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FUNDAÇÃO EDUCACIONAL LUIZ REID FACULDADE DE FILOSOFIA, CIÊNCIAS E LETRAS DE MACAÉ – FAFIMA COORDENAÇÃO DO CURSO DE GRADUAÇÃO EM PEDAGOGIA JHENIFFER NOVAES DE OLIVEIRA HOMESCHOOLING: QUAIS PROBLEMAS ESCOLARES SÃO IDENTIFICADOS AO ANALISAR AS MOTIVAÇÕES DOS PAIS PARA ESTA ESCOLHA? MACAÉ AGOSTO/2020 JHENIFFER NOVAES DE OLIVEIRA HOMESCHOOLING: QUAIS PROBLEMAS ESCOLARES SÃO IDENTIFICADOS AO ANALISAR AS MOTIVAÇÕES DOS PAIS PARA ESTA ESCOLHA? Monografia apresentada à FAFIMA como requisito parcial para obtenção do grau de licenciado. ORIENTADOR: Prof. Esp. Eliane Salgado Costa dos Santos Macaé Agosto/2020 FUNDAÇÃO EDUCACIONAL LUIZ REID Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Macaé Reconhecida pelo Decreto Federal no 81.904 - D.O.U. 11/7/78 Parecer de Monografia O Trabalho de Conclusão de Curso intitulado “HOMESCHOOLING: QUAIS PROBLEMAS ESCOLARES SÃO IDENTIFICADOS AO ANALISAR AS MOTIVAÇÕES DOS PAIS PARA ESTA ESCOLHA?”, apresentado como requisito parcial para a conclusão do curso de Pedagogia realizado pela FAFIMA ( Faculdade de Filosofia , Ciências e Letras de Macaé), elaborado pela aluna JHENIFFER NOVAES DE OLIVEIRA,, matrícula 171113., destaca questões relevantes para estudos dos profissionais que atuam na Educação, com destaque para os profissionais da Gestão Escolar. Este trabalho foi estruturado de forma que apresentasse a problemática que deu origem a pesquisa e gradativamente seus capítulos apontaram questões relevantes para compreensão e aplicabilidade do tema no âmbito educacional. A aluna JHENIFFER NOVAES DE OLIVEIRA, durante o processo de pesquisa, envolveu-se em busca de material bibliográfico que a embasasse em suas conclusões, cumpriu com responsabilidade cada etapa proposta do trabalho, demonstrando compromisso e empenho. Eu, Professora Especialista Eliane Salgado Costa dos Santos, informo a esta coordenadoria que avaliei este trabalho quanto a originalidade e fundamentação teórica, organização dos capítulos, a temática central proposta e sua relevância para o exercício dos profissionais da Educação. Diante do resultado obtido, o meu parecer é favorável e atribuo a esta monografia a nota 9.5. Macaé, 10 de agosto de 2020. Eliane Salgado Costa dos Santos. Assinatura do Orientador RESUMO A presente pesquisa busca entender quais os principais argumentos que levam os pais a se interessarem e quererem a regulamentação do Homeschooling, a Educação Domiciliar no Brasil. O objetivo é verificar quais problemas estes pais podem apontar da escola e levantar reflexões acerca destes problemas. Entender essas questões de diferentes perspectivas pode auxiliar para que haja soluções diversas, possibilitando, também, o acerto. Para a coleta de informações necessárias para a pesquisa aqui descrita, foram contatados pais de diferentes lugares do sudeste brasileiro através da rede social Facebook. Os resultados da pesquisa se mostraram surpreendentes e levantam questionamentos pouco ou quase nada notáveis até então. Palavras-chave: Homeschooling; problemas escolares; metodologia; ABSTRACT This research seeks to understand the main arguments that lead parents to be interested and want the regulation of Homeschooling in Brazil. The objective is to verify the concerns about the subject and raise reflections. Understanding the issue from different perspectives can help to achieve different solutions, enabling a deeper knowledge and correctnesses as well. To reach the necessary information for the following research, parents from different places in southeastern Brazil were contacted using Facebook. Keywords: Homeschooling; School problems; methodology; SUMÁRIO INTRODUÇÃO...........................................................................................................05 1. HOME... O QUÊ? ENTENDENDO O PORQUÊ DESSAS DE ESTUDAR EM CASA...................................................................................................................07 1.1 JUSTIFICATIVA.........................................................................................07 1.2 OBJETIVO GERAL E ESPECÍFICOS........................................................09 1.3 METODOLOGIA.........................................................................................09 1.4 REFERENCIAL TEÓRICO.........................................................................10 2. CONTEXTO HISTÓRICO E LEGAL DOS HOMESCHOLERS............................18 2.1 CONCEITUANDO ESSE TAL DE HOMESCHOOLING.............................18 2.2 EDUCAÇÃO DOMICILIAR E A ESCOLA ATRAVÉS DO TEMPO: PRÁTICA ANTIGA VERSUS MODERNIDADE..........................................22 2.3 A AUSÊNCIA DE LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA E A REVÉS TENTATIVA DE REGULAMENTAÇÃO DO ENSINO DOMICILIAR NO BRASIL...........27 3. HOMESCHOOLING: QUAIS AS MOTIVAÇÕES DOS PAIS PARA ESSA ESCOLHA?......................................................................................................32 3.1 FUGIR DE UM PROBLEMA, SÓ AUMENTA A DISTÂNCIA DA SOLUÇÃO: OS PROBLEMAS ESCOLARES IDENTIFICADOS PELOS PAIS...........................................................................................................33 3.2 “QUANDO PEDRO FALA DE PAULO, SEI MAIS DE PEDRO DO QUE DE PAULO”: O QUE OS RESULTADOS DEMONSTRAM?............................40 3.3 IMPORTÂNCIA DO PEDAGOGO.............................................................43 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................45 5. REFERÊNCIAS...............................................................................................47 5 INTRODUÇÃO A educação domiciliar (homeschooling) é uma opção de educação em que os pais/responsáveis ficam a cargo da formação integral do indivíduo, podendo eles mesmos ministrar os conteúdos aos filhos/pupilos ou terceirizar esse ensino contratando um professor particular. Atualmente, a formação da criança e do adolescente, por lei, é dividida em educação de valores, hábitos, costumes, moral e crença incumbida aos pais e/ou responsáveis; e a formação acadêmica, aquisição de conteúdos científicos socialmente construídos e a educação formal ficam a cargo das instituições pedagógicas autorizadas. Algumas famílias brasileiras conseguiram na justiça, dependendo da interpretação do juiz, a autorização para praticar este tipo de formação, porém, desde 2018, o Superior Tribunal Federal (STF) decidiu que as crianças/adolescentes não podem ser tiradas das escolas para serem ensinadas em casa. Desta forma, nenhuma outra família pôde ter este tipo de autorização. Com este assunto sendo pensado pelos governantes, nos dias atuais, como possível alternativa de educação, vários debates, a favor e contra, surgem no cenário educacional e político. A problemática deste trabalho é investigar se a realidade dos brasileiros é propícia para este tipo de abertura, se há preparo e meios para isto ocorrer. Economistas e políticos acreditam que é uma alternativa (facultativa) admissível; educadores, sociólogos e antropólogos refletem esta possibilidade como fadada ao fracasso social. O presente estudo busca investigar quais problemas exprimem da escola a partir da compreensão das motivações dos pais em retirarem seus filhos da escola. Será feito esta investigação através de análise de dados, documentos, pesquisas e reportagens a fim de entender quais os efeitos previstos. A estrutura desta investigação será organizada em três capítulos. No primeiro capítulo será ampliada a abordagem teórica sobre o homeschooling, confrontando ideias favoráveis e contra, buscandoa imparcialidade na apresentação dos questionamentos e reflexões. No desenvolvimento do capítulo procura-se buscar argumentos fundamentalmente relevantes ao tema e que melhor propicia ângulos distintos para um levantamento crítico analítico. No mesmo capítulo também será conceituado o termo homeschooling, buscando esclarecer inicialmente a origem do termo, sua tradução e definição. Para buscar a origem do termo serão pesquisadas bibliografias, artigos e reportagens pertinentes ao objetivo de entender o porquê desta palavra (homeschool); ainda no 6 campo de esclarecimento inicial, será entendida sua tradução literal para o português com auxílio de um dicionário, sua tradução interpretativa, segundo teóricos e especialistas, e sua tradução investigativa, através de pesquisas em diversas fontes. Sabendo-se que ao se tratar de tradução literal, interpretativa ou investigativa (SCHÜTZ, 2007), há diferenças para haver a plena compreensão e consequentemente influencia para que se possa entender de fato o contexto do termo; estando absolutamente claro em relação ao termo utilizado para o tipo de educação e sua tradução não só literal, será definido o que de fato é a educação doméstica, o que a caracteriza, se é somente o aluno não estar dentro de uma instituição de ensino convencional que já há prática do homeschool? Ou se for contrato um professor particular, ainda sim é considerado? Este tipo de questionamento e definição acredita- se, fornecerá elementos essenciais para prosseguir com a pesquisa. No segundo capítulo fará presente uma abordagem história em relação ao homeschool. As escolas são relativamente recentes comparadas à educação doméstica, vindo as primeiras no estilo conhecido hoje a partir do século XIX (FOUCAMBERT, 2010). Através da localização histórica do ensino domiciliar, sendo catalogado à partir de teóricos e pesquisas, procurara-se investigar de forma documental que, embora o termo pouco popular até recentemente, na verdade é praticado desde o início da humanidade. Além disse, neste capítulo busca-se as variantes oscilações do homeschool dependendo da cultura inserida, do ano, dos objetivos formadores da humanidade que influenciam o tipo de educação, etc. Ademais, neste capítulo, também terá um breve resumo do funcionamento deste tipo de ensino em países que o regulamentam e como se dá seu funcionamento. Essa parte da pesquisa será embasada através de levantamento de legislação e discussão teórica. No Terceiro Capítulo serão apresentados os resultados e a reflexão acerca dos mesmos. A opinião dos pais será demonstrada a fragilidade do trabalho educacional e proporcionarão possibilidades de se repensar qual a raiz, ou ao menos entender, das causas dos problemas apresentados pelos pais homeschoolers. Surpreendentemente a pesquisa apresentou resultados interessantes para a análise, conferindo apreciação positiva em relação à busca de entender os problemas. Este capítulo encaminha para a conclusão da presente pesquisa, agregando bastante valor à conclusão do curso. 7 1. HOME... O QUÊ? ENTENDENDO O PORQUÊ DESSA DE ESTUDAR EM CASA. Neste capítulo será apresentada a linha de pensamento utilizada para nortear a pesquisa, assim como as motivações que levaram ao interesse sobre o tema, prática tão antiga dentro das civilizações, vista hoje como incabível na atual realidade (será?). Serão expostos, para reflexão e esclarecimento, pontos de vista de diferentes pensadores para entender melhor os principais argumentos. Na busca de elucidar todos os aspectos básicos do homeschooling, o capítulo tratará da definição literal, interpretativa e investigativa do termo, o que caracteriza ser homeschooler e suas diferentes vertentes para compor variação de educação. 1.1 JUSTIFICATIVA O tema visto até pouco tempo como fora da realidade pela maioria das famílias brasileiras hoje, ressurge como promessa de campanha no atual governo e em declarações a favor como a da Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves. Com isso, emergem debates em relação às vertentes que motivam os pais/responsáveis a apresentarem interesse e buscarem apoio para que seja regulamentado o homeschooling como direito de escolha da família. Após declarações tão influentes num cenário de tanta audiência na política, as pessoas que são a favor da legalização e regulamentação da educação domiciliar chamaram a atenção. Afinal, quais são os problemas na escola de hoje que fizeram alguns pais optarem pelo homeschooling? Embora alguns pais aleguem que a escola em si não influenciara sua escolha, que para eles há o entendimento de que ela cumpre com seu papel de formar cidadãos e “vinculá-los ao mercado de trabalho” (LDB, 1996), eles apenas não querem esses objetivos desenvolvidos nos seus filhos. Especialistas e profissionais da área levantam críticas bastante relevantes sobre a real eficácia da educação domiciliar e sobre seus possíveis prejuízos ao aluno. Para Boto (2018) “[o homeschooling] corresponde a uma prática que supõe que a formação letrada será ministrada pelos pais ou por especialistas por eles escolhidos, retomando aquilo que, tempos atrás, era chamado de preceptoria”. Ou seja, o professor, aqui no caso, os pais, seriam um instrutor dos filhos, não um mediador, 8 como buscam as escolas convencionais contemporâneas. Outra preocupação de estudiosos do assunto é sobre a socialização, para Habermas (1999): [...] as pessoas, enquanto sujeitos dotados da capacidade de linguagem e de ação, só se individualizam por via da socialização. Transformam-se em indivíduos na medida em que crescem no seio de uma comunidade linguística e, por conseguinte, num universo partilhado intersubjetivamente [...] A pessoa só forma, por isso, um centro de interioridade, na medida em que, há um mesmo tempo, se expõe às relações interpessoais estabelecidas no nível da comunicação. (HABERMAS, 1999, p. 69-70). Defendendo que para se construir de forma individual o sujeito, segundo o autor, é necessário que este esteja em contato com mundo, conhecendo diferentes personalidades e realidades, proporcionando contato com pessoas distintas entre si. Mas afinal, a escola é a única a promover esta socialização? Cumpre este papel de forma eficaz? Para os pais que consideram o homeschool mais eficaz do que as demais instituições convencionais, têm objetivos e valores que consideram para tal. O principal argumento utilizado para a justificativa para a prática é de que o Estado não deve impor o que é ou não o melhor para cada indivíduo, havendo uma rejeição à compulsoriedade da matrícula em rede regular de ensino (ANDRADE, 2017). Para eles, a boa formação e desenvolvimento independem do local e sim está atrelado com o desempenho e dedicação de quem educa. Além disso, levantam críticas às escolas realmente pertinentes em relação ao tema. Para os pais, o Brasil estar na 68º posição no ranking do PISA (Programa internacional de Avaliação de Alunos) de 2015, dentre um total de 70 países, evidencia a deficiência do ensino questionado por eles. Contudo, a pesquisa visa verificar quais as características similares possuem em comum essas famílias, agregando mais informação nesse campo que se encontra tão pouco explorada. E principalmente, busca-se entender quais os problemas das escolas, segundo os pais aqui levantados, para que agregue conhecimento do que se pode melhorar como futura pedagoga dentro das instituições, elucidando de problemas trazidos pela oposição, com perspectiva de quem está mais próximo do aluno, a família. A identificação dos problemas possibilita mobilizar conhecimentos e desenvolver a capacidade para gerenciar as informações que estão ao alcance. O problema manifestado é um conjunto importante da manutenção do equilíbrio do sistema inteiro. É o que explica [...] a pouca eficácia das medidas que tendem a fazerdesaparecer o problema ao focar-se no indivíduo que o manifesta (CURONICI E 9 MCCULLOCH 1999, p.37), ou seja, criticar a escolha e os porquês dos pais buscarem a educação domiciliar dos filhos, só camufla para a verdadeira vertente preocupante: qual o problema da escola? 1.2 OBJETIVOS OBJETIVO GERAL: O objetivo da presente pesquisa é investigar as motivações que levam os pais/responsáveis em almejar a educação doméstica. Em paralelo às conclusões obtidas, buscar esclarecer quais as principais críticas às instituições de ensino padrão. OBJETIVOS ESPECÍFICOS: • Definir o que significa homeschooling (educação domiciliar); • Pesquisar quais os principais objetivos que levam os pais/responsáveis em almejar esse modelo de ensino; • Explorar quais características negativas das escolas são evidenciadas, a partir dos dados da pesquisa. 1.3 METODOLOGIA A metodologia terá como finalidade buscar conhecimentos pré-existentes, opiniões de pais que almejam a educação domiciliar como reconhecida pelo Estado e fazer uma sistematização de ideias para identificar quais os problemas esses pais vêem nas escolas. A presente pesquisa buscará manter uma abordagem qualitativa, fazendo interpretações em diferentes bibliografias e estudos para analisar os dados. De objetivo descritiva exploratória, inicialmente, buscar-se-á descrever o conceito de homeschooling, sendo utilizado dicionários para tradução literal, assim como livros, trabalhos acadêmicos, sites, blogs, artigos científicos e documentos para tradução interpretativa e investigativa. No desenvolvimento do segundo capítulo, uma abordagem histórica da educação domiciliar será apresentada, organizando de forma cronológica essas informações, retiradas de sites como o 10 da Associação Nacional de Educação Domiciliar (ANED) e trabalhos acadêmicos que investigam esta contextualização; ainda neste capítulo, serão verificadas, de forma breve, as principais características dessa educação alternativa em outros países que a regulamentam. Os procedimentos para a realização da pesquisa vão ser de caráter bibliográfico e documental, tendo como base referencial o livro “Educação: livre e obrigatória” de Murray N. Rothbard (2013). Além disso, serão levantadas opiniões contra e favoráveis de teóricos e especialistas que debatem acerca do homeschooling, para possibilitar uma visão mais ampla e clara do que se diz sobre o tema. Por fim, para explorar o problema que norteia este trabalho, será aplicado uma questão para diversos pais da região sudeste do país. Estes país serão selecionados através de grupos da rede social Facebook (Homeschooling: Educação Domiciliar – 5.062 membros; Estimulando Nossos Filhos – 10.838 membros; Homeschooling Clássico Brasil – 3.677 membros), buscando entender deles qual o, se não os, principais motivos que os levam a retirar os filhos da escola, propondo uma educação em casa. As respostas e depoimentos obtidos terão papel fundamental para o objetivo central do trabalho: entender quais problemas são identificados na escola por esses pais. Para isso, serão organizados os dados, identificando os principais pontos e, através disso, compreender as carências, aquilo que não os atende, para a compreensão do que realmente seria um problema da escola convencional. Estes problemas serão dialogados com dados científicos e opiniões de especialistas, buscando, em segundo plano, verificar se são problemas exclusivamente das escolas ou se outros fatores corroboram para os problemas identificados. 1.4 REFERENCIAL TEÓRICO Diversos problemas burocráticos, hoje, dificultam a aplicação do ensino domiciliar, sobretudo pela imposição das instituições “educação” e “escola” 11 (BARBOSA, 2013), uma vez que muitos alegam o abandono intelectual, a privação do direito da criança ao ensino e o não cumprimento do art. 6 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional1. O entendimento vigente, por decisão tanto do Superior Tribunal de Justiça (STF) quanto do Conselho Nacional de Educação (CNE), é que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) 9.394 de 1996, estabelece que o ensino obrigatório necessariamente deva ocorrer na escola. A legislação torna obrigatório que o sujeito precisa estar presente fisicamente na escola para que se ocorra a educação (de sua competência exclusiva), não mencionando qualquer outra alternativa para quem não reconhece a escola como funcional para seus objetivos. A escola de frequência obrigatória teve sua origem a partir da Reforma Protestante do século XVI quando o defensor Martinho Lutero propõe uma educação para todos (BARBOSA, 2011). No Brasil, a partir de 1852 surgiram leis compulsórias que exigiam a frequência escolar. As leis foram estabelecidas a partir de premissas unilaterais, não considerando que pudesse haver a disponibilidade de pais em querer educar integralmente seus filhos. Serão consideradas para o presente estudo as ideias principais do filósofo político, historiador e economista norte-americano da escola Austríaca, Murray N. Rothbard. O autor do livro “Educação: livre e obrigatória”, editada pelo Instituto Mises do Brasil (2013), não é pedagogo e não discursa sobre como se devem educar as crianças e jovens, entretanto, com o objetivo de explicar que a educação obrigatória é uma política totalitária, alavanca argumentos críticos em relação à exclusividade da escola para a educação formal. Para ele: Se comida e abrigo são providenciados, a criança irá crescer fisicamente sem muita instrução. Seus relacionamentos com outros – membros da família ou de fora – irão se desenvolver espontaneamente no curso de sua vida. Em todas essas questões, uma criança irá espontaneamente exercitar suas faculdades com estes materiais abundantes no mundo ao seu redor, os preceitos que são necessários podem ser transmitidos de maneira relativamente simples, sem precisar de estudo sistemático. (ROTHBARD, 1972, p.15) Ou seja, para o autor, o ser humano já tem capacidade de se desenvolver e fará isso se relacionando com o mundo exterior que ela está inserida. A interação com o meio (Vygotsky, 1998), de forma intencional e dirigida, seja qual for o ambiente, 1Art. 6º: É dever dos pais ou responsáveis efetuar a matrícula das crianças na educação básica a partir dos 4 (quatro) anos de idade. (Redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013). 12 mostra-se possível para educação formal não necessariamente ocorrendo no ambiente formal como o da escola. Para Rothbard (1972), qualquer um que acredita na liberdade, os direitos dos pais foram completamente violados, assim como o direito da criança, pois ela cresce em sujeição do Estado, sem efetivo respeito por sua personalidade individual. Além disso, para desenvolver suas faculdades ao máximo, ela precisa de liberdade para este desenvolvimento, entretanto, a própria existência do Estado, como visto acima, se baseia na limitação, não permitindo a escolha quanto ao tipo de educação que os pais podem proporcionar para os filhos. Por outro lado, a obrigatoriedade e a gratuidade da educação configuram grandes avanços, no sentido de garantir à população mais pobre acesso à educação escolar. A obrigatoriedade do ensino e o currículo mínimo para as escolas, tem como principal objetivo levar a mesma educação para todos, como garantia de direito, possibilitando, na teoria, que todos os alunos tenham as mesmas oportunidades. Segundo Fernandes (2009), para muitos milhares de alunos, a escola constitui uma oportunidade única para romper com situações econômicas e sociais desfavoráveis e precárias. Além disso, outro fator que configura importância para a escola é em relação ao apropriar e criar cultura. Para Cury (2005): [...] o saber sistemático é mais do que uma importante herança cultural. Como parte do patrimôniocultural, o cidadão torna-se capaz de se apossar de padrões cognitivos e formativos pelos quais tem maiores possibilidades de participar dos destinos de sua sociedade e colaborar na sua transformação. Ter o domínio de conhecimentos sistemáticos é também um patamar sine qua non a fim de poder alargar o campo e o horizonte desses novos conhecimentos. (CURY, 2005, p.20). Entende-se que através da educação escolarizada é possível a manutenção de uma herança cultural. A cultura da sociedade é repassada e construída através do saber sistemático. Com isso, sendo o sujeito parte deste patrimônio cultural, torna-se capaz de se apossar de padrões da sociedade, obtendo maiores possibilidades de participar dos destinos da sua comunidade e colaborar na sua transformação. No que diz respeito ao Brasil, a questão da garantia de acesso às escolas tivera caráter de avanço ainda mais marcante devido às camadas mais pobres terem como direito a frequência escolar. Os rígidos padrões morais da população, as dificuldades 13 de acesso às poucas escolas existentes aliadas às limitadas expectativas e às necessidades de sobrevivência no país Oitocentista, essencialmente rural, faziam com que grande parte da população desconhecesse a escola, não alimentando qualquer perspectiva quanto a ela ou qualquer interesse pelo seu “saber”. (VASCONCELOS, 2007, p.26). Sem dúvida o saber sistemático, formal, considerando apenas o aspecto de oportunidade de melhorar a realidade do sujeito e contextualiza-lo na sociedade, se faz necessário. É através da educação que a pessoa se torna consciente e autônomo da sua vida e, consequentemente, contribui tanto para o seu próprio desenvolvimento quanto à comunidade que participa. Quanto a funcionalidade das competências citadas, não há dúvida do papel importante que a escola tem. Porém, muito se questiona sobre o local que se dá esse acesso à cultura e educação. Harris (1898) diz que: ...[as] escolas [estão] no ano 2.000 A.C. modeladas como no século XIX. Tudo muda, menos as escolas... atrás de cinquenta carteiras exatamente semelhantes, cinquenta meninos e meninas estão sentados para recitar a lição preparados para todos... Mas a álgebra é uma oportunidade para o garoto que não sabe matemática... Na verdade, quanto mais igual é a oportunidade aparente, mais desigual é a realidade. Quando a mesma instrução, para o mesmo número de horas num dia, pelos mesmos professores, é provida para cinquenta meninos e meninas, a maioria não tem quase nenhuma oportunidade. Os estudantes brilhantes são contidos... os estudantes mais fracos são incapazes de acompanharam... os estudantes médios são desencorajados porque os alunos brilhantes realizam suas tarefas com mais facilidade. (HARRIS, 1898;in ROTHBARD, 2012, p. 34). As escolas, objetivando um contexto de sociedade em miniatura, parece que parou no tempo, em alguma sociedade que já ficou no passado, não acompanha, em relação ao espaço físico, a sociedade contemporânea, não há versatilidade nas escolas convencionais. Ao comparar duas fotos de uma sala de aula de anos distintos, como 1.950 e 2.000, praticamente não há diferença, avanço, a não ser, talvez apenas, só uma diferenciação, que em 2.000 as fotos são coloridas. Comparando o avanço do mundo em relação ao transporte, meios de comunicação, interação com as pessoas, etc., houve mudanças gritantes, completamente incoerentes com a proposta de sociedade da escola. Além de não haver modernização em relação ao espaço físico da escola, há questionamentos quanto a eficácia de se agrupar indivíduos nesse espaço com intuito 14 de desenvolver todos. Read (1940) critica essa ação de colocar indivíduos tão distintos entre si no mesmo local e horário. Para ele ocorre a ilusão de que isso seja produtivo, sintetizando que: A humanidade é diferenciada naturalmente em muitos tipos, e colocar todos estes tipos em um mesmo molde deve inevitavelmente levar a distorções e repressões. As escolas devem ser de vários tipos e seguir diferentes métodos e aprovisionamento para diferentes disposições. Pode-se argumentar que mesmo um Estado totalitário deve reconhecer este princípio, mas a verdade é que a diferenciação é um processo orgânico, as associações espontâneas e itinerantes de indivíduos para um propósito particular. Dividir e segregar não são o mesmo que unir e agregar. É exatamente o processo oposto. Toda a estrutura da educação como um processo natural que temos concebido cai por terra se tentarmos fazer essa estrutura... artificial (READ, 1940; in ROTHBARD, 1972, p.72). Além desse questionamento em relação ao ensino aplicado nas instituições com viés prático mais de igualdade do que de equidade, Rothbard (1972) diz que: Todos são “autodidatas”. O ambiente de uma pessoa físico ou social, não pode “determinar” as ideias e conhecimentos que ela terá quando adulto. É um fato fundamental da consciência humana que as ideias de uma pessoa são formadas por ela mesma; outros podem influencia-la, mas ninguém pode absolutamente determinar as ideias e valores que o indivíduo vai adotar ou manter durante a vida (ROTHIBARD, 1972, p.14) Para o autor, o conhecimento de uma pessoa se dá desde que ela acorda, aprendendo e absorvendo tudo que faz parte da sua realidade, sem necessariamente estar dentro da escola. Combinado este “autodidatismo” com orientação, logo, torna- se questionável se o lugar em que a criança está é necessariamente fundamental para o seu aprendizado. Lembrando que um lugar por não ser especificamente na escola, não significa que seja de qualquer modo e sim em algum lugar de preferência. A partir de 1930, o Estado assumiu o papel de buscar financiamento de órgãos privados, que viriam a colaborar com a proteção da infância. Diversos órgãos foram criados voltados à assistência infantil como Ministério da Saúde; Ministério da Justiça e Negócios Interiores, Previdência Social e Assistência social, Ministério da Educação e também a iniciativa privada (DUARTE, 2012). Na década de 1990, ocorreram várias mudanças na educação. Em 1996 foi aprovada a proposta do governo em 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, Lei nº 9.394). Em contexto geral, a LDB “possibilitou um conjunto de reformas que foi se processando de forma isolada, mas que correspondia a um bem elaborado plano de governo, que, articulando os projetos para as áreas econômicas, administrativa, previdenciária e fiscal, foi dando forma ao novo modelo de Estado.” (KÜENZER, 1999, p.10). 15 É pertinente dizer que as leis privilegiam um enfoque quantitativo e não aspectos elementares para afiançar a qualidade do ensino, assim como a falta de rever a organização da escola e as próprias condições do efetivo ensino básico nos dias atuais (SHIROMA; MORAES; EVANGELISTA, 2000, p. 39). A educação, sendo ela, obrigatória nas instituições de ensino, fortalece um compromisso de democratizar o ensino, ou seja, “permitir a todos acesso aos bens culturais produzidos pela humanidade” (LAGAR et al., 2013, p. 44). Entretanto, a necessária adequação de métodos e conteúdos sempre atualizados para garantir a qualidade do ensino ainda deixa a desejar. Isso porque, a sociedade é volátil e cada indivíduo possui especificidades próprias, dificultando ainda mais a utopia de que a escola garantirá um ensino de qualidade para todos. Uma das principais críticas de especialistas e leigos em relação à educação domiciliar é a respeito da socialização das crianças. Essa crítica leva à reflexão e questionamentos sobre a qualidade destas interações e se de fato são de qualidade. Dados colhidos de Homeschooling Grows Up de uma pesquisa do Dr. Brian D. Ray publicada em 2003, nos Estados Unidos, intitulada de “O mito da socialização” mostra uma comparação feita por pessoas que fizeram a educação sistemática na escola e as que não, de maneira quantitativa: no gráfico retribuição à comunidade:dos que participam de atividades comunitárias, os que foram educados em casa, cerca de 71% participam, já os que foram para a escola, 37%; dos que são membros de organizações comunitárias ou profissional, 88,3% dos educados em casa contra 50% dos que foram para a escola. 16 Tabela 1 – O mito da socialização. Fonte: ANED (2019) Para a questão da socialização, também, uma pauta até mais comentada atualmente, e que é inerente à escola, é a questão do bullying. Embora a escola busque uma “boa” socialização, ainda sim, esta continua inseparável do problema em questão. Silva (2010) classifica que o bullyng se manifesta em: físico e material; psicológico e moral; sexual; verbal; e virtual. Segundo Dalosto & Alencar (2013): bullying é um tipo de violência que tem crescido no ambiente escolar. Essa prática acontece muitas vezes de forma velada e se manifesta por meio de “brincadeiras”. O fenômeno tem atingido muitos alunos, trazendo consequências muitas vezes dramáticas para as suas vidas. Essa violência pode ocorrer em qualquer escola, independente das condições sociais e econômicas de seus alunos. (DALOSTO & ALENCAR 2013, p. 64). É um fenômeno social complexo que está em todo lugar, sim, entretanto, assume peculiaridades no ambiente escolar. Esse tipo de violência contradiz o argumento de que a escola consegue de fato proteger. Uma das justificativas levantadas pela não efetividade e até perigo do homeschool é a questão da violência que pode sofrer a criança. Devido à escola ter contato quase que diariamente com o 17 aluno, ao sinal de algum abuso ou violência infantil, a escola teria como uma das finalidades proteger e preservar o educando. Entretanto, ao verificar que a violência hoje é um problema presente na escola, faz refletir que essa proteção e preservação da criança a escola não desempenha tão bem. As motivações para a escolha desta modalidade também variam entre desilusão com o sistema educacional público e privado, refletindo no descontentamento com a escola em que estudaram, ou aquela pela qual os filhos passaram antes de optarem por homeschooling (VASCONCELOS, 2015, p.12), receio de um convívio nocivo nas escolas ou apenas a intenção de conduzir mais de perto a formação dos filhos (ANED, 2017).A decisão pela preferência ao homeschool representa, também, um questionamento dirigido diretamente à instituição da escolaridade obrigatória, nascida tumultuosamente (VIEIRA, 2012, p. 11) e elevada à categoria de imperativo social e ideológico universal no último século (VIEIRA, 2012, p. 11). 18 2 CONTEXTO HISTÓRICO E LEGAL DOS HOMESCHOLERS. Na busca de elucidar todos os aspectos básicos do homeschooling, o capítulo tratará da definição literal, interpretativa e investigativa do termo, e o que caracteriza ser homeschooler. Neste capítulo, também, será descrito de forma os acontecimentos através da história, até os dias atuais, desta educação alternativa. Ademais, para compreensão do contexto legal que o tema se envolve, serão analisados diversos documentos jurídicos que embasam as principais questões da educação de frequência obrigatória. 2.1 - Conceituando esse tal de homeschooling... Embora não seja um conceito novo per se2 a instrução em casa, o movimento de homeschooling hoje é considerado moderno. A palavra em inglês, mais comumente utilizado significa, em tradução literal, escolaridade em casa. Mas não é apenas por esse termo que se pode nomear esta educação alternativa, nem a limitar. É possível encontrar denominações como: homeschool (E.U.A), home education (Reino Unido), educação não escolar, educação domiciliar (Brasil), ensino doméstico etc. (VIEIRA, 2012). Buscando entender de uma forma menos literal, mais interpretativa e investigativa, a educação domiciliar significa que o aluno não está, especificamente, dentro de uma escola para aprender. Menos ainda necessariamente este aluno precisa estar dentro de casa. Esse ensino alternativo acontece sobretudo sem a exclusividade do Estado, fora das escolas institucionalizadas, sob a tutela dos pais/responsáveis, ou terceiros com mais competência, ministrando aulas individuais ou em grupo. A educação domiciliar é a prática de ensinar e desenvolver o filho fora da escola, aplicando conteúdos que, hoje, são exclusivos a ela. Rivero (2008) define o homeschooling, sob a interpretação do Departamento de Educação dos Estados Unidos, como: Crianças educadas em casa [...] ensinadas por um ou ambos os pais, por tutores que vêm até a residência, ou através de programas escolares virtuais conduzidos por meio da internet. Alguns pais preparam seus próprios materiais e projetam seus próprios programas de estudo, enquanto outros 2Em si mesmo; intrinsecamente. 19 usam materiais produzidos por companhias especializadas em recursos para educação domiciliar. (Rivero, 2008, p.10). Nos Estados Unidos, onde essa prática já existe de forma normativa e regulamentada, é expressamente claro, neste trecho, em que se consolida o homeschool. Outro ponto no trecho do documento exposto pela autora diz respeito ao fato do “planejamento”. Para Azanha (1993, p. 71) não ter o mínimo de conhecimento das condições existentes de uma situação e não fazer o mínimo de esforço de previsão das possíveis alterações que possa ocorrer desta situação, encaminha a ação para nenhuma mudança eficaz. Ao verificar os termos empregados na definição de homeschooling a partir de um país que esse ensino é praticado, é notório que houve pesquisas e reflexões para sua regularização e, consequentemente, a proteção desses alunos homeschooler. Para Murphy (2014) existem algumas características básicas do homeschooling: Um estudante é educado em casa quando: (1) o financiamento para a educação vem da família, não do governo; (2) o serviço é fornecido pelos pais, não por funcionário pago pelo Estado (ou financiamento privado); e (3) a regulação do empreendimento é interna à família, não da responsabilidade do governo (ou outra entidade tal como um corpo religioso). (MURPHY, 2014, p.4). As características citadas pelo autor denotam apenas algumas responsabilidades que o Estado tem para com as escolas. Entretanto, vale ressaltar que a regulamentação do ensino doméstico não é necessariamente uma economia para o Estado. Isso porque as famílias que demonstram interesse em ensinar seus pupilos fora da escola gozam de tempo para tal e, geralmente, tem condições de matricular o filho em escolas particulares. E se uma família desestruturada ou economicamente miserável desejar fazer educação domiciliar?A experiência de outras nações mostra que famílias desestruturadas socialmente, vulneráveis ou em condição de miséria não se interessam pela educação domiciliar. Pelo contrário, preferem a escola em tempo integral. (ANED, 2020, n.p.). Já para a editora e escritora Patrícia M. Lines (2003) há duas distinções iniciais para a prática: a independente, sem nenhum vínculo com instituições de ensino; e a dependente, quando há ligação com uma escola. Segundo Lines, o homeschooling independente é caracterizado por aquele em que pais/responsáveis são integralmente 20 incumbidos do desenvolvimento e educação integral da criança. Já o homeschool dependente, com matrícula em instituições de ensino, os pais se responsabilizam em passar o conteúdo e estimular a aprendizagem, enquanto as avaliações destes conteúdos são feitas em escolas convencionais. Ambas as práticas dão autonomia aos pais em relação, não do conteúdo em si que possui regras pré-estabelecidas, mas como encaminhar esses conteúdos segundo seus valores, suas concepções, crenças, ideologias, religião etc. É válido dizer que a maioria dos adeptos do movimento do ensino doméstico, hoje, no Brasil, são cristãos (VIEIRA, 2012, p. 27).Entretanto, a Associação Nacional de Educação Domiciliar (ANED) publica que vários estudos indicam que a educação domiciliar no mundo é comum entre os agnósticos, ateus, cristãos, judeus, mórmons, adeptos da Nova Era e católicos romanos. Já no Brasil, existe grande diversidade de famílias que assumem posições políticas liberais, conservadoras, de esquerda, de direita ou que não se assumem como parte de nenhuma delas, como as libertárias, católicas, protestantes, espíritas, budistas, ateístas, entre outras (ANED, 2020, n. p.) Muitos são os contrapontos que levam o ensino domiciliar ter cada vez mais adeptos hoje. E estes contrapontos, especificamente das escolas, que se busca compreender e identificar. Seja pela liberdade de escolha, a dinâmica pedagógica nas salas de aula, a violência presente nos interiores das escolas, o baixo desempenho do ensino ou pelos valores da família, cada dia mais, com o auxílio da propagação do assunto em proporção nacional, as pessoas se interessam e questionam a educação escolarizada obrigatória. Para Rothbard (1979): É claro que a escola formal, caracterizada por aulas na qual um professor instrui muitas crianças, é um sistema imensamente inferior. Visto que cada criança difere das outras em interesses e habilidades, e o professor só pode ensinar uma coisa de cada vez, é evidente que cada sala de aula deve converter toda a instrução em um molde uniforme. Independente do modo como o professor instrui, com qual ritmo, calendário ou variedade, ele está praticando um abuso com todas as crianças. (ROTHBARD 1979, p. 22). Para o autor, como explicitado no trecho em destaque, as escolas, em principal dentro das salas de aula, com a finalidade de educar todas as crianças de forma igual e democrática, remete para uma educação ao oposto disso. Ao ministrar conteúdos de uma determinada maneira e tempo resulta, na verdade, uma in/exclusão (LOPES & FABRIS, 2013) dos alunos. Ou seja, ao colocar o conteúdo de maneira igual para todos os alunos com o objetivo de promover a educação igualitária, o que acaba 21 ocorrendo, de fato, é o afastamento daqueles alunos que não estão no mesmo nível de interesse, o que é naturalmente normal, sendo as pessoas completamente distintas uma das outras e com especificidades impares, é de se esperar que justo naquele determinado tempo não serão todos que aprenderão de maneira igual e eficaz. Embora, por vezes ser um movimento difícil de compreender, já que, ao mesmo tempo em que se propõe repensar a escola, o movimento é para privatizá-la (CASANOVA & FERREIRA, 2020), vale ressaltar que a busca pela regulamentação da educação domiciliar não busca deslegitimar a escola, afinal ela possui importante função e papel social para a população em geral, democratizando o ensino e transmitindo cultura. A ANED, uma instituição sem fins lucrativos, fundada no ano de 2010, por iniciativa de um grupo de famílias, que objetiva propagar o homeschooling e fornecer algum tipo de apoio e orientação legal aos pais homeschooler, além de disponibilizar cursos e materiais que auxiliam a prática, cita em seu site: A principal causa defendida pela ANED, é a autonomia educacional da família. Não nos posicionamos contra a escola, mas entendemos que, assim como os pais têm o dever de educar, têm também o direito de fazer a opção pela modalidade de educação dos filhos. Defendemos, portanto, a liberdade, e a prioridade da família na escolha do gênero de instrução a ser ministrado aos seus filhos. (ANED, 2020). Pode-se verificar que, segundo esta linha de pensamento, não é banalizado o papel das escolas para a população em geral por parte dos que apoiam o homeschool. Afinal, compreende-se que, com a democratização do ensino e incentivo ao seu acesso por todos, se faz fundamental para a grande maioria das famílias. Libâneo (2001) sintetiza bem este pensamento: A democratização da escola pública, portanto, deve ser entendida aqui como ampliação das oportunidades educacionais, difusão dos conhecimentos e sua reelaboração crítica, aprimoramento da prática educativa escolar visando à elevação cultural e cientifica das camadas populares, contribuindo, ao mesmo tempo, para responder às suas necessidades e aspirações mais imediatas (melhorias de vida) e à sua inserção num projeto coletivo de mudança de sociedade. (LIBÂNEO, 2001, p. 12). Sem dúvida, a escola é representada de forma positiva para a maioria da população. Segundo uma pesquisa realizada em novembro de 2013 pelo Datafolha, cerca de 66% das famílias brasileiras tem renda mensal de até R$2.034,00. Comparando com o estudo realizado pela ANED em 2020, já mencionado anteriormente,que expressa que vulneráveis socialmente e/ou em situação precária 22 tendem ao ensino até integral das crianças, pode-se concluir a representatividade de progresso que a instituição escola fomenta. Há pais que não têm disponibilidade de tempo, condições intelectuais nem financeiras e/ou não possuem interesse ou competência para ensinar seus filhos. Observando esses aspectos, pode-se dizer que a escola se faz necessária, não configurando sua extinção caso esse movimento de educação alternativa alcance sua regulamentação. Contudo, buscando entender o que é o homeschooling e sua essência, é possível fazer reflexões acerca dos problemas escolares. Afinal, a qualidade do ensino não é exclusiva apenas à vertente do interesse do aluno pelo estudo, mas sim da capacidade da escola de atender estes alunos e sua especificidades (CARRAHER; CARRAHER; SCHLIEMANN, 1982). O fracasso escolar do aluno, a evasão, o desinteresse, a proposta pedagógica desinteressante, dentre outros, são alguns exemplos que sobressaem ao investigar o que, nas escolas, desanima esta parcela de pais que lutam pelo direito da educação integral de seus filhos. 2.2 - Educação Domiciliar e a escola através do tempo: prática antiga versus modernidade. Em um momento da história o homem percebeu que poderia transmitir conhecimento para outro homem. Essa transmissão ocorria através da observação e imitação dos mais jovens para com os mais velhos, de maneira intuitiva e natural. A aprendizagem da época consistia em conseguir se alimentar e se proteger, era voltada para a sobrevivência (FONSECA; CALDEIRA, 2008). A educação fora da escola ocorre desde os tempos mais primórdios das civilizações. Na Grécia Antiga, sinônimo de educação para formação plena do homem, embora a ideia de escola venha desta época, não existia instituições de ensino como se caracteriza hoje. Os centros acadêmicos eram de reflexão em locais abertos, sem rotinas ou temas pré-determinados, sendo aulas com movimento, desenvolvidas através de questões formuladas pelos próprios aprendizes, de acordo com sua curiosidade e interesse (FONSECA, 1998). 23 O que se entende hoje como escola, se apresentou de muitas outras formas na antiguidade. Em 387 a.c., Platão ensinava nos jardins de Academos, em Atenas (origem ao termo “academia”). Em 343 a.c., era comum as famílias mais ricas pagarem um mestre para ensinarem seus filhos, como exemplo, o rei da Macedônia, Alexandre, o Grande, que tinha Aristóteles como mestre. O que mostra falha nesta época, vale salientar, talvez não para aquele tempo, mas para hoje, é a falta de democratização do ensino, claro. Aranha (2012) considera que: Mesmo que a ampliação de oferta escolar representasse uma “democratização” da cultura, a educação era elitizada, atendendo principalmente os jovens de famílias tradicionais da antiga nobreza ou pertencentes das famílias de comerciantes enriquecidos (ARANHA, 2012, p. 81) Além do trabalho braçal predominante na época, a educação voltada para a retórica e arte, por exemplo, não era prioridade das famílias mais pobres, que lutavam para sobreviver todos os dias na precária época que viveram (de informação, de recurso, instrumentos...). Na Idade Média, o professoré o centro do saber e a educação passa a ter forte influência da Igreja Católica (NUNES, 2006. P.15). Nesta época, assim como a anterior, o ensino não era democrático, a educação aqui ainda era para poucos, desenvolvida geralmente em mosteiros. Dentre os conteúdos ministrados, estava Latim e Ensino Religioso. Seguindo um pouco mais na história, antes do século XVI, a alfabetização não era para ler e escrever, mas já para uma profissão. As crianças observavam e aprendiam os comportamentos e habilidades de seus mestres. Elas aprendiam a aprender e aprendiam a fazer (DUARTE, 2001). Ensinar a aprender é outro ponto interessante para os dias atuais. Com tanta informação e facilidade de acesso, o sujeito de hoje, mais do que nunca, precisa ser preparado para saber como aprender. Além das informações disponíveis tão acessíveis para a maioria das pessoas, cerca de 75% dos brasileiros tem acesso à internet (IBGE, 2020). Fonseca (1998) considera essa capacidade ainda mais importante quando é pensado na questão do desenvolvimento da sociedade: [...] A capacidade de adaptação e de aprender a aprender e a reaprender, tão necessária para milhares de trabalhadores que terão de ser reconvertidos em vez de despedidos, a flexibilidade e modificabilidade para novos postos de trabalho vão surgir cada vez com mais veemência. Com a redução dos trabalhadores agrícolas e dos operários industriais, os postos de emprego que restam vão ser mais disputados, e tais postos de trabalho terão que ser 24 conquistados pêlos trabalhadores preparados e diferenciados em termos cognitivos.(FONSECA, 1998, p. 307). Elucidando este ponto do ensino, pensando na proposta educacional que se tem hoje, esta questão de ensinar o indivíduo a aprender é mais que uma ferramenta para a sociedade contemporânea. Esta habilidade hoje se torna estratégia fundamental para se manter em movimento com o mundo que se contextualiza, exigindo das pessoas readaptações cada vez mais frequentes. Ao longo do século XVIII e XIX, com o desenvolvimento do comércio nesta época, impulsionado pela Revolução Industrial, a necessidade de aprender a ler, escrever e contar se fez urgente. O aparecimento de instituições está diretamente ligado ao aparecimento do capitalismo, com a necessidade de mão-de-obra. A burguesia passa a estimular escolas com ensino prático. Para Ferreira (2014): Com o apogeu da sociedade industrial ocorreu uma alteração ideológica significativa. A educação, que antes podia ocorrerno trabalho, na família, na igreja ou nas escolas (lugar do ócio), agora passaria a ocorrer, predominantemente, nas instituições escolares. (FERREIRA, 2014, p. 124). Nesta época, a escola de frequência compulsória surge na Prússia: Foi o rei Frederico Guilherme I quem inaugurou o sistema de educação compulsória prussiano, o primeiro sistema nacional na Europa. Em 1717, ele ordenou a frequência obrigatória para todas as crianças nas escolas estatais e, em atos posteriores, seguiu com a disposição para a construção de mais escolas. (ROTHBARD, 1999, p. 51). Para Rothbard, a escola de frequência obrigatória teve início com o movimento do ideal Pietista, oriundo do luteranismo3. O Pietismo foi um movimento que valorizava as experiências individuais, que “propunha preencher o vazio espiritual supostamente deixado pela excessiva preocupação acadêmico-apologética4” (COSTA, 1999). O interesse por trás disso era que todos pudessem ler a Bíblia sem intermédio de terceiros, como ocorria no catolicismo, deixando suas crenças heréticas (CELETI, 2012, p.30). De acordo com o autor, “Lutero foi o primeiro defensor da escolaridade obrigatória, e seus planos foram o modelo das primeiras escolas alemãs. Além disso, ele inculcou os luteranos com os ideais de obediência ao Estado” (ROTHBARD, 2013, 3Conjunto das ideias e doutrinas de Martinho Lutero 1483-1546, teólogo e reformador alemão. 4Defesa argumentativa de que a fé pode ser comprovada pela razão. 25 p.47). Entretanto, segundo Saveli (2010) a ideia de escola para todos têm sua origem como meio de emancipação social e individual. No Brasil, a escola de frequência obrigatória foi ampliada lentamente de acordo com a trajetória do direito à educação. No século XIX, aproximadamente 87% da população em idade escolar estava fora da escola, grande parte das famílias eram educadas em casa sem a participação do Estado. A primeira constituição a mencionar a obrigatoriedade do ensino é a de 1967 e apontava claramente sobre o dever da família, entretanto nada mencionava a respeito do dever do Estado (SAVELI; TENREIRO, 2011). Já na Constituição Federal de 1988, a responsabilidade do Estado é mais clara, marcada por um embasamento mais democrático, referindo o propósito de transformar cada indivíduo em cidadão. É declarada a Educação como direito de todos os cidadãos e dever do Estado. Não questionável o grande progresso para o acesso ao ensino da população em geral no Brasil, Dallari (1998, p.51), ressalta um porém de que “não basta dizer que todos têm o mesmo direito de ir à escola, é preciso também que tenham a mesma possibilidade”. Isso porque, ao propor o mesmo ensino a todos, levanta o questionamento de que ninguém é igual a ninguém e que essa educação massificada, ao invés de propor igualdade para a sociedade, na verdade, exprime mais as diferenças sociais existentes no país. Através do tempo, a educação foi se readaptando conforme o contexto das civilizações, antes uma educação voltada para a formação do Homem, passa por mudança de concepções e se torna uma educação voltada para a formação do cidadão. Muitos são os desdobramentos das escolas como importante papel social e sobretudo, a inquestionável avanço de direitos da população. A educação domiciliar de ensino formal, como apresentado, foi perdendo espaço e credibilidade em relação à sua eficácia e qualidade, entretanto, embora praticamente ignorada por quase toda a última década, a educação domiciliar está nos debates midiáticos hoje. Vasconcelos (2017, p. 125) corrobora expressando que “[...] o avanço acelerado, tanto de famílias interessadas em ensinar os filhos na casa, como da frequência com que a mídia tem aberto espaço para a sua divulgação”. 26 O movimento do direito de educação domiciliar tem sua origempor volta da década de sessenta, com John Holt, professor e escritor dos Estados Unidos. Holt propunha a necessidade de as escolas serem mais humanas e menos formais, que desenvolvessem espaços de aprendizagem variados e repletos de estímulos. Ele reivindicava um espaço que fomentasse o desenvolvimento dos alunos de acordo com suas curiosidades e com experiências que lhe fossem oferecidas de forma prática (CORDOBA; LEITE, 2019).Os Estados Unidos são considerados ospioneiros do “moderno” homeschooling, vez que neles se localizam o maior número de crianças e adolescentes em ensino domiciliar, cerca de 2.3 milhões de estudantes receberam educação domiciliar no ano letivo 2015-216(BREWER; LUBIENSKI, 2017).O homeschool encontra força nos EUA no prestígio que a prática gozava entre os foundingfathers5do país: George Washington, Abraham Lincoln, Thomas Jefferson e Benjamin Franklin foram todos educados em casa (VIEIRA, 2012). Devido à secularização6 da educação, ideologias de libertação sexual e tantos outros fatores que iam contra os valores morais e religiosos de grande parte da população, líderes religiosos e pensadores cristãos da educação, também pegaram a bandeira do homeschooling para si, como é o caso do casal adventista Raymond e Dorothy Moore e do líder evangélico James Dobson (BARBOSA, 2013). Com a divulgação e promoção desse ensino alternativo por todo o país, todos os estados americanos aceitaram e regulamentaram o homeschooling. O Estado regulariza com regras, condições e avaliações, entretanto, são os responsáveisquem administram o ensino ofertado aos filhos. Na Europa, por sua vez, a vasta maioria dos países permitem a educação domiciliar, em alguma de suas modalidades: Áustria, Bélgica, República Checa, Dinamarca, Estónia, Finlândia, França, Hungria, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Noruega, Polônia, Portugal, Romênia e Suíça. Todavia, em média apenas 0,1% da população em idade escolar pratique-a (KUNZMAN; GAITHER, 2013). No Brasil, o movimento chegou por volta da década de noventa por influência de pensadores e pastores americanos que transmitiam suas ideias para os fiéis 5Considerados os Pais Fundadores dos Estados Unidos, são líderes políticos que assinaram a Declaração de Independência ou participaram da Revolução Americana. 6transformação ou passagem de coisas, fatos, pessoas, crenças e instituições, que estavam sob o domínio religioso, para o regime leigo. 27 (VIERA, 2012). No país, este tipo de educação não é autorizado, o que influencia na carência de pesquisas a respeito. Os pais homeschooler que, por receio de sofrerem processos, como ocorreu com as primeiras famílias praticantes do Brasil, não se manifestam com receio de represálias (BARBOSA, 2013). Entretanto, segundo ANED, em 2018 cerca de 4.800 famílias educavam seus filhos em casa. Em um ambiente democraticamente pouco favorável, mesmo com o caráter libertador com que a educação se apresenta, o homeschooling no Brasil não é reconhecida pelo Estado e sofre resistência por parte de grupos pró-escola pública e educação centralizada. Além dos riscos legais que envolvem a prática de educar os filhos por conta própria, essa situação acaba por colocar a modalidade em clandestinidade, tornando marginalizadas, obscurecidas e passíveis de perseguição as famílias que optam por tal alternativa educacional (PAIVA; OLIVEIRA, 2017). Atualmente, os debates para a regulamentação do ensino domiciliar são ativos, visto que a nova promessa de regulamentação veio pelo então presidente da república em seu plano de governo. Para Pereira (2019) o homeschooling não é a salvação para a educação brasileira, mas sim, apenas o exercício do direito de liberdade educacional. A posição a favor do ensino em casa é reflexo de um discurso da precariedade do ensino, como refletido por Boudens (2002), que diz que é precisamente em torno da qualidade da instrução escolar que se abre um espaço para o questionamento da frequência escolar obrigatória. O aparelho escolar, sendo ele controlado pela classe que domina a sociedade, exige, como imperativo máximo, repensar a educação – ultrapassada – atual. 2.3 A ausência de legislação específica e a revés tentativa de regulamentação do ensino Domiciliar no Brasil. Devido o objetivo de o presente trabalho ser buscar entender quais problemas educacionais, emparelhados ao longo do tempo, influencia a tendência de alguns pais à educação domiciliar, será feito um breve levantamento das questões legais que envolve este ensino alternativo. As principais leis que regem o sistema educacional no Brasil estão: 1)na Constituição Federal de 1988,que destina à educação todo um capítulo, sendo este https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/188546065/constitui%C3%A7%C3%A3o-federal-constitui%C3%A7%C3%A3o-da-republica-federativa-do-brasil-1988 28 composto por 10 artigos repletos de princípios;2)na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB); e 3) no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).Além da legislação brasileira, o Brasil também acata as legislações internacionais, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos.É através da interpretação destes documentos que,de 1994 a 2019, nada menos que oito Projetos de Lei e uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional) já tramitaram na Câmara dos Deputados, com vistas à regulamentação do homeschooling (ANED, 2020) e, também, alguns pais conseguiram, na justiça brasileira, autorização para ensinarem seus filhos em casa. A Constituição Federal de 1988, em seu Artigo 205, afirma: A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (BRASIL, 1988). A legislação brasileira não autoriza a educação domiciliar como válida, compreendendo-se, como apresentado, que a educação é dever da família e do Estado, com colaboração da sociedade. Já o texto do ECA manifesta em seu artigo 55 que “os pais ou responsáveis têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino”, compreendendo que não somente dever do Estado e da família promover a educação, como também a obrigatoriedade dos pais/responsáveis matricularem seus filhos, em idade escolar,nas instituições de ensino autorizadas. A LDB nº 9.394/96 prevê, em seu artigo 1º, que a educação deve abranger os processos formativos que se desenvolvem, entre outros espaços, na vida familiar, no § 1º ela expõe que a educação escolar deve acontecer, predominantemente, em instituições próprias. Além disso, o artigo 246 do Código Penal Brasileiro considera como crime de abandono intelectual a não efetiva matrícula: “Deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar. Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa.” Podendo-se concluir, com a interpretação destes trechos, que a educação formal no lar se torna impossível legalmente, visto que “os filhos não pertencem aos pais já que, ainda que menores, são pessoas dotadas de direitos e deveres que devem ser respeitados” (CURY, 2006, p. 675).Ademais, com essa restrição jurídica é importante ressaltar, também, que qualquer pesquisa, https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1035083/lei-de-diretrizes-e-bases-lei-9394-96 https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1035083/lei-de-diretrizes-e-bases-lei-9394-96 29 experimentação metodológica, dados e pesquisas oficiais e desenvolvimento acadêmico, ficam limitados e restritos. Além de ser dever exclusividade do Estado a educação formal e dos pais/responsáveis a obrigatoriedade da matrícula, a legislação brasileira diz que a educação formal, acadêmica e científica fica a cargo exclusivo das instituições (públicas ou privadas), conforme expressa claramente na Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, no artigo 1º § 1º ,onde diz que “a educação escolar, que se desenvolve, predominantemente, por meio do ensino, em instituições próprias”, não deixando margem para alternativa enquanto a isso. Mas, então, qual é a “brecha” que esses pais homeschooler encontram na lei que possibilitou o direito de alguns praticarem essa escolha? O Brasil é signatário7 das legislações internacionais, o que corrobora para a ambiguidade de interpretação por parte dos juízes brasileiros.A DUDH, em seu artigo 26.3assegura que “os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos”; já na Convenção Americana dos Direitos Humanos, no artigo 12.4 garante que “os pais e, quando for o caso, os tutores, têm direito a que seus filhos e pupilos recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com suas próprias convicções”. Entretanto, a prática foi considerada ilegal pelo Supremo Tribunal Federal em 2002, indeferindo (por seis votos a dois) o pedido de um pai de educar seus filhos em casa. Foi a primeira vez em que a modalidade foi objeto de discussão em um tribunal superior brasileiro (VIEIRA, 2012). Os Projetos de Lei, não aprovados, desenvolvidos até hoje, alteram textos como o do ECA e LDBM. As principais alterações dos textos dizem respeito, não a troca de um modelo de educação pelo outro, mas sim de forma que as duas alternativas sejam e estejam viáveis. Em um Projeto de Lei de 2015 (não aprovado) elaborado por Eduardo Bolsonaro, por exemplo, no incisoIII, do artigo 5º da Lei nº 9.394/96, onde se lê “zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela frequência à escola”, passaria a vigorar com a seguinte redação: Art 5º(...) III – zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela frequência à escola para os estudantes matriculados em regime presencial e pela frequência em 7que ou aquele que assina ou subscreve um texto, um documento etc. 30 cumprimento ao calendário de avaliações, para os estudantes matriculados em regime de ensino domiciliar. (NR) O projeto não levanta detalhes em relação às avaliações mencionadas, mas, como ocorre em outros países, o Estado não é completamente anulado da vida acadêmica do aluno, na verdade, ele regulariza e organiza a situação das famílias homeschool. A ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, afirma, como justificativa pró educação domiciliar, no PL nº 2401 que “a educação dirigida pelos próprios pais é uma realidade já consolidada em muitos países, presente também no Brasil, embora, até o presente momento, de maneira informal” (2019). Essa informalidade e ilegalidade perante a lei, ao invés de proteger e assegurar, expõe riscos às crianças e jovens que estão sendo educados na modalidade de ensino domiciliar. Damares Alves completa dizendo que: a partir dessa premissa, não se busca regulamentar a matéria de forma exaustiva, mas assegurar condições, do ponto de vista jurídico, para que famílias praticantes da educação domiciliar em situação informal possam contar com o apoio solidário do Estado em sua missão de educar seus filhos (ALVES, 2019). Outro ponto importante tratado neste Projeto de Lei nº 2401 de 2019, mais recente (também não aprovado), diz em seu texto que: Art. 4º - A opção pela educação domiciliar será efetuada pelos pais ou pelos responsáveis legais do estudante, formalmente, por meio de plataforma virtual do Ministério da Educação, em que constará, no mínimo: (...) V - Plano pedagógico individual, proposto pelos pais ou pelos responsáveis legais; Não menos importante todas as outras exigências que este artigo trata, o plano pedagógico, entendendo-se a complexidade que remete, demonstra a tentativa de regularizar e organizar esta educação alternativa através do Estado. Na íntegra, os PL’s, em especial este de 2019, se configura um processo mais burocrático de aderir que as escolas convencionais atuais. Dificultando de modo estratégico para que os pais/responsáveis que realmente não estejam preocupados com a educação dos seus filhos, não disponibiliza de tempo e/ou não se preocupam com a qualidade de ensino dos seus não se submetam a este processo. Os Projetos de Lei desenvolvidos até o momento e mostram a favor de que o Ministério da Educação regulamente o homeschooling. A imposição de currículos e programas escolares é defendida explicitamente na maioria deles, embora os motivos variaram - contornar o alto valor 31 das mensalidades de escolas privadas, evitar a violência e o contato com drogas nas escolas, permitir uma educação individualizada e desenvolver o autodidatismo, assegurar aos pais o “direito de escolher”, etc. (VIEIRA, 2012). 32 3. HOMESCHOOLING: QUAIS AS MOTIVAÇÕES DOS PAIS PARA ESSA ESCOLHA? Neste capítulo será tratado o assunto principal da pesquisa: afinal, quais problemas os pais homeschooler identificam, hoje, nas escolas para optarem pela educação domiciliar? Este questionamento tem como objetivo compreender os argumentos que essa pergunta irá alavancar nos depoimentos dos próprios e promover uma reflexão a respeito. Entender as críticas e motivações, trazidas na presente pesquisa, oportuniza, para educadores e interessados na educação, olhar de forma mais atenta para os pontos levantados em questão e amenizá-los, contorná- los e/ou superá-los. Entretanto, para isso, é necessário entendermos, visto a falta de debate sobre o assunto. Reforçando a importância de se entender mais as questões das famílias no aprimoramento escolar, Sampaio e Guimarães (2009) dizem que em relação à influência da família no desenvolvimento do estudante, alguns aspectos devem ser analisados, pois a educação dos pais influencia de várias formas: tanto serve como exemplo, como também pode reforçar a motivação para o estudo, ampliar o acesso à informação e fornecer uma referência quanto às consequências de obter um maior nível educacional. Para levantar os depoimentos necessários, foram enviadas solicitações para participar de grupos da rede social Facebook (Homeschooling: Educação Domiciliar – 7.138 membros; Homeschooling Rio de Janeiro – 411 membros; Estimulando Nossos Filhos – 11.595 membros; e Homeschooling Clássico Brasil – 4.026 membros) e postado a seguinte questão: Qual o principal problema (ou quais) da escola que levam a querer o homeschool para seu filho? Os sete pais voluntários que responderam a esta questão são de diferentes estados da região sudeste do Brasil e todos possuem formação profissional, além disso, possuem entre um e dois filhos por voluntário, constituindo uma família pequena. Os nomes e sobrenomes serão fictícios, preservando suas identidades, visto a não regulamentação legal do Ensino Domiciliar, embora isso de nada interfere na apreciação do material. 33 3.1 Fugir de um problema, só aumenta a distância da solução: os problemas escolares identificados pelos pais. Os problemas escolares, como vistos antes, são desafios para o processo de ensino nas instituições. Além disso, a queixa escolar está entre os mais frequentes motivos de procura de atendimento psicológico para a criança (SALES, 1989; SANTOS, 1990; GRAMINHA & MARTINS, 1994), demonstrando que os problemas no ambiente escolar atingem quem mais importa na educação, os alunos. Entretanto, não desalinhando do objetivo da pesquisa, limita-se à opinião dos pais, que têm maior propriedade quando se trata de educação das crianças e jovens, para se analisar quais problemas escolares eles identificam em seus depoimentos. Foram sete pais no total, de diferentes lugares do sudeste brasileiro como mencionado. Os nomes, fictícios para preservar a identidade dos pais voluntários, serão listados com seus respectivos símbolos de identificação para a tabela 1: Jaqueline Alves, filósofa, uma filha (F1); Daniela Flores, cientista social, uma filha (F2); Jeferson Santos, policial militar, duas filhas (F3); Eloisa castro, professora, um filho (F4); Tatiane Lopes, formada em Letras e Design, uma filha (F5); Sueli Silva, cientista social, uma filha (F6); Graça Costa, neuropsicopedagoga, mãe de dois filhos (F7). Abaixo segue uma tabela para organizar as informações coletadas de acordo com o problema mencionado em cada depoimento, sendo classificado, de acordo com a leitura dos depoimentos, com uma marcação na coluna que corresponde ao problema e, posteriormente, suas interpretações segundo o objetivo da pesquisa. Tabela 1 Problema* Pais Qualidade do ensino Inclusão Metodologia Violência Religião/ Valores Estrutura Escolar F1 I I I I F2 I F3 I I I F4 I I F5 I I I 34 F6 I I F7 I * Problema: problema escolar que foi identificado no depoimento dos pais. Fazendo uma leitura da tabela desenvolvida de acordo com os problemas apontados por cada pai Homeschooler, possibilita uma visualização mais clara dos problemas mais citados pelos mesmos, facilitando a interpretação dos dados. Dentre os sete pais voluntários, podendo mencionar mais de um problema por depoimento, entende-se que: seis dentre os sete, apontam a metodologia como motivo para desejarem o homeschooling; quatro, do total dos pais, apontam a inclusão como fator problema da escola; dois mencionaram a qualidade do ensino, assim como o mesmo númeroapontou como problema a estrutura escolar; apenas um argumentou a respeito da violência e outro religião/valores. Para tornarem mais claros os problemas mais mencionados pelos pais, as informações obtidas serão classificadas no gráfico a seguir: Gráfico 1 Percebe-se, através da leitura dos dados, forte preocupação em relação à metodologia aplicada nas escolas que, para eles, é padronizada e não leva em conta Qualidad e do ensino 12% Metodologia 38% Inclusão 25% Violência 6% Estrutura Escolar 13% Religião/valores 6% Problemas da escola, segundo os pais homeschoolers. 35 a especificidade do aluno, estando na frente de inclusão, que este está diretamente ligado à metodologia utilizada pelo professor frente às adversidades. As metodologias utilizadas pelos professores, que podem ser diversas para atender as necessidades dos alunos, segundo Morán (2015): ... precisam acompanhar os objetivos pretendidos. Se queremos que os alunos sejam proativos, precisamos adotar metodologias em que os alunos se envolvam em atividades cada vez mais complexas, em que tenham que tomar decisões e avaliar os resultados, com apoio de materiais relevantes. Se queremos que sejam criativos, eles precisam experimentar inúmeras novas possibilidades de mostrar sua iniciativa. (MORÁN, 2015). Ou seja, é através das metodologias o professor pode desenvolver o aluno de acordo com suas possibilidades, cabendo a ele identificar quais virtudes e quais dificuldades seu aluno apresenta e elaborar a metodologia mais eficaz para o mesmo. Quando não há essa atenção ou desempenho do professor, não entrando no contexto da sua formação insuficiente para a prática, em relação à elaboração de metodologias planejadas para seus alunos a qualidade do ensino oferecida naquele espaço, provavelmente, será muito prejudicada. As escolas têm como característica, com seu ensino obrigatório e padronizado, diversos problemas que assombram a educação brasileira. Os depoimentos obtidos salientam esse cenário dos problemas escolares na posição dos próprios, como no depoimento de Jaqueline Alves, de Santos-SP, formada em Filosofia, mão da Sofia de oito anos de idade: Não aceito o tipo de sistema de uma creche (acho muito cedo ficar longe da família) e o ensino da escola é muito fraco. É um sistema educacional que não é benéfico para o aluno. Fora a questão moral, ideológica e religiosa. O Homeshooling dá a oportunidade de ensinar e educar nossos filhos ao melhor que achamos (JAQUELINE ALVES, mãe da Sofia de 8 anos). Jaqueline aponta dentre outros problemas, a questão do “ensino fraco”. Para entender, o Programa Internacional de Avaliação dos Alunos (PISA), que analisa o desempenho de estudantes com quinze anos de idade, nas áreas de leitura, matemática e ciência, por todo o mundo, divulga os resultados do quarto trimestre de 2019, mostrando um cenário preocupante para o Brasil, dentre os 79 países envolvidos: entre 58º e 60º lugar em leitura, entre 66º e 68º em ciências e entre 72º e 74º em matemática. Reforçando a fala de Jaqueline, ao fazer a leitura destes dados, compreende-se sua preocupação. Entretanto, apesar do baixo desempenho da educação brasileira, vale ressaltar que comparado aos dados de 2014, o Brasil teve um pequeno crescimento nesses rankings. 36 Jeferson Santos, policial militar de Minas Gerais e pai de Isabel e Maria, quatro e um ano de idade respectivamente, também demonstra uma maior preocupação em relação à qualidade do ensino: Antes mesmo de a minha esposa ficar grávida, quando casamos, eu já estava pesquisando como estava o ensino e o ambiente escolar nos dias de hoje. Eu estudei em escolas públicas e tanto a qualidade do ensino como o ambiente escolar, não são bons, não é acolhedor. Comecei a pesquisar como e o que fazer para contornar isso, já que uma escola particular boa é cara e não tenho dinheiro para pagar. Então comecei a pesquisar, desde 2015, como educar, como funcionava a escola, como era o processo de alfabetização e, também, como era o homeschooling, a educação domiciliar (JEFERSON SANTOS, pai de Isabel e Maria). Reforçando a atenção com a qualidade de ensino, visto sua experiência anterior com escola pública, Jefferson demonstra preocupação no que é oferecido para as filhas. A prova Brasil de 2015, que é uma avaliação utilizada para o diagnóstico, em larga escala, desenvolvida pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), que tem como objetivo avaliar a qualidade do ensino oferecido pelo sistema educacional brasileiro a partir de testes padronizados e questionários socioeconômicos, levanta que mais de 65% dos alunos brasileiros no 5º ano da escola pública não sabem reconhecer um quadrado, um triângulo ou um círculo. Cerca de 60% não conseguem localizar informações explícitas numa história de conto de fadas ou em reportagens. Entre os maiores, no 9º ano, cerca de 90% não aprenderam a converter uma medida dada em metros para centímetros, e 88% não conseguem apontar a ideia principal de uma crônica ou de um poema (ÉPOCA, 2015). Jeferson ainda aponta a questão da qualidade superior do ensino em escolas particulares, mas, como a maioria da população brasileira, não tem como arcar com os valores cobrados nestas instituições. Segundo Sampaio e Guimarães (2009) e de acordo com o estudo divulgado pelo INEP (2002), que avalia o desempenho de estudantes do ensino médio por meio de indicadores disponibilizados pelo SAEB – Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica, no Brasil, 42% dos alunos foram qualificados como “muito crítico” e “crítico” em língua portuguesa. Os qualificados em “adequados” somam apenas 5%. Ao traçar o perfil dos estudantes qualificados com desempenho muito crítico, 96% estudam em escolas públicas. Para o desempenho dos estudantes em língua portuguesa, o setor privado superou o setor público em 50 pontos. Para matemática, a diferença foi ainda maior, chegando a 81 pontos na região Sudeste. Ainda, segundo os dados do PISA, a nota de escolas particulares de elite do 37 Brasil colocaria o país na 5º posição do ranking mundial de leitura, já o resultado isolado de escolas públicas estaria 60 posições abaixo, na 65º dentre 79 países. Esta comparação mostra a discrepância de ensino oferecido pelas instituições privadas, acentuando ainda mais as limitações de oportunidade para os alunos de escolas públicas, fazendo-se contestar inclusive o papel da escola em diminuir desigualdades sociais. A respeito deste mesmo ponto, da diferença de ensino de escola pública e particular, Tatiane Lopes do Rio de Janeiro, mãe da Camile de três anos, aponta em seu depoimento: Não sou contra a escola em si, mas vejo que há uma discrepância que chega a ser injusta entre escolas particulares e públicas. Respeito profundamente a profissão do professor, mas na escola em que minha filha começou a estudar, que é pública, a primeira professora ficava o dia inteiro no WhatsApp e passava filme pras crianças assistirem. Todo dia, eram dois filmes, pra "preencher" as quase 3 horas de aula. Ou seja, atividade zero, aprendizado nenhum [...] Falta muita coisa na escola pública. Tive a oportunidade de acompanhar de perto, pois lá era possível que as mães ficassem o dia todo no espaço escolar. O ensino é muito deficitário, como um todo. Muitas professoras até se esforçam, mas não há estrutura. Pra mim, o homeschooling seria legal na educação infantil (com o cuidado de garantir à minha filha a socialização adequada). Depois disso, eu colocaria na escola. (TATIANE LOPES, mãe da Camile). Para esclarecer a importância do abismo entre escola pública e particular é preciso entender que isso intensifica a discrepância de ensino, refletindo em anos posteriores, intensificando a desigualdade social. Como conseqüência desta diferença na qualidade do ensino, ao verificar uma pesquisa realizada de acordo
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