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1 MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA João Paulo Lopes Cultura política de esquerda e imaginário político nas eleições presidenciais de 2002 e 2010 Trabalho apresentado como avaliação final para a disciplina: O conceito Cultura Política e a História Cultural do Político Linha de Pesquisa: História e Culturas Políticas Professor: Dr. Rodrigo Patto de Sá Motta Belo Horizonte 2013 2 INTRODUÇÃO Ao abordamos a discussão teórica a respeito do que é de cultura política e da emergência da história cultural do político, vemos como diversas realidades históricas se adaptam ao debate, assim como a construção de vários conceitos que são peças- chave para a compreensão dos fenômenos que envolvem o Político. Os conceitos de cultura política e imaginário aparecem, assim, como produtos de uma guinada e retorno da historiografia à política e seus meandros, nas décadas de 1970 e 1980. Desde as disputas partidárias, quanto à formação dos projetos políticos, passando pela formação das ideologias, das alternâncias do poder, dos arranjos e conchavos pela governabilidade, até à construção de mitos políticos e de comportamentos sociais, assim como também nos discursos que engendram e tipificam as identidades sociais, regionais, nacionais, a volta às tradições e às manifestações da cultura não passam despercebidas também quando relacionadas aos fenômenos políticos. Quanto à discussão a respeito do político, na sua distinção com relação à política, caberia atribuirmos ao primeiro conceito o lugar onde a sociedade se constitui e se vê, como diria Claude Lefort. Para Rosanvallon, vem daí a possibilidade de incluir na conta do que é próprio do político a representação, o imaginário, a conexão inerente à cultura, a constituição dos mitos e a força e uso deles. Assim como a abrangência e constituição das leis, o estudo da Nação, e as lutas por conceitos nobres, como a Justiça, a Liberdade, a Igualdade, a Democracia. Ainda podemos elencar ao campo do político a vazão à transcendência na construção do campo das negociações, do poder e o uso instrumental das emoções no acabamento final do que o universo político desperta e provoca. Se evocarmos a divisão entre político-política, à política caberia o estudo das disputas e as polarizações pelos espaços de poder, as ações do Estado, a organização das instituições e seu funcionamento, e as paixões e interesses pessoais e partidários. 3 A historiografia ao render-se aos conceitos de representação, de imaginário e imaginação recupera os caminhos subterrâneos e obscuros, mas eloquentes, do universo da política, no que lhe dá sentido e efeito e é capaz de conduzir mudanças substanciais, coroando novos sentidos, reconstruindo mitos, absolvendo heróis, e condenando os malfeitores, refazendo a ideia de povo. Os novos conceitos de representação e imaginário são acolhidos no campo da historiografia, na virada dos anos 1970-80, a partir de uma guinada da escola francesa para novos temas, num momento de renascimento da história política. Reabilitada a história política queria passar longe daquilo que a condenou: não deveria ser mais a biografia de reis e presidentes, nem servir-se à invenção das tradições dos Estados Nacionais. No Brasil é possível aterrissarmos à história do tempo presente, no que diz à aplicabilidade dos conceitos de cultura política e de representação. A escolha desse artigo recaiu sobre as eleições presidências de 2002 e 2010. Em ambas as eleições, a polarização entre a esquerda e a direita foi o mote. Em torno do que é atribuído a cada um desses campos da política, entrou em campo a construção de representações em torno dos presidenciáveis. Instrumentalização que coube às agências publicitárias adeptas das novidades e know-how do marketing político. Em 2002, a eleição do ex-metalúrgico e ex-líder sindical Lula da Silva, depois de quatro tentativas, levou pela primeira vez na história política do país, um partido de esquerda ao poder: o Partido dos Trabalhadores. O oponente derrotado foi o tucano José Serra. O economista, ex-presidente da União Nacional dos Estudantes, nos anos 60, exilado pela ditadura, e ex-ministro do Planejamento e da Saúde do governo anterior do PSDB tinha uma trajetória política consolidada como secretário municipal, e estadual em São Paulo, e senador e deputado por aquele estado, sendo derrotado a um cargo majoritário à Prefeitura de São Paulo em 1990. Mesmo como uma vasta trajetória, em 2010, oito anos depois, Serra seria novamente derrotado pela sucessora de Lula, a senhora Dilma Rousseff. 4 Ela também, uma ex-militante de grupos de esquerda durante a ditadura militar, presa por três anos pela sua atuação na luta armada, originária do PDT, mas convertida ao PT nos anos 90. Rousseff chegou ao governo Lula, ocupando os cargos de ministra da Energia. No segundo mandato de Lula atuou com mão de ferro como ministra-chefe da Casa Civil, com a fama de durona, justa, imbatível e “boa de serviço”. Nas duas eleições, a de 2002 e a de 2010, uma sombra do passado dos três protagonistas viria à tona, para servir de instrumento à suas campanhas e na construção de suas imagens junto ao eleitorado: a participação de ambos durante a ditadura militar. CULTURA POLÍTICA DE ESQUERDA NO BRASIL NO FINAL DO SÉCULO XX Se tomarmos a cultura política como o conjunto de imagens e representações que provocam a ação, o entendimento e compartilhamento do mundo, além da definição do comportamento social, como também um campo de experiências e um horizonte de expectativas, teremos em vista a pluralidade delas: a cultura política conservadora, a liberal, a republicana, a anarquista, a socialista, a nacionalista. Por outro lado, ainda é campo movediço e uma aposta teórica falar em políticas específicas de certos países ou regiões, como por exemplo uma cultura política francesa, inglesa, brasileira, ou mineira, catalã, carioca. A constituição das culturas políticas são fenômenos típicos dos tempos modernos, a partir do final do século XVIII, quando a política sai do escopo de explicação divina do mundo e da sociedade e se seculariza. Se torna o motor da história, trazendo à tona a possibilidade de mudança e de reversão, de evolução e de revolução. Por sua vez, é exemplar captarmos a possibilidade de atribuirmos às esquerdas a noção de igualdade e democracia, junto à necessidade de revolução para a superação do capitalismo. 5 Ao falarmos de cultura política de esquerda, devemos levar em conta que o conceito cultura política envolve uma pluralidade de possibilidades e aplicação, assim como um contorno tênue e fluído do seu significado. É um conceito polissêmico por natureza. A atração pela categoria cultura política pelos historiadores se deu pela escola francesa, a partir dos anos 80, no chamado retorno do político, àquilo que René Remond chama de “a volta da fortuna à política”, renovando a abordagem sobre temas como as ideias, as emoções, o imaginário e as representações que cerca, ronda e por vezes define a ação política e o entendimento sobre o político. Se nos apegarmos à conclusão que os aspectos da tradição e da cultura refletem maciçamente nas escolhas políticas e na filiação a uma ou outra proposta de futuro, chegamos ao ponto de que uma cultura política é capaz de mexer com as emoções, com as expectativas, com o sono e os sonhos. E ainda assim optamos por perceber a política como as ações para as disputas e a ocupação dos espaços de poder. Almond e Verba, no campo da sociologia norte-americana da década de 1960, formularam seu conceito de cultura política, tipificando e hierarquizando três tipos: a cultura política paroquial, a de sujeição e a cívica. Os autores pressupunham quea participação na arena pública e até mesmo a sua conformação levavam a uma evolução da primeira à terceira cultura política, numa escala de superioridade dessa última. Dessa forma, a cultura cívica seria o modelo democrático do Ocidente, para onde caminhariam todos os outros tipos ainda existentes e entraves à modernidade: as de tipo paroquial e de sujeição. Para os dois, a Europa e os Estados Unidos já haviam alcançado sobremaneira o civismo político consolidado com as instituições liberais-democráticas. A conclusão etnocêntrica de Almond e Verba, bastante condenada por outros estudiosos do político, levou à escola francesa, encabeçada por Remond e Sirinelli, tomar de empréstimo o conceito de cultura da antropologia. Desse modo, ao aplicar ao estudo dos fenômenos políticos, compartilhamos da seguinte noção de cultura política: 6 Conjunto de valores, tradições, práticas e representações políticas partilhado por determinado grupo humano, que expressa uma identidade coletiva e fornece leituras comuns do passado, assim como fornece inspiração pra projetos políticos direcionados ao futuro.[MOTTA, p. 21] . Ao falarmos em uma cultura política de esquerda no Brasil do século XX, afora a tradição socialista, veremos uma pluralidade de matizes do que os adeptos da cultura politica igualitária e libertária propõem e seguem. Por isso é correto em falarmos em esquerdas no Brasil, visto a sua complexidade e diversidade. Mas um outro componente de peso que é alardeado e usado como força motriz entre os partidários das esquerdas no país: a luta contra a ditadura militar. Aliás, no momento pós-ditadura, as lideranças políticas faziam, e fazem, questão de relembrar o seu passado contra o regime militar como um trunfo. Mesmo os que não se adaptam muito bem ao papel de heróis antiautoritários, e pior: até mesmo colaboradores ou muito próximos aos generais e mesmo as lideranças representante de arcaicas forças oligárquicas, principalmente do Nordeste. Contudo há líderes que de fato foram opositores declarados do regime. Uma cultura política de esquerda usa do imaginário que o papel dessas lideranças durante os anos de chumbo, para atribui-lhes o papel de mártires. Que se sacrificaram em prol do ideal de igualdade, justiça e democracia contra um regime político opressor e cruel. Lula da Silva, e posteriormente, a atual presidenta Dilma Rousseff entram nessa linhagem pelo seu histórico de enfrentamento contra a ditadura na década de 1970. Nas eleições majoritárias dos dois presidentes, nos anos de 2002 e 2010, a trajetória de ambos fôra usada como instrumento de adesão aos ideais de esquerda que o Partidos dos Trabalhadores representava, muito embora a coalizão de centro- esquerda que elegeu-os. 7 Talvez, a imagem estampada nas camisas de militantes dos dois candidatos jovens e presos pelos militares, fosse uma forma de resistência dos petistas históricos e dos simpatizantes dos ideais de esquerda, de arejar a disputa eleitoral da origem do partido, de não fazer esquecer que eram de esquerda e lutaram contra a ditadura, além de mostrar a heroicidade de ambos os candidatos contra o tucano, José Serra. E possivelmente de atenuar os conchavos partidários poucos ortodoxos. IMAGINÁRIO POLÍTICO NAS ELEIÇÕES DE 2002 E 2010. Ao longo do século XX, as revoluções que implantaram o socialismo em diversos países do mundo, tornou-se a ponta de esperança das esquerdas internacionais. Durante a Guerra Fria, a bipolarização do mundo jogou os países latino-americanos numa situação de disputa entre as duas potências. A região, tradicionalmente área de influência dos Estados Unidos, foi alvejada pela esfera de ação soviética, principalmente depois da vitória da Revolução Cubana em 1959, contra o ditador Fulgêncio Batista apoiado pelo governo estadunidense. O medo de “cubanização” do Brasil, nos anos 60, junto à necessidade das elites e dos grupos militares conservadores em combater o populismo, herdeiro da tradição varguista, levou ao golpe civil-militar que instalou uma ditadura encabeçada pelos generais do Exército, de 1964 a 1985. A caça aos opositores, algo próprio a qualquer regime de exceção, levou à cassação de mandatos eletivos, à prisão, ao exílio e à morte dos malquistos aos olhos da ditadura militar. É logo em 1964, que José Serra, então presidente da União Nacional dos Estudantes – UNE, foi exilado e junto com ele a instituição estudantil foi fechada e considerada ilegal, passando a atuar na clandestinidade. Junto a isso tivemos o fechamento do Congresso Nacional em três ocasiões nos anos 60 e 70, a promulgação dos Atos Institucionais, os expurgos de esquerdistas dos quadros da burocracia estatal, a extinção de partidos políticos – com a permissão de somente dois deles (a ARENA e a oposição permitida ao regime, o MDB), a proibição das greves 8 dos trabalhadores, a exacerbação do Poder Executivo sobre o Judiciário e o Legislativo, a censura à imprensa e o controle à criação cultural e artística. Os anos 60 foram palco no mundo todo de intensas transformações e da emersão política da juventude contra os arbitrarismos das velhas elites políticas e econômicas, denunciando as práticas e métodos do mundo capitalista e burguês, cujo momento culminante e áureo talvez seja o ano de 1968. No Brasil, o ano de 1968 foi o momento de fechamento do regime militar com a promulgação do AI-5 em dezembro daquele ano. É nesse momento que a luta armada passou a agir de forma vivaz contra a ditadura. Diversos grupos de esquerda e extrema esquerda surgem com uma dupla intenção: combater a ditadura a qual viam como servidora do imperialismo norte-americano e dos interesses da burguesia industrial brasileira, além disso promover uma revolução socialista no país, por meio da luta armada de pequenos grupos, dispostos a agir por meio das táticas de guerrilha urbana e rural, tomando Cuba como exemplo. Dilma Rousseff surge nesse cenário, quando militou em diversas organizações de esquerda como o Coluna, a POLOP, e o Movimento Tiradentes. Atuando primeiro em Belo Horizonte, sua terra natal e depois no Rio Grande do Sul. Pega pelas garras da repressão militar foi presa e condenada a três anos de prisão em regime fechado, onde permaneceu de 1972 a 1975. É do início da década de 1970, a imagem a seguir, fichada pelo DOPS: 9 Sob a égide do AI-5, o cerco do governo do general Emílio Garrastazu Médici aos grupos de luta armada, e a escalada da violência de ambos os lados: guerrilheiros e as forças do Estado autoritário, torna o contexto de 1969 a 1974 um dos mais sombrios da ditadura militar. Contudo ainda na segunda metade da década de 1970, com a mudança do governo, no quinquênio 1975-1979 nas mãos do general Ernesto Geisel, vimos um início de abertura da ditadura militar: de forma lenta, gradual e irrestrita. Junto à abertura, que culminou com a abolição do AI-5 e com o início do retorno dos exilados políticos, os anos de 1978 e 1979 foram chaves para a definição de outra força política em ebulição: o novo movimento sindical. Embora proibidas, as greves dos metalúrgicos da região do ABC Paulista, foram importantíssimas, como instrumento de mobilização política e de contestação ao regime de exceção, já exaurido e cada vez mais ilegítimo. Liderada pelo presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, Luiz Inácio Lula da Silva, as greves do ABC foram um marco da emersão dos trabalhadores organizados como oposição declarada à ditadura militar e ao ritmo da modernização autoritária e sacrificante imposta aos operários. 10 Como líder independente, Lula da Silva se lançou ao cenário nacional, como o cabeça do movimento sindical dos metalúrgicos paulistas, que saía das garras de um certo peleguismo que existia nos sindicatos, ora num alinhamento com o regime militar ou ora ainda abrigandoos líderes secundários do comunismo ou do finado PTB, que porventura ainda persistiam e driblavam a coerção e perseguição da ditadura. A Lula da Silva, o preço da liderança do novo sindicalismo foi a prisão por trinta dias, enquadrado na Lei de Segurança Nacional, que ainda perdurava. A imagem de Lula da Silva, preso no início de 1980 e que ganhou a repercussão, a qual trataremos nesse artigo é a que se segue: Com a volta da democracia no Brasil, ao fim da ditadura militar, e com o longo caminho para o seu aperfeiçoamento tivemos a volta dos partidos políticos. O sistema pluripartidário é importante no que tange à expressão das várias partes e projetos de uma sociedade heterogênea e livre e disposta ao revezamento do poder e na sua disputa pela legalidade. O nascimento de algumas legendas no país, ao longo dos últimos trinta anos tentava emplacar algumas culturas políticas consolidadas e outras 11 novas, como o republicanismo, o neoliberalismo, o conservadorismo, o socialismo, o trabalhismo, o nacionalismo. Assim como no intercâmbio e hibridismo entre essas tradições, ou os aleijamentos ideológicos pouco afeitos ao purismo na conformação do jogo político, na disputa por espaços menores de poder e na matemática da governabilidade em troca de favores e financiamento das bases parlamentares, velha prática da cultura política brasileira. No que tange ao campo das forças de esquerda, a criação do Partido dos Trabalhadores em 1980, aglutinou diversos grupos e organizações que lutaram contra a ditadura e vislumbravam a construção de uma sociedade socialista pelas vias eleitorais, e não mais pelo viés revolucionário, tal como pressupunha a cartilha marxista mais ortodoxa. No nascimento do PT, encontraríamos uma plêiade que incluía intelectuais, ex-guerrilheiros, membros progressistas da Igreja Católica alinhados à Teologia da Libertação, sindicalistas, estudantes, artistas, dentre outros. Mas outros partidos de esquerda ou de centro-esquerda nasceram ou renasceram nos anos 80, adeptos do jogo democrático, como o PDT, o PTB e o maior deles: o PMDB, do qual por um cisma, nasceu o PSDB (criado em 1988). O nascimento dos partidos citados exprimia melhor a vitrine que a nova democracia queria estampar e consolidar, da permissão da diversidade ideológica, partidária e política, findando o prejuízo que a ditadura de duas décadas tinha levado o país. Podemos concordar com Serge Berstein que os partidos nascem como mediadores políticos, sendo norteadores discursivos da realidade e das expectativas: (...) entre um programa político e as circunstâncias que o originaram, há sempre uma distância considerável, porque passamos então do domínio do concreto para o do discurso, que comporta uma expressão de ideia e uma linguagem codificadas. É no espaço entre o problema e o discurso que se situa a mediação política, e esta é obra 12 das forças políticas, que têm como uma de suas funções primordiais necessidades ou aspirações mais ou menos confusas das populações. (p.61) Lula da Silva tentou as eleições por três vezes ser eleito, mas foi derrotado, sucessivamente em 1989, 1994 e 1998. Na primeira por Fernando Collor, e nas duas seguintes pelo sociólogo Fernando Henrique Cardoso. Mas em 2002, na quarta tentativa, o jogo virou a seu favor. As propostas mais progressistas e radicais dos três primeiros pleitos, assustou as elites brasileiras, boa parte da mídia tradicional e as camadas médias, e implodiria o alinhamento do país aos ditames do Consenso de Washington, como a abertura ao mercado internacional e à adesão ao neoliberalismo, pregador da ideia de Estado-mínimo e de desregulamentação do fluxo de capital e de mercadorias. O temor era tanto que ainda se falava em uma revolução socialista de Lula, mesmo em tempos do desmantelamento da União Soviética e queda do Muro de Berlim, acontecendo na Europa. Um discurso que ainda perdurou ao longo da década de 1990 e está no ar, como menos adesão, mas que faz nascer uma nova força política no país que é o antipetismo. Em 2002, a imagem de “Lula Paz e Amor”, e a “Carta ao Povo Brasileiro” em que o candidato se comprometia a não enfrentar o mercado financeiro e nem desmontar os alicerces da política econômica de FHC, minou parte da antipatia contra o ex-metalúrgico, e garantiu sua eleição no segundo turno contra o presidenciável José Serra, da situação tucana. Uma coisa a chamar atenção é que os militantes petistas lembravam a imagem do outro Lula, sindicalista e preso, contra a nova imagem do postulante repaginado e maquiado como alguém de “paz e amor”, “bom velhinho”, que não sobressaltaria o mercado e os grandes capitalistas, e contemplaria a melhoria a vida dos mais pobres, assim como não feriria os direitos e privilégios da classe média amedrontada pelo risco da proletarização. A imagem de conciliador, de nexo entre o capital e o trabalho 13 foi arduamente manipulada pelos publicitários do front petista e agradou o grosso do eleitorado, em que pesava o discurso da cordialidade, da comunhão e da concórdia, que o “novo Lula” trazia. Mas para uma ala mais combativa, progressista e histórica do PT e das esquerdas, era o Lula de outrora que seria lembrado com mais ênfase, dando fôlego a outras expectativas que girava em torno da eleição direta do primeiro presidente de esquerda do país. As camisas com a foto do Lula preso acima, assim como bótons e adesivos, foram amplamente espalhados e compartilhados pelos militantes e simpatizantes da eleição do ex-metalúrgico. Oito anos depois, na eleição de 2010, estava em jogo a continuidade do petismo no poder, ou sua recusa. A escolha de Lula para a sucessão recaiu sobre sua ministra-chefe da Casa Civil, a mineira Dilma Rousseff. Sem nenhuma trajetória de forte apelo, sem nunca ter sido escolhida para um cargo eletivo, tentou-se criar em torno da sua figura uma tradição que lhe legitimasse a escolha e a sua eleição. A fama de competente e perfeccionista, não lhe era suficiente. O fato de ser do sexo feminino, e seria a primeira mulher a ocupar a presidência, soava como uma novidade com forte adesão, mas com percalços, visto o machismo reinante. Mas junto com a ligação com a popularidade em alta de Lula, foi suficiente para atingir o eleitorado e alimentar a candidatura de Dilma. Um outro fator importante foi o discurso diluído de que a volta do PSDB ao poder significaria retrocessos no campo social, com o fim de programas de forte apelo popular, como o Bolsa-família e o ProUni, atribuídos a Lula e ao PT no poder. Mas para a ala das esquerdas ainda confiantes numa guinada mais progressista do governo petista, a candidatura de Dilma Rousseff carecia de algo a mais. A explicitação ao público do passado de ex-militante da luta armada caiu como uma luva. É desse momento que as fotos de Dilma Rousseff presa durante o regime militar tomaram conta do imaginário de esquerda no país. Também nos bottons, camisas e outros adereços de campanha a foto estampada da ministra quando jovem, 14 e fichada pelo DOPS serviu-lhe de alento. Na contramão, o discurso conservador de direita que também queria definir os rumos da eleição presidencial tomou a imagem de Dilma presa, como a de uma “criminosa”, “assaltante de banco”, “assassina de militares”. Confundido assim a cabeça do eleitorado, desconhecedor do passado de Dilma e do real significado da luta armada no contexto da primeira metade da década de 1970. No caso da eleição de 2010, a divulgação das imagens em várias páginas na internet serviu para mobilizar emoções e adesões aos ideais que a imagem de Dilma Rousseff presa durante a ditadura significava. Se tomarmos a ideia de Peter Burke que as imagens de indivíduos servem para encarnar conceitos abstratos em algo concreto, as imagens de Dilma e Lula presos durante a ditadura militar são retomadas e ressignificadasnos pleitos de 2002 e 2010 sob esse prisma. Lula e Dilma presos, como nas duas imagens, são entendidos como heróis e mártires, que lutaram contra o regime político autoritário e foram punidos pelo seu senso de justiça e de mudar o mundo para melhor. Ideais nobres e que eram facilmente tragáveis e louváveis aos olhos dos eleitores e simpatizantes de ambos os candidatos. Não só um eleitorado mais progressista e fielmente petista, mas principalmente quando associado a uma postura mais moderada do PT em 2002 e 2010, o que adicionaria votos de um eleitorado mais próximo ao ideário conservador que não alimentaria adesão às propostas da esquerda que passam pela radicalização e conceitos mais polarizadores, como luta de classe, a revolução, a estatização e coletivização dos bens. Um eleitorado expressivo, contudo que era porém afeito à discussão de temas como a desigualdade social, a melhoria da qualidade de vida, e reformas mais eficazes no que diz respeito participação do Estado na economia e na distribuição da riqueza. É certo que é possível, lembrarmos que o oponente dos candidatos do PT em 2002 e 2010 foi, repetidamente, José Serra, derrotado em ambos os pleitos. Que se pesasse em Serra, o seu papel de ex-presidente da União Nacional dos Estudantes, quando estourou o golpe civil-militar de 1964, esse seu lado não era amplamente 15 explorado e nem mesmo lembrado pela militância tucana. Pelo contrário, quando o regime militar é instalado no país José Serra se exila: fugiu para a Bolívia, Uruguai e, em seguida, para o Chile, onde concluiu seu curso de planejamento industrial pela CEPAL, e foi professor universitário até 1973. No imaginário político, efêmero e fluido, das eleições de 2002 e 2010, para as esquerdas José Serra pareceria como um traidor, uma espécie de Joaquim Silvério dos reis moderno, que preferiu fugir a lutar contra o regime militar em solo brasileiro. O exílio de Serra aparecia mais como um problema do que uma solução. Daí, talvez, o silêncio ou uma referência branda e superficial da equipe responsável pela campanha do candidato tucano, sobre o seu passado de ex-líder estudantil, o que para o imaginário de esquerda recaia de fato como uma traição. Visto a polarização dos dois momentos eleitorais, para um público mais à direita do espectro político brasileiro, não seria plausível um candidato esquerdista e que afrontou a ditadura em outro momento. E Serra não queria mesmo ser tributário desse passado. É assim que nas eleições de 2002 e 2010, coube mesmo às duas imagens aqui apresentadas, de Dilma e Lula presos pelo DOPS durante a ditadura, de serem encarnações dos valores de uma cultura política de esquerda no país, que contestou a ditadura militar e pagou com sua liberdade pela sua opção altruísta e de senso de justiça e democracia. Concordamos com Laplatine e Trindade que Se a ideia de aspirações e sentimentos comuns exprime- se através de uma imagem ou figura, essa imagem desempenha o papel de significante, como esquema indutor, contínuo, podendo emergir em qualquer sociedade, não importando sua história. (p. 19) No imaginário político das eleições de 2002 e 2010 a evocação as imagens de Lula e Dilma presos durante a ditadura foi construída para incitar a capacidade 16 imaginária do eleitorado brasileiro aos ideais de justiça, democracia, coragem e heroísmo de ambos os candidatos petistas. A reação à mobilização das duas imagens promoveu a adesão de grupos mais progressistas e em parte, os mais radicais. A trajetória de luta contra a ditadura militar faz parte do imaginário da cultura política de esquerda no país e as campanhas petistas assim como a militância nas duas ocasiões foram capazes de acionar esses sentimentos, embora o risco dos seus presidenciáveis figurarem como “criminosos”, no endosso das críticas da oposição ao petismo. Ainda seguindo a conclusão de Laplatine e Trindade, percebemos que “o imaginário é a faculdade de originária de pôr-se ou dar-se, sob a forma de apresentação de uma coisa, ou fazer aparecer uma imagem e uma relação que não são dadas diretamente na percepção”. A provocação da imagem de Dilma e Lula presos serviu para tornar o real presente, e a mutação do sentido original das duas fotografias de apresentar os presidenciáveis como heróis inverteu a intenção das imagens de ter ambos fichados como ameaças ao país, sob a lógica da Lei de Segurança Nacional do regime militar. 17 BIBLIOGRAFIA ALMOND, G; VERBA, S. 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