partir do eu. Favorece a criação de um espaço entre o bebê e a mãe, um 25 espaço potencial que varia conforme a vivência das experiências primitivas com sua mãe. (MENDONÇA, 2013, p.101). Mendonça considera que: No mundo atual, onde tudo indica que o sujeito é movido pelo imperativo de gozo, parece que o Outro não está podendo, junto à criança, construir um espaço potencial que possa favorecer uma maior capacidade de simbolizar e de criar. Acredito que as inúmeras e profundas transformações na esfera sociopolítica - econômica que o mundo ocidental sofreu tenham contribuido com isso, afetando a criança radicalmente. Em se tratando de um tempo em que o sujeito espera pelas palavras, essas parecem que tardam a chegar, devido à ausência de um olhar mais consistente e desejante sobre ele. (2013, p.102) Mendonça (2013) aponta que antes o único destino da mulher era o casamento, e consequentemente a maternidade; onde os papéis estariam bem estabelecidos: pai provedor, mãe voltada para os cuidados do lar e dos filhos. Por volta do século XX, onde a autora destaca o movimento feminista, e as mudanças nos “meios anticoncepcionais, a legalização do divórcio, entre outros, levaram a estrutura familiar moderna a sofrer uma transformação radical, prenunciando a constituição de uma outra ordem familiar”. (2013, p.112). Considerado o que deu origem a esta transformação, o movimento feminista, ao pleitear a condição de igualdade entre homens e mulheres, propiciou que a mulher fosse ‘para o mundo’ em busca de novos projetos identitários, deixando para trás o posto de “rainha do lar”. Com a eficácia dos procedimentos anticoncepcionais, o que era uma remota possibilidade para algumas mulheres tornou-se uma possibilidade de fato. (MENDONÇA, 2013, p.113). Outra liberdade do universo feminino que provocou mudanças de costume, o casamento/ matrimonio passou a ser realizado mais tarde, ficando para depois do estabelecimento profissional. “ Almejando a realização de um projeto identitário, articulado com a sua independência financeira, as mulheres passaram a desejar a se realizar enquanto singularidades e não mais somente como mães.” (MENDONÇA, 2013, p.113) Penso que no conjunto dessas transformações as crianças foram frontalmente afetadas. Conforme indica Birman (2008), com a inserção da mulher no mundo do trabalho, os homens não se dispuseram a dividir o seu tempo, a fim de preencherem, 26 relativamente, a ausência que se instalou no âmbito familiar. Isso significa que a mulher foi para o mundo, o homem, que já estava no mundo, permaneceu e a criança parece ter sido esquecida. Desta forma, segundo o autor, devido ao imperativo de realização de desejo e o da sustentação dos projetos existenciais de cada uma das figuras parentais, um vazio em relação às funções parentais se constituiu e a criança ficou entregue às novas atenções especializadas como, por exemplo, as creches e as escolas maternais. (MENDONÇA, 2013, p.116). A partir disto Mendonça, afirma que “não é raro encontrarmos crianças devastadas, deprimidas e debilitadas; sujeitos devastados de subjetividade, devido a precariedade de um olhar primordial, de um olhar desejante e consistente...” (2013, p.120). Além das mudanças observadas nas funções parentais, e constituições familiares, podemos observar também, uma grande mudança no papel assumido pela medicina, e pela escola, quanto às crianças. Nas últimas décadas a medicina obteve grandes avanços, realizando pesquisas, desenvolvendo medicamentos e/ou para doenças que antes eram consideradas fatais. Conforme Brzozowski e Caponi (2013), “a medicalização pode ocorrer tanto em casos de desvios de comportamento quanto de processos naturais da vida”. Citando como exemplos de processos naturais da vida medicalizados, “sexualidade, nascimento,desenvolvimento infantil, tensão pré menstrual (TPM), menopausa, envelhecimento e o processo de morrer”. E como desvios “alcoolismo, loucura, homossexualidade, hiperatividade e dificuldades de aprendizagem, problemas alimentares (obesidade e anorexia), abuso infantil, infertilidade e transexualidade”. ( CONRAD, 1992. apud BRZOZOWSKI e CAPONI, 2013, s/p). Podemos considerar como desvios de comportamento qualquer conduta que destoe do que é socialmente desejável, mas que nem sempre representa uma patologia. É possível observar que parte dos desvios ocorridos na infância, são notados na escola, e descobertos a partir do momento em que a criança desenvolve algum problema de aprendizagem. Por exemplo se a criança não aprende a ler em 27 determinada idade ou apresenta dificuldade em prestar atenção em sala de aula, isso pode ser considerado um desvio. Os desvios da infância, dessa forma, são aqueles relacionados com a quebra de normas e de regras impostas socialmente, como, por exemplo, a falta de atenção e a agitação em sala de aula. (BRZOZOWISKI E CAPONI, 2013) Neste sentido a medicina foi assumindo o papel de agente de normalização dos desvios, e controle social, ficando responsável por comportamentos que até então eram da esfera de outras instituições, tais como aprendizagem e criminalidade. Paralelamente ocorrem mudanças na instituição escolar, também responsável pelo comportamento das crianças. 2.2 Breve Histórico do uso dos psicofármacos Segundo Bogochvol (1995) o desenvolvimento da psicofarmacologia é um dos fatos mais marcantes da modernidade. A introdução da clorpromazina, em 1952 foi o momento de fundação da moderna psicofarmacologia e o marco inicial de uma revolução que afetou primeiramente a terapêutica, a clínica psiquiátrica e as neurociências e que acabou por afetar o conjunto das ciências e a visão que o homem tem de si mesmo. Criou-se uma onda de sucessivos avanços na psicofarmacoterapia, e os pesquisadores continuam progredindo na direção de uma compreensão, cada vez mais acurada da base fisiopatogênica dos transtornos mentais e seu tratamento. No início dos anos 1950, os antidepressivos foram descobertos.Sua descoberta foi de forma acidental, inicialmente foi utilizada para tratar pacientes tuberculosos, os quais ficaram alegres aos serem tratados com iproniazida, que foi ineficaz contra a tuberculose. Já que a função é interna do medicamento, seu uso tornou-se popular. Salom (2014) retrata a função do antidepressivo: “é como ter um motorista; você simplesmente se senta relaxado no banco de trás e deixa alguém ou algo enfrentar por você os desafios dos sinais de trânsito, policiais, mau tempo, regras e desvios” (p.317). 28 Desde então houve uma tendência para a compreensão psicológica do funcionamento mental e de seus transtornos, baseada principalmente na teoria psicanalítica desenvolvida por Sigmund Freud e seguidores. Tal compreensão psicológica manteve uma influência importante ao longo deste século, até o crescimento dos conhecimentos em neurobiologia e o crescimento da psiquiatria clínica. Fernandes (2007, apud Bogochvol, 1995) diz que o advento do Prozac® (Fluoxetina) em 1988 desencadeou maior interesse e respeito sobre os psicofármacos e os bons resultados em seu uso no tratamento das doenças mentais. Como uma das principais consequências, a depressão passou a ser considerada, por muitos, como um distúrbio exclusivamente bioquímico. O fato é que o uso dos inibidores seletivos da recaptação da serotonina – ISRS, e o aumento de sua disponibilidade na fenda sináptica trouxeram grande alívio aos sintomas depressivos. Entretanto, com a popularização dessa droga a depressão tornou-se a doença da moda. A Fluoxetina tornou-se, então, uma das drogas mais divulgadas e prescritas, primeiramente nos Estados Unidos e logo em todo o mundo - tida como uma droga quase milagrosa, não só na depressão, mas também em outras patologias, sendo receitada também por especialistas de várias áreas, que não a psiquiatria. De acordo com Graeff e Guimarães (2001) as drogas psicotrópicas ou psicoativas, as quais têm como efeito principal alterar funções psicológicas, fazem parte do nosso cotidiano. Os medicamentos antidepressivos são indicados para muitas condições psiquiátricas, além da depressão, sendo os medicamentos mais receitados atualmente. O uso com finalidade terapêutica não é recente. Farmacopéias tradicionais de vários povos apresentam extratos de plantas medicinais contendo princípios psicoativos. O desafio era o de explicar como moléculas químicas agem para produzir alterações em funções como pensamento, estado de ânimo, percepção e emoções. De acordo com o que diz Dal Pizzol (2006) o psicofármaco pode ser também uma droga de abuso, causando tantos males quantos aqueles causados pelas drogas de uso ilícito tais como dependência, síndrome da abstinência e distúrbios comportamentais. 29 Segundo Diana Jerusalinsky, o metilfenidato (Ritalina), é o psicofármaco mais prescrito para tratar o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). De acordo com algumas estimativas, mais de 75% das prescrições de MF são para crianças, sendo esta suposta entidade patológica diagnosticada com frequencia quatro vezes maior em meninos do que em meninas. A produção e prescrição de MF cresceram significativamente, nos anos 1990, principalmente nos EUA à medida que o diagnóstico de TDA/TDAH passou a ser, segundo nossa interpretação, abusivo e muito pouco seletivo. (2011, p.248) Ainda para D. Jerusalinsky (2011), “em 1944, durante a Segunda Guerra Mundial, foi pela primeira vez sintetizado”. Em 1954, foi patenteada e em 1955, o metilfenidato foi lançado como Ritalina. E em 1960, popularizou-se indicado para o tratamento de crianças diagnosticadas com TDAH. Diana Jerusalinsky, para tratar do diagnóstico de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), trás como base o DSM-IV (Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), o qual classifica o TDHA, como um transtorno grave, tratável com psicoestimulantes como a Ritalina. (2011, p.247) 2.3 Diagnóstico e o uso da Ritalina Atualmente o Brasil é o segundo maior consumidor de metilfenidato, cujo nome comercial é Ritalina ou Concerta, ficando atrás somente dos Estados Unidos. A Ritalina é um medicamento, que tem como princípio ativo o Cloridrato de Metilfenidato, utilizado para combater a sonolência excessiva, com bom controle mental. Este medicamento é um tipo de anfetamina que atua no sistema nervoso central, mantendo o estado de alerta. A Ritalina é indicada para tratamento do Transtono de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Os principais efeitos colaterais segundo informações da bula do medicamento, são: desconforto abdominal, náusea, azia, nervosismo e insônia no início do tratamento, diminuição de apetite que pode resultar em perda de peso ou atraso de 30 crescimento em crianças, dor de cabeça, sonolência, tontura, alterações nos batimentos cardíacos, febre e reações alérgicas. De acordo com Wagner Ranña, médico psiquiatra e psicanalista, com experiência em saúde mental da infância, em entrevista a Matuoka afirma que: No Brasil, a rede voltada para assistência aos problemas de saúde mental da criança e do adolescente é muito precária -- o que não é privilégio do Brasil, este problema afeta a quase todos os países. As crianças com dificuldades de comportamento, agitadas e irrequietas são vistas como doentes pelos profissionais da psiquiatria biológica e da neurociência, e então eles receitam remédios. Como consequência, temos um número elevadíssimo de crianças recebendo medicação, mas sem se discutir se a ela é mesmo necessária ou se é a melhor forma de cuidado. (2015, s/p) Ranña, considera que o principal cuidado com a saúde mental da criança, é tentar entender o sofrimento psíquico e os problemas de comportamento. Além de considerar uma ironia que em uma sociedade da rapidez, crianças agitadas sejam consideradas doentes (2015, s/p).Para Brzozowski e Caponi, desde o surgimento da hiperatividade como diagnóstico, ocorreram mudanças na definição e nas características do transtorno, “o que revela a elasticidade das categorias médicas aplicadas a condutas previamente consideradas moralmente problemáticas”. (2013, s/p) Inicialmente o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), o diagnóstico era feito com crianças muito ativas, impulsivas e distraídas, mudando para a dificuldade de manter a atenção. (BRZOZOWSKI e CAPONI, 2015). Diana Jerusalinsky, descreve que “estudos em animais mostraram que as droga que se utilizam suprimem os comportamentos espontâneos e podem incrementar os comportamentos obsessivos-compulsivos”. (2011, p. 249) Segundo a autora fica claro os efeitos sobre o nível comportamental, já que diminui as atividades espontâneas, com isso, tratado-se de crianças, poderiam ser “marcadas diminuições do aparecimento e frequência dos comportamentos de exploração, da curiosidade, da socialização e do brincar”. (D. JERUSALINSKY, 2011, p.250). Se tratando do DSM IV, e o diagnóstico de TDAH, Diana Jerusalinsky descreve: 31 O conteúdo do diagnóstico de TDA/TDAH no DSM-IV está especificamente voltado para a enumeração dos comportamentos “indesejáveis” das crianças, especialmente na escola e assim justificar a administração de tratamento com fármacos para suprimi-los, sendo estes divididos em três critérios principais: hiperatividade, impulsividade e falta de atenção. (2011, p.251) De acordo com J. Jerusalinsky (2016), até pouco tempo, “viver no mundo da lua”, era algo socialmente aceitável, sendo considerado um traço normal da infância. “Nos anos 1982, cantávamos Lindo Balão Azul, de Guilherme Arantes.” (J. JERUSALINSKY, 2016, s/p.). Na década de 80 valorizava-se o direito da crianças de brincar e fantasiar. Freud, descreve sobre o brincar da criança e o fantasiar dos adultos (utilizando escritor criativo como exemplo): [...]A ocupação favorita e mais intensa da criança é o brinquedo ou os jogos. Acaso não poderíamos dizer que ao brincar toda criança se comporta como um escritor criativo, pois cria um mundo próprio, ou melhor, reajusta os elementos de seu mundo de uma forma que lhe agrade? Seria errado supor que a criança não leva esse mundo a sério; ao contrário, leva muito a sério a sua brincadeira e dispende na mesma muita emoção. A antítese de brincar não é o que é sério, mas o que é real. Apesar de toda a emoção com que a criança catexiza seu mundo de brinquedo, ela o distingue perfeitamente da realidade, e gosta de ligar seus objetos e situações imaginadas às coisas visíveis e tangíveis do mundo real. Essa conexão é tudo o que diferencia o ‘brincar’ infantil do ‘fantasiar’”. (FREUD, 1908, p. 135). Para Freud, “ao crescer, as pessoas param de brincar e parecem renunciar ao prazer que obtiveram no brincar”. (1908, p.136). Considerando que na realidade nunca renunciamos a nada, apenas trocamos uma coisa por outra. O que parece ser uma renúncia é, na verdade, a formação de um substituto ou sub-rodado. Da mesma forma, a criança em crescimento, quando pára de brincar, só abdica do elo com os objetos reais; em vez d brincar, ela agora fantasia. (FREUD, 1908. p. 136). Segundo Freud, as fantasias das pessoas adultas é mais difícil de ser observada do que o brincar das crianças. Já que as crianças, brincam sozinhas ou estabelecem “um sistema psíquico fechado com outras crianças”. Ao contrário, os adultos envergonham-se de suas fantasias, escondendo-as das outras pessoas. O brincar da criança é determinado por desejos: de fato, por um único desejo – que auxilia o desenvolvimento, o desejo de ser grande e adulto. A criança está sempre brincando ‘de adulto’, imitando em seus jogos aquilo que conhece da vida dos mais 32 velhos. Ela não tem motivos para ocultar esse desejo. Já com o adulto o caso é diferente. Por um lado, sabe que dele se espera que não continue a brincar ou a fantasiar, mas que atue no mundo real; por outro lado, alguns dos desejos que provocaram suas fantasias são de tal gênero que é essencial ocultá-las. Assim, o adulto envergonha-se de suas fantasias por serem infantis e proibidas. (FREUD, 1908, p. 137). Freud considera que a fantasia se constitui em três tempos: “como o desejo utiliza uma ocasião do presente para construir, segundo moldes do passado, um quadro do futuro”. (1908, p. 139). A relação entre a fantasia e o tempo é, em geral, muito importante. É como se ela flutuasse entre três tempos – os três momentos abrangidos pela nossa ideação. O trabalho mental vincula-se a uma impressão atual, a alguma ocasião motivadora no presente que foi capaz de despertar um dos desejos principais do sujeito. Dali retrocede á lembrança de uma experiência anterior (geralmente da infância) na qual esse desejo foi realizado, criando uma situação referente ao futuro que representa a realização do desejo. O que se cria então é um devaneio ou fantasia, que encerra traços de sua origem a partir da ocasião que o provocou e a partir da lembrança. Dessa forma o passado, o presente e o futuro são entrelaçados pelo fio do desejo que une. ( FREUD, 1908, p. 138) Outra mudança importante foi no papel da escola, inicialmente, tinha desempenhava o papel de cuidadora das crianças. Após o inicio do capitalismo, a sociedade necessitava de mão de obra qualificada, surgindo a necessidade de ensinar dentro das instituições. É na escola que a maioria dos problemas são detectados, a partir de alguma dificuldade de aprendizagem ou de comportamento. Ao descrever sobre a escola J. Jerusalinsky considera que: [...] a escola não é só uma instituição capaz de identificar os problemas na infância, mas também é produtora dos seus parâmetros de normalidade. O que é normal e o que é anormal também é uma produção discursiva, baseada em ideais e ideologias institucionais, e apoiado nestes, os professores interpretam o comportamento de seus alunos, assim como preenchem os formulários médicos de identificação do TDAH. (J. JERUSALINSKY, 2016 s/p). Neste sentido, podemos dizer que comportamentos antes considerados normais, para os parâmetros sociais, hoje estão sendo medicados, podendo ser eles: agitação, curiosidade, ansiedade, angústias, medos, imaginação... Enfim comportamentos antes ditos como típicos da infância se tornaram na sociedade atual patológicos. 33 CONCLUSÃO A partir da construção deste trabalho, pode-se considerar que a infância sofreu e continua sofrendo modificações ao longo da história. Mudanças relacionadas as famílias (novas constituições familiares, conquista de espaço da mulher na sociedade...), nas instituições de ensino, e na sociedade em geral. Podemos considerar que na sociedade atual, o filho não ocupa mais o lugar de único desejo de uma mulher. Com as mudanças ocorridas no século XX, a mulher passou a conquistar outros espaços na sociedade, além da casa. Tendo a possibilidade de estudar, trabalhar fora, escolher o momento e o número de filhos que fosse de seu desejo. Além disso com a legalização do divórcio, criou-se outra ordem familiar. Com estas mudanças, as crianças que antes ficavam aos cuidados de suas mães, até a idade escolar (5 a/ou 6 anos de idade), hoje estão cada vez mais cedo indo para as escolas de educação infantil (por volta dos quatro meses). A escola além da função da aprendizagem, parece ter ganho a função de cuidadora. É nas escolas também que se observa um parâmetro de comparação e normatização, ou seja, se a criança não aprende algo em determinada idade, ou se comporta diferente dos demais, pode ser diagnosticada com algum transtorno. Freud não desenvolveu sua teoria diretamente com crianças, apesar disto, infância e infantil, estão presentes em sua obra, na forma de investigação a partir da fala de pacientes adultos. Freud considerava os sonhos como uma forma de realização de desejo, as brincadeiras que nos adultos esta presente na forma de fantasias, as angústias presentes na infância, além das situações desagradáveis quepodem ser representadas através do jogo. Já Winnicott e Klein, seguidores da psicanálise, desenvolveram suas teorias voltadas mais para o trabalho com crianças. Para Winnicott, as falhas ambientais geram 34 consequências na saúde psíquica da criança e se relacionam com o momento em que a falha acontece, descrevendo o “Holding” e “preocupação materna primária”, como sendo os principais cuidados desempenhados pela função materna. Klein, também desenvolve sua teoria voltada para a o período da infância, utilizando o método do “jogo infantil”, pois para ela é através dos jogos que a criança se expressa, explorando assim suas fantasias, sentimentos e angústias. A partir das leituras foi possível observar, que os diagnósticos estão sendo feitos cada vez mais em crianças pequenas, e consequentemente, trás o uso precoce de psicofármacos. O que pode ocasionar em uma inibição das fantasias, brincadeiras e jogos, deixando de vivenciar esta fase de maneira subjetiva e natural. A partir disso se faz necessário reflexões e questionamentos sobre, o que está se fazendo com a infância e quais seriam as possíveis consequências destas crianças que desde muito cedo fazem uso de medicamentos, impedindo que brinquem, que usem sua imaginação, sem a chance de vivenciar sua subjetividade. Como o trabalho ainda não está concluído, ficam em aberto para respostas, as seguintes questões: O que faz com que pais e professores aceitem que as crianças sejam medicadas?Como profissionais da psicologia podem intervir com estes pais e profissionais da educação? 35 REFERÊNCIAS ARAÚJO, Conceição A. Serralha. O ambiente na obra de Winnicott: teoria e prática clínica. 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