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FARMACOGNOSIA APLICADA Annaline Stiegert Cid Noz-vômica Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Identificar as diferenças entre doses terapêuticas e tóxicas no uso de noz-vômica. � Reconhecer aspectos que assegurem a identificação segura de plantas tóxicas na natureza. � Validar técnicas de identificação de alcaloides presentes em noz-vômica. Introdução A espécie Strychnos nux-vomica, mais conhecida como noz-vômica, é uma pequena árvore nativa da Ásia, encontrada em uma ampla região que se estende da Índia ao norte da Austrália, passando por todo o leste do continente asiático. Suas sementes são utilizadas há séculos nesses locais, fazendo parte da medicina tradicional chinesa e indiana. Nessas regiões ela ainda é empregada para o tratamento de várias doenças (PATEL et al., 2017; GUO et al. 2018). Na medicina ocidental, porém, o uso terapêutico da noz-vômica é limitado. No século XVI as sementes da espécie chegaram a alguns países europeus para serem utilizadas como veneno para ratos. Mais tarde, após a descoberta da estrutura química e das propriedades farmacológicas de seus componentes ativos, preparações farmacêuticas à base da espécie foram incluídas em várias farmacopeias, como a americana e a britânica. A alta toxicidade dessas preparações, entretanto, logo restringiu suas aplicações terapêuticas (SIMÕES et al., 2017; GUO et al., 2018). Neste capítulo, você vai estudar a noz-vômica, assim como outras plantas de composição química semelhante. Var ver como reconhecê-las e identificá-las por meio de técnicas analíticas, bem como ler sobre suas principais substâncias ativas, a estricnina e a brucina. 1 Efeitos farmacológicos e tóxicos da noz- vômica Existem relatos da utilização medicinal das sementes secas de noz-vômica para uma infinidade de doenças, entre as quais a dispepsia, as doenças do sistema nervoso, o reumatismo crônico, a incontinência urinária, a anemia, a lombalgia, a asma, a bronquite, a constipação, o diabetes, as doenças de pele, a paralisia, a fraqueza muscular, a perda de apetite e a debilidade física. Apesar de todas essas indicações, a alta toxicidade da espécie é conhecida em todo o mundo. Nos países do Ocidente, a noz-vômica não é utilizada para fins medicinais na forma de fitoterápico, mas seu uso ainda é preconizado na China, na Índia e em alguns outros países do leste asiático. No Brasil a utilização medicinal da espécie limita-se à medicina homeopática. Medicamentos homeopáticos que utilizam a noz-vômica podem ser registrados na ANVISA para algumas indicações de uso, destacando-se distúrbios gastrointestinais (BHATI, 2012; SIMÕES et al., 2017; GUO et al., 2018; BRASIL, 2018). A possibilidade de registro de medicamentos homeopáticos cuja matéria-prima é a noz-vômica não significa que seu uso como fitoterápico, ou seja, na forma de chá e extratos, por exemplo, também é indicado para as mesmas doenças ou condições de saúde. É comum ouvirmos que as duas classes de medicamentos são equivalentes, porém isso é um erro. Medicamentos homeopáticos não são fitoterápicos e vice-versa. É preciso ter cuidado com esses conceitos! Para registro de um medicamento fitote- rápico à base de noz-vômica no Brasil é necessário realizar estudos que comprovem sua eficácia e segurança, mas não temos registro de fitoterápicos da espécie no país. Nos países em que o uso medicinal da noz-vômica é permitido, em razão de sua alta toxicidade, são preconizados alguns cuidados, para evitar intoxicações. Na China, por exemplo, em geral, utiliza-se uma formulação processada das sementes da espécie, muitas vezes associada a outros fitoterápicos, para o tratamento de distúrbios gastrointestinais, fraturas, inchaço, dor e quadros de paralisia. O uso não é recomendado por período superior a três semanas, e a dose dessas formulações, assim como os teores dos princípios ativos da espécie, são rigorosamente controlados (GUO et al. 2018). Noz-vômica2 As principais substâncias ativas da noz-vômica, cujos teores devem ser controlados na droga vegetal (as sementes secas) são os alcaloides indólicos estricnina e brucina, cuja estrutura química você pode visualizar na Figura 1. Além de serem consideradas as principais responsáveis pelas atividades te- rapêuticas da noz-vômica, essas substâncias também são apontadas como as culpadas pela alta toxicidade da espécie — e a estricnina é mais toxica do que a brucina. Em geral, as sementes de noz-vômica apresentam um teor médio de 3% de alcaloides, que pode variar de 1% a 5%; a estricnina é encontrada em concentrações entre 1 e 2%, e a brucina representa cerca de 1% da composição total da espécie (SIMÕES et al., 2017; GUO et al., 2018; GAO et al., 2018). Figura 1. Estrutura química da estricnina e da brucina. Fonte: Simões et al. (2017, documento online). A estricnina é uma das substâncias tóxicas de origem vegetal mais famosas do mundo. Ela atua como antagonista competitivo do receptor de glicina, um neurotransmissor inibitório do sistema nervoso central (SNC), presente, especialmente, na medula espinal e no tronco cerebral. Ao impedir o efeito inibitório da glicina, a estricnina produz um estado excitatório, que resulta em convulsões graves, espasmos musculares intensos e hiperreflexia, ou seja, um aumento da atividade dos reflexos corporais. Esse quadro pode evoluir para a morte em poucas horas, por asfixia ou por exaustão devido às convulsões consecutivas (BRUNTON et al., 2012; PATOCKA, 2015). 3Noz-vômica O vídeo disponível no link a seguir explica como os neu- rotransmissores atuam. https://qrgo.page.link/Rh6mJ Essa toxicidade intensa da estricnina justifica o fato de muitos países terem abandonado o uso medicinal da noz-vômica. Mas como a espécie continua sendo utilizada em alguns países? A explicação está em um controle rigoroso das doses preconizadas dentro de faixas consideradas seguras, como é feito na China. Segundo a farmacopeia daquele país, recomenda-se uma dose diária das sementes secas entre 0,3 e 0,6g, e a droga vegetal deve apresentar teores de estricnina entre 1,20 e 2,20% e o teor de brucina não deve ser inferior a 0,80%. Em geral, para uso oral, são preconizadas formulações contendo derivados vegetais que contenham entre 0,78 e 0,82% de estricnina e não menos do que 0,5% de brucina (GUO et al., 2018). Considerando esses dados, se você fizer os cálculos, chegará à conclusão de que um adulto de 70kg, ao administrar 300mg da formulação processada, por exemplo, estaria ingerindo, no máximo, 2,46mg de estricnina, que seria igual a 0,035mg/kg. E essa dose é segura? Segundo a literatura, pode ser ou não. Uma dose oral de referência de estricnina, considerada segura, é reportada na literatura como 0,0003mg/kg/dia ou 0,02mg/dia. Essa dose foi calculada com base em um estudo subcrônico em ratos, em que os animais receberam doses entre 0 e 10mg/kg de estricnina por 28 dias (SEIDL; ZBINDEN, 1982; PATOCKA, 2015). Foi relatado ainda que uma criança de 6 meses de idade recebeu doses de estricnina entre 0,3 a 1,1mg/kg/dia por 18 meses sem relatos de efeitos adversos. O fato é que existem poucas informações na literatura sobre doses realmente seguras. Por outro lado, podemos encontrar um número maior de estudos que ava- liaram a dose letal mediana (DL50) de estricnina, ou seja, a dose do alcaloide capaz de levar à morte 50% da população estudada. Segundo Talcott (2012), a dose letal em humanos está entre 30 e 60mg/kg; já Patocka (2015), em uma revisão sobre a estricnina, afirma que são relatados doses letais de 15mg para crianças, enquanto, para adultos, existem valores reportados na literatura que Noz-vômica4 variam de 5 a 120mg/kg. Essa faixa ampla pode estar relacionada ao fato de a DL50 variar de acordo com a idade, sexo e condição de saúde do paciente (TALCOTT, 2012; PATOCKA, 2015; GUO et al., 2018). A DL50 determina qual a concentração que gera a morte de 50% dapopulação que está sendo avaliada. Dessa forma, se, em determinado estudo, 100 ratos é quantidade de indivíduos estudada, a DL50 será aquela dose que, ao ser administrada nesse número de animais, será capaz de causar a morte de 50 deles. A brucina apresenta mecanismo de toxicidade semelhante ao da estricnina, mas é muito menos tóxica. Estudo em camundongos chegaram a valores de DL50 entre 12 e 120mg/kg, enquanto, para essa mesma espécie, os valores de estricnina variam de 0,41 e 2,0mg/kg. Esses dados são coerentes com relatos na literatura de que a brucina seria 70 vezes menos tóxica do que a estricnina (MALONE, 1992; PATOCKA, 2015; PATEL et al., 2017). Embora intoxicações por noz-vômica ou pela estricnina isolada não sejam consideradas frequentes atualmente, é possível encontrar um número considerá- vel de relatos de caso na literatura, e os sinais e sintomas do quadro já são bem conhecidos, assim como as informações sobre o manejo das vítimas. Os sintomas e os desfechos clínicos variam de acordo com a quantidade e a via de exposição à estricnina, mas mesmo o contato por meio da pele e mucosas pode culminar em quadros graves de intoxicação cerebrais (GUO et al., 2018; PATOCKA, 2015). Em geral os sintomas aparecem depois de 15 minutos a 1 hora da exposição aos alcaloides. Pacientes com intoxicações leves a moderadas podem apresentar os seguintes sintomas: dor gástrica, intolerância à luz e ao som, inquietação, sentimentos de apreensão ou medo, febre, dificuldade para respirar, rigidez e arqueamento involuntário dos membros. O quando clinico é muito semelhante ao do tétano. Um sinal muito característico da intoxicação por estricnina é que os mús- culos faciais ficam fixos, lembrando o aspecto de um sorriso, o que recebeu o nome de Risus sardonicus. O paciente também pode ficar paralisado com o corpo dobrado para trás, para frente ou lateralmente. Em casos mais graves, como já comentamos, o paciente pode ter convulsões e espasmos violentos e apresentar salivação espumosa, insuficiência respiratória e morrer cerca de 5Noz-vômica 2 horas após a intoxicação (PATOCKA, 2015; GUPTA, 2016; SIMÕES et al., 2017; GUO et al., 2018; GUPTA, 2018). Em relação ao tratamento, não está disponível, até o momento, um antídoto para o envenenamento por estricnina, mas, dependendo da dose ingerida e da agilidade do socorro, é possível que o paciente se recupere. O paciente deve ser levado, imediatamente, para uma unidade hospitalar, onde possa receber os cuidados de suporte necessários. Uma das primeiras medidas é a tentativa de remoção da estricnina do orga- nismo, mas o vômito não deve ser induzido, pois pode levar à asfixia. Preconiza- -se a aplicação, por via oral, de carvão ativado para a eliminação do agente tóxico ou a lavagem gástrica com ácido tânico ou permanganato de potássio. As convulsões e os espasmos musculares podem ser controlados, em geral, pela administração de benzodiazepínicos, barbitúricos e relaxantes musculares. Casos mais graves podem exigir anestesia geral ou bloqueio muscular e intubação do paciente. Deve-se atentar para o controle de possíveis complicações, que incluem danos renais, hepáticos e cerebrais, que podem não ser reversíveis caso o paciente sobreviva (GUPTA, 2016; 2018; GUO et al., 2018, PATOCKA, 2015) Embora a noz-vômica seja utilizada com sucesso em alguns países, espe- cialmente como analgésico e anti-inflamatório, sua toxicidade limita muito sua aplicação medicinal. É válido lembrar que na China, por exemplo, a pres- crição da noz-vômica segue os princípios da medicina tradicional chinesa, um sistema médico muito particular e relacionado à cultura local, que não pode ser comparado de forma direta com a medicina aplicada nos países ocidentais. Atualmente, a principal utilidade da estricnina envolve sua utilização em estudos de excitabilidade muscular e de indução de intoxicação em animais. Alguns pesquisadores ainda têm concentrado esforços em estudar formas de viabilizar a utilização medicinal da espécie e suas substâncias ativas; alguns trabalhos têm investigado o potencial da brucina e da estricnina no tratamento de certos tipos de câncer, doença que admite tratamentos mais agressivos, porém os estudos ainda são iniciais. Por enquanto, o consenso no meio científico é de que os possíveis benéficos da noz-vômica não compensam seus riscos. 2 Características gerais de espécies do gênero Strychnos O gênero Strychnos pertence à família Loganiaceae e é composto por cerca de 200 espécies de árvores e arbustos distribuídos na América, África e Ásia. No continente americano, especialmente na América Central e na América Noz-vômica6 do Sul, os pesquisadores estimam que ocorram, pelo menos, 64 espécies, enquanto na África e na Ásia são encontradas cerca de 75 e 58 espécies, res- pectivamente. Em relação aos aspectos botânicos característicos, as espécies do gênero apresentam (PHILIPPE et al., 2004; PATOCKA, 2015) as seguintes características: � folhas opostas, ou seja, folhas que se inserem no mesmo nó do caule, mas em lados contrários; � cimeira de folhas brancas ou amarelas com cálices de quatro ou cinco lóbulos, apresentando quatro ou cinco pétalas e um único pistilo. Cimeira é um tipo de inflorescência em que várias flores estão reunidas em um eixo; � os frutos são do tipo baga, o que significa que são carnosos e não têm caroço e as sementes ficam livres na polpa. Goiaba e uva são exemplos de frutos do tipo baga. Você pode observar estas características na Figura 2, que ilustra os órgãos vegetais da noz-vômica. Figura 2. Órgãos vegetais de Strychnos nux-vomica. Fonte: Morphart Creation/Shutterstock.com 7Noz-vômica Se quiser saber mais sobre os aspectos botânicos do gênero Strychnos, o livro Tratado de Botânica de Strasburger, de Bresinsky et al. (2011), é uma fonte riquíssima de informações. Em geral, as sementes e as cascas dos caules e troncos de Strychnos apre- sentam teores significativos de alcaloides. Essa classe de compostos tende a se acumular, especificamente, nesses órgãos. Como já sabemos, as sementes de Strychnos nux-vomica, por exemplo, são ricas nos alcaloides indólicos estricnina e brucina; adicionalmente, as cascas dessas espécies são ricas em alcaloides estruturalmente semelhantes à estricnina. Essa característica também é observada para a espécie Strychnos ignatti, conhecida como fava ou feijão-de-santo-inácio, tão famosa quanto a noz-vômica na Ásia por seus efeitos terapêuticos e tóxicos, decorrentes da presença desses alcaloides. Esses compostos também podem ser encontrados em outras partes das espécies do gênero. A inflorescência da noz-vômica pode apresentar 1,0% de estricnina; já na espécie Strychnos icaja, o alcaloide pode ser encontrado nos rizomas, que apresentam um vermelho muito caracterítisco e são utilizados na ponta de flechas para caça (PHILIPPE et al., 2004; PATOCKA, 2015; SIMÕES et al., 2017). A estricnina, com certeza, é um dos componentes mais famosos encon- trados em espécies de Strychnos, inclusive, o nome desse alcaloide é uma junção do nome do gênero com o sufixo “-ina”, derivado da palavra “amina”, grupo orgânico característico dessa classe de substâncias. Entretanto, não apenas a estricnina e outros alcaloides indólicos de estrutura semelhante são característicos de espécies de Strychnos. Muitas delas apresentam alcaloides quaternários, como a toxiferina-1, mostrada na Figura 3, por exemplo. Alcaloides desse tipo são componentes característicos dos curares, extratos aquosos preparados com plantas específicas, incluindo espécies de Strychnos, como S. toxifera, colocados na ponta de flechas utilizadas por índios da Amé- rica do Sul para caça. As plantas do gênero encontradas na América do Sul, em geral, têm esses tipos de alcaloides em suas cascas e raízes. Tanto os alcaloides semelhantes à estricnina quanto os encontrados nos curares causam paralisia dos músculos estriados. No entanto, ao contrário da estricnina,que, como já sabemos, causa rigidez muscular, com fortes convulsões e espasmos, os curares atuam como bloqueadores neuromusculares, o que resulta em debilidade e flacidez muscular. Noz-vômica8 Figura 3. Estrutura química da toxiferina-1. Fonte: Adaptada de Dewick (2009). Especificamente, a espécie Strychnos nux-vomica é uma árvore de tronco curto e com cascas grossas, que pode alcançar entre 5 e 25 metros de altura. A madeira do tronco é branca e os caules têm uma casca lisa de coloração acinzentada. As folhas opostas são elípticas ou ovaladas. Já as flores, que aparecem no inverno, apresentam 5 pétalas brancas-esverdeadas e têm um odor desagradável. Os frutos têm casca alaranjada e o tamanho aproximado de uma maçã. Sua polpa pode conter entre 1 e 5 sementes. As sementes, por sua vez, têm uma coloração cinza-acastanhada, forma de disco, e são levemente côncavas. A depressão observada no centro da semente, que você pode ver na Figura 4, é chamada de hilo. Segundo a Farmacopeia Brasileira, as sementes devem ter entre 10 e 30mm de diâmetro e 4 a 6mm de espessura. São cobertas de pelos, distribuídos do centro para as margens, dando um aspecto acetinado. Internamente, é possível observar o endosperma acinzentado, separado em duas partes, com uma cavi- dade central discoide. A semente é muito dura, não tem cheiro, mas apresenta um sabor amargo e característico, devido à presença dos alcaloides indólicos (GUO et al., 2018; SAH et al., 2016; PATOCKA, 2015; BRASIL, 2019). 9Noz-vômica Figura 4. Sementes de Strychnos nux-vomica (noz-vômica). Fonte: CEPLAMT (c2016, documento on-line). A capacidade de identificar uma espécie vegetal é muito importante, espe- cialmente para a prevenção de intoxicações, no caso de plantas tóxicas, e para o uso medicinal, para garantir que realmente se trata da espécie desejada e que não existem adulterações. Na Farmacopeia Brasileira você encontra mais detalhes sobre as características macroscópicas e microscópicas de semente de noz-vômica (BRASIL, 2019). 3 Métodos para a identificação de alcaloides em noz-vômica Como já sabemos, a estricnina é a principal responsável pelos efeitos te- rapêuticos e tóxicos da noz-vômica. Por isso mesmo, no caso de utilização medicinal, essa substância deve ser rigorosamente controlada. No Brasil, as sementes secas da espécie, as tinturas e os extratos fluidos obtidos dessa droga vegetal são utilizados como matéria-prima para a produção de medi- camentos homeopáticos. Para controle de qualidade desses insumos, foram incluídas monografias da droga e derivados vegetais na Farmacopeia Europeia. O Quadro 1 apresenta as especificações farmacopeicas para esses produtos (BRASIL, 2019). Noz-vômica10 Fonte: Adaptado de Brasil (2019). Produto Especificação farmacopeica Sementes secas Deve conter, no mínimo, 0,5% de estricnina Tintura 10% p/v (em etanol 70%)* Deve conter, no mínimo, 0,05% de estricnina Extrato fluido 1:1 p/v (em etanol 70%) Deve conter, no mínimo, 0,5% de estricnina p/v: peso/volume Quadro 1. Especificações farmacopeicas para drogas e derivados vegetais de noz-vômica A Farmacopeia Brasileira preconiza a análise qualitativa tanto da droga vegetal (sementes secas) quanto dos derivados vegetais da espécie (tintura e extrato fluido) por cromatografia em camada delgada (CCD), utilizando como referência soluções de estricnina e brucina. Já a análise quantitativa, para determinação do teor de estricnina, deve ser realizada por cromatografia líquida de alta eficiência (CLAE). Isso significa que essas substâncias são os marcadores desses produtos, ou seja, são as substâncias utilizadas como referência para o controle de qualidade desses fitoterápicos. A diferença principal entre os procedimentos empregados para análise da droga vegetal (sementes secas) e dos derivados vegetais (tintura e extrato fluido) é o preparo da amostra, que é uma etapa fundamental em qualquer análise química (BRASIL, 2019). O preparo adequado de uma amostra envolve a capacidade de extrair adequadamente os analitos da matriz. Analitos são as substâncias que serão analisadas, e a matriz é tudo o que tem na nossa amostra, exceto os analitos. No nosso caso, os analitos são a brucina e a estricnina, sendo que, nas se- mentes, e mesmo na tintura e no extrato, existem diversas outras substâncias presentes. Dessa forma, precisamos retirar, seletivamente, os analitos dessa 11Noz-vômica matriz, para identificá-los. No caso de alcaloides, existem alguns processos específicos para extração dessas substâncias, baseados no fato de elas serem, em geral, compostos básicos, como é o caso da estricnina e da brucina (SI- MÕES et al. 2017). No caso da análise qualitativa das sementes, o preparo da amostra consiste em colocar 1g da droga vegetal pulverizada em contato com solução de etanol 70%, sob leve aquecimento. Após esse procedimento, o solvente é evaporado e se adiciona metanol ao resíduo obtido. Essa solução é aplicada, junto com as soluções de estricnina e brucina, em uma placa de sílica (fase estacionária), que, então, é colocada em uma cuba contendo uma solução de álcool butílico, água e ácido acético glacial 70:20:10 v/v/v (fase móvel). Após a eluição, uma solução de ácido sulfúrico a 10% em álcool etílico absoluto (v/v), e, em seguida, com iodeto de potássio e subnitrato de bismuto, deve ser borrifada na placa. Na Figura 5 você pode observar o resultado esperado para essa análise. Caso o resultado seja positivo, confirmamos que, realmente, a amostra analisada é noz-vômica (BRASIL, 2019). Figura 5. Esquema do resultado esperado para a placa cromatográfica. Fonte: Brasil (2019, documento on-line). Noz-vômica12 O procedimento descrito é o preconizado pela Farmacopeia Brasileira, mas algumas variações desse método são possíveis. Para a análise de alcaloides indólicos, são utilizadas como fase móvel, em geral, misturas de solventes orgânicos de baixa e média polaridade e uma solução básica. O meio básico melhora a separação entre as manchas dessas substâncias na placa croma- tográfica. Outras alterações possíveis são em relação ao revelador. Além da utilização de ácido sulfúrico seguido de iodeto de potássio e subnitrato de bismuto, outros reagentes podem ser utilizados, como o reagente de Dragen- dorff, específico para a detecção de alcaloides e muito utilizado para esse fim. Se esse reagente fosse utilizado, seriam observadas manchas com cores que variam do amarelo ao laranja (WAGNER, 1983; SIMÕES et al., 2017). Já a análise quantitativa das sementes envolve um preparo de amostra um pouco mais complexo. Nesse caso, a droga vegetal é colocada em contato com uma solução aquosa de ácido clorídrico sob aquecimento. Em meio ácido os grupos amina presentes na estricnina recebem um hidrogênio a mais (forma protonada), assumindo a forma de sais, mais polares e mais solúveis em água. A grande maioria das substâncias encontradas em plantas são ácidas — exceto os alcaloides. Dessa forma, os demais constituintes das sementes, em meio básico, são pouco solúveis em água. Como resultado ocorre uma extração seletiva dos alcaloides presentes nas sementes (SIMÕES et al., 2017; BRASIL, 2019). Após a extração, a solução obtida é separada dos resíduos sólidos por meio de filtração, e adiciona-se uma solução de hidróxido de amônio até que o pH seja 9. Aplicando-se o mesmo raciocino, os alcaloides, em meio básico, vão retornar a sua forma livre (não protonados), e, portanto, serão menos solúveis em água. Então, o éter etílico é adicionado a mistura. O éter é um solvente que não se mistura com água, e é capaz de solubilizar os alcaloides em sua forma livre. Se, por acaso, alguma substância indesejada não foi eliminada ante- riormente, espera-se que, nesse momento, apenas os alcaloides se solubilizem no solvente orgânico. Por fim, o solvente é eliminado e o resíduo utilizado para análise por CLAE. Nessa técnica, no lugar das zonas observadas sobre a placa cromatográfica,como ocorre na CCD, observamos no equipamento a formação de picos correspondentes a cada substância e calculamos a área sob o pico. A área do pico é proporcional à concentração da substância. Ao analisar uma solução de estricnina, cuja concentração conhecemos, é possível calcular a quantidade do alcaloide na amostra. A CLAE é a principal técnica empregada para quantificação dos alcaloides da noz-vômica (SIMÕES et al., 2017; BRASIL, 2019). 13Noz-vômica As análises do extrato fluido e da tintura utilizam as mesmas técnicas e condições de análise, porém o preparo da amostra é muito mais simples, porque não exige a extração dos analitos, que já foram extraídos no processo de obtenção desses derivados. Para mais detalhes sobre os métodos de análise descritos aqui, consulte as monografias citadas na Farmacopeia Brasileira. A compreensão das técnicas de análise da noz-vômica é especialmente importante, já que, ao mesmo tempo que a droga e seus derivados vegetais são utilizados como insumos farmacêuticos no Brasil, ela também é uma planta tóxica. Em casos de intoxicação, a correta aplicação de métodos para identi- ficação da estricnina e da brucina pode confirmar a causa do envenenamento e orientar as medidas de manejo do paciente. BHATI, R. et al. 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