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A CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA E AUTONOMIA NEGOCIAL Revista de Arbitragem e Mediação | vol. 43/2014 | p. 129 - 153 | Out - Dez / 2014 DTR\2014\21096 Roberto G. La Laina Mestre em Direito Civil pela PUC-SP. Advogado. Área do Direito: Constitucional; Civil; Arbitragem Resumo: Na condição de negócio jurídico bilateral ou plurilateral, a cláusula compromissória deve ser assimilada em conformidade com os preceitos e teorias aplicáveis pela doutrina civil na atualidade. Realizando retrospectiva em momento histórico relevante e explorando teorias desenvolvidas por autores contemporâneos, busca-se distinguir autonomia da vontade e autonomia privada e assimilar a concepção de autonomia negocial. Explorando-se a evolução da doutrina contratual, o progresso do direito civil-constitucional e a participação do Estado nas relações contratuais de natureza privada, revela-se a cláusula compromissória como efetiva manifestação de autonomia negocial. Palavras-chave: Cláusula compromissória - Compromisso arbitral - Convenção de arbitragem - Autonomia da vontade - Autonomia privada - Autonomia negocial. Abstract: The arbitration clause shall be analyzed under the Legal Transaction Theory in accordance with the principles and concepts exposed by civil law scholars. By performing a retrospective study in a noteworthy moment in history, taking into account postmodern theories developed by scholars, it is possible to recognize the distinction between party's internal will and party's will duly expressed and to learn the conception and evolution of party autonomy as well. By exploring the improvement of the contractual doctrine, the development of the Brazilian Civil and Constitutional Law and the participation of public and governmental entities in certain contracts, it is possible to sustain the arbitration clause as an expression of advanced party autonomy. Keywords: Arbitration clause - Legal transaction theory - Party autonomy - Advanced party Autonomy. Sumário: 1. Introdução - 2. A cláusula compromissória: evolução e algumas particularidades - 3. Natureza jurídica da cláusula compromissória. Breves ponderações - 4. Autonomia da vontade vs. autonomia privada - 5. Aspectos históricos e esclarecimento de conceitos - 6. A evolução da concepção de autonomia privada - 7. A cláusula compromissória como expressão de autonomia negocial - 8. Bibliografia 1. Introdução Pode-se definir cláusula compromissória (ou cláusula arbitral) como a convenção contemplada entre duas ou mais pessoas, por meio da qual se comprometem a levar futuras controvérsias decorrentes de determinado negócio jurídico para serem solucionadas por arbitragem; ou, simplesmente, como a convenção mediante a qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato.1 No contexto internacional, Fouchard, Gaillard e Goldman a definem como “an agreement by which the parties to a contract undertake to submit to arbitration the dispute which may arise in relation to that contract”.2 Diversas são as concepções empregadas pela doutrina arbitral para definir a cláusula A cláusula compromissória e autonomia negocial Página 1 compromissória, as quais se completam em sentido valioso. Todavia, apesar dessa convergência, certos conceitos vêm se disseminando nos meios jurídicos em dissonância com valores e preceitos consagrados pela doutrina civil na atualidade. Exemplo pontual disso é o tratamento que parte dos arbitralistas confere à cláusula compromissória, ao considerá-la expressão de autonomia da vontade. Trata-se de equívoco técnico que vem se alastrando de forma praticamente instintiva nos meios jurídicos e que deve ser esclarecido a serviço do direito e em benefício do instituto da arbitragem – que não se trata de uma espécie de moda jurídica, sem relação com as necessidades reais do país; mas, ao contrário, de um verdadeiro imperativo vinculado ao seu desenvolvimento.3 2. A cláusula compromissória: evolução e algumas particularidades A cláusula compromissória encontra-se acolhida pelo direito positivo. A Lei 9.307/1996 (“Lei de Arbitragem”) a recepciona, com propriedade, no art. 4.º, caput.4 Encontra-se também prevista no art. 853 do CC/2002 brasileiro.5 Nos termos do art. 3.º da Lei de Arbitragem, a cláusula compromissória e o compromisso arbitral são espécies do gênero convenção de arbitragem6 – e por compromisso arbitral entende-se a convenção pela qual as partes submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial. Em épocas passadas, a cláusula compromissória era assimilada pela doutrina nacional como um contrato preliminar (pacto de compromittendo), cujo objeto era justamente a realização do compromisso7 (o compromisso8 arbitral). Generalizou-se o entendimento de que o pacto de compromittendo não possuía efeito vinculativo, o que o caracterizava como verdadeiro pactum nudum (ou nudum pactum), passível de indenização somente.9 A jurisprudência, de forma pacífica, corroborava tal pensamento10 e não conferia ao pacto de compromisso o efeito necessário para instauração do procedimento arbitral. Conforme relata Carlos Alberto Carmona, até o advento da Lei de Arbitragem, a cláusula compromissória foi totalmente desprestigiada no direito interno brasileiro, de tal sorte que o Código de Processo Civil não permitia a instauração do juízo arbitral a não ser na presença do compromisso arbitral; entendiam os tribunais pátrios que o desrespeito à cláusula arbitral não permitia a execução específica de obrigação de fazer, resolvendo-se o inadimplemento em perdas e danos, reconhecidamente de difícil liquidação.11 Esses entendimentos encontram-se superados em razão dos avanços promovidos no direito positivo, apesar de resistências ainda existirem por parte de alguns autores quanto à assimilação de determinados conceitos. Ao considerar a cláusula compromissória como “um contrato dentro de outro”,12 Sílvio de Salvo Venosa assinala que: “Por essas cláusulas ou pacto compromissório (termo que deriva de compromissum do direito romano, conhecido na língua inglesa como submission agreement), as partes comprometem-se a submeter-se a um futuro julgamento arbitral. Não se trata ainda de estabelecer compromisso; cuida-se de contratação preliminar, promessa de contratar. A relação contratual que se sujeita à arbitragem pode ser denominada contrato-base”.13 Interpretar a cláusula compromissória ainda como contrato preliminar não corrobora a A cláusula compromissória e autonomia negocial Página 2 efetividade que a lei lhe confere como mecanismo concreto à instauração do procedimento arbitral – efetividade essa que há décadas era almejada pelos defensores da arbitragem. Com a previsibilidade de se instaurar o juízo arbitral por meio de execução específica, quando a cláusula compromissória é desrespeitada por uma das partes, rechaça-se a possibilidade de assimilá-la como contrato preliminar. Trata-se de negócio jurídico autônomo, embora atrelado a outro. Influenciado por instigações doutrinárias e legislações estrangeiras, o legislador brasileiro foi diligente e, ao mesmo tempo, arrojado. Diligente, ao retirar da cláusula compromissória o sentido de instrumento acessório, transformando-a em negócio jurídico autônomo e independente, e conferindo jurisdição ao árbitro para decidir sobre sua própria competência – para inclusive apreciar e julgar a validade da cláusula compromissória, assim como do instrumento ao qual está atrelada.14 Arrojado, no sentido de romper paradigmas clássicos que a qualificavam como pacto preliminar, conferindo-lhe força necessária para servir de mecanismo concreto e efetivo à instauração do procedimento arbitral.15 O caráter “autônomo” da cláusula compromissória é a ela inerente. Reforça sua eficácia.16 A autonomia da cláusula compromissória é considerada princípio geral do instituto da arbitragem. É, inclusive, consubstanciada mediante emprego de outros preceitos legais, inclusive a boa-fé e o Kompetenz-Kompetenz (competência-competência17)– outro princípio geral do instituto da arbitragem. Ambos se complementam. Trata-se, na prática, de uma relação de coexistência, pois exercem, conjuntamente, funções agregadoras e benéficas à cláusula compromissória e à arbitragem. Afirma Pedro A. Batista Martins que: “A Kompetenz-Kompetenz complementa o pressuposto da autonomia e com ele convive, como siameses, pois a eficácia da autonomia alia-se à adoção do princípio da competência-competência. Este, ao operacionalizar o preceito da autonomia, lhe assegura efeito práticos, conferindo-lhe atuação concreta no mundo jurídico”.18 Com o advento da Lei de Arbitragem, a cláusula compromissória deixou de possuir o sentido de pactum de compromittendo. Não acolhe mais o formato de pré-contrato, tampouco de promessa de contratar. Conforme ressalta Giovanni Ettore Nanni, deixou de ser mera promessa de comprometer-se. 19 É mecanismo efetivo de viabilização do procedimento arbitral. Não mais se trata de simples obrigação de fazer, cujo inadimplemento deva ser resolvido mediante reivindicação de perdas e danos. Não tem por objeto outro “ato jurídico” mas uma obrigação de fazer específica, i.e. a obrigação de instaurar o procedimento arbitral, ainda que as partes venham, quando do surgimento da controvérsia, firmar o compromisso arbitral. A obrigação de fazer nela estipulada é dar início ao procedimento arbitral. José Emilio Nunes Pinto enfatiza que: “(…) o quadro se modificou de forma substancial. Além de outorgar à cláusula compromissória execução específica (art. 7.º), atribui-se a ela, desde que possa interpretá-la como cláusula completa ou, ainda, na terminologia arbitral, ‘cláusula cheia’, o condão de ser suficiente e bastante para instituir a arbitragem. Por essa razão e nessas circunstâncias, o compromisso passa a desempenhar um papel secundário, já que por força do art. 5.º da Lei, proceder-se-á da forma prevista nas regras escolhidas”.20 Note-se que, apesar de ter perdido a condição de “convenção preliminar” após a vigência da Lei de Arbitragem, a cláusula compromissória não perdeu seu caráter genérico. E nem A cláusula compromissória e autonomia negocial Página 3 poderia. A cláusula compromissória acolhe número indeterminado de controvérsias futuras em relação ao negócio jurídico ao qual está atrelada.21 Em meados do século passado, Roberto de Ruggiero já observava essa particularidade com precisão, ainda que numa percepção desenvolvida na conjuntura de convenção preliminar: “o que há de especial na cláusula é que nela as controvérsias, como eventuais e futuras, são indeterminadas (…)”.22 Não obstante, apesar dos avanços promovidos no direito positivo, especialmente quanto à previsibilidade da cláusula compromissória ser objeto de execução específica, parte da doutrina especializada ainda não assimilou determinadas concepções e teorias, as quais devem ser exploradas para o aperfeiçoamento técnico da cláusula compromissória e, principalmente, para um propósito mais abrangente: contribuir para o desenvolvimento da arbitragem no direito brasileiro. A doutrina arbitral, salvo algumas exceções,23 vem qualificando a cláusula compromissória como manifestação de autonomia da vontade. A disseminação imperfeita desta expressão nos meios jurídicos é aspecto crítico e deve ser esclarecida. Não se trata de discussão puramente terminológica e de contributos linguísticos superficiais. É questão técnica que deve ser explorada justamente para o desenvolvimento da arbitragem no Brasil. 3. Natureza jurídica da cláusula compromissória. Breves ponderações No universo em que está inserida, a cláusula compromissória não acolhe apenas uma mera relação intersubjetiva. A cláusula compromissória gera consequentes obrigações correlativas: uma imediata, que se estabelece entre os próprios signatários; outra que se projeta para o futuro e abrange os signatários e o árbitro ou corpo de árbitros; e, no caso de árbitros múltiplos, mais uma, que também se projeta para momento futuro e se estabelece entre os integrantes que formarão o tribunal arbitral. A cláusula compromissória não abriga elementos essencialmente patrimonialistas, como aparentemente se idealiza, já que nos contratos há sempre um sentido patrimonial enraizado, na medida em que se impõe uma função própria e que é inerente à sua natureza. Segundo Judith Martins-Costa, “O âmbito precípuo dos contratos é, portanto, o campo das relações patrimoniais, sendo sua função própria formalizar operações econômicas de circulação de riquezas, isto é, operações de circulação de bens entre um patrimônio e outro – tanto assim é que o contrato é considerado, de per si, justa causa para a circulação de riquezas entre patrimônios, configurando a estrutura jurídica par excellence para justificar atribuições patrimoniais”.24 A cláusula compromissória não promove a circulação de riquezas, nem a constituição de riquezas. Ainda que o instituto da arbitragem possa ser assimilado como mecanismo capaz de assegurar tais atributos, estes não se encontram estabelecidos na essência da cláusula compromissória. Possui, assim, natureza distinta, com características muito mais negociais do que meramente contratuais. É negócio jurídico. Deve ser assimilada em conformidade com os preceitos que abalizam a teoria do negócio jurídico, especialmente por meio de uma percepção estrutural,25 como fato jurídico que, por causa de suas circunstâncias, é visto socialmente como declaração de A cláusula compromissória e autonomia negocial Página 4 vontade. Conforme leciona Antônio Junqueira de Azevedo: “Uma concepção estrutural do negócio jurídico, sem repudiar inteiramente as concepções voluntaristas, dela se afasta, porque não se trata mais de entender por negócio um ato de vontade do agente, mas sim um ato que socialmente é visto como ato de vontade destinado a produzir efeitos jurídicos. A perspectiva muda inteiramente, já que de psicológica passa a social. O negócio não é o que o agente quer, mas sim o que a sociedade vê como a declaração de vontade do agente. Deixa-se, pois, de examinar o negócio através da ótica estreita do seu autor e, alargando-se extraordinariamente o campo de visão, passa-se a fazer o exame pelo prisma social e mais propriamente jurídico”.26 Em apertada síntese: o negócio jurídico existe independentemente da vontade, a qual é apenas um meio de correção do negócio, no sentido de evitar efeitos não queridos pelo agente.27 É nesse contexto que a cláusula compromissória deve ser compreendida e assimilada. 4. Autonomia da vontade vs. autonomia privada A doutrina clássica, representada por renomados civilistas, conferia à autonomia da vontade sentido que atualmente pode ser atribuído à autonomia privada. Para San Thiago F. Dantas, por exemplo, o princípio da autonomia da vontade, “se traduz, em primeiro lugar, na liberdade reconhecida às partes de estipularem o que lhes convier, fazendo de sua convenção uma verdadeira norma jurídica, que entre elas opera como lei”.28 Trata-se, entretanto, de acepção equivocada que se amolda muito mais à concepção de autonomia privada. Na mesma linha são os entendimentos de Limongi França: “é o princípio por força do qual as partes têm ampla liberdade para contratar, sendo de se assinalar que se caracteriza por dominar as estruturas individualistas”.29 Esses pensamentos encontram-se superados. Não condizem mais com os conceitos atualmente empregados neste campo do direito. Influenciada pela doutrina clássica, parte dos arbitralistas e operadores do direito ainda não assimilou adequadamente a distinção entre autonomia da vontade e autonomia privada, tampouco a acepção de autonomia negocial, e vem considerando inadequadamente a cláusula compromissória como expressão do princípio da autonomia da vontade. Deve-se corrigir essas interpretações equivocadas, as quais se justificam muito mais em função de fatores atinentes à formação acadêmica dos juristas e operadores do direito do que por motivos ideológicos, puramente conceituais ou de qualquer outra natureza. Formados num períodoem que a autonomia da vontade era lecionada e assimilada sem que se levassem em conta certos aspectos atinentes à distinção entre vontade interna e a respectiva exteriorização, i.e. a manifestação da vontade qualificada, ou seja, a declaração da vontade, muitos autores ainda cultivam a expressão autonomia da vontade em sentido que se encontra superado. Por esse motivo, parcela da doutrina ainda não apreendeu os ensaios desenvolvidos pelos civilistas contemporâneos, que convergem no sentido de atribuir significado adequado à autonomia da vontade e percepções semelhantes relativamente às concepções de autonomia privada e de autonomia negocial. A cláusula compromissória e autonomia negocial Página 5 Segundo Menezes Cordeiro, “a autonomia privada é um instituto geral de todo o Direito privado. Ela pode ser apresentada como liberdade ou autonomia contratual ou como liberdade ou autonomia negocial, quando se tenha em vista a celebração de contratos ou de negócios”.30 Já Eduardo Silva da Silva sustenta que “a autonomia negocial enquanto autonomia para efetuar negócios jurídicos é concebida como derivação e especificação da autonomia privada”.31 Atualmente, os civilistas se alinham na medida em que conferem à autonomia da vontade sentido preciso, assimilando o elemento liberdade de acordo com o caráter estritamente subjetivo que a ela é inerente. Esses entendimentos devem ser absorvidos pela doutrina arbitral, para que os arbitralistas possam assimilar com propriedade a distinção entre autonomia da vontade e autonomia privada e conferir à cláusula compromissória o tratamento apropriado. Para tanto, é oportuno observar através da história do Direito, ainda que de forma sintética, certos aspectos, para esclarecer conceitos acerca da vontade, especialmente a partir do final da Idade Moderna, muito embora a autonomia privada já se apresentasse nas relações desenvolvidas na Idade Média e, inclusive, em períodos precedentes.32 5. Aspectos históricos e esclarecimento de conceitos Regressando ao período pré-Revolução Francesa, caracterizado pelo surgimento de pensamentos revolucionários, contrários aos privilégios até então assegurados à nobreza e ao clero, e que posteriormente viriam a alimentar a consumação da própria Revolução e a servir como embasamento à criação de institutos e ordenamentos jurídicos,33 destacam-se dois importantíssimos filósofos que prestaram valiosos serviços não apenas à história e à filosofia, mas, principalmente, ao Direito. É a partir de Jean Jacques Rousseau e Immanuel Kant que surgiram diversas correntes que revolucionaram a sociedade e o próprio ambiente jurídico dos séculos seguintes. Independentemente de qualquer julgamento ou crítica aos respectivos pensamentos, Rousseau e Kant foram responsáveis pelo desenvolvimento de teorias e conceitos que são até hoje utilizados no meio jurídico,34 ainda que de maneira parcial, relativizada ou adaptada. Em Rousseau, encontra-se o início do individualismo jurídico, notadamente ao basear o direito no consenso de vontades, aprimorando a teoria do consensualismo jurídico que, apesar de não ter sido por ele lançada, é nele que atinge seu sentido pleno e, com isso, ganha notoriedade. O direito era para Rousseau uma livre criação da vontade dos indivíduos,35 e a vontade geral – designação essa atribuída pelo próprio Rousseau – seria sempre a vontade da sociedade.36 Por seu turno, Kant aprimora o individualismo jurídico, que passou a se manifestar pelo predomínio absoluto da razão subjetiva como única norma do direito, e não no arbítrio individual. A liberdade passa a ser o único direito inato do homem. Direito e moral assim se dividem, conforme regulam a liberdade externa ou interna. Legalidade e moralidade dirigem respectivamente os atos exteriores e interiores do homem. O direito natural repousa sobre o conceito de liberdade individual e está, como a moral, subordinado à sua concepção geral da autonomia da razão e da vontade, independentes de qualquer finalidade.37 Através da obra Fundamentos da metafísica dos costumes,38Kant propôs a autonomia como A cláusula compromissória e autonomia negocial Página 6 constituição da vontade. Assinala Eros Grau alguns dos pensamentos de Kant da seguinte maneira: “Em Kant opera-se a sistematização da independência do direito em relação à moral: a moralidade encontra seu fundamento na liberdade interna da vontade, que porta em si a regra moral e é autônoma, independendo de qualquer lei (…); o direito, ao contrário, respeita a liberdade externa da vontade, submetida ao império da lei, à coação exterior (…) as leis não impõem nenhuma obrigação moral, pois o direito não é dotado de conteúdo moral; para o direito basta a legalidade (…), sem nenhum atendimento a motivos éticos; ao direito é inerente a coatividade, como condição da coexistência das liberdades de todos (…)”.39 A racionalização do direito representava uma forma de individualismo voluntarista e indicava, por outro lado, a exteriorização do direito, uma redução a um simples corpo de regras, capazes de conter as liberdades individuais em choque na sociedade.40 Embora tenham origem previamente ao individualismo jurídico, os princípios da autonomia da vontade e da autonomia privada começam a se aprimorar a partir deste movimento, atrelando-se na expressão de liberdade, ainda que a distinção conceitual entre ambos fosse desenvolvida muitos anos depois. Desvendou-se, a partir daquele momento, que a vontade, assimilada como razão subjetiva do indivíduo, necessitava ser integralmente transportada ao plano externo para sua revelação. Somente através da efetiva vinculação dos elementos interiores com os exteriores, a transmissão dos anseios internos ao campo externo, é que esse animus kantiano se revelaria. E uma vez coerentemente revelado, manifestada a vontade estaria. A teoria da autonomia da vontade, embora não tenha sido formulada por Kant em sua gênese, é em Kant que se aprimora, ao considerar a liberdade como o único direito inato do homem. Por seu turno, a autonomia privada – também relacionada ao conceito de liberdade – possui, da mesma forma, componentes derivados dos pensamentos de Kant, em função da necessidade de se transmitir a vontade interior ao plano externo para a respectiva revelação. Não obstante as proposições de Rousseau e, principalmente, Kant, as distinções entre autonomia da vontade e autonomia privada somente viriam a ser desvendadas e aprimoradas pela doutrina a partir da segunda metade do século passado. Exalta-se, nesse sentido, a contribuição prestada por Luigi Ferri, ao definir, com primazia, autonomia da vontade e autonomia privada e apontar a existência de diferenças cruciais entre tais concepções.41 Ainda que Emilio Betti tenha, da mesma forma que Luigi Ferri, contribuído (e de fato contribuiu) para desenvolver a concepção de autonomia privada, ao conferir à autonomia sentido naturalístico (qualificando-a, em apertada síntese, como fato natural, existente nas relações humanas previamente ao respectivo acolhimento pelo direito positivo42), é em Ferri que a teoria da autonomia privada encontra sua base sólida. Alimentada principalmente pelos ensinamentos de Luigi Ferri, parcela da doutrina aderiu às suas convicções e conseguiu enxergar a distinção entre aludidos princípios e, inclusive, desenvolvê-los com propriedade. Através das percepções de Ferri, foi possível identificar que a autonomia da vontade apresenta conteúdo voluntarista e psicológico, que envolvem os anseios interiores do indivíduo. A cláusula compromissória e autonomia negocial Página 7 Trata-se da liberdade conferida naturalmente às pessoas para atuarem de acordo com seus anseios; a liberdade que as pessoas possuem para agir ou se manifestar a respeito de determinada situação, de acordo com suas vontades. Por seu turno, a autonomia privada aplica-se como prerrogativa assegurada aos sujeitos de direito, munidos de capacidade para criarem regras específicas para suas relações contratuais e, deste modo, sujeitarem-se aos respectivosefeitos. Confere-se “poder” aos sujeitos de direito para assentarem aquilo que lhes seja conveniente e atribui-se, à correspondente convenção, força de norma jurídica. Segundo Rosa Maria de Andrade Nery: “Pode-se afirmar que a ideia da autonomia da vontade liga-se à vontade real ou psicológica dos sujeitos no exercício pleno da liberdade própria de sua dignidade humana, que é a liberdade de agir, ou seja, a raiz ou a causa de efeitos jurídicos. Respeita, portanto, a relação entre vontade e declaração e é um desdobramento do princípio da dignidade da pessoa humana, porque destaca a liberdade de agir da pessoa, sujeito de direitos. A autonomia privada é outra coisa. É princípio de direito privado. Situa-se em outro plano, ligada à ideia de poder o sujeito de direito criar normas jurídicas particulares que regerão seus atos (…) A autonomia privada, como fonte normativa, é fenômeno que permite que o sujeito celebre negócios jurídicos (principalmente negócios jurídicos bilaterais, ou seja, contratos), que são extraordinários mecanismos de realização de direito, na medida em que o negócio jurídico é um modo de manifestação de normas jurídicas (ainda que particulares)”.43 Diogo Leonardo Machado de Melo, utilizando-se dos ensinamentos de Luigi Ferri, sustenta que a autonomia privada se caracteriza como poder normativo e o negócio como fonte normativa. Assinala, ainda, que a concepção do direito como vontade objetiva não exclui a ideia de que a norma pode ser criada por sujeitos.44 Em suma, é através do princípio da autonomia privada que se assegura às partes o direito de estipular aquilo que anseiam e, com isso, atribuir o valor de norma à correspondente convenção. É a prerrogativa que confere às partes a liberdade de celebrar negócios jurídicos, de convencionar, fazendo dessa convenção a força de norma jurídica que governará a relação intersubjetiva. Com efeito, torna-se perceptível que a cláusula compromissória não é manifestação de autonomia da vontade. Porém, tal constatação ainda é insuficiente para revelar sua verdadeira expressão. É preciso assimilar a evolução da concepção de autonomia privada. 6. A evolução da concepção de autonomia privada A concepção de autonomia privada ingressou numa fase de profunda transformação no final do século passado, absorvendo novos valores que se tornaram exigíveis pelo direito ao seu tempo. Dois enfoques podem ser conferidos à evolução da concepção de autonomia privada a partir das últimas décadas do século passado: (i) um que se relaciona com o desenvolvimento da doutrina do contrato e do próprio direito positivo; (ii) outro que envolve a participação do Estado, de empresas públicas e sociedades de economia-mista nas relações contratuais de natureza privada, assim como a participação de particulares e entidades privadas que tutelam interesses coletivos ou difusos. A cláusula compromissória e autonomia negocial Página 8 6.1 A nova doutrina contratual e o desenvolvimento do direito positivo Em razão de fatores históricos e socioeconômicos decorrentes do desenvolvimento do liberalismo econômico, o instituto do contrato – expressão jurídica máxima da liberdade contratual45 e que havia se tornado fundamental ao progresso das mais diversas economias e mercados – passou a receber inspirações não apenas de preceitos do Direito Público, mas, principalmente, de ideais sociológicos. Além do princípio da supremacia da ordem pública, que se apresentava como instrumento de equilíbrio entre os interesses individuais e os sociais e, portanto, predominante sobre ideais clássicos do individualismo, outros valores passaram a ser considerados com vistas a evitar os excessos do preceito de liberdade que o individualismo havia expandido – preceito este que, em determinadas circunstâncias, era antagônico ao próprio direito que a liberdade expressava. Fatores ético-sociais começaram a interferir na esfera privada com o objetivo de “balancear” as relações econômicas, proteger as partes contra os excessos e abusos que as próprias relações passaram a permitir, zelar pelos desequilíbrios injustamente desenvolvidos na vigência contratual, assim como garantir a segurança indispensável ao próprio direito. Com efeito, amadureceu-se a necessidade de ajustar o instituto do contrato à evolução das relações socioeconômicas. Desenvolveram-se novos preceitos, os quais se inserem na denominada nova teoria contratual. Sinteticamente, entende-se por nova teoria contratual a percepção evoluída da doutrina do contrato, por meio da qual se valoriza o indivíduo como pessoa humana e integrante da sociedade, se promove a humanização do direito contratual em prol do interesse social e se enaltecem aspectos ético-sociais.46 Encontra motivação em três princípios, basicamente: o princípio geral da boa-fé;47 o princípio da função social do contrato;48 e o princípio do equilíbrio econômico.49 Aludidos princípios, que possuem fundamentação legal não apenas em normas postas, mas inclusive no direito pressuposto,50 passam a conviver e a harmonicamente se relacionar com os princípios clássicos do contrato,51 inclusive o princípio da autonomia privada,52 o princípio da intangibilidade do conteúdo do contrato53 e o princípio da relatividade dos efeitos do contrato.54 Por meio da nova teoria contratual, a autonomia privada passa a ser ponderada em conjugação com outros preceitos,55 com vistas a evitar abusos, injustiças e inseguranças às contrapartes, a terceiros e à coletividade. A intangibilidade do conteúdo do contrato passa a ser interpretada de forma mais flexível, sem perder, contudo, seu caráter normativo-disciplinador. A relatividade dos efeitos do contrato é remodelada para evitar injustiças a terceiros de boa-fé que, embora alheios à relação contratual, possuem com ela algum interesse ou vínculo indireto, como o terceiro prejudicado pelo descumprimento de obrigação contratual e o credor prejudicado pelo comportamento de terceiro.56 Promove-se, desta forma, uma nova dimensão axiológica aos princípios contratuais clássicos. Impõem-se limites e restrições ao brocardo pacta sunt servanda, visando garantir equilíbrio entre as vontades dos contratantes e os interesses da coletividade. Busca-se restringir os excessos que a liberdade de convencionar tolera. Busca-se assegurar que terceiros, e a própria coletividade, não sejam injustamente afetados por situações decorrentes de relações intersubjetivas das quais não participam diretamente. A cláusula compromissória e autonomia negocial Página 9 Com efeito, as mudanças conceituais pregadas pela doutrina transmitiram-se e refletiram-se no direito posto, encontrando fundamento concreto na norma positiva.57 Assinala Renan Lotufo que: “Os valores não foram feitos para serem simplesmente admirados como inatingíveis, hão que ser realidade conquistada pela atividade dos que creem no Direito e têm sede de Justiça. A Teoria Geral dos Contratos tem de servir para a boa aplicação das regras relativas a este instrumento excepcional que o direito pôs à disposição da vida em sociedade”.58 A nova doutrina contratual passa a ser acolhida pela legislação brasileira, tanto na esfera constitucional quanto infraconstitucional, inclusive e especialmente o Código Civil. Os novos princípios contratuais, que se encontram abalizados em preceitos e dispositivos constitucionais, assim como na eticidade59 e na socialidade60 – dois dos princípios norteadores do diploma civil – fixaram-se na esfera privada e reforçaram valores fundamentais à concepção de direito na contemporaneidade, como a dignidade da pessoa humana,61 a solidariedade,62 o bem-estar, a paz, a segurança e a liberdade (ética e socialmente reta), além de atuarem como expressões do princípio neminem laedere.63 Embora o Código de Defesa do Consumidor e a própria Constituição Federal tenham colaborado para que a autonomia privada ingressasse no século XXI influenciada pelos ideais presentes em um direito muito mais social do que individual, valiosa contribuição foi prestada pelo Código Civil. A cláusulageral da função social do contrato (art.421 do CC/2002), consagra-se como fator limitador aos excessos que a liberdade de convencionar tolera, deixando a autonomia privada de ser soberana na composição do vínculo contratual. A cláusula geral de boa-fé (art. 422 do CC/2002), traz à esfera privada os deveres laterais da boa-fé objetiva, exigindo-se das partes, no decorrer de todas as etapas da relação obrigacional, padrões de comportamento e conduta fundados principalmente na lealdade e na confiança. Trata-se da consagração expressa do princípio segundo o qual as relações contratuais se devem pautar não apenas pela autonomia e liberdade das partes, mas igualmente pela lealdade e pela confiança.64 O princípio do equilíbrio do contrato encontra-se refletido nos arts. 423 e 424 do CC/2002, os quais asseguram que nos contratos de adesão deve prevalecer a interpretação mais favorável ao contratante aderente. Encontra-se também inserido nos arts. 478, 479 e 480 do diploma civil, que disciplinam a onerosidade excessiva,65 e está diretamente atrelado ao princípio da igualdade substancial, 66 inserido no art. 3.º, III, da CF/1988, assim como ao princípio da justiça social,67 também encravado no texto constitucional, nos arts. 3.º, 170 e 193. Absorvendo as influências dos valores ético-sociais e transpondo o formalismo exasperado e os aspectos puramente patrimonialistas que prevaleceram no Direito Civil do século passado, a autonomia privada se consolida através do direito positivo. A liberdade de convencionar passa a ser considerada em conjugação com outros preceitos, a fim de evitar abusos, injustiças, inseguranças às contrapartes, a terceiros e à sociedade. Conforme aponta Rosa Maria de Andrade Nery: A cláusula compromissória e autonomia negocial Página 10 “O contrato, expressão jurídica máxima da liberdade contratual, deve ser estudado não apenas sob o ponto de vista de sua base subjetiva, ou seja, da manifestação da liberdade negocial das partes, mas também, e principalmente, sob o ponto de vista de sua base objetiva e, por que não dizer, de sua função social”.68 Passa-se a operar à autonomia privada limites e restrições, com embasamento nessas atualizadas concepções “jurídico-sociológicas”69 e influências de dispositivos constitucionais, assim como de fatores socioeconômicos e outros elementos, inclusive normas pressupostas, sem que isso possa representar transgressão ao brocardo pacta sunt servanda. Com isto, a intangibilidade contratual passa a ser interpretada de maneira mais flexível, sem perder, contudo, seu caráter “normativo”. Os preceitos que alimentaram (e alimentam) a denominada nova doutrina do contrato, ao contribuírem para o aperfeiçoamento da autonomia privada, inserem-se, consequentemente, no contexto da cláusula compromissória. Inegavelmente, não haveria como ignorar todo esse processo e o consequente impacto no ordenamento jurídico brasileiro, ao se promover uma avaliação incisiva da cláusula compromissória através da dogmática70 civil contemporânea. 6.2 O estado nas relações privadas e a autonomia negocial Concomitantemente a esse processo de evolução da concepção de autonomia privada e, inclusive nele inserindo-se, resolve-se a superação de conceitos rígidos que tradicionalmente distinguem direito público e direito privado. Conforme destaca Pietro Perlingieri, se em uma sociedade com uma nítida distinção entre liberdade do privado e autoridade do Estado é possível distinguir a esfera do interesse dos particulares daquela do interesse público, em uma sociedade como a atual, torna-se árdua, se não impossível, individuar um interesse privado que seja completamente autônomo, independente, isolado do interesse chamado público.71 Os interesses privados e os interesses públicos ganham um significado histórico que não permitem uma classificação rígida e dogmática que reproduza experiências já superadas, passando o Direito Civil a ser assimilado, não como antagonista do direito público, mas como aspecto do ordenamento na sua unidade funcional.72 No alerta do civilista italiano, resta individuar uma nova sistematização do direito para superar a mentalidade segundo a qual o direito privado é liberdade dos particulares de cuidar, por vezes, arbitrariamente, dos próprios interesses, enquanto o direito público, manifestação de autoridade e soberania, oferece as estruturas e os serviços sociais a fim de permitir ao interesse privado a sua livre e efetiva realização.73 Nesse sentido, é interessante ressaltar as lições de Selma M. Ferreira Lemes relativamente ao “novo” papel exercido pelo Estado na economia brasileira, ao observar as mudanças sucessivamente efetuadas na Constituição Federal da República do Brasil de 1988, por meio de Emendas Constitucionais, com o objetivo de impulsionar o desenvolvimento do País e rever o papel do Estado na economia, que deixou de ser “empresário” para se tornar “agente regulador e fomentador” das atividades realizadas pelo setor privado.74 Desenvolve-se o conceito de autonomia negocial, remodelando e ampliando-se a acepção de autonomia. E, mais uma vez, não se trata de discussão de conteúdo puramente terminológico. Assimala Pietro Perlingieri que: A cláusula compromissória e autonomia negocial Página 11 “A locução autonomia privada pode induzir em erro: qualquer que seja o sentido que se queira dar ao atributo ‘privada’ corre-se o risco de gerar sérios equívocos (…) de modo que a locução mais idônea a acolher a vasta gama das exteriorizações da autonomia é aquela de ‘autonomia negocial’, enquanto capaz também de se referir às hipóteses dos negócios com estrutura unilateral e dos negócios com conteúdo não patrimonial. Querendo, pois, propor um conceito de autonomia (não privada ou contratual, porém) negocial mais aderente à dinâmica das hodiernas relações jurídicas, pode-se descrever o referido conceito como o poder reconhecido ou atribuído pelo ordenamento ao sujeito de direito público ou privado de regular com próprias manifestações de vontade, interesses privados ou públicos, ainda que não necessariamente próprios.75 Para Heloísa Helena Barboza, a autonomia negocial aproveita uma vasta gama de exteriorizações da autonomia, que se refere não só a negócios bi ou plurilaterais de conteúdo suscetível de apreciação econômica, como também, e não menos significativa, de negócios unilaterais de conteúdo não patrimonial.76 A autonomia negocial não é apenas um princípio jurídico do Direito Privado ou um poder-faculdade; trata-se de uma órbita de autorregulação dos interesses privados, posta ao lado de outras esferas de juridicidade, tais como a órbita pública ou social.77 Ao contemplar negócios jurídicos envolvendo direitos patrimoniais disponíveis, o Estado – assimilado não apenas como ente governamental e soberano, mas como sujeito de direito capaz de firmar negócios jurídicos bi ou plurilaterais, inclusive instrumentos contratuais atípicos e inominados, com pessoas físicas ou jurídicas e entes públicos ou privados – contribui para com o aprimoramento da liberdade de convencionar ou, em outros termos, para a liberdade de negociar, conferindo a esta convenção ou negociação a força de norma jurídica que governará relação intersubjetiva. Em outros termos, a participação do Estado e de seus entes organizados e personalizados em negócios jurídicos envolvendo direitos patrimoniais disponíveis colaborou para a readequação conceitual de autonomia negocial. Materializa-se, deste modo, a acepção de autonomia negocial. 7. A cláusula compromissória como expressão de autonomia negocial Assimilada a evolução da autonomia privada e o surgimento da concepção de autonomia negocial, deduz-se que a cláusula compromissória deve ser decifrada como expressão de autonomia negocial. Esclarece-se, deste modo, em benefício da arbitragem e do direito, o equívoco teórico que vem se alastrando de forma praticamente espontânea. A cláusula compromissória pode ser livremente contemplada nas relações negociais envolvendo direitos patrimoniais disponíveis, tanto naesfera privada, seja por pessoas físicas ou jurídicas, quanto na esfera pública, por empresas, instituições e entes públicos, sociedades de economia mista e, até mesmo, pelo próprio Estado. Não é demasiado, contudo, ressalvar que a autonomia negocial deve ser exercida de acordo com o ordenamento jurídico,78 sem rupturas a preceitos inerentes ao significado de justiça que nele encontram o suporte necessário à respectiva concretização. Caso contrário, estar-se-ia, de certo modo, regressando a períodos passados através de ideais exacerbadamente liberais ou, até mesmo, reinventando, dentro da órbita negocial, pensamentos puramente normativistas,79 os quais são incompatíveis com os preceitos que regem o instituto da arbitragem e, sobretudo, com a concepção de direito na atualidade. A cláusula compromissória e autonomia negocial Página 12 A autonomia negocial consiste em uma esfera própria de atribuição de juridicidade às disposições dos particulares, através da categoria geral do negócio jurídico, que tem como escopo a instrumentalização do direito constitucional à livre-iniciativa econômica. Trata-se de uma órbita de regulação própria dos interesses privados, posta ao lado de outras esferas de juridicidade, tais como a órbita pública ou social.80 A cláusula compromissória insere-se neste contexto. É expressão de autonomia negocial. 8. Bibliografia ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito civil, teoria geral – Relações e situações jurídicas. vol. II. Coimbra: Ed. Coimbra, 2002. AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio jurídico. Existência, validade e eficácia. 4. ed. 8. tir. 2010. São Paulo: Saraiva, 2002. _______. Princípios do novo direito contratual e desregulamentação do mercado, direito de exclusividade nas relações contratuais de fornecimento, função social do contrato e responsabilidade aquiliana do terceiro, que contribui para o inadimplemento contratual. Revista dos Tribunais, n. 750. São Paulo: Ed. RT, abr. 1998. BAPTISTA, Luiz Olavo. Arbitragem comercial e internacional. São Paulo: Lex Magister, 2011. BARBOZA, Heloísa Helena. Reflexões sobre a autonomia negocial. In: TEPEDINO, Gustavo José Mendes; FACHIN, Luiz Edson (coords.). O direito e o tempo: Embates jurídicos e utopias contemporâneas. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. BETTI, Emilio. Teoria geral do negócio jurídico. Trad. Fernando de Miranda. Coimbra: Ed. Coimbra, 1969. BRANCO, Gerson Luiz Carlos. Função social dos contratos – Interpretação à luz do código civil. São Paulo: Saraiva, 2009. _______. O culturalismo de Miguel Reale e sua expressão no novo código civil. In: MARTINS-COSTA, Judith; BRANCO, Gerson Luiz Carlos (coords.). 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VENOSA, Sílvio de Salvo Direito Civil. Teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 3. ed. vol. 2. São Paulo: Atlas, 2003. WALD, Arnoldo. Maturidade e originalidade da arbitragem no direito brasileiro. In: VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc (org.). Aspectos da arbitragem institucional -12 anos da Lei 9.307/1996. p. 33-43. São Paulo: Malheiros, 2008. WIEACKER, Franz. História do direito privado moderno – privatrechtsgeschichte der neuzeit unter besonderer berücksichtigung der deutschen entwicklung. Trad. por HESPANHA, A. M. Botelho de. 2ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1967. 1 Cf. (I) LEMES, Selma M. Ferreira. Arbitragem na administração pública – fundamentos jurídicos e eficiência econômica. São Paulo: Quatier Latin, 2007. p. 60; e (II) CAHALI, Francisco José. Curso de arbitragem: resolução CNJ 125/2010 (e respectiva emenda de 31 de janeiro de 2013): Mediação e conciliação. 3. ed. São Paulo: Ed. RT, 2013. p. 120-121. 2 FOUCHARD, Philippe; GAILLARD, Emmanuel; GOLDMAN, Berthold. Fouchard, Gaillard and Goldman on international commercial arbitration. Edited by GAILLARD, Emmanuel and SAVAGE, John. Kluwer Law International: Netherlands, 1999. p. 193. 3 WALD, Arnoldo. Maturidade e originalidade da arbitragem no direito brasileiro. In: VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc (org.). Aspectos da arbitragem institucional – 12 anos da Lei 9.307/1996. p. 33-43. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 34. 4 “Art. 4.º A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato.” Lei de Arbitragem. 5 “Art. 853 Admite-se nos contratos cláusula compromissória, para ‘resolver divergências mediante juízo arbitral, na forma estabelecida em lei especial’.” Código Civil. 6 “Art. 3.º As partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o compromisso arbitral.” Lei de Arbitragem. 7 Historicamente, sabe-se que o compromisso – a convenção em virtude da qual duas ou mais pessoas se obrigavam a louvar-se em árbitros, no concernente ao esclarecimento de uma lide surgida entre elas – era utilizado com frequência entre os romanos. Foi se aperfeiçoando durante o Baixo Império e Justiniano, atualizando o que a praxe pós-clássica havia paulatinamente realizado, concedeu uma actio in factum contra a parte que não executasse o laudo. Cf. CORREIA, Alexandre; SCIASCIA, Gaetano. Manual de direito romano e textos em correspondência com os artigos do código civil brasileiro. 4. ed. vol. 1. São Paulo: Saraiva, 1961. p. 307-308. 8 “Chama-se compromisso o contrato pelo qual os figurantes se submetem, a respeito de direito, pretensão, ação ou exceção, sobre que há controvérsia, à decisão de árbitro. Entra na classe dos contratos que têm por fim a eliminação de incerteza jurídica (…) A cláusula compromissória e autonomia negocial Página 16 compromete-se, em sentido técnico, quem se submete a juízo arbitral. Qualquer outro sentido que se dê a ‘compromisso’ é extensão devida à linguagem vulgar e imprópria de juristas. No fundo, teste para se saber até onde vão os conhecimentos de quem escreve sobre direito.” MIRANDA, Pontes de. Comentários ao código de processo civil. t. XV. (arts. 1046 a 1.102). Rio de Janeiro: Forense, 1977. p. 225. 9 Cf. (I) MENDONÇA, Manuel Inácio Carvalho de. Doutrina e prática das obrigações ou tratado geral dos direitos de crédito. 4. ed. aum. e atual. por José de Aguiar Dias. t. I. 4 Rio de Janeiro: Forense, 1956. p. 670; (II) BEVILAQUA, Clovis. Código civil dos estados unidos do Brasil commentado. vol. IV. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1946. p. 191; (III) MIRANDA, Pontes de. Op. cit., p. 225. 10 Cf. julgado inserto in RJTJSP 87:247, bem como os acórdãos RJTJESP 78:235, RT 558:80, 512:170, 568:11, 564:227, 434:159 e 472:128. CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo: um comentário à Lei n. 9.307/96. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 100. 11 CARMONA, Carlos Alberto. Op. cit., p. 4-5. 12 VENOSA, Sílvio de Salvo Direito Civil. Teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 3. ed. vol. 2. São Paulo: Atlas, 2003. p. 590. 13 Idem, p. 318. 14 “Art. 8.º A cláusula compromissória é autônoma em relação ao contrato em que estiver inserta, de tal sorte que a nulidade deste não implica, necessariamente, a nulidade da cláusula compromissória. Parágrafo único. Caberá ao árbitro decidir de ofício, ou por provocação das partes, as questões acerca da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula compromissória”. Lei de Arbitragem. 15 “Art. 7.º Existindo cláusula compromissória e havendo resistência quanto à instituição da arbitragem, poderá a parte interessada requerer a citação da outra parte para comparecer em juízo a fim de lavrar-se o compromisso, designando o juiz audiência especial para tal fim. § 1.º – O autor indicará, com precisão, o objeto da arbitragem, instruindo o pedido com o documento que contiver a cláusula compromissória. § 2.º – Comparecendo as partes à audiência, o juiz tentará, previamente, a conciliação acerca do litígio. Não obtendo sucesso, tentará o juiz conduzir as partes à celebração, de comum acordo, do compromisso arbitral. § 3.º – Não concordando as partes sobre os termos do compromisso, decidirá o juiz, após ouvir o réu, sobre seu conteúdo, na própria audiência ou no prazo de dez dias, respeitadas as disposições da cláusula compromissória e atendendo ao disposto nos arts. 10 e 21, § 2.º, desta Lei. § 4.º. Se a cláusula compromissória nada dispuser sobre a nomeação de árbitros, caberá ao juiz, ouvidas as partes, estatuir a respeito, podendo nomear árbitro único para a solução do litígio. § 5.º – A ausência do autor, sem justo motivo, à audiência designada para a lavratura do compromisso arbitral, importará a extinção do processo sem julgamento de mérito. § 6.º – Não comparecendo o réu à audiência, caberá ao juiz, ouvido o autor, estatuir a respeito do conteúdo do compromisso, nomeando árbitro único. § 7.º – A sentença que julgar procedente o pedido valerá como compromisso arbitral”. Lei de Arbitragem. 16 Cf. MARTINS, Pedro A. Batista. Autonomia da cláusula compromissória. Disponível em: [www.batistamartins.com]. Acessado em: 14.09.2014. 17 “É o princípio competência-competência que assegura de modo efetivo a resolução do conflito pelo árbitro, com eventual cooperação, mas sem intromissão,dos juízes togados. Se A cláusula compromissória e autonomia negocial Página 17 o direito constitucional de ação garante a todos o acesso ao Poder Judiciário, o princípio competência-competência garante aos contratantes que tenham firmado uma convenção de arbitragem o acesso ao juízo arbitral.” FONSECA, Rodrigo Garcia da. O princípio competência-competência na arbitragem. Revista de arbitragem e mediação, vol. 9, abr.-jun, 2006. p. 277-303. São Paulo: Ed. RT, 2006. p. 279. 18 MARTINS, Pedro A. Batista. Op. cit. 19 NANNI, Giovanni Ettore. Cláusula compromissória como negócio jurídico: análise de sua existência, validade e eficácia. In: LOTUFO, Renan; NANNI, Giovanni Ettore; MARTINS, Fernando Rodrigues (coords.). Temas relevantes do direito civil contemporâneo: Reflexões sobre 10 anos do código civil. p. 502-556. São Paulo: Atlas, 2012. p. 507. 20 PINTO, José Emilio Nunes. A cláusula compromissória à luz do código civil. In: _______. Separata da obra – II congresso do centro de arbitragem da câmara de comércio e indústria portuguesa (centro de arbitragem comercial). Coimbra: Almedina, 2009. p. 34. 21 Cf. BAPTISTA, Luiz Olavo. Arbitragem comercial e internacional. São Paulo: Lex Magister, 2011. p. 95. 22 RUGGIERO, Roberto de. Instituições de direito civil. vol. III. Direito das obrigações, direito hereditário. Trad. (da 6. ed. italiana, com notas remissivas aos códigos civis brasileiro e português) Ary dos Santos. São Paulo: Saraiva, 1958. p. 465. 23 Cf., e.g.: (I) MARTINS, Pedro A. Batista. Arbitragem no direito societário. São Paulo: Quartier Latin, 2012. p. 34-35; (II) NANNI, Giovanni Ettore. Op. cit.; (III) SILVA, Eduardo Silva da. Arbitragem e direito da empresa: Dogmática e implementação da cláusula compromissória. São Paulo: Ed. RT, 2003. p. 57 a 100. 24 MARTINS-COSTA, Judith. Contratos. Conceito e evolução. In: LOTUFO, Renan; e NANNI, Giovanni Ettore (coords.). Teoria geral dos contratos. p. 23-66. São Paulo: Atlas, 2011. p. 50. 25 AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio jurídico. Existência, validade e eficácia. 4. ed. 8. tir. 2010. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 21 a 22. 26 Idem, p. 21. 27 Idem, p. 22. 28 DANTAS, Francisco San Thiago. Problemas de direito positivo, estudos e pareceres. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 4-5. 29 FRANÇA, R. Limongi. Instituições de direito civil. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 648. 30 CORDEIRO, António Menezes. Tratado de direito civil português. Parte geral. 3. ed. t. I. Coimbra: Almedina, 2005. p. 393. 31 SILVA, Eduardo Silva da. Op. cit., p. 74. 32 Cf. CORREIA, Alexandre; SCIASCIA, Gaetano. Op. cit., p. 274-309. 33 Cf. DE CICCO, Cláudio. História do pensamento jurídico e da filosofia do direito. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 193-216. A cláusula compromissória e autonomia negocial Página 18 34 Cf. REALE, Miguel. Horizontes do direito e da história. 3. ed. rev. e aum. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 128-153. 35 ROUSSEAU, J. J. O contrato social – du contract social: principles de droit polittique. Trad. Antonio de Pádua Danesi. Rev. Edison Darci Heldt. São Paulo: Martins Fontes, 2003. 36 LIMA, Alceu Amoroso. Introdução ao direito moderno. 4. ed. São Paulo: PUC-Rio, Edições Loyola, 2001. p. 188-197. 37 Idem, ibidem. 38 KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Trad. Antônio Pinto de Carvalho, Lisboa: Companhia Editora Nacional, 1964. 39 GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 8. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2011. p. 96. 40 LIMA, Alceu Amoroso. Op. cit., p. 188-197. 41 FERRI, Luigi. La autonomia privada. Madrid: Revista de Derecho Privado, 1969. 42 BETTI, Emilio. Teoria geral do negócio jurídico. Trad. Fernando de Miranda. Coimbra: Ed. Coimbra, 1969. 43 NERY, Rosa Maria de Andrade. Introdução ao pensamento jurídico e à teoria geral do direito privado. São Paulo: Ed. RT, 2008. p. 238. 44 MELO, Diogo Leonardo Machado de. Princípios do direito contratual: autonomia privada, relatividade, força obrigatória, consensualismo. In: LOTUFO, Renan; NANNI, Giovanni Ettore (coords.). Teoria geral do contratos. p. 67-96. São Paulo: Atlas, 2011. p. 82. 45 NERY, Rosa Maria de Andrade. Op. cit., p. 238. 46 Cf: (I) NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato – Novos paradigmas. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006; (II) RIBEIRO, Joaquim de Sousa. Direito dos contratos – Estudos. Coimbra: Ed. Coimbra, 2007; (III) ROPPO, Enzo. Il contratto (‘O contrato’). Trad. Ana Coimbra; M. Januário C Gomes. Coimbra: Almedina, 2009.; (IV) RIBEIRO, Joaquim de Sousa. O problema do contrato. As cláusulas contratuais gerais e o princípio da liberdade contratual. Coimbra: Almedina, 2003; (V) Princípios do novo direito contratual e desregulamentação do mercado, direito de exclusividade nas relações contratuais de fornecimento, função social do contrato e responsabilidade aquiliana do terceiro, que contribui para o inadimplemento contratual. Revista dos Tribunais, n. 750. São Paulo: Ed. RT, abr.-1998. 47 “Compreende-se o preceito fundamental que exprime a preocupação da ordem jurídica pelos valores ‘ético-jurídicos’ da comunidade, pelas ‘particularidades’ da situação ‘concreta’ a regular e por uma ‘juridicidade social’ e ‘materialmente fundada’, cuja consagração corresponde à ‘superação’ de uma perspectiva ‘positivista’ do direito, pela “abertura” a preceitos e valores extralegais e pela ‘dimensão concreto-social’ e ‘material’ do jurídico que perfilha.” PINTO, Carlos Alberto da Mota. Teoria geral do direito civil. 4. ed. 7. reimp. Coimbra: Ed. Coimbra, 1992. p. 124. 48 (I) “Diligencia e intenta equacionar a liberdade de convencionar (intrínseca à concepção A cláusula compromissória e autonomia negocial Página 19 clássica de contrato) com valores sociais, de modo a assegurar a necessária convergência e simetria que devem existir entre vontades individuais e interesses sociais.” BRANCO, Gerson Luiz Carlos. Função social dos contratos – Interpretação à luz do código civil. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 62. (II) “A função social do contrato restringe o tradicional princípio da relatividade dos efeitos do contrato e consagra a ampla oponibilidade do contrato a terceiros.” FONSECA, Rodrigo Garcia da. A função social do contrato e o alcance do artigo 421 do Código Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 253. 49 Franz Wieacker utiliza a expressão “princípio da equivalência material”, como proveniente da ética contratual aristotélica, tomística e jusracionalista (Cf. WIEACKER, Franz. História do direito privado moderno – privatrechtsgeschichte der neuzeit unter besonderer berücksichtigung der deutschen entwicklung. Trad. A. M. Botelho de Hespanha. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1967. p. 552). 50 Cf. obra completa – GRAU, Eros Roberto. Op. cit. 51 Cf. NEGREIROS, Teresa. Op. cit., p. 105-275. 52 “A autonomia percorre todos os domínios da atividade humana e não apenas o domínio econômico. Neste desempenha um papel essencial; mas está sujeita à conciliação com outras finalidades coletivas igualmente essenciais, que os negócios privados devem servir e não prejudicar. Por outro lado, em toda a garantia constitucional de um setor privado da economia está implícita a garantia institucional da autonomia privada, que é instrumento indispensável para a vida daquele setor.” ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito civil, teoria geral – Relações e situações jurídicas. vol. II. Coimbra: Ed. Coimbra, 2002. 53 “O contrato obriga os contratantes, sejam quais forem as circunstâncias em que tenha que ser cumprido. Estipulado validamente seu ‘conteúdo’ vale dizer, definidos os direitos e obrigações de cada parte, as respectivas cláusulas têm, para os contratantes, força obrigatória. Diz-se que é intangível, para significar a ‘irretratabilidade’ do acordo de vontades. Nenhuma consideração de equidade justificaria a revogação unilateral do contrato ou a alteração de suas cláusulas, que somente se permitem mediante novo concurso de vontades. O contrato importa restrição voluntária da liberdade; cria vínculo do qual nenhumadas partes pode desligar-se sob o fundamento de que a execução a arruinará ou de que não teria estabelecido se houvesse previsto a alteração radical das circunstâncias (…) O princípio da intangibilidade do conteúdo dos contratos significa impossibilidade de revisão pelo juiz, ou de libertação por ato seu. As cláusulas contratuais não podem ser alteradas judicialmente, seja qual for a razão invocada por uma das partes.” GOMES, Orlando. Contratos. 26. ed. atual. por AZEVEDO, Antonio Junqueira de; MARINO, Francisco Paulo de Crescenzo. BRITO, Edvaldo (coord.). Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 38. 54 “O princípio da relatividade dos contratos diz respeito à sua eficácia. Sua formulação faz-se em termos claros e concisos ao dizer-se que o contrato é ‘res inter alios acta, aliis neque nocent prodest’, o que significa que seus efeitos se produzem exclusivamente entre as partes, não aproveitando nem prejudicando a terceiros.” GOMES, Orlando. Op. cit., p. 46. 55 Cf. AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Princípios do novo direito contratual e desregulamentação do mercado, direito de exclusividade nas relações contratuais de fornecimento, função social do contrato e responsabilidade aquiliana do terceiro, que contribui para o inadimplemento contratual. Revista dos Tribunais, n. 750. São Paulo: Ed. RT, abr. 1998. p. 116. 56 NEGREIROS, Teresa. Op. cit., p. 232-244. A cláusula compromissória e autonomia negocial Página 20 57 TEPEDINO, Gustavo, A tutela da personalidade no ordenamento civil-constitucional brasileiro. In: _______. Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 44-45. 58 LOTUFO, Renan. Teoria geral dos contratos. IN: LOTUFO, Renan; NANNI, Giovanni Ettore. (coords.). Teoria geral dos contratos. p. 224-294. São Paulo: Atlas, 2011. p. 21. 59 Trata-se do reconhecimento da relação bipolar e dialética entre a realidade e o direito, a força que a moral social, o poder social possuem e os efeitos que provocam sobre o direito. Cf. BRANCO, Gerson Luiz Carlos. O culturalismo de Miguel Reale e sua expressão no novo código civil. In: MARTINS-COSTA, Judith; BRANCO, Gerson Luiz Carlos (coords.). Diretrizes teóricas do novo código civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 63. 60 “A socialidade se traduz no predomínio do social sobre o individual.” REALE, Miguel. Estrutura e espírito do novo código civil brasileiro. In: MARTINS-COSTA, Judith; REALE, Miguel. História do novo código civil. São Paulo: Ed. RT, 2005. p. 38. 61 “Significa que à tutela da dignidade da pessoa humana correspondem não apenas os tradicionais direitos individuais mas igualmente os chamados ‘direitos sociais’, que reordenam as relações entre o Estado e a sociedade, impondo a todos o ônus de tornar a sociedade mais justa.” NEGREIROS, Teresa. Op. cit., p. 19 a 20. 62 “O princípio constitucional da solidariedade identifica-se com o conjunto de instrumentos voltados para garantir a existência digna, comum a todos, em uma sociedade que se desenvolva como livre e justa, sem excluídos ou marginalizados.” MORAES, Maria Celina Bodin de. O princípio da dignidade humana. In: MORAES, Maria Celina Bodin de (org.). Princípios do direito civil contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 48. 63 “A ideia de não ofender a outrem, considerado elemento negativo da justiça, idealizado muito antes do Digesto, nos dá a exata noção do princípio ‘neminem laedere’, que indica verdadeiro limite, real empecilho à livre ação ou omissão que prejudique outrem, que abrange não apenas a noção de reparação do dano, mas, antes de tudo, sua prevenção.” DONNINI, Rogério Feraz. Prevenção de danos e a extensão do princípio “neminem laedere”. In: NERY, Rosa Maria de Andrade; DONNINI, Rogério Ferraz. (coords.). Responsabilidade civil – Estudos em homenagem ao professor Rui Geraldo Camargo Viana. São Paulo: Ed. RT, 2009. p. 487. 64 NEGREIROS, Teresa. O princípio da boa-fé contratual. In: MORAES, Maria Celina Bodin de (coord.). Princípios do direito civil contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 222. 65 “A onerosidade é instituto aplicável a contratos de diferentes espécies. Em princípio, e mais ocorrente, acontece nos negócios jurídicos na modalidade de contratos bilaterais, comutativos e onerosos, quando a prestação se torna especialmente agravada, ou a contraprestação desvalorizada (…) é por ela existir que se modifica substancialmente a situação das partes dentro do processo, a exigir a intervenção judicial a fim de extinguir ou revisar o contrato.” AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Da extinção do contrato – arts. 472 a 480. t. II. vol. VI. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (coord.). Comentários ao código civil. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 886 a 887 e 904, respectivamente. 66 “Trata-se da formulação mais avançada da igualdade de direitos, desenvolvida, normativamente, para suprir a insuficiência quanto aos fins não alcançados pela ‘igualdade formal’ (assimilada no sentido de que ‘todos são iguais perante a lei’. A ‘igualdade substancial’ deve ser compreendida como medida que prevê a necessidade de tratar as pessoas, quando desiguais, em conformidade com a sua desigualdade.” MORAES, Maria A cláusula compromissória e autonomia negocial Página 21 Celina Bodin de. Danos à pessoa humana – Uma leitura civil-constitucional dos danos morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 86. 67 O princípio da justiça social pode ser assimilado como meio protetivo aos mais desfavoráveis e à própria sociedade, na busca pelo equilíbrio entre as desigualdades e diferenças sociais e econômicas. Deve ser compreendido como complemento ao princípio da igualdade e ao princípio da solidariedade, com o fito de assegurar o desenvolvimento econômico em harmonia com valores sociais e humanos. 68 NERY, Rosa Maria de Andrade. Op. cit., p. 249. 69 REALE, Miguel. Função social do contrato. In: MARTINS-COSTA, Judith; REALE, Miguel. História do novo código civil cit., p. 266. 70 “A Ciência do Direito somente se revela como ciência madura quando as interpretações dos artigos completam-se através de uma visão unitária de todo o sistema. É por essa razão que os grandes comentaristas, como Clóvis Beviláqua, antes de entrar na apreciação particular de cada regra de direito, cuidam dos princípios gerais que as condicionam. Realizam, assim, um trabalho de Dogmática, que, de certa maneira, faz lembrar o da Geometria. Dizem alguns, mesmo, que a Dogmática Jurídica é a Geometria das ciências éticas, visto como construirmos e desdobrarmos consequências, partindo de certos textos ou pressupostos, contidos nas regras de direito, assim como os geômetras elaboram a sua ciência partindo de axiomas e postulados (…) porquanto é a Dogmática o momento em que a Ciência Jurídica atinge a sua expressão culminante e própria. Sendo, portanto, momento essencial da Ciência do Direito, a Dogmática Jurídica com ela não se confunde, assim como uma não pode ser reduzida à outra.” REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 20. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 1993. p. 322. 71 PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional. Trad. Maria Cristina de Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 143-144. 72 Idem, p. 149. 73 Idem, p. 150. 74 LEMES, Selma M. Ferreira. Op. cit., p. 50. 75 PERLINGIERI, Pietro. Op. cit., p. 338. 76 Barboza, Heloísa Helena. Reflexões sobre a autonomia negocial. In: TEPEDINO, Gustavo José Mendes; Fachin, Luiz Edson (coords.). O direito e o tempo: Embates jurídicos e utopias contemporâneas. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 413. 77 SILVA, Eduardo Silva da. Op. cit., p. 74-75. 78 “Assimilado como conjunto de princípios e regras polarizado por uma precisa finalidade: ordenar a coexistência de liberdades.” MARTINS-COSTA, Judith. Os avatares do abuso de direito e o rumo indicado pela boa-fé. In: DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones Figueirêdo (coords.). Novo código civil: Questões controversas: Parte geral do código civil: Série grandes temas de direito privado. vol. 6. São Paulo: Método, 2007. p. 518. 79 Sobre referida escola, cf. BITTAR, Eduardo C. B.; ALMEIDA,Guilherme Assis de. Positivismo jurídico: o normativismo de Hans Kelsen. In: _______. Curso de filosofia do direito. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 397-412. A cláusula compromissória e autonomia negocial Página 22 80 Cf. SILVA, Eduardo Silva da. Op. cit., p. 57-100. A cláusula compromissória e autonomia negocial Página 23
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