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trabalho Rodrigo Patto - 2013 2 - Imaginário Político e Cultura política de esquerda

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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO 
UNIVERSDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS 
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS 
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA 
 
João Paulo Lopes 
 
 
 
 
Cultura política de esquerda 
e imaginário político 
nas eleições presidenciais de 2002 e 2010 
 
 
 
 
Trabalho apresentado 
como avaliação final para a disciplina: 
O conceito Cultura Política e a História Cultural do Político 
Linha de Pesquisa: História e Culturas Políticas 
Professor: Dr. Rodrigo Patto de Sá Motta 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Belo Horizonte 
2013 
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INTRODUÇÃO 
Ao abordamos a discussão teórica a respeito do que é de cultura política e da 
emergência da história cultural do político, vemos como diversas realidades históricas 
se adaptam ao debate, assim como a construção de vários conceitos que são peças-
chave para a compreensão dos fenômenos que envolvem o Político. Os conceitos de 
cultura política e imaginário aparecem, assim, como produtos de uma guinada e 
retorno da historiografia à política e seus meandros, nas décadas de 1970 e 1980. 
Desde as disputas partidárias, quanto à formação dos projetos políticos, 
passando pela formação das ideologias, das alternâncias do poder, dos arranjos e 
conchavos pela governabilidade, até à construção de mitos políticos e de 
comportamentos sociais, assim como também nos discursos que engendram e 
tipificam as identidades sociais, regionais, nacionais, a volta às tradições e às 
manifestações da cultura não passam despercebidas também quando relacionadas 
aos fenômenos políticos. 
Quanto à discussão a respeito do político, na sua distinção com relação à 
política, caberia atribuirmos ao primeiro conceito o lugar onde a sociedade se constitui 
e se vê, como diria Claude Lefort. Para Rosanvallon, vem daí a possibilidade de incluir 
na conta do que é próprio do político a representação, o imaginário, a conexão 
inerente à cultura, a constituição dos mitos e a força e uso deles. Assim como a 
abrangência e constituição das leis, o estudo da Nação, e as lutas por conceitos 
nobres, como a Justiça, a Liberdade, a Igualdade, a Democracia. 
Ainda podemos elencar ao campo do político a vazão à transcendência na 
construção do campo das negociações, do poder e o uso instrumental das emoções 
no acabamento final do que o universo político desperta e provoca. Se evocarmos a 
divisão entre político-política, à política caberia o estudo das disputas e as 
polarizações pelos espaços de poder, as ações do Estado, a organização das 
instituições e seu funcionamento, e as paixões e interesses pessoais e partidários. 
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A historiografia ao render-se aos conceitos de representação, de imaginário e 
imaginação recupera os caminhos subterrâneos e obscuros, mas eloquentes, do 
universo da política, no que lhe dá sentido e efeito e é capaz de conduzir mudanças 
substanciais, coroando novos sentidos, reconstruindo mitos, absolvendo heróis, e 
condenando os malfeitores, refazendo a ideia de povo. 
Os novos conceitos de representação e imaginário são acolhidos no campo da 
historiografia, na virada dos anos 1970-80, a partir de uma guinada da escola francesa 
para novos temas, num momento de renascimento da história política. Reabilitada a 
história política queria passar longe daquilo que a condenou: não deveria ser mais a 
biografia de reis e presidentes, nem servir-se à invenção das tradições dos Estados 
Nacionais. 
No Brasil é possível aterrissarmos à história do tempo presente, no que diz à 
aplicabilidade dos conceitos de cultura política e de representação. A escolha desse 
artigo recaiu sobre as eleições presidências de 2002 e 2010. Em ambas as eleições, a 
polarização entre a esquerda e a direita foi o mote. Em torno do que é atribuído a cada 
um desses campos da política, entrou em campo a construção de representações em 
torno dos presidenciáveis. Instrumentalização que coube às agências publicitárias 
adeptas das novidades e know-how do marketing político. 
Em 2002, a eleição do ex-metalúrgico e ex-líder sindical Lula da Silva, depois 
de quatro tentativas, levou pela primeira vez na história política do país, um partido de 
esquerda ao poder: o Partido dos Trabalhadores. O oponente derrotado foi o tucano 
José Serra. O economista, ex-presidente da União Nacional dos Estudantes, nos anos 
60, exilado pela ditadura, e ex-ministro do Planejamento e da Saúde do governo 
anterior do PSDB tinha uma trajetória política consolidada como secretário municipal, 
e estadual em São Paulo, e senador e deputado por aquele estado, sendo derrotado a 
um cargo majoritário à Prefeitura de São Paulo em 1990. Mesmo como uma vasta 
trajetória, em 2010, oito anos depois, Serra seria novamente derrotado pela sucessora 
de Lula, a senhora Dilma Rousseff. 
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Ela também, uma ex-militante de grupos de esquerda durante a ditadura militar, 
presa por três anos pela sua atuação na luta armada, originária do PDT, mas 
convertida ao PT nos anos 90. Rousseff chegou ao governo Lula, ocupando os cargos 
de ministra da Energia. No segundo mandato de Lula atuou com mão de ferro como 
ministra-chefe da Casa Civil, com a fama de durona, justa, imbatível e “boa de 
serviço”. 
Nas duas eleições, a de 2002 e a de 2010, uma sombra do passado dos três 
protagonistas viria à tona, para servir de instrumento à suas campanhas e na 
construção de suas imagens junto ao eleitorado: a participação de ambos durante a 
ditadura militar. 
 
CULTURA POLÍTICA DE ESQUERDA NO BRASIL NO FINAL DO SÉCULO XX 
Se tomarmos a cultura política como o conjunto de imagens e representações 
que provocam a ação, o entendimento e compartilhamento do mundo, além da 
definição do comportamento social, como também um campo de experiências e um 
horizonte de expectativas, teremos em vista a pluralidade delas: a cultura política 
conservadora, a liberal, a republicana, a anarquista, a socialista, a nacionalista. 
Por outro lado, ainda é campo movediço e uma aposta teórica falar em políticas 
específicas de certos países ou regiões, como por exemplo uma cultura política 
francesa, inglesa, brasileira, ou mineira, catalã, carioca. 
A constituição das culturas políticas são fenômenos típicos dos tempos 
modernos, a partir do final do século XVIII, quando a política sai do escopo de 
explicação divina do mundo e da sociedade e se seculariza. Se torna o motor da 
história, trazendo à tona a possibilidade de mudança e de reversão, de evolução e de 
revolução. 
Por sua vez, é exemplar captarmos a possibilidade de atribuirmos às 
esquerdas a noção de igualdade e democracia, junto à necessidade de revolução para 
a superação do capitalismo. 
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Ao falarmos de cultura política de esquerda, devemos levar em conta que o 
conceito cultura política envolve uma pluralidade de possibilidades e aplicação, assim 
como um contorno tênue e fluído do seu significado. É um conceito polissêmico por 
natureza. A atração pela categoria cultura política pelos historiadores se deu pela 
escola francesa, a partir dos anos 80, no chamado retorno do político, àquilo que René 
Remond chama de “a volta da fortuna à política”, renovando a abordagem sobre temas 
como as ideias, as emoções, o imaginário e as representações que cerca, ronda e por 
vezes define a ação política e o entendimento sobre o político. 
Se nos apegarmos à conclusão que os aspectos da tradição e da cultura 
refletem maciçamente nas escolhas políticas e na filiação a uma ou outra proposta de 
futuro, chegamos ao ponto de que uma cultura política é capaz de mexer com as 
emoções, com as expectativas, com o sono e os sonhos. E ainda assim optamos por 
perceber a política como as ações para as disputas e a ocupação dos espaços de 
poder. 
Almond e Verba, no campo da sociologia norte-americana da década de 1960, 
formularam seu conceito de cultura política, tipificando e hierarquizando três tipos: a 
cultura política paroquial, a de sujeição e a cívica. Os autores pressupunham quea 
participação na arena pública e até mesmo a sua conformação levavam a uma 
evolução da primeira à terceira cultura política, numa escala de superioridade dessa 
última. Dessa forma, a cultura cívica seria o modelo democrático do Ocidente, para 
onde caminhariam todos os outros tipos ainda existentes e entraves à modernidade: 
as de tipo paroquial e de sujeição. Para os dois, a Europa e os Estados Unidos já 
haviam alcançado sobremaneira o civismo político consolidado com as instituições 
liberais-democráticas. A conclusão etnocêntrica de Almond e Verba, bastante 
condenada por outros estudiosos do político, levou à escola francesa, encabeçada por 
Remond e Sirinelli, tomar de empréstimo o conceito de cultura da antropologia. Desse 
modo, ao aplicar ao estudo dos fenômenos políticos, compartilhamos da seguinte 
noção de cultura política: 
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Conjunto de valores, tradições, práticas e representações 
políticas partilhado por determinado grupo humano, que 
expressa uma identidade coletiva e fornece leituras 
comuns do passado, assim como fornece inspiração pra 
projetos políticos direcionados ao futuro.[MOTTA, p. 21] 
. 
 
Ao falarmos em uma cultura política de esquerda no Brasil do século XX, afora 
a tradição socialista, veremos uma pluralidade de matizes do que os adeptos da 
cultura politica igualitária e libertária propõem e seguem. Por isso é correto em 
falarmos em esquerdas no Brasil, visto a sua complexidade e diversidade. Mas um 
outro componente de peso que é alardeado e usado como força motriz entre os 
partidários das esquerdas no país: a luta contra a ditadura militar. Aliás, no momento 
pós-ditadura, as lideranças políticas faziam, e fazem, questão de relembrar o seu 
passado contra o regime militar como um trunfo. Mesmo os que não se adaptam muito 
bem ao papel de heróis antiautoritários, e pior: até mesmo colaboradores ou muito 
próximos aos generais e mesmo as lideranças representante de arcaicas forças 
oligárquicas, principalmente do Nordeste. 
Contudo há líderes que de fato foram opositores declarados do regime. Uma 
cultura política de esquerda usa do imaginário que o papel dessas lideranças durante 
os anos de chumbo, para atribui-lhes o papel de mártires. Que se sacrificaram em prol 
do ideal de igualdade, justiça e democracia contra um regime político opressor e cruel. 
Lula da Silva, e posteriormente, a atual presidenta Dilma Rousseff entram nessa 
linhagem pelo seu histórico de enfrentamento contra a ditadura na década de 1970. 
Nas eleições majoritárias dos dois presidentes, nos anos de 2002 e 2010, a 
trajetória de ambos fôra usada como instrumento de adesão aos ideais de esquerda 
que o Partidos dos Trabalhadores representava, muito embora a coalizão de centro-
esquerda que elegeu-os. 
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Talvez, a imagem estampada nas camisas de militantes dos dois candidatos 
jovens e presos pelos militares, fosse uma forma de resistência dos petistas históricos 
e dos simpatizantes dos ideais de esquerda, de arejar a disputa eleitoral da origem do 
partido, de não fazer esquecer que eram de esquerda e lutaram contra a ditadura, 
além de mostrar a heroicidade de ambos os candidatos contra o tucano, José Serra. E 
possivelmente de atenuar os conchavos partidários poucos ortodoxos. 
 
IMAGINÁRIO POLÍTICO NAS ELEIÇÕES DE 2002 E 2010. 
Ao longo do século XX, as revoluções que implantaram o socialismo em 
diversos países do mundo, tornou-se a ponta de esperança das esquerdas 
internacionais. Durante a Guerra Fria, a bipolarização do mundo jogou os países 
latino-americanos numa situação de disputa entre as duas potências. A região, 
tradicionalmente área de influência dos Estados Unidos, foi alvejada pela esfera de 
ação soviética, principalmente depois da vitória da Revolução Cubana em 1959, contra 
o ditador Fulgêncio Batista apoiado pelo governo estadunidense. 
O medo de “cubanização” do Brasil, nos anos 60, junto à necessidade das 
elites e dos grupos militares conservadores em combater o populismo, herdeiro da 
tradição varguista, levou ao golpe civil-militar que instalou uma ditadura encabeçada 
pelos generais do Exército, de 1964 a 1985. 
A caça aos opositores, algo próprio a qualquer regime de exceção, levou à 
cassação de mandatos eletivos, à prisão, ao exílio e à morte dos malquistos aos olhos 
da ditadura militar. É logo em 1964, que José Serra, então presidente da União 
Nacional dos Estudantes – UNE, foi exilado e junto com ele a instituição estudantil foi 
fechada e considerada ilegal, passando a atuar na clandestinidade. Junto a isso 
tivemos o fechamento do Congresso Nacional em três ocasiões nos anos 60 e 70, a 
promulgação dos Atos Institucionais, os expurgos de esquerdistas dos quadros da 
burocracia estatal, a extinção de partidos políticos – com a permissão de somente dois 
deles (a ARENA e a oposição permitida ao regime, o MDB), a proibição das greves 
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dos trabalhadores, a exacerbação do Poder Executivo sobre o Judiciário e o 
Legislativo, a censura à imprensa e o controle à criação cultural e artística. 
Os anos 60 foram palco no mundo todo de intensas transformações e da 
emersão política da juventude contra os arbitrarismos das velhas elites políticas e 
econômicas, denunciando as práticas e métodos do mundo capitalista e burguês, cujo 
momento culminante e áureo talvez seja o ano de 1968. 
No Brasil, o ano de 1968 foi o momento de fechamento do regime militar com a 
promulgação do AI-5 em dezembro daquele ano. É nesse momento que a luta armada 
passou a agir de forma vivaz contra a ditadura. Diversos grupos de esquerda e 
extrema esquerda surgem com uma dupla intenção: combater a ditadura a qual viam 
como servidora do imperialismo norte-americano e dos interesses da burguesia 
industrial brasileira, além disso promover uma revolução socialista no país, por meio 
da luta armada de pequenos grupos, dispostos a agir por meio das táticas de guerrilha 
urbana e rural, tomando Cuba como exemplo. 
Dilma Rousseff surge nesse cenário, quando militou em diversas organizações 
de esquerda como o Coluna, a POLOP, e o Movimento Tiradentes. Atuando primeiro 
em Belo Horizonte, sua terra natal e depois no Rio Grande do Sul. Pega pelas garras 
da repressão militar foi presa e condenada a três anos de prisão em regime fechado, 
onde permaneceu de 1972 a 1975. 
É do início da década de 1970, a imagem a seguir, fichada pelo DOPS: 
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Sob a égide do AI-5, o cerco do governo do general Emílio Garrastazu Médici 
aos grupos de luta armada, e a escalada da violência de ambos os lados: guerrilheiros 
e as forças do Estado autoritário, torna o contexto de 1969 a 1974 um dos mais 
sombrios da ditadura militar. 
Contudo ainda na segunda metade da década de 1970, com a mudança do 
governo, no quinquênio 1975-1979 nas mãos do general Ernesto Geisel, vimos um 
início de abertura da ditadura militar: de forma lenta, gradual e irrestrita. 
Junto à abertura, que culminou com a abolição do AI-5 e com o início do 
retorno dos exilados políticos, os anos de 1978 e 1979 foram chaves para a definição 
de outra força política em ebulição: o novo movimento sindical. Embora proibidas, as 
greves dos metalúrgicos da região do ABC Paulista, foram importantíssimas, como 
instrumento de mobilização política e de contestação ao regime de exceção, já 
exaurido e cada vez mais ilegítimo. Liderada pelo presidente do Sindicato dos 
Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, Luiz Inácio Lula da Silva, as greves do ABC 
foram um marco da emersão dos trabalhadores organizados como oposição declarada 
à ditadura militar e ao ritmo da modernização autoritária e sacrificante imposta aos 
operários. 
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Como líder independente, Lula da Silva se lançou ao cenário nacional, como o 
cabeça do movimento sindical dos metalúrgicos paulistas, que saía das garras de um 
certo peleguismo que existia nos sindicatos, ora num alinhamento com o regime militar 
ou ora ainda abrigandoos líderes secundários do comunismo ou do finado PTB, que 
porventura ainda persistiam e driblavam a coerção e perseguição da ditadura. A Lula 
da Silva, o preço da liderança do novo sindicalismo foi a prisão por trinta dias, 
enquadrado na Lei de Segurança Nacional, que ainda perdurava. 
A imagem de Lula da Silva, preso no início de 1980 e que ganhou a 
repercussão, a qual trataremos nesse artigo é a que se segue: 
 
 
Com a volta da democracia no Brasil, ao fim da ditadura militar, e com o longo 
caminho para o seu aperfeiçoamento tivemos a volta dos partidos políticos. O sistema 
pluripartidário é importante no que tange à expressão das várias partes e projetos de 
uma sociedade heterogênea e livre e disposta ao revezamento do poder e na sua 
disputa pela legalidade. O nascimento de algumas legendas no país, ao longo dos 
últimos trinta anos tentava emplacar algumas culturas políticas consolidadas e outras 
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novas, como o republicanismo, o neoliberalismo, o conservadorismo, o socialismo, o 
trabalhismo, o nacionalismo. Assim como no intercâmbio e hibridismo entre essas 
tradições, ou os aleijamentos ideológicos pouco afeitos ao purismo na conformação do 
jogo político, na disputa por espaços menores de poder e na matemática da 
governabilidade em troca de favores e financiamento das bases parlamentares, velha 
prática da cultura política brasileira. 
No que tange ao campo das forças de esquerda, a criação do Partido dos 
Trabalhadores em 1980, aglutinou diversos grupos e organizações que lutaram contra 
a ditadura e vislumbravam a construção de uma sociedade socialista pelas vias 
eleitorais, e não mais pelo viés revolucionário, tal como pressupunha a cartilha 
marxista mais ortodoxa. No nascimento do PT, encontraríamos uma plêiade que 
incluía intelectuais, ex-guerrilheiros, membros progressistas da Igreja Católica 
alinhados à Teologia da Libertação, sindicalistas, estudantes, artistas, dentre outros. 
Mas outros partidos de esquerda ou de centro-esquerda nasceram ou renasceram nos 
anos 80, adeptos do jogo democrático, como o PDT, o PTB e o maior deles: o PMDB, 
do qual por um cisma, nasceu o PSDB (criado em 1988). 
O nascimento dos partidos citados exprimia melhor a vitrine que a nova 
democracia queria estampar e consolidar, da permissão da diversidade ideológica, 
partidária e política, findando o prejuízo que a ditadura de duas décadas tinha levado o 
país. 
Podemos concordar com Serge Berstein que os partidos nascem como 
mediadores políticos, sendo norteadores discursivos da realidade e das expectativas: 
(...) entre um programa político e as circunstâncias que o 
originaram, há sempre uma distância considerável, 
porque passamos então do domínio do concreto para o 
do discurso, que comporta uma expressão de ideia e uma 
linguagem codificadas. É no espaço entre o problema e o 
discurso que se situa a mediação política, e esta é obra 
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das forças políticas, que têm como uma de suas funções 
primordiais necessidades ou aspirações mais ou menos 
confusas das populações. (p.61) 
 
Lula da Silva tentou as eleições por três vezes ser eleito, mas foi derrotado, 
sucessivamente em 1989, 1994 e 1998. Na primeira por Fernando Collor, e nas duas 
seguintes pelo sociólogo Fernando Henrique Cardoso. Mas em 2002, na quarta 
tentativa, o jogo virou a seu favor. As propostas mais progressistas e radicais dos três 
primeiros pleitos, assustou as elites brasileiras, boa parte da mídia tradicional e as 
camadas médias, e implodiria o alinhamento do país aos ditames do Consenso de 
Washington, como a abertura ao mercado internacional e à adesão ao neoliberalismo, 
pregador da ideia de Estado-mínimo e de desregulamentação do fluxo de capital e de 
mercadorias. O temor era tanto que ainda se falava em uma revolução socialista de 
Lula, mesmo em tempos do desmantelamento da União Soviética e queda do Muro de 
Berlim, acontecendo na Europa. Um discurso que ainda perdurou ao longo da década 
de 1990 e está no ar, como menos adesão, mas que faz nascer uma nova força 
política no país que é o antipetismo. 
Em 2002, a imagem de “Lula Paz e Amor”, e a “Carta ao Povo Brasileiro” em 
que o candidato se comprometia a não enfrentar o mercado financeiro e nem 
desmontar os alicerces da política econômica de FHC, minou parte da antipatia contra 
o ex-metalúrgico, e garantiu sua eleição no segundo turno contra o presidenciável 
José Serra, da situação tucana. 
Uma coisa a chamar atenção é que os militantes petistas lembravam a imagem 
do outro Lula, sindicalista e preso, contra a nova imagem do postulante repaginado e 
maquiado como alguém de “paz e amor”, “bom velhinho”, que não sobressaltaria o 
mercado e os grandes capitalistas, e contemplaria a melhoria a vida dos mais pobres, 
assim como não feriria os direitos e privilégios da classe média amedrontada pelo 
risco da proletarização. A imagem de conciliador, de nexo entre o capital e o trabalho 
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foi arduamente manipulada pelos publicitários do front petista e agradou o grosso do 
eleitorado, em que pesava o discurso da cordialidade, da comunhão e da concórdia, 
que o “novo Lula” trazia. 
Mas para uma ala mais combativa, progressista e histórica do PT e das 
esquerdas, era o Lula de outrora que seria lembrado com mais ênfase, dando fôlego a 
outras expectativas que girava em torno da eleição direta do primeiro presidente de 
esquerda do país. As camisas com a foto do Lula preso acima, assim como bótons e 
adesivos, foram amplamente espalhados e compartilhados pelos militantes e 
simpatizantes da eleição do ex-metalúrgico. 
Oito anos depois, na eleição de 2010, estava em jogo a continuidade do 
petismo no poder, ou sua recusa. A escolha de Lula para a sucessão recaiu sobre sua 
ministra-chefe da Casa Civil, a mineira Dilma Rousseff. Sem nenhuma trajetória de 
forte apelo, sem nunca ter sido escolhida para um cargo eletivo, tentou-se criar em 
torno da sua figura uma tradição que lhe legitimasse a escolha e a sua eleição. A fama 
de competente e perfeccionista, não lhe era suficiente. O fato de ser do sexo feminino, 
e seria a primeira mulher a ocupar a presidência, soava como uma novidade com forte 
adesão, mas com percalços, visto o machismo reinante. Mas junto com a ligação com 
a popularidade em alta de Lula, foi suficiente para atingir o eleitorado e alimentar a 
candidatura de Dilma. Um outro fator importante foi o discurso diluído de que a volta 
do PSDB ao poder significaria retrocessos no campo social, com o fim de programas 
de forte apelo popular, como o Bolsa-família e o ProUni, atribuídos a Lula e ao PT no 
poder. 
Mas para a ala das esquerdas ainda confiantes numa guinada mais 
progressista do governo petista, a candidatura de Dilma Rousseff carecia de algo a 
mais. A explicitação ao público do passado de ex-militante da luta armada caiu como 
uma luva. É desse momento que as fotos de Dilma Rousseff presa durante o regime 
militar tomaram conta do imaginário de esquerda no país. Também nos bottons, 
camisas e outros adereços de campanha a foto estampada da ministra quando jovem, 
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e fichada pelo DOPS serviu-lhe de alento. Na contramão, o discurso conservador de 
direita que também queria definir os rumos da eleição presidencial tomou a imagem de 
Dilma presa, como a de uma “criminosa”, “assaltante de banco”, “assassina de 
militares”. Confundido assim a cabeça do eleitorado, desconhecedor do passado de 
Dilma e do real significado da luta armada no contexto da primeira metade da década 
de 1970. No caso da eleição de 2010, a divulgação das imagens em várias páginas na 
internet serviu para mobilizar emoções e adesões aos ideais que a imagem de Dilma 
Rousseff presa durante a ditadura significava. 
Se tomarmos a ideia de Peter Burke que as imagens de indivíduos servem 
para encarnar conceitos abstratos em algo concreto, as imagens de Dilma e Lula 
presos durante a ditadura militar são retomadas e ressignificadasnos pleitos de 2002 
e 2010 sob esse prisma. Lula e Dilma presos, como nas duas imagens, são 
entendidos como heróis e mártires, que lutaram contra o regime político autoritário e 
foram punidos pelo seu senso de justiça e de mudar o mundo para melhor. Ideais 
nobres e que eram facilmente tragáveis e louváveis aos olhos dos eleitores e 
simpatizantes de ambos os candidatos. Não só um eleitorado mais progressista e 
fielmente petista, mas principalmente quando associado a uma postura mais 
moderada do PT em 2002 e 2010, o que adicionaria votos de um eleitorado mais 
próximo ao ideário conservador que não alimentaria adesão às propostas da esquerda 
que passam pela radicalização e conceitos mais polarizadores, como luta de classe, a 
revolução, a estatização e coletivização dos bens. Um eleitorado expressivo, contudo 
que era porém afeito à discussão de temas como a desigualdade social, a melhoria da 
qualidade de vida, e reformas mais eficazes no que diz respeito participação do 
Estado na economia e na distribuição da riqueza. 
É certo que é possível, lembrarmos que o oponente dos candidatos do PT em 
2002 e 2010 foi, repetidamente, José Serra, derrotado em ambos os pleitos. Que se 
pesasse em Serra, o seu papel de ex-presidente da União Nacional dos Estudantes, 
quando estourou o golpe civil-militar de 1964, esse seu lado não era amplamente 
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explorado e nem mesmo lembrado pela militância tucana. Pelo contrário, quando o 
regime militar é instalado no país José Serra se exila: fugiu para a Bolívia, Uruguai e, 
em seguida, para o Chile, onde concluiu seu curso de planejamento industrial pela 
CEPAL, e foi professor universitário até 1973. 
No imaginário político, efêmero e fluido, das eleições de 2002 e 2010, para as 
esquerdas José Serra pareceria como um traidor, uma espécie de Joaquim Silvério 
dos reis moderno, que preferiu fugir a lutar contra o regime militar em solo brasileiro. O 
exílio de Serra aparecia mais como um problema do que uma solução. Daí, talvez, o 
silêncio ou uma referência branda e superficial da equipe responsável pela campanha 
do candidato tucano, sobre o seu passado de ex-líder estudantil, o que para o 
imaginário de esquerda recaia de fato como uma traição. Visto a polarização dos dois 
momentos eleitorais, para um público mais à direita do espectro político brasileiro, não 
seria plausível um candidato esquerdista e que afrontou a ditadura em outro momento. 
E Serra não queria mesmo ser tributário desse passado. 
É assim que nas eleições de 2002 e 2010, coube mesmo às duas imagens 
aqui apresentadas, de Dilma e Lula presos pelo DOPS durante a ditadura, de serem 
encarnações dos valores de uma cultura política de esquerda no país, que contestou a 
ditadura militar e pagou com sua liberdade pela sua opção altruísta e de senso de 
justiça e democracia. 
Concordamos com Laplatine e Trindade que 
Se a ideia de aspirações e sentimentos comuns exprime-
se através de uma imagem ou figura, essa imagem 
desempenha o papel de significante, como esquema 
indutor, contínuo, podendo emergir em qualquer 
sociedade, não importando sua história. (p. 19) 
 
No imaginário político das eleições de 2002 e 2010 a evocação as imagens de 
Lula e Dilma presos durante a ditadura foi construída para incitar a capacidade 
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imaginária do eleitorado brasileiro aos ideais de justiça, democracia, coragem e 
heroísmo de ambos os candidatos petistas. A reação à mobilização das duas imagens 
promoveu a adesão de grupos mais progressistas e em parte, os mais radicais. A 
trajetória de luta contra a ditadura militar faz parte do imaginário da cultura política de 
esquerda no país e as campanhas petistas assim como a militância nas duas ocasiões 
foram capazes de acionar esses sentimentos, embora o risco dos seus 
presidenciáveis figurarem como “criminosos”, no endosso das críticas da oposição ao 
petismo. 
Ainda seguindo a conclusão de Laplatine e Trindade, percebemos que “o 
imaginário é a faculdade de originária de pôr-se ou dar-se, sob a forma de 
apresentação de uma coisa, ou fazer aparecer uma imagem e uma relação que não 
são dadas diretamente na percepção”. A provocação da imagem de Dilma e Lula 
presos serviu para tornar o real presente, e a mutação do sentido original das duas 
fotografias de apresentar os presidenciáveis como heróis inverteu a intenção das 
imagens de ter ambos fichados como ameaças ao país, sob a lógica da Lei de 
Segurança Nacional do regime militar. 
 
 
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BIBLIOGRAFIA 
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LAPLATINE, François. TRINDADE, Liana. O que é imaginário. São Paulo: Editora 
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