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CONTRATUALISMO-DICPOLITICA-BOBBIO

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DICIONARIO DE POLITICA - NORBERTO BOBBIO
VERBETE - Contratualismo.
I. PARA UMA DEFINIÇÃO DO CONTRATUALISMO.
— Com o Contratualismo tornou-se comum identificar teorias muito diversas entre si. Por isso, a possibilidade de definir, de modo adequado, corrente tão complexa do pensamento ocidental depende quer da adoção de perspectivas e ângulos diversos, quer do seu confronto com as soluções dadas ao problema da ordem política por outras correntes de pensamento.
Em sentido muito amplo o Contratualismo compreende todas aquelas teorias políticas que vêem a origem da sociedade e o fundamento do poder político (chamado, quando em quando, potestas, imperium, Governo, soberania, Estado) num contrato, isto é, num acordo tácito ou expresso entre a maioria dos indivíduos, acordo que assinalaria o fim do estado natural e o início do estado social e político. Num sentido mais restrito, por tal termo se entende uma
escola que floresceu na Europa entre os começos do século XVII e os fins do XVIII e teve seus máximos expoentes em J. Althusius (1557-1638), T. Hobbes (1588-1679), B. Spinoza (1632-1677), S. Pufendorf (1632-1694), J. Locke (1632-1704), J.-J. Rousseau (1712-1778), I. Kant (1724-1804). Por escola entendemos aqui não uma comum orientação política, mas o comum uso de uma mesma sintaxe ou de uma mesma estrutura conceitual para racionalizar a força e
alicerçar o poder no consenso. 
É igualmente necessário fazer uma distinção analítica entre três possíveis níveis explicativos; há os que sustentam que a passagem do estado de natureza ao estado de sociedade é um fato histórico realmente ocorrido, isto é, estão dominados pelo problema antropológico da origem do homem civilizado; outros, pelo contrário, fazem do estado de natureza mera hipótese lógica, a fim de ressaltar a ideia racional ou jurídica do Estado, do Estado tal qual deve ser, e de
colocar assim o fundamento da obrigação política no consenso expresso ou tácito dos indivíduos a uma autoridade que os representa e encarna; outros ainda, prescindindo totalmente do problema antropológico da origem do homem civilizado e do problema filosófico e jurídico do Estado racional, veem no contrato um instrumento de ação política capaz de impor limites a quem detém o poder.
Três níveis diversos de explicação. O primeiro engloba uma verdadeira série de dados antropológicos: parte-se da origem do homem para demonstrar as necessidades que o impelem a buscar pelo consenso uma vida social, ou para explicar a passagem da horda primitiva ou da sociedade tribal a uma forma de vida social mais complexa e organizada, com o monopólio do poder político baseado no consenso. Neste terreno o Contratualismo se encontra com outras teorias que, no plano histórico, se revelam bastante mais aguerridas. O
terceiro nível, ao invés, está estreitamente ligado à história política e às vicissitudes constitucionais deste ou daquele país; à menor coerência teórica destes contratualistas corresponde uma maior eficácia prática na efetiva organização do poder político.
No segundo nível, aquele em que se move de preferência o. Contratualismo clássico, predomina, mas não é exclusivo, o elemento jurídico como categoria essencial da sintaxe explicativa: é que se vê precisamente no direito a única forma possível de racionalização das relações sociais ou de sublimação jurídica da força. Isto se explica com base numa tríplice ordem de considerações: a influência contemporânea da escola do direito natural, com a qual
o Contratualismo está estreitamente aparentado; a necessidade de legitimar o Estado, seja suas imposições (as leis), num período em que o direito criado pelo soberano tende a substituir o direito consuetudinário, seja seu aparelho repressivo, num período em que o exercício da força era por ele monopolizado; finalmente, uma exigência sistemática, a de construir todo o sistema jurídico — aí compreendido o público e o internacional — usando uma categoria tipicamente privada que evidencia a autonomia dos sujeitos, como é o contrato, e colocando assim como base de toda a juridicidade o pacta sunt servanda. Tudo isto se desenrola dentro de um novo clima cultural que vê cada vez mais o Estado como máquina, isto é, como algo que pode e deve ser construído artificialmente, em oposição à concepção orgânica própria da Idade Média.
Foram três as condições para a consolidação na história do pensamento político das teorias
contratualistas, no âmbito de um debate mais amplo sobre o fundamento do poder político. Em primeiro lugar, que um processo bastante rápido de desenvolvimento político tirasse dos gonzos a sociedade tradicional — a sociedade que sempre existiu e que recebe, por conseguinte, sua legitimidade do peso do passado — e instaurasse novas formas e novos processos de Governo: como exemplo, a passagem, na Grécia, da sociedade gentilícia à polis e, na Europa, a consolidação do Estado moderno sobre a sociedade feudal, baseada nas castas. Em segundo lugar, que houvesse uma cultura política secular, isto é, disposta a discutir racionalmente a origem e os fins do Governo, não o aceitando passivamente por ser um dado da tradição ou de origem divina. Em terceiro lugar, que a sociedade não só conhecesse o instituto privado do contrato, mas soubesse usá-lo de forma analógica: entre os gregos, por exemplo, a palavra koinonía indicava tanto uma associação econômica como política, enquanto, entre os romanos, a sponsio (promessa), usada na antiga compra-venda, servia também para legitimar a lex, que assim se tornava convenção de todos os indivíduos, sendo o povo a fonte da lei: lex est communis rei publicae sponsio. A finalidade é sempre a de dar uma legitimação racional às ordens do poder, mostrando que ele se fundamenta no consenso dos indivíduos.
Estas premissas tendem a excluir a possibilidade do Contratualismo das sociedades cuja cultura política está profundamente impregnada de motivos sagrados e teológicos, como, por exemplo, a hebraica e a medieval. É forçoso, todavia, reconhecer que o termo "pacto" é elemento central, muito elaborado, na teologia hebraica e na teologia da aliança dos puritanos; ele serve, no entanto, não para instaurar um Governo, mas para indicar uma aliança sagrada entre Deus e o povo eleito ou o pacto de graça do novo Israel; é um pacto que tem como única finalidade a salvação ultraterrena, entre dois contraentes que se acham em condições de incomensurável disparidade.
Com isto não se pretende, contudo, negar a influência da teologia da aliança, baseada no covenant, sobre o moderno constitucionalismo.
É mais complexo falar da temática contratualista que assoma do pensamento político medieval, dominado, de um lado, pelo princípio teológico do non est potestas nisi a Deo e por um conceito orgânico da sociedade, mas, do outro, imbuído de forte senso do direito. Como veremos no último parágrafo, esta temática contratualista consegue progredir com a distinção de João de Paris entre a causa formal do poder, que é Deus, e a causa material da pessoa do poder, que é o povo. Porém, tal temática, se bem que desse origem ao Contratualismo clássico, pertence antes à história do constitucionalismo como processo político.
Devido exatamente à necessidade de definir o Contratualismo partindo de perspectivas e ângulos diversos, será oportuno agora não tanto desenvolver uma história sintética das venturas e desventuras do Contratualismo, quanto precisar, quer no plano antropológico (§2), quer no plano jurídico (§ 4), alguns dos passos necessários ou elementos característicos do Contratualismo, bem como cotejar a solução por ele dada ao problema da ordem política com outras, para ver até que ponto está implícito nas modernas teorias da sociedade (§ 3), e, finalmente, ressaltar melhor a função que o Contratualismo, em sentido muito lato, exerceu na história do constitucionalismo (§5).
 II. O ESTADO DE NATUREZA, AS NECESSIDADES DO HOMEM E A DIVISÃO DO TRABALHO. — Um dos elementos essenciais da estrutura da doutrina contratualista é o estado de natureza, que seria justamente aquela condição da qualo homem teria saído, ao associar-se, mediante um pacto, com os outros homens. É difícil dizer em que consiste, para os contratualistas, esse estado de natureza, em virtude do escasso interesse por eles mostrado (excetuado Rousseau) quanto ao conhecimento das reais condições do homem em suas origens; tal situação é apresentada quase sempre apenas como hipótese lógica negativa sobre como seria o homem fora do contexto social e político, para poder assentar as premissas do fundamento racional do poder. Daí, por um lado, a hesitação dos diversos contratualistas em definir a que estádio da evolução da humanidade corresponde o estado de natureza, dado que ele é definido apenas negativamente (se define o que falta ao estado de natureza em relação ao estado de civilização), e, por outro, a contraditória avaliação dessa situação humana, que para Hobbes e Spinoza é de guerra, para outros (Pufendorf, Locke) é de paz, se bem que precária, e, para Rousseau, de felicidade.
Contudo, para situar convenientemente a problemática diversamente aprofundada pelos contratualistas, é mister inserir suas observações no debate mais amplo do problema antropológico das origens do homem. Sempre houve, desde a época grega até aos nossos dias, diversidade de opiniões entre os pensadores, quando se tratava de ponderar o caráter positivo ou negativo do abandono da antiga condição natural: para uns, ele representa uma queda, um afastamento da perfeição original; para outros, um progresso, a vitória do homo faber ou do homo sapiens sobre o homem animal. É preciso lembrar a exaltação entre os antigos de uma mítica idade de ouro, repetida no Renascimento juntamente com o mito dos homines a Diis recentes; depois, logo a seguir ao descobrimento da América e dos homens que ali viviam segundo a natureza, surgiu o mito do bom selvagem; finalmente, na época romântica, houve um retorno ao homem primitivo, ao Urmensch. Encontramos nesta linha de pensamento, que combate a civilisation, ou seja, a indústria e o comércio que tornam mais aprazível a vida dos homens, os críticos da sociedade, tal qual se apresentava a seus olhos ou, melhor, os que expressam todo o mal-estar conseqüente do trauma da modernização, da rápida transformação da ordem social e política, da não inserção do indivíduo nos novos papéis que a sociedade oferece.
O mito do estado de natureza, que é, em realidade, regressivo, porque fundamentalmente nostálgico de uma idade perdida em que o viver feliz coincidia com a comunhão dos bens e das mulheres, foi reinterpretado em tempos mais recentes, com intuitos revolucionários ou como proposta de total libertação do homem, mas tendo sempre em vista fins políticos, pelo marxismo e pela psicanálise, depois que o mito ou lenda do bom selvagem havia entrado na crítica histórica com J. J.
Bachofen (Mutterrecht, 1861), E. B. Tylor (Primitive culture, 1871) e L. H. Morgan (Ancient society, 1877).
F. Engels (Der Ursprung der Familie, des Privateigentums und des Staats, 1884) vê na formação da sociedade gentilícia da família monogâmica a origem do primeiro antagonismo de classe, como conseqüência do aparecimento da propriedade privada (e, portanto, da divisão do trabalho), o que levaria à criação do Estado como órgão de repressão em mãos da classe economicamente dominante. Para a psicanálise da esquerda, atenta às inibições e repressões da civilização contemporânea, é igualmente necessário reencontrar a espontânea felicidade da sociedade matriarcal, uma idade de' paz, sem repressões, toda permeada da religião da terra-mãe, uma sociedade destruída pela revolta dos homens, que construíram um mundo de guerra baseado no domínio do culto autoritário dos deuses celestes. Em ambas as interpretações, a família monogâmica, a propriedade privada e a repressão do Estado aparecem contextualmente, isto é, não há aí distinção entre poder social (família e propriedade) e poder político. Nisto não há nenhum desvio dos motivos patentes nos nostálgicos da idade de ouro, a idade, segundo eles, da comunidade de bens e de mulheres; só que, neste caso, tais motivos são revividos olhando ao futuro, e os conceitos de revolução e de libertação pareciam satisfazer a uma função análoga àquela que teve o contrato em épocas precedentes.
Os contratualistas, ao contrário, querendo legitimar o Estado de sociedade (a civilisation) ou modificá-lo com base nos princípios racionais onde o poder não assenta no consenso, opõem-se necessariamente a esta corrente de pensamento e vêem no contrato a única forma de progresso; o próprio Rousseau, inimigo das letras e das artes, foi obrigado a reconhecer no pacto social um fato deontologicamente necessário a partir do momento em que "tal estado primitivo já não pode subsistir e o gênero humano pereceria, se não modificasse as condições da sua existência" (Du contraí social, I, 6); é que, após ter surgido a linguagem, a família e a propriedade privada, só é possível o estado de guerra, ou o despotismo, expressão última da desigualdade, que iguala, contudo, os súditos sob a vontade do senhor. Todos os contratualistas vêem assim no contrato um instrumento de emancipação do homem, emancipação política apenas, que deixa inalterada e até garante a estrutura social, baseada precisamente na família e na propriedade privada, mantendo uma clara distinção entre o poder político e o poder social, entre o Governo e a sociedade civil. É impossível dizer a que estádio da evolução da humanidade corresponde, para os contratualistas, o estado de natureza: se corresponde ao do homo ferus primaevus (Hobbes, Rousseau), ou ao que conhece algumas formas embrionárias de organização social. É que o seu pensamento se move num plano político jurídico ou psicológico e não no plano antropológico.
Aqueles que com maior coerência levaram até às últimas conseqüências sua análise do estado de natureza foram, de um lado, o filósofo Hobbes, que estuda a dinâmica das paixões do homem em estado puro (a disputa pela vantagem, a desconfiança pela segurança, a glória pela reputação), causadoras do estado de guerra de cada um contra todos, e, do outro, o antropólogo Rousseau (o Rousseau do Discours sur 1'origine et les fondements de l'inégalitê parmi les hommes), que examina a formação do homem e mostra como nas origens não havia senão uma felicidade instintiva sem paixões. Assim, para Hobbes, no estado de natureza existe apenas "o domínio das paixões, a guerra, o medo, a pobreza, a desídia, o isolamento, a barbárie, a ignorância, a bestialidade" (De cive, X, I), e "a vida do homem é solitária, mísera, repugnante, brutal, breve" (Leviathan, XI I I) . Para Rousseau, ao contrário, é no estado de natureza que se encontra "o homem livre, com o coração em paz e o corpo de boa saúde" (Discours), o homem que satisfaz facilmente as poucas necessidades elementares e "não respira senão sossego e liberdade; quer apenas viver e ficar ocioso".
Contudo, a oposição que existe entre Hobbes e Rousseau está mais na apreciação que na descrição do estado de natureza ou, melhor, do homem animal, que vive seguindo os próprios instintos, possui a razão só em potência e está aquém de qualquer relação moral ou jurídica com o próprio semelhante. A moderna Zoologia, ao estudar no primata a origem do homem, comprovou, diluindo-lhe os excessos, a tese de Hobbes e de Rousseau: a inocência e a felicidade do homemprimata é uma insecuritas sem história, onde as paixões e a guerra são ocasionais, sempre motivadas pela comida ou pela posse da fêmea, ao passo que a pobreza, o isolamento e a ignorância não são verdadeiramente percebidas como um mal. Estado de natureza e estado de civilização se contrapõem assim, na lógica contratualista, como se contrapõe o reino animal, em que cada ser segue seus próprios instintos e impulsos, ao reino humano, mundo regido pela razão, onde, pelo contrato, é possível unificar as vontades singulares. A maior parte dos contratualistas (Spinoza, Pufendorf, Locke, por exemplo) põem, ao contrário, entre o estado de natureza puro e o estado político, um estado social, em que os homensconvivem segundo a razão, já que são seus próprios interesses que os tornam sociáveis. Esta sociedade é caracterizada por algumas instituições jurídicas de origem pactuai, tais como a família, a propriedade e a compra-venda, mediante os quais o homem ultrapassa os limites da comunidade das mulheres e dos bens, e que constituem a premissa lógica, primeiro, do pactum societatis e, depois, do pactum subiectionis. Trata-se de um "estado de paz, benevolência, assistência e conservação recíprocas" (Locke, Two treatises of Government, II, 19).
Continua, todavia, sendo um estado imperfeito de sociedade, pois a paz é relativa, podendo a natureza racional e social do homem entrar a cada instante em conflito com o seu instinto de autoconservação. Os direitos naturais dos indivíduos são, deste modo, imperfeitos, isto é, não são garantidos por uma coação superior e extrínseca. O Estado, nascido de um contrato, não acrescenta nada à racionalidade e sociabilidade da sociedade civil: é só um instrumento coativo cuja função é não tanto criar quanto executar o direito que a sociedade racionalmente expressou. A este propósito convém fazer um duplo tipo de observações. Em primeiro lugar, o problema que o jusnaturalismo, de que o Contratualismo depende estreitamente, achava haver eliminado com a completa racionalização das relações sociais por meio do direito natural, o problema da força, desponta de um poder consensualmente instituído, tendo nele sua exclusiva solução. Em segundo lugar, enquanto para Spinoza, Hobbes e Rousseau, o pacto, ao instaurar o poder legislativo, cria também o órgão autor do Direito (ius quia iussum), quer ele se chame mens unica, soberano ou vontade geral, para outros, sobretudo para Locke, a sociedade civil tende a garantir sua própria racionalidade jurídica, já participando diretamente do poder legislativo, já opondo a este como limite o direito ou direitos naturais (ius quia justum).
Pode-se dizer, em resumo, que os contratualistas não podem deixar de concordar com algumas proposições claramente enunciadas por Hobbes: o estado de natureza é caracterizado negativamente pela ausência de um poder legal, constituído por contrato, capaz de controlar e obrigar os membros da sociedade, caracterizado, portanto, pela falta de monopólio legal da força. Por tal motivo, o estado de natureza é um estado de igualdade, em que a superioridade física ou intelectual não conferem especial direito ao poder, podendo contrabalançar-se no plano dos acontecimentos; é também um estado de liberdade, onde liberdade equivale a uma condição de independência, ao domínio de si próprio. No estado de natureza não há, pois, nem soberanos nem súditos, nem senhores nem servos, mas uma força eternamente potencial e em estado difuso.
Voltando ao exposto inicialmente, precisamos ver agora por que é que, para os contratualistas, se há de passar do estado de natureza ao de sociedade, tendo, todavia, presentes as principais teorias antropológicas que explicam a passagem do primata ao homem político, do animal ao homo faber, identificadas as necessidades particulares que favoreceram tal passagem. Note-se, entretanto, que se trata para todos de uma lenta evolução, devida à peculiar natureza do homem ao acaso, ao passo que, na lógica contratualista, tal passagem é entendida às vezes como um verdadeiro e autêntico salto da natureza para a sociedade.
As respostas ao problema da origem do homem são essencialmente duas, uma delas já formulada desde tempos antigos. De um lado estão os que acentuam a natureza particular do homem como homo faber, porque incompleto em relação às próprias necessidades. Protágoras, por exemplo, realça a diversidade do homem dos animais: enquanto estes possuem uma só faculdade e órgãos específicos conforme a lei geral do equilíbrio, o homem, ao contrário, está "inerme". Privado de aptidões naturais, está dotado, contudo, de perícia técnica que lhe permite adaptar-se a qualquer ambiente e transformálo com o intuito de alcançar os objetivos da vida. Mas, não obstante o saber técnico, a convivência não era ainda possível, porque o homem não possuía a sabedoria política (o "Respeito" e a "Justiça") que depois seria distribuída por Zeus a todos os homens, não de forma discriminante como as artes técnicas. É de notar como a divisão do trabalho não coincidia com a divisão política, porquanto a sabedoria política se achava em todos os homens. Lucrécio, retomando e desenvolvendo este célebre mito, indicou o pacto como expressão concreta desse saber político (De rerum natura, V, 1023).
 Platão não se afasta substancialmente desta mesma linha: a sociedade nasce da multiplicidade das necessidades do homem; tendo necessidade de uma infinidade de coisas, não se pode bastar a si mesmo; daí a necessária divisão do trabalho, que atingirá um nível tanto mais alto, quanto mais elevado for o teor de vida. Mas, diversamente do que ocorria na visão de Protágoras, aqui a divisão do trabalho implica também, para a boa ordem da cidade, a formação de um novo múnus, o do guardião, e, conseqüentemente, uma clara separação entre governados e governantes, com base no especial saber que só estes possuem.
Por outro lado, uma visão mais pessimista — tratase de uma teoria moderna e contemporânea — coloca a origem do poder político não na capacidade técnica do homem em relação aos animais, mas na desproporção existente entre as suas necessidades e os meios de as satisfazer. Foi Hobbes quem apresentou este novo motivo. Antecipando-se a Freud (Die Zukunft einer Illusion, 1927, e Das Unbehagen in der Kultur, 1929), centralizou tudo na desproporção entre as paixões e apetites humanos, que são ilimitados, e os meios de os satisfazer, que são limitados (De cive, I), o que leva à guerra de cada um contra todos. O homem troca assim a independência e a liberdade originais (o viver segundo o princípio do prazer), de que dificilmente e por pouco tempo podia gozar, pela segurança e pela paz (diferindo e limitando a satisfação do próprio prazer), mediante a instauração legal de um poder irresistível, mais forte que o indivíduo. A concordância com o soberano coincide com a aceitação do princípio da realidade e da repressão, seu elemento constitutivo, ou com a formação do superego, nova forma de vontade geral em que as vontades particulares conseguem sublimar-se.
Estes temas continuam em grande parte estranhos aos demais contratualistas, mesmo se as suas considerações jurídicas e políticas partem da aceitação e defesa do alto teor de vida que o homem havia conquistado pela técnica e, portanto, pela divisão do trabalho e pela propriedade privada. Estes vêem na origem da sociedade aquela colaboração necessária a que o homem se viu impelido pela urgência de satisfazer suas próprias necessidades, e na origem do Governo apenas uma necessidade política claramente mi l i tarista, a da garantia da coexistência, exigência que vai de um mínimo, o da ordem e da paz social, a um máximo, o da maior segurança na tutela dos próprios direitos. A exceção de que em Rousseau e em Kant, em que a lógica utilitarista está ausente, a passagem ao estado civil se apresenta como um verdadeiro e autêntico dever moral. Posta de parte a divisão do trabalho, visto o homem ser um animal que trabalha, todos aceitam também, menos Rousseau, a divisão entre quem exerce diretamente o poder político e quem não o exerce, entre governantes e governados, ou a função platônica dos guardiães. Existe, porém, uma diferença: os magistrados deduzem a legitimidade do seu poder não do particular saber em que são especializados, mas do consenso dos associados, na medida em que, segundo Protágoras, todos os homens possuem a arte política.
O único que tentou superar esta alienação do poder político foi Rousseau, que, entretanto, põe de lado o problema da divisão do trabalho bem presente no segundo Discours: é o próprio povo que se autogoverna outorgando-se diretamente as leis, sem a mediação de representantes; o Governo, em sentido estrito, tem a mera função de aplicar as leis e de dar força assim à vontadede outros.
 III. TRÊS TEORIAS SOBRE A ORIGEM DO PODER POLÍTICO.
— O Contratualismo não é a única teoria sobre a origem do poder político, como não é a única marcada pelo elemento voluntarista; não é a única em que a ordem política é expressão de um ato de vontade, uma construção artificial portanto. Na própria origem do debate político já secular acerca da natureza do estado, a encontramos, se bem que em posição minoritária, junto com outras duas, com as quais aparecerá sempre entretecida na história do pensamento político.
No diálogo que abrange os dois primeiros livros da República de Platão, são expostas, personificadas por sete interlocutores, as quatro principais teorias sobre a origem da polis. Servem de fundo as opiniões tradicionalistas dos hóspedes Céfalo e Polemarco, que defendem velhos conceitos mitológicos. Vêm depois as teses dos sofistas Trasímaco e Clitofonte, que observam, de maneira realista, que a Justiça outra coisa não é senão a ordem imposta por quem tem o poder de se fazer obedecer: é o que apraz a quem ordena, ao poder constituído, a quem é mais forte.
Glaucão e Adimanto, irmãos de Platão, expõem, para incentivar Sócrates, a tese contratualista de uma parte da sofistica (Calicles): partindo da oposição entre nomos (lei) e physis (natureza), afirmam que os homens, usando e sofrendo da violência (o que é justo por natureza), crêem, num certo momento, ser útil porem-se de acordo para instaurar a paz, estabelecendo leis e pactos recíprocos, que são justos por convênio. É nesta altura que Sócrates (na realidade, Platão) expõe sua concepção do Estado entendido como um organismo, que será sadio quando cada um, baseado na divisão do trabalho, desempenhar convenientemente o próprio mister e interiorizar a necessidade desta sua função particular para o bem do todo: a justiça é, deste modo, consciente e viva harmonia.
Esta teoria, ao acentuar que a sociedade é um fato natural (o homem só poderia viver numa situação a social, isto é, no estado de natureza, se fosse um bicho ou um deus) e que o poder é uma função social necessária, converte-se em antítese radical das outras duas concepções voluntaristas, que entendem ter surgido o Estado ou da força, ou do consenso. Será organicamente desenvolvida por Aristóteles no primeiro livro de Política, que parte do princípio de que o homem é, por natureza, um animal político e social. Baseado neste princípio, expõe uma interessante teoria sobre o desenvolvimento político, desde a família, que atende às necessidades elementares e imediatas da vida, ao povoado de estrutura gentilícia, que visa a uma utilidade mais complexa, e à polis, a única auto-suficiente, que se basta a si mesma por ter como fim viver bem: a polis é a única estrutura política que emancipa o indivíduo da autoridade doméstica e o torna protagonista da vida política.
Esta concepção orgânica da sociedade, para a qual o todo é mais que a soma das partes e cada uma das partes cumpre uma função peculiar na vida do todo, será apresentada em versões diversas na história do pensamento político; é certamente a teoria dominante.
Na Idade Média é constante a comparação da sociedade política com o corpo humano; na Idade Moderna, não obstante a difusão das teorias contratualistas, a concepção aristotélica não perdeu certamente a sua força e o seu prestígio. Finalmente, no século XX, como reação à Revolução Francesa e ao racionalismo, se difundem por toda a Europa as teorias organicistas; unidas, tentam demonstrar a insuficiência do individualismo e do Contratualismo para alicerçar a ordem social. Burke aplica ao Estado o conceito orgânico da sociedade civil próprio do pensamento inglês (Hume, Ferguson), enquanto Hegel combate incessantemente a idéia de contrato social, por basear o poder do Estado num princípio de direito privado. Esta tendência anticontratualista receberia grande reforço da antropologia evolucionista que, com Taylor e Morgan, havia de excluir a hipótese de existência de um pacto entre os homens nas origens da vida social.
A concepção orgânica, dando ênfase ao caráter natural da sociedade, transforma-se logicamente na antítese radical do Contratualismo, mas não exclui, de fato, elementos contratualistas. O próprio Platão (Leis, III, 684) se refere à troca de juramentos efetuadas entre o rei e os súditos dos Estados dóricos.
Na Idade Moderna, o aristotelismo foi enriquecido com elementos contratualistas: para Grotius, por exemplo, a sociedade pacífica e ordenada existe naturalmente graças ao próprio appetitus societatis do homem e só a forma de Governo, não o Estado, é de origem contratual. A verdadeira oposição advém do fato de que as teorias contratualistas se mantêm predominantemente no plano prescritivo e as orgânicas, no descritivo. Estas correm muitas vezes o risco de eludir o problema central do Contratualismo, o da legitimação do poder no consenso. Se viver numa sociedade politicamente organizada é um fato natural e necessário, se o Governo é uma função social, então todas as formas de Governo são iguais e se ordenam sobre um mesmo plano, recebendo todas a legitimidade da sua condição efetiva, do próprio fato de existirem: assim é difícil, no plano prescritivo, ocupar-se da forma concreta de organizar o Governo legítimo. Contudo, no próprio plano descritivo, urge uma distinção e o problema é resolvido das mais variadas maneiras. Para Aristóteles, por exemplo, há uma diferença qualitativa entre o povoado e a polis, único lugar onde existe vida política; a par das formas corretas de Governo, existem as degeneradas em que a classe do poder age em função dos próprios interesses e não dos da comunidade; isto sem pensar no despotismo asiático, que é antítese do Governo helênico. Para Cícero, nem toda a sociedade é respublica; é o tão-só aquela em que o povo é "iuris consensu et utilitatis communione sociatus" (De republica, I, 25), aquela em que o elemento discriminante e legitimante é justamente o direito. Na Idade Média é geral a distinção entre rei e tirano.
No âmbito das teorias voluntaristas, se contrapõem ao Contratualismo todos aqueles que põem o elemento constitutivo do estado na força: é Trasímaco o intérprete desta posição no diálogo de Platão. Mas possuem um elemento em comum com o Contratualismo: o do estado de natureza que se olha com nostalgia, na medida em que o Estado surge de um ato de violência. Na história do pensamento político moderno, esta teoria não alcançou grande sucesso, embora dois grandes contratualistas, Spinoza e Hobbes, pondo no consenso a origem do Estado, considerem depois seu fundamento a capacidade coercitiva de obter a obediência dos súditos por meio de sanções, vindo assim o direito a coincidir com a força. Em época mais recente, após os primeiros estudos antropológicos, esta teoria recebeu um novo impulso: lembremos o sociólogo Ludwik Gumplowicz que vê surgir o Estado do domínio das hordas violentas dos nômades sobre populações pacíficas dedicadas à agricultura. O sucesso desta teoria e sua difusão na cultura devem-se à sociologia de Comte, ao marxismo e à psicanálise. Para Comte a sociedade é governada pela força, a força do número ou da riqueza, à qual é mister contrapor o poder espiritual, exigência permanente da sociedade. Engels, revelando a origem contemporânea da família, da propriedade e do Estado, reforça a tese marxista segundo a qual o Estado é sempre e de qualquer modo, seja qual for a forma da sua manifestação, um instrumento de opressão nas mãos da classe economicamente dominante. A psicanálise ora interpreta como simbólicos alguns mitos e lendas da Antigüidade, segundo os quais o' Estado nasce com o homicídio de um irmão (Rômulo e Remo, Caim e Abel, Osíris e Seth), ora vê o fim da pacífica sociedade matriarcal na revolta dos homens, ora, de forma mais articulada, põe como fundamento de toda a civilização o complexo de Édipo. É a rebelião dos filhos contra o pai, chefe indiscutível da horda primordial, e seu assassínio que marcam a origem do Estado; mas, e eis aqui o elemento contratualista, os irmãos são depois obrigadosa contrair um pacto entre si, visando ao mútuo respeito das mulheres.
O limite de todas estas teorias está no fato de que não admitem qualquer real alternativa, a não ser a nostalgia de uma idade de ouro perdida ou a utópica perspectiva de uma libertação absoluta; no presente só existe a força, o domínio, a repressão, e qualquer Estado, como tal, é sempre uma ditadura. O pensamento contratualista não nega certamente a existência da força, mas vê-a operar de modo diverso no estado de natureza e no estado social. De fato, no primeiro, o homem está exposto ao constante risco de ser agredido tanto quanto à tentação de agredir: para evitar esta situação de insegurança, onde a força age em estado difuso e cada um é livre de decidir seu uso ou não, sendo ao mesmo tempo parte e juiz, é que os indivíduos, mediante contrato, instauraram o monopólio da força, confiando-o a um Governo. O Estado é, por conseguinte, para os contratualistas também uma força, mas uma força diversificável: se o monopólio for instituído por um contrato, isto é, pelo consenso dos associados, se falará então de "poder"; se apenas se der de fato, tendo como única justificação a própria eficácia, se falará de "força". No âmbito contratualista é preciso ainda fazer uma outra distinção entre quem concebe, como Spinoza e Hobbes, a soberania como mera capacidade de obter, por meio do consenso ou da coação, obediência às próprias normas, e quem, em vez disso, exige um consenso indireto, expresso por meio de representantes, como Locke e Kant, ou direto do povo, como Rousseau, às normas de comportamento do soberano, deixando sua aplicação a um órgão subalterno (o executivo) do legislativo, que é o verdadeiro soberano.
Na teoria sociológica contemporânea, em virtude da sua acentuada tendência descritiva, predominam as concepções inspiradas no organicismo e conflitualismo, enquanto o Contratualismo, devido à carga prescritiva que continha, parece ter desaparecido da cena. A estas perguntas: como é possível a ordem e a coesão social?, o que é que mantém unidos os homens?, o que é que conduz à limitação dos impulsos e instintos individuais, ao controle da violência?, se responde ainda fundamentalmente com as velhas teses. De um lado estão os que sustentam que a sociedade é um fato natural tornado possível graças a uma consideração utilitarista (os homens não podem satisfazer suas necessidades sem colaborar com os outros), ou à própria cultura (comum consenso em torno de certos valores) interiorizada no curso da educação social; do outro estão os que afirmam que a sociedade se baseia na coerção e na cominação de sanções. No século XIX, a teoria orgânica procurou apropriar-se de elementos contratualistas, mas colocou o contrato no fim e não no início do processo histórico: Spencer (1820-1903) vê a solidariedade social como harmonia espontânea de interesses individuais, expressos nos contratos singulares; H. S. Maine (1822-1888) considera a evolução histórica como passagem progressiva de um regime de status a um regime de contrato; A. Fouillée (1838-1912) explica teoricamente a sociedade como um organismo contratual. Uma apologia descritiva da ordem liberal hoje fatualmente inverificável.
Estes ressaibos contratualistas já não aparecem de modo algum naquela corrente que, partindo de E. Durkheim (1855-1917), terminaria em T. Parsons, no nosso século. A ordem social é possível graças à solidariedade que se baseia na divisão do trabalho; é daí que surge a harmonia social. Existe um consenso natural sobre os valores últimos de que deriva o equilíbrio social: a sociedade é um todo integrado e o indivíduo nada; toda a divisão de autoridade, prestígio e ganho responde a necessidades funcionais. O problema dos contratualistas acaba por desaparecer: o poder é sempre exercido em função da sociedade, nunca contra ela, e é expressão do interesse geral por valores comuns, a que contribuem os próprios transviados e anômicos; há um equilíbrio com circuitos internos de poder pelo qual cada parte desempenha sua função particular em ordem à conservação da totalidade.
Na vertente oposta estão os marxistas e psicanalistas, bem como a ciência política alemã (C. Schmitt e R. Dahrendorf). Ensinam que a política (com o Estado, que é uma das suas manifestações transitórias) é essencialmente hostilidade, luta e conflito entre rivais, e que, portanto, soberano é aquele que, sendo mais forte, pode indicar quem é o hostis e determinar o estado de exceção, suspendendo o direito. Recordam ainda que a sociedade se mantém pela coerção exercida pelo grupo mais forte, que o poder consiste na possibilidade de dispor do instrumento de controle das sanções e que o exercício da autoridade suscita inevitavelmente resistências e tensões: as instituições não são monumentos do consenso, mas bastiões para garantir a paz.
 Com o século XIX, o Contratualismo parece ter saído de cena. Isso se deve a uma dupla ordem de motivos. Por um lado, a hipótese da origem, de um estado de natureza do qual os homens teriam saído mediante um contrato, se revelou totalmente abstrata e irreal após estudos antropológicos. Por outro, o Contratualismo oferecia escassas possibilidades teóricas a quem quisesse apenas explicar a ordem (a orgânica) e a mudança social (a devida dos conflitos). O Contratualismo é, acima de tudo, uma teoria prescritiva acerca da melhor ordem política; sua influência sobre a cultura contemporânea deve buscar-se, por isso, no constitucionalismo, nas diversas engenharias constitucionais que nascem do fecundo encontro da experiência teórica com a experiência prática, do Contratualismo clássico com o Contratualismo como fato histórico. Saiu de cena precisamente quando na sociedade civil ia ganhando vulto uma dimensão não institucional que afiançava mais o Governo baseado no consenso, objetivo do Contratualismo. Referimo-nos à formação da opinião pública, esfera que medeia entre os indivíduos e o poder político e submete as decisões deste à apreciação crítica.
 IV. SINTAXE DO CONTRATUALISMO CLÁSSICO.
— O contrato é uma relação jurídica obrigatória entre duas ou mais pessoas, físicas ou jurídicas, em virtude da qual se estabelecem direitos e deveres recíprocos: são elementos essenciais, portanto, os sujeitos e o conteúdo dos contratos, isto é, as respectivas prestações a que são obrigados sob pena de sanção. O Contratualismo clássico se apresenta como uma escola, pois todos aceitam a mesma sintaxe: a da necessidade de basear as relações sociais e políticas num instrumento de racionalização, o direito, ou de ver no pacto a condição formal da existência jurídica do Estado. Mas os autores se diferenciam notavelmente na determinação dos sujeitos e conteúdo do contrato, bem como na especificação das possíveis sanções a aplicar aos transgressores.
Antes de tudo, há uma distinção preliminar entre dois tipos de contrato, que foi especialmente aprofundada pelos juristas Althusius e Pufendorf: temos, por um lado, o "pacto de associação" entre vários indivíduos que, ao decidirem viver juntos passam do estado de natureza ao estado social; por outro, o "pacto de submissão" que instaura o poder político e ao qual se promete obedecer. O primeiro cria o direito, o segundo instaura o monopólio da força; com o primeiro nasce o direito privado, com o segundo o direito público. É óbvio que a posição dos contraentes é diversa em cada um dos dois pactos: no primeiro, os contraentes encontram-se em posição paritária, cada um deles comprometendo-se perante os demais e sendo livre, por conseguinte, de aceitar ou não; o segundo cria uma relação de subordinação e o indivíduo não pode deixar de aceitar, se um dos contraentes é o povo entendido como universitas ou como persona ficta, dado que, em tal caso, vige a lei da maioria. Por outros termos: no primeiro pacto, temos o princípio fraterno da igualdade e cada um se obriga para com os demais; no segundo, o princípio paterno da dominação e a relação dá-se entre governantes e governados.
Alguns contratualistas alemães incluem entre os dois pactos um terceiro, relativoà forma de Governo e à constituição do Estado (o pactum ordinationis sive lex fundamentalis); a maior parte, porém, ou só realça o pacto de submissão nas diversas construções jurídicas ou vê no pacto de associação a premissa lógica daquele, que será depois o verdadeiro pacto. Só Hobbes e Rousseau, numa atitude coerente e original, se servirão exclusivamente do pacto de associação, pelo qual, segundo Hobbes, os indivíduos associados se submetem incondicionalmente a um soberano que não é parte no contrato, ou constituem, segundo Rousseau, uma "vontade geral" em que cada um obedece apenas a si próprio. Em qualquer dos casos há uma renúncia completa aos direitos que o indivíduo possuía no estado de natureza, e a impossibilidade lógica de que o soberano ou a vontade geral violem o contrato.
Os sujeitos da relação jurídica no pacto de associação são sempre as pessoas físicas. Excetuam-se as construções federalistas mais complexas, como a de Althusius; este vê o Estado como uma organização complexa que parte do indivíduo, mas deriva seus poderes de uma série de associações intermédias (família, corporações, comunas) de base contratual: a sociedade não consta só de indivíduos, mas também de personae fictae. No pacto de submissão encontramos às vezes os indivíduos como sujeitos; mas o mais comum é a persona ficta, talvez instituída pelo primeiro pacto: de um lado está o povo como universitas, isto é, agindo como indivíduo, e, do outro, o Governo, que nem sempre coincide com o supremo magistrado ou com o rei, podendo ser também uma assembleia. Isto é claramente visível, por exemplo, em Pufendorf e Locke, onde a ruptura do pacto de submissão não implica a ruptura do de associação: dissolve-se o Governo, mas não a sociedade.
Estes dois contratos criaram, mormente na cultura alemã, o difícil problema de conciliar, na superior unidade do Estado, o povo e o rei, a maiestas realis e a maiestas personalis, que acabam por entrar em conflito, quando se trata de determinar quem, em última instância, é juiz do bem comum e do interesse do Estado, ou da violação do contrato: se o rei ou o povo. No primeiro caso temos um contrato não plenamente bilateral, no segundo o magistrado é um simples mandatário e nos encontramos com uma relação de trustee, segundo Locke. O problema, em realidade, é político antes de ser teórico; por isso foi muitas vezes resolvido, como em Pufendorf, de modo contraditório em relação às premissas, ou seja, negando ao povo qualquer personalidade jurídica que seria apenas privativa dos indivíduos, ou permitindo ao povo exprimir parecer meramente consultivo em certas matérias e reservando ao príncipe o juízo em última instância. O problema da unidade do Estado encontrará em Kant sua mais coerente solução com o conceito da separação dos poderes: na superior unidade do Estado, o rei e o povo (este por meio de assembléias) desempenham funções diversas mas coordenadas, a executiva e a legislativa.
Pelo que se refere ao conteúdo do pacto, é mister fazer uma distinção prévia entre os contratualistas mais coerentes e rigorosos como Hobbes, Locke, Rousseau e Kant, que o consideram racionalmente necessário e, conseqüentemente, indisponível, isto é, subtraído à determinação arbitrária por parte das partes contraentes, e os contratualistas mais ligados à realidade jurídica e política concreta, que deixam a determinação dos direitos e deveres recíprocos à vontade dos contraentes. Nos primeiros prevalece o peso da ratio, nos segundos o da voluntas.
Enquanto o conteúdo do pacto de associação não ultrapassa a manifestação de um genérico desejo de viver juntamente, isto é, de formar um só corpo político, regulando de comum acordo tudo quanto se refere à segurança e conservação dos associados, o pacto de submissão apresenta através dos tempos os conteúdos mais diversos. Na época medieval e moderna, antes do Contratualismo clássico, se estabelecia, nos juramentos de coroação como no panfletismo antimonárquico, a par da obrigação da obediência por parte dos ' súditos, uma completa série de deveres que respeitavam ao rei; depois, com a elaboração do conceito jurídico de soberania, o pacto servia para estabelecer quem havia de exercer o poder legislativo (o rei, uma assembléia, ou o rei e a assembléia conjuntamente) e se tal poder legislativo era legibus solutus ou limitado pelo bem comum, pelas leis fundamentais ou pelos direitos dos cidadãos.
Mesmo os absolutistas mais coerentes, como Hobbes, impõem ao soberano, conquanto fora do contrato, a obrigação de garantir a paz; deixam ao súdito o direito à vida. Com o jusnaturalismo moderno, personificado principalmente por Locke e Kant, se acentua mais a defesa dos direitos naturais, inatos e racionais do homem, para cuja tutela se formou, pelo pacto, o Governo. A defesa dos direitos do indivíduo, do direito à vida, em primeiro lugar, mas, depois, também à liberdade e propriedade, é desconhecida nas épocas anteriores, que insistem mais nos deveres para com os outros, ignorando o individualismo próprio da Idade Moderna.
Se o contrato é uma relação obrigatória entre as partes, é necessário também saber quais as sanções previstas para quem o infringe: o problema se apresenta sobretudo em relação a quem, detendo o poder, tem o monopólio da força, não tanto a quem, com o pacto, renunciou ao exercício privado da sua. As soluções são as mais diversas. De um lado estão os que seguem Grotius, como Pufendorf, para quem o pacto, estabelecido pela vontade, se torna depois necessário; os povos não o podem revogar. Do outro, estão as teses políticas dos monarcômacos, que fazem reviver teorias medievais sobre o tiranicídio, reelaboradas depois por Althusius: cabe ao povo e, em seu nome, aos éforos, que hão de agir colegialmente, o jus resistentiae et exauctorationis contra o monarca ou magistrado republicano que houvesse violado o contrato. Este direito de resistência ao Governo e de sua deposição, quando, no uso do poder, desrespeitar a lei, foi elaborado depois principalmente pelo pensamento político inglês, nomeadamente por Milton e Locke.
Para Locke, o povo conserva um direito em relação tanto ao príncipe como ao poder legislativo: o de julgar se eles procedem contrariamente à confiança que neles se depositou; não havendo na terra um juiz superior às partes, só resta o apelo ao céu, isto é, o direito à revolução, para mudar de Governo ou instituir novo legislativo. Kant, ao invés, adota uma posição contraditória: por um lado defende a Revolução Francesa; por outro, exclui, incondicionalmente, o direito de resistência, já que a sua defesa da legalidade conflita com seu conceito de constituição como idéia a priori.
Por razões diversas, este problema não se apresenta, nem pode apresentar-se dentro das coerentes concepções de Hobbes (ou Spinoza) e Rousseau. Para Hobbes, o soberano, estabelecido para manter a paz, há de gozar de impunidade em tudo o que fizer, uma vez que só ele, e não os indivíduos, possui o direito de julgar sobre o que é bom ou é mau para o Estado; a única sanção cabível neste caso depende da sua incapacidade de manter a ordem, isto é, não da quebra da legitimidade do seu poder, mas da sua efetividade. Resta, contudo, a cada um dos indivíduos, mesmo se legitimamente condenado à morte, o direito de salvar a própria vida. Para Rousseau, a vontade geral também é sempre justa e visa exclusivamente ao bem público; mas, divergindo de Hobbes, ele pensa que a punição dos indivíduos, que violam as leis gerais do soberano, possui um significado pedagógico, na medida em que os constrange a tornarem-se livres, ou seja, a amoldarem-se à vontade geral.
Se a estrutura do pensamento dos contratualistas usa a mesma sintaxe, as soluções políticas a que eles chegaram são profundamente diversas; é possível indicar três correntes claramente diferençadas. Temos, em primeiro lugar, a corrente absolutista (Hobbes, Spinoza, Pufendorf); trata-se de um absolutismo que pretende ser claramente diferente do despotismo, pois vê nas ordenações do Estado, não a expressão de uma vontade caprichosa e arbitrária,mas a conseqüência de uma lógica necessária, enquanto racional, relativa aos fins, visando ao bem de cada cidadão. Na vertente oposta, encontramos a corrente liberal (Locke, Kant) que propõe o controle e limitação do poder do monarca pelas assembléias representativas, às quais é confiado o poder de legislar. A corrente democrática é minoritária; teoricamente aprofundada apenas por Rousseau, apresenta uma solução que, em certos aspectos, está muito mais próxima da absolutista que da liberal, porquanto tende a conformar os indivíduos com a racionalidade da soberana vontade geral. V. CONTRATUALISMO E CONSTITUCIONALISMO.
 — O Contratualismo não é apenas uma teoria global, conceptualmente elaborada, sobre as origens da sociedade e do poder político e, por conseguinte, sobre a natureza racional do Estado. Na história medieval e moderna, o contrato é amiúde também um fato histórico, ou seja, parte integrante de um processo político que leva ao CONSTITUCIONALISMO (v.) e, em especial, à necessidade de limitar o poder do Governo por meio de um documento escrito que estabeleça os respectivos e recíprocos direitos-deveres.
No Contratualismo medieval cruzam-se diversas e variadas influências. Vemos nele a permanência de elementos românicos: a lex regia de imperio, com que o povo romano conferia ao príncipe o imperium e a potestas, representa para alguns uma alienatio total, é válida para outros só na medida em que o príncipe age dentro dos limites da delegação (H. Bracton, por exemplo), para outros ainda é um pacto bilateral, revogável sempre que o príncipe menosprezar suas obrigações (Manegoldo de Lautenbach, por exemplo, fala de pacto e de deposição). Vemos também nele o enxerto de elementos germânicos, oriundos de populações que tinham uma estrutura política bastante primitiva, depois desenvolvidos com o feudalismo: a eleição do rei ou sua confirmação e o reconhecimento da sucessão se efetuam mediante simples promessa mútua, depois sancionada pelo juramento da coroação, em que o rei se compromete a respeitar a lei e a governar com o conselho dos "anciãos", a quem incumbe a função da vigilância. O sistema feudal se apresenta mais tarde como um complexo sistema de relações sinalagmáticas (ou contratuais) entre senhor e vassalo, pelo qual, se o vassalo gozava de direitos, também era obrigado, em troca, à fidelitas para com o senhor; a violação do pacto tornava justa a rebelião ou a repressão. A coroar tais elementos, se encontrava a cultura estóica que afirmava ser a relação política uma relação bilateral de direitos e deveres recíprocos. Servia de fundamento o aforismo de Sêneca (De benejiciis) que diz: "Ad reges enim potestas omnium pertinet, ad singulos proprietas".
Numa sociedade profundamente imbuída do senso do direito e sempre pronta a discutir o problema do Governo, estas teses, por sua mesma finalidade prática, levam não tanto a uma rigorosa elaboração conceptual do Contratualismo como teoria da vida social, mas a colher e evidenciar os traços característicos do tirano, aquele que não é mais representante de Deus mas instrumento do diabo, e a legitimar as sanções que o povo pode aplicar contra ele, sanções que vão da deposição ao tiranicídio. As teses dos pensadores da tardia Idade Média, como as de Marsílio de Pádua (1275-1342), Ockam (1290-1349), Bartolomeu de Sassoferrato (1317-1357), Nicolau de Cusa (1401- 1464), reproduzirão temas do século XI (Manegoldo de Lautenbach) e do século XII (João de Salisbury) e não estarão muito longe do que defenderiam os monarcômacos protestantes, como G. Buchanan (1506- 1582), F. Hotman (1523-1590), o autor anônimo (talvez Ph. Duplessis-Mornay) de Vindictae contra tyrannos (1579), J. Milton (1608-1674), ou os teólogos da Segunda Escolástica, como L. de Molina (1535-1600), R. Belarmino (1542-1621), J. de Mariana (1536-1623), F. Suarez (1548-1617). Mas esta vasta literatura, conquanto importante para a história do Contratualismo, não pode dele fazer parte em sentido estrito, por diversos motivos: é motivada por interesses imediatamente práticos, é nela predominante o elemento religioso, não é expressão de um ensaio de racionalização integral da vida política (demonstra-o a ausência do estado de natureza, por um lado, e, por outro, a sólida presença de um direito natural não secular), não há nela a concepção individualista da vida que caracteriza o Contratualismo clássico, nem a concepção do utilitarismo, que é sua conseqüência direta, salvo em Rousseau e Kant.
O Contratualismo, como fato histórico, demonstra sua vitalidade, com características novas e originais, na Idade Moderna. Demonstra-a na experiência democrática da Nova Inglaterra, onde o pacto é o instrumento concreto na formação de um real estado de natureza para novas sociedades que hão de enfrentar os duros e dramáticos problemas da fronteira e do wilderness (espaços desertos); demonstra-a igualmente na experiência aristocrático-liberal da Inglaterra em busca de uma codificação do novo equilíbrio constitucional entre a Coroa e o Parlamento.
O primeiro de tais documentos, o mais conhecido, mas não o mais importante, é o pacto assinado a 11 de novembro de 1620 no Mayflower, chegado às costas de Cape Cod, por quarenta e dois puritanos separatistas: com este pacto tinha início uma nova comunidade política, o assentamento de Plymouth, que se autogovernou até 1683, sob o regime de uma democracia direta, com assembléias gerais em que participavam todos os colonos. Histórica e politicamente mais importante foi a experiência das novas cidades fundadas depois de 1636, nas regiões que depois serão chamadas Rhode Island e Connecticut: vemos, na realidade, surgir em terras desertas, à margem de qualquer jurisdição política, novas e pequenas cidades, que baseiam sua existência num covenant ou agreement, subscrito por todos os proprietários livres com o intuito de constituir um "body politic incorporated" ou um "civil body politicke". Com este pacto se quer instituir um Governo democrático e popular, aceitando-se a submissão à vontade da maioria. Todo o poder residia na assembléia dos freemen; os magistrados, poucos, eram escolhidos anualmente. Com o tempo, devido ao aumento da população, que levou à instauração de um Governo representativo, e à necessidade da defesa, que obrigou as diversas cidades a federarem-se entre si, foram redigidos documentos muito mais elaborados, todos eles de origem pactuai: os Fundamental Orders do Connecticut (1639), o Frame of Government de New Haven (1643). Em 1643, também com base num instrumento pactício, nasce a confederação denominada "Colônias Unidas da Nova Inglaterra", a que só Rhode Island não aderiu por motivos religiosos. Desta experiência — uma experiência mais vivida por amplos estratos da população do que determinada por influências culturais — surgiu a necessidade de elaborar um documento escrito que não proviesse de um poder estranho à comunidade, mas fosse sua própria expressão. Isto conduzirá logicamente a um documento de caráter pactuai, Artigos da Confederação, em 1777, e à Constituição dos Estados Unidos da América, em 1787.
O outro documento escrito, de inspiração contratualista, é o que pôs fecho à Gloriosa Revolução de 1688-89: o Parlamento Convenção de 1689 elegeu para o trono da Inglaterra Guilherme e Maria, impondo-lhes condições bem claras. Rejeitava-se assim a teoria do direito divino dos reis. O famoso Bill of rights contém claras limitações ao poder real e constitui um verdadeiro e autêntico contrato entre o rei e o povo, este representado pelo Parlamento, embora o conteúdo seja bem pouco inovador em relação à velha praxe constitucional inglesa. Chamou-se a este documento Declaração dos Direitos só porque a palavra contrato parecia demasiado revolucionária.
As vias do constitucionalismo continental foram, em certos aspectos, diversas das do constitucionalismo das nações anglo-saxônicas e menos influenciadas pela temática contratualista: a constituição não foi nem um pacto original subscrito por todos os cidadãos que queriam viver em sociedade, nem o encontroentre a vontade do povo e a vontade do rei. As constituições do continente são ou concessões do monarca (cartas octroyées) ou expressão da vontade de uma assembléia constituinte que representava a vontade do povo. Mas, se a legitimação destas constituições é diversa da contratualista, elas vão buscar, não obstante, à experiência histórica anglo-saxônica a necessidade de um documento escrito que regule e limite os poderes do Governo e ao Contratualismo a legitimação do Governo através do consenso.
 VI. O NEOCONTRATUALISMO CONTEMPORÂNEO.
 — O Contratualismo, parecendo haver saído de cena, tem ocupado recentemente um lugar central no campo da filosofia política: partindo do pacto social, ou seja, das regras de jogo que hão de ser estabelecidas antes do seu início, procura-se encontrar um fundamento para a obrigação política e para o cumprimento da lei.
Contudo, os principais expoentes desta corrente não chegam a conclusões políticas idênticas: John Rawls visa a uma maximização da igualdade; (ames Buchanan a readequar os princípios liberaldemocráticos ao Welfare State; Robert Nozick a reapresentar de modo tão radical a liberdade individual que acaba por defender a anarquia.
Rawls pretende chegar à definição racional de um princípio universal de justiça (da justiça distributiva entendida como eqüidade). Para isso parte do contrato social, a um nível de abstração bem mais alto que o de Rousseau e de Kant. Mediante a ficção da "posição original" (isto é, o estado de natureza), quer compreender a condição hipotética pré-social em que os indivíduos livres e racionais podem escolher os princípios de justiça da futura sociedade política.
Podem escolher de modo verdadeiramente "autônomo", ser deveras legisladores universais, expressar o homem numênico e não o fenomênico, porque, na posição original, existe um "véu de ignorância" não sobre problemas da sociedade e sobre valores morais, mas sobre os próprios dotes naturais e sobre a própria posição social futura. Deseja-se fazer cessar a tensão entre vontade geral e interesses particulares, fazer ver que a justiça também é utilidade (não soma de utilidades individuais), e estabelecer o princípio do "maximin", já que os homens, antes do salto para a sociedade, querem a justiça, ou seja, maximizar as posições mínimas. E assim que são formulados os dois princípios de justiça: "Cada indivíduo possui direito igual à mais ampla liberdade possível, compatível com a igual liberdade dos outros"; "As desigualdades sociais e econômicas hão de ser estruturadas de modo que sejam razoavelmente geradoras de vantagens para todos e ligadas a posições e cargos igualmente abertos a todos".
Buchanan distingue a opção fundamentalconstitucional (ou contrato), que estabelece as regras do jogo, das opções pós-constitucionais de caráter operativo que visam fins contingentes. É em conseqüência disso que distingue o "Estado protetor" ou "Estado-árbitro" — um poder neutral que, com o monopólio da sanção, impõe o cumprimento das normas jurídicas — e o "Estado produtivo" ou "Estado jogador", que fornece os bens públicos e cujos poderes discricionários deviam manter-se dentro da esfera do primeiro, que o limita. As novas regras do jogo teriam de obstar às preferências radicalmente individualistas, pois alimentam o conflito sem maximizar a utilidade individual, e favorecer, ao invés, o jogo e o intercâmbio cooperativos, para fomentar uma convivência construtiva. Nozick, pelo contrário, é fautor de um "Estado mínimo'', um Estado que teria uma única função, a de proteger os direitos individuais contra toda e qualquer forma de violação. Nasceria do campo do direito privado, como desenvolvimento da autoproteção que os vizinhos de moradia a si mesmos se dão associando-se, ou como aperfeiçoamento de agências que protegem quantos obtêm tal proteção: a ordem política, instaurada pelo Estado mínimo, é assim explicada em termos não políticos.
Não se trata de mera discussão acadêmica de filosofia política, porque as diferentes soluções são logo traduzidas numa maior ou menor interferência do Estado na vida social e econômica, sugerindo assim novos limites constitucionais (v.
CONSTITUCIONALISMO) na época da crise do Estado assistencial ou do bem-estar (v. ESTADO DO BEMESTAR).

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