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1 Opinião Pública e Comportamento Político Aula 2 Prof. Wellington Nunes 2 Conversa inicial Após uma discussão contextualizadora acerca do surgimento e desenvolvimento da opinião pública, podemos passar a analisar suas características em sociedades modernas ou de comunicação. Contextualizando Nesta segunda rota de aprendizagem, discutiremos sobre as relações entre meios de comunicação e opinião pública em sociedades modernas, as críticas sobre a existência de uma opinião pública em sociedades midiáticas, a distinção entre público e massa e a centralidade dos meios de comunicação nesse tipo de sociedade. Tema 1 – Comunicação e Opinião Pública em Sociedades Modernas Desde (pelo menos) o início do século XX, tanto na área da comunicação quanto da ciência política, discute-se as relações existentes entre meios de comunicação de massa e opinião pública, tendo como pano de fundo o binômio comunicação e poder. Essa temática de pesquisa surge nas duas primeiras décadas do século XX, na chamada “Escola de Chicago”, sob a batuta daqueles que são conhecidos como “pais fundadores” da Teoria da Comunicação, Harold Lasswell e Paul Lazarsfeld. Desde então, diversas teorias foram propostas para compreender os processos comunicacionais entre mídia e público: às abordagens mais simplistas que previam um receptor atomizado e passivo (Teoria da Agulha Hipodérmica, por exemplo), seguiu-se outras um pouco mais sofisticadas que já consideravam o processo de intermediação entre emissor e receptor da mensagem (Two Steps Flow), entre outras (Cervi, 2012, p. 42-44). Ainda durante a primeira metade desse século, portanto, começou-se a se questionar o protagonismo exclusivo da mídia em processos comunicacionais. Em outros termos, passou-se a diminuir a importância atribuída aos efeitos do conteúdo 3 emitido pelos meios de comunicação em seu público. Nas duas últimas décadas do século XX, no entanto, em um cenário de efervescências de toda ordem (política, social, tecnológica etc.), os meios de comunicação assumem papel preponderante na discussão de assuntos públicos, deslocando inclusive outros espaços tradicionais de debate, como partidos políticos e outras organizações sociais. Assim, passamos a viver em uma realidade cada vez mais midiática (ibidem, p. 44-45). Sendo assim, o estudo dos efeitos dos meios de comunicação no processo de formação e mudança da opinião pública adquire importância progressiva tanto na área da comunicação quanto da ciência política. Em termos sintéticos, é possível dividir, como fez Victor Blanco, as teorias dos efeitos midiáticos sobre a opinião pública em três grandes grupos. No primeiro grupo, estão as teorias elitistas, que atribuem um controle quase absoluto dos meios de comunicação sobre o público (passivo). No segundo, as teorias pluralistas, com um público soberano que escolhe livremente entre os conteúdos veiculados nas mídias. O terceiro grupo é composto pelas teorias elitistas institucionais, nas quais argumenta-se que os meios de comunicação sofrem influência tanto de estruturas sociais quanto de contextos institucionais, não sendo determinados, no entanto, por nenhum deles; dessa perspectiva, a opinião pública é influenciada e reproduz contextos sociais e comunicativos existentes (Blanco, 1999 apud Cervi, 2012, p. 45-46). A partir dessa última perspectiva, o papel desempenhado pela mídia é central para se entender os processos comunicacionais nas chamadas sociedades de comunicação. Antes de passarmos a discutir esse assunto, no entanto, faz-se necessário considerar duas perspectivas (bastante influentes) que questionam a utilidade e a existência da opinião pública naquele tipo de sociedade. Tema 2 – A Irracionalidade da Opinião Pública O caráter irracional da opinião pública em sociedades de massa foi elaborado, 4 na sua forma mais completa, pelo filósofo alemão Jürgen Habermas. O interesse desse autor pelos temas do espaço público e da opinião pública está presente desde o início da sua obra, como pode ser visto em Historia y crítica de la opinión pública (publicada originalmente em 1962) e na elaboração da sua Teoria da Ação Comunicativa (elaborada durante as décadas de 1970 e 1980). Isso porque esses assuntos são fundamentais na sua proposta de política deliberativa, sugerida como alternativa “para superar los déficits democráticos de las políticas contemporáneas” (Cucurella, 2001, p. 52-53). O conceito de esfera pública elaborado por Habermas possibilitou à teoria crítica, vinculada à Escola de Frankfurt, passar da censura à cultura de massas e à indústria cultural (como em Adorno e Horkheimer, por exemplo), para oferecer contribuições à teoria democrática contemporânea. Ou seja: a partir desses conceitos, “introduziu-se a possibilidade de uma ‘relação argumentativa crítica’ com a organização política, no lugar da participação direta” (Avritzer; Costa, 2004, p. 705-706). Não obstante, há outro desdobramento teórico (menos produtivo, do ponto de vista analítico) da análise da esfera pública, dessa vez, na área de estudos sobre meios de comunicação. Pensado inicialmente como um espaço intermediário entre sociedade e Estado, a esfera pública ou o espaço público seria o locus dos processos dialógicos entre indivíduos reunidos livremente para expressar suas opiniões e, por consequência, de produção da opinião pública (Cucurella, 2001, p. 53). Em sociedades de massa, no entanto, os cidadãos politicamente ativos, outrora interessados em questões públicas, teriam se convertido em autênticos “privatistas” ou, em linguagem frankfurtiana, de “atores da cultura” teriam se transformado em “consumidores de entretenimento” (Avritzer; Costa, 2004, p. 708). Dessa forma, as transformações ocorridas no interior da esfera pública em sociedades de massa inviabilizariam a existência de uma opinião pública autêntica e racional (Cervi, 2012, p. 56). Mesmo tendo sido revisto pelo próprio autor, esse tipo de interpretação, a partir 5 da obra de Habermas, continua sendo bastante influente e, em boa medida, contribuindo para a sobrevivência de uma abordagem pejorativa e pessimista acerca da opinião pública. Tema 3 – A Impossibilidade de se Aferir a Opinião Pública Outra abordagem bastante influente e que ajuda a manter vivo o caráter pessimista em análises sobre o assunto origina-se na obra de Pierre Bourdieu – mais precisamente no texto intitulado A opinião pública não existe. De acordo com ele, toda sondagem de opinião teria três postulados implícitos. Primeiramente, supõe-se que todo indivíduo pode ter uma opinião ou que a produção desta está ao alcance de todos. Em segundo lugar, postula-se que toda opinião tem o mesmo valor. Por último, ao colocar-se as mesmas questões a todos os indivíduos, embute-se a hipótese de que existe um consenso acerca dos problemas, isto é, das questões que merecem ser colocadas (Bourdieu, 2003, p. 233). Ainda de acordo com o autor, esses postulados presentes em sondagens de opinião fazem com que aspectos importantes sejam desconsiderados. O primeiro desses postulados, por exemplo, ignora o problema das não respostas, isto é, não se preocupa com o seu significado; o segundo resulta em “imposição da problemática”, ou seja, ignora que as questões colocadas em uma pesquisa de opinião não são aplicáveis a todos os entrevistados; o terceiro postulado não considera que há tanto mais opiniões sobre determinado problema quanto mais se está próximo dele, isto é, quanto mais interesse há, por parte dos entrevistados, naquele problema (ibidem, p. 236-242). A partir da análise desses e de outros aspectos, o autor constrói o argumento segundo o qual os problemas colocados em pesquisas de opinião estariam subordinados a interesses políticos, o que acabaria por dirigir tanto o seu conteúdo quantoo significado atribuído aos seus resultados (ibidem, p. 235). É importante notar, como faz Cervi (2012, p. 58), que Bourdieu não questiona a existência da opinião pública, como pode sugerir o título do seu texto, mas as maneiras utilizadas para apreendê-la. 6 Dessa forma, como sintetiza o próprio Bourdieu: i) o que eu quis dizer foi que a opinião pública não existe, pelo menos na forma que lhe atribuem os que têm interesse em afirmar sua existência; ii) disse que por um lado havia opiniões constituídas, mobilizadas, grupos de pressão mobilizados em torno de um sistema de interesses explicitamente formulados; e iii) por outro lado, disposições que, por definição, não constituem opinião, se por essa palavra compreendemos, como fiz ao longo dessa análise, alguma coisa que pode ser formulada num discurso com uma certa pretensão à coerência. (Bourdieu, 2003, p. 245) Tema 4 – Massa e Público: uma Distinção De acordo com a interpretação de Cervi (2012, p. 59), tanto as críticas feitas por Habermas quanto aquelas realizadas por Bourdieu teriam em comum a não distinção entre público e massa. Nesse sentido, segue o autor, caso a opinião seja extraída de uma massa (e não de um público), ela tenderia, de fato, a ser tão instável quanto sugere Habermas e, por consequência, impossível de se aferir, conforme argumentação de Bourdieu. Portanto, seria necessário distinguir entre os dois conceitos mencionados. A distinção clássica entre massa e público foi realizada por Herbert Blumer, em texto intitulado A massa, o público e a opinião pública e originalmente publicado em 1946. Nesse texto, a massa é interpretada como sendo composta por indivíduos pertencentes a uma ampla diversidade de grupos e culturas e cujo objeto de interesse situa-se fora do seu universo. Em função dessas características, o comportamento da massa é caracterizado por estratégias individuais, e não coordenadas de ação: a corrida pelo ouro e por terras nos Estados Unidos é um exemplo de comportamento de massa citado pelo autor (Blumer, 1977, p. 177-183). O público, por sua vez, é visto como “agrupamento militar coletivo”, sendo formado por pessoas que: i) estão envolvidas com uma questão comum; ii) que ostentam posições conflitantes sobre essa questão; e iii) que discutem acerca dessa questão. Em termos de características, o público não existe a priori, mas é uma resposta 7 à uma situação específica e conforma-se em torno do “desacordo” e da “discussão”. Seu comportamento, portanto, enfrenta o dilema de construir unidade a partir da divisão e do confronto de opiniões. Dessa perspectiva, o público compõe-se de distintos grupos de interesses e de grupos de espectadores mais desinteressados: os primeiros, cada um com sua respectiva posição, procura atrair para seu lado os grupos desinteressados que, nesse sentido, funcionam como árbitros da disputa. Na tentativa de persuadir os desinteressados, os grupos de interesse utilizam-se de todos os meios de influência disponíveis, incluindo os meios de comunicação e propaganda (ibidem, p. 183-185). É nesse contexto que o autor entende a natureza variável da opinião pública. Além disso, ela é vista como um produto coletivo no qual não existe unanimidade nem consenso, tampouco prepondera, necessariamente, a opinião da maioria. Sendo caracterizada como uma tendência central entre opiniões antagônicas, a opinião pública configura-se de acordo com a força relativa entre as posições em confronto. Nesse sentido, a influência de um grupo minoritário pode superar aquela exercida pela maioria na conformação da opinião coletiva. Dessa perspectiva, a opinião pública está sempre voltada para uma decisão, ainda que esta não seja nem unânime nem formada pela maioria (ibidem, p. 184-185). Tema 5 – A Centralidade dos Meios de Comunicação Na perspectiva exposta no Tema 4, os meios de comunicação passam a desempenhar um papel central em sociedades contemporâneas: são eles os principais mecanismos utilizados no processo de convencimento de grupos desinteressados. A questão da qualidade da opinião pública produzida nesse processo, por sua vez, depende, evidentemente, da “vigência da discussão pública” que, no que lhe diz respeito, depende da “disponibilidade” e “flexibilidade” dos meios de comunicação. A utilização efetiva destes e sua importância para o debate público variam em função da liberdade existente para a abordar e discutir as diferentes questões (Blumer, 1997, p. 186). 8 De acordo com Blumer, a discussão pública pode se desenvolver em diferentes níveis de profundidade e limitação, com diferentes grupos de interesse tentando “provocar atitudes emocionais e difundir desinformação” nos grupos desinteressados. Esse tipo de constatação, no entanto, não endossa o argumento do caráter emocional e irracional da opinião pública: “o fato de que as controvérsias sejam defendidas e justificadas, submetidas a críticas e desmascaradas, implica avaliação, confronto e julgamento” (ibidem, 185-186). Além disso, embora os meios de comunicação tenham adquirido importância fundamental na esfera pública, eles não são os únicos a veicular ideias e publicar informações. Os partidos políticos, por exemplo, têm o papel histórico de agregar interesses e difundir ideias e opiniões: o que, dependendo do grau de estruturação que os partidos têm em determinada sociedade, pode reconfigurar as demandas do público e diminuir o espaço disponível para a atuação dos meios de comunicação (Cervi, 2012, p. 63). Nesse sentido, como argumenta Graber (2003), não se pode generalizar o tipo de relação existente entre mídia e democracia, já que os dois lados dessa equação têm permeabilidade variáveis a fatores de ordem social, econômica e política (Graber apud Cervi, 2012, p. 63). Na prática Embora seja desnecessário reafirmar a centralidade dos meios de comunicação nas democracias contemporâneas, é preciso ter em conta: i) que eles não são os únicos a difundir opiniões e informações e ii) a influência da mídia pode variar de uma realidade para outra. O papel desempenhado pelas eleições pode explicar esses dois aspectos. Em processos eleitorais, os partidos políticos concorrem com a mídia no processo de geração e difusão de informações e opiniões. Nesse sentido, dependendo da relevância adquirida pelos partidos em dada sociedade, pode haver menos espaço para a 9 influência dos meios de comunicação durante o pleito eleitoral. Esse cenário pode mudar, inclusive, de uma eleição para outra. Síntese As diversas perspectivas aqui abordadas servem, principalmente, para ilustrar a importância adquirida pelas mídias em processos comunicacionais contemporâneos. Essa importância progressiva é que tem conduzido às alcunhas de sociedade de comunicação ou midiáticas para qualificar as sociedades atuais. Nesse sentido, mesmo que algumas correntes interpretativas tenham se dedicado a negar a existência de uma opinião pública racional e coerente, bem como a possibilidade de apreendê-la, parece mais útil, diante da constatação da sua relevância progressiva, estudar de forma sistemática o papel desempenhado pelos meios de comunicação nas sociedades contemporâneas. Referências Avritzer, L.; Costa, S. Teoria crítica, democracia e esfera pública: concepções e usos na América Latina. Dados, v. 47, n. 4, p. 703-708, 2004. Blumer, H. A massa, o público e a opinião pública. In: Cohn, G. (Org.). Comunicação e indústria cultural. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1977. Bourdieu, P. Questões de sociologia. Lisboa: Fim de Século Edições, 2003. Cervi, E. Opinião pública e comportamento político. Curitiba: Editora InterSaberes, 2012. Cucurella, M. B. La opinión pública en Habermas. Anàlisi, n. 26, p. 51-70, 2001.
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