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O Jeito 3G: Sonho, Gente e Cultura Uma introdução ao estilo de gestão de Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles, e Beto Sicupira, que controlam hoje alguns dos maiores símbolos do capitalismo mundial. FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO VERSÃO ESPECIAL: QULTURE.ROCKS Copyright © 2017 Francisco Souza Homem de Mello Licenciado à Qulture Informática Ltda (“Qulture.Rocks”) Todos os direitos reservados. ISBN: 0990457524 ISBN 13: 9780990457527 (10x Books) O Jeito 3G: Sonho, Gente e Cultura “Há dois anos atrás meu amigo Jorge Paulo Lemann pediu à Berkshire que se juntasse ao seu 3G Capital para comprar a Heinz. Respondi sim sem pensar: eu sabia imediatamente que essa parceria funcionaria bem, tanto do ponto de vista pessoal quando financeiro. E com certeza ela funcionou”. “Esperamos ser sócios da 3G em mais empreitadas. Qualquer que seja a estrutura, nos sentimos bem quando trabalhamos com Jorge Paulo”. - Warren Buffet “Esse é um time de executivos que não exige acionistas ativistas”. - Bill Ackman "Tendo estudado o desenvolvimento de algumas das empresas mais extraordinárias de todos os tempos e os empresários e líderes que as construíram, posso dizer definitivamente que a trajetória dos três deve deixar os brasileiros imensamente orgulhosos. Eles estão no mesmo nível de visionários dos negócios como Walt Disney, Henry Ford, Sam Walton, Akio Morita e Steve Jobs”. - Jim Collins QULTURE.ROCKS A Qulture.Rocks é uma plataforma de gestão de pessoas baseada na nuvem. Nossos produtos facilitam a gestão de metas, as avaliações de desempenho, a troca de feedbacks e feedforwards contínuos entre todos da empresa e as conversas one-on-one entre líderes e seus liderados. Para saber mais a respeito, visite http://qulture.rocks. 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ÍNDICE Introdução ................................................................. 1 Um Pouco de História ................................................ 4 Parte 1: Pessoas ...................................................... 26 1 Meritocracia ....................................................... 31 2 Informalidade ..................................................... 43 3 Honestidade intelectual ..................................... 48 4 Crescimento ....................................................... 51 5 Criando um pipeline de gente boa ..................... 53 Parte 2: Sonho ......................................................... 57 6 Um sonho grande ............................................... 58 7 Do sonho às metas ............................................. 62 8 Lacunas e método .............................................. 67 Parte 3: Cultura ....................................................... 76 9 Cabeça de dono ................................................. 77 10 Benchmarking .................................................. 86 11 Foco ................................................................. 89 12 Liderança .......................................................... 93 Parte 4: Operações ................................................ 100 13 Eficiência fabril ............................................... 101 14 Custos e Orçamento ....................................... 108 15 Os Mandamentos ........................................... 114 Bibliografia: ........................................................... 123 SONHO, GENTE E CULTURA 1 INTRODUÇÃO A quem se destina este livro? Se você está interessado em conhecer melhor o método de gestão do trio de empresários formado por Jorge Paulo Lemann, Marcel Herman Telles e Alberto “Beto” Sicupira, é por que já conhece sua história meteórica de sucesso, e talvez já tenha ouvido falar que boa parte dela foi calcada numa cultura empresarial muito forte, baseada em pessoas e meritocracia, e muito difícil de se replicar. Difícil, como você vai ver, porque dá trabalho. Mas extremamente intuitiva de se entender. A idéia desse pequeno livro é ir além dos adjetivos e da história dos “três do Garantia”, e de todas as pessoas que fizeram parte dessa trajetória de sucesso, e chegar aos princípios que guiam esse estilo de gestão, de maneira simples e prática, para que possa ser entendido por empresários de todos os calibres, e aplicado nas suas respectivas realidades empresariais. FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO 2 Até muito pouco tempo atrás, era muito difícil conhecer melhor a história dessa cultura, famosa por sua aversão a holofotes. Contava-se nos dedos as matérias relevantes que foram publicadas até a metade dos anos 2000, sendo que nenhuma delas conseguiu traduzir de maneira sistemática a forma de gerir do trio. Fontes muito melhores são os vídeos disponíveis na internet, de Marcel Telles e Carlos Brito, bastante didáticos e completos. Mas algumas horas de vídeo e páginas de revista são pouco. Sabemos, por exemplo, que pessoas são o grande alicerce do Jeito 3G. Mas fica difícil diferenciar o que isso quer dizer quando nove entre dez culturas empresariais brasileiras também se auto-intitulam baseadas em pessoas. O que faz a palavra ter um sentido muito mais forte na AB Inbev e na Kraft Heinz do que nas outras empresas? Como isso se traduz no dia-a-dia? E mais, por que é tão difícil aplicar uma meritocracia de verdade? Essas são algumas das perguntas que tentamos responder, através de uma pesquisa de fontes públicas, como matérias de revista, jornal, livros e vídeos, todos citados no fim do livro. Somam-se as fontes públicas dezenas de conversas com ex-executivos de várias das empresas controladas, já controladas ou influenciadas pelos três como AB InBev, ALL, Lojas Americanas, Burger King, e claro, do Banco Garantia, onde tudo começou. FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO 3 FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO 4 UM POUCO DE HISTÓRIA Banco Garantia: uma partnership dos trópicos O, ou melhor, “a” Garantia foi a primeira grande empreitada de Jorge Paulo Lemann. Bacharel em economia por Harvard (e com uma paixão pelo tênis que o levou a representar o Brasil na Copa Davis), Lemann comprou a pequena corretora carioca em 1971, financiado por amigos de sua família. Em 1976, após recusar uma oferta de aquisição do banco americano J.P. Morgan, a corretora foi transformada em banco. O Banco Garantia foi abertamente inspirado na Goldman, Sachs & Co, banco de investimentos baseado em Nova York fundado no século 19, e que é tido por muitos como a mais bem-sucedida partnership financeira da história. A Goldman Sachs (como é chamada a holding bancária SONHO, GENTE E CULTURA 5 atualmente) funcionava na época como uma sociedade privada meritocrática, detida pelos seus executivos. Anualmente era feita uma reavaliação dos quadros societários da firma: os sócios de melhor performance eram convidados a aumentar suas participações, e os de pior performance, a diminuir suas participações, vendendo-as para os primeiros1. O formato era perfeito para o modelo de negócios dos bancos de investimento à época. Assessoria em fusões e aquisições, operações de mercado de capitais (como IPOs), corretagem, e trading proprietário eram atividades de baixa intensidade de capital, e proporcionavam às partnerships retornos sobre capital muito altos.2 A Goldman era inspiração tão grande a Lemann que em um dado momento conseguiu que um dos seussócios, Luiz Cezar Fernandes – que viria a fundar o Banco Pactual anos depois (hoje BTG Pactual) – foi fazer um “estágio” na sede do banco em Nova York, para aprender mais sobre seu funcionamento. Cezar, por sua vez, levou à tiracolo um jovem estagiário que pudesse traduzir o inglês que 1 Analogamente, os colaboradors de melhor performance eram convidados a se tornar sócios, comprando ações pela primeira vez. Raramente alguém deixava de ser sócio, o que significava um convite à saída da firma. 2 Posteriormente o modelo de baixa intensidade de capital se esgotou. Os bancos de investimento passaram a empregar muito capital provendo, por exemplo, garantias firmes de colocação de ofertas de mercado de capitais (garantindo as colocações mesmo que não houvesse demanda de clientes) e usando seu próprio balanço para conceder empréstimos-ponte a fusões e aquisições. Enfim, foi nessa época que as partnerships começaram a buscar bases de capital maiores e mais permanentes, o que culminou, no caso da Goldman, com um IPO e uma mudança estrutural no funcionamento da sua partnership. FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO 6 não entendia: o recém contratado Marcel Hermann Telles. Nas palavras de Lemann, “com eles aprendemos a meritocracia, o treinamento intenso e a necessidade de dar oportunidades para as pessoas”. Características bastante fortes da cultura do trio, como se verá, até hoje. A “cara-de-pau” de pedir às melhores empresas de cada ramo por “estágios”, visitas, e afins, com objetivo de aprender um pouco mais sobre seu funcionamento, virou marca do trio. Mais tarde, viriam a fazer o mesmo com uma visita à Wal-Mart, líder varejista, e à cervejaria Anheuser-Busch. O terceiro membro do trio, Carlos Alberto “Beto” da Veiga Sicupira, se juntou ao Garantia um ano depois de Marcel, em 1973, tendo conhecido Lemann em uma pesca submarina que teriam feito com amigos em comum. Lojas Americanas: a primeira incursão na economia real Em 1982, após alguns pequenos investimentos em empresas de capital aberto, como as Lojas Brasileiras e a Alpargatas, o Garantia realizou sua primeira aquisição hostil na Bolsa de Valores de São Paulo, Bovespa, comprando um stake controlador nas Lojas Americanas por um valor aproximado de 20 milhões de dólares. A manobra hoje em dia é praticamente impossível: empresas de capital aberto se defendem de possíveis takeovers lançando mão de artifícios jurídicos como SONHO, GENTE E CULTURA 7 poison pills3, que tornam uma compra em bolsa quase sempre impraticável do ponto de vista financeiro. O trio enxerga grandes oportunidades em empresas sem donos claros, presentes no negócio. Essas empresas são muitas vezes corporations, que de fato possuem controle acionário, mas podem ser também empresas com donos pouco presentes, e tocadas por executivos desalinhados. As oportunidades surgem de conflitos de principal- agente: executivos (agentes) muitas vezes tem interesses desalinhados àqueles dos acionistas (principais). Quando falta um acionista presente, que supervisione os executivos e tente alinhar interesses, a empresa pode sair dos trilhos, e perder eficiência e competitividade, e deixar de atrair bons talentos, como diz Jorge Paulo Lemann em uma entrevista para a revista HSM Management, em Fevereiro de 2008: “Nós basicamente achamos que a empresa ideal é uma que tem acionistas públicos e também acionistas trabalhando dentro da empresa, porque estes certamente estão interessados no desempenho de longuíssimo prazo, em perpetuar o negócio... Acho que esse é o equilíbrio ideal para uma empresa boa e duradoura. Eu participei de alguns conselhos de empresas americanas totalmente abertas, daquele tipo que ninguém tem mais de 2% ou 3% etc. Acho razoável o resultado, mas, em geral, os donos teóricos passam a ser os executivos, e isso não me parece saudável, porque gera esse clima de excesso de opções de ações, de 3 Uma poison pill pode obrigar, por exemplo, qualquer acionista que acumular mais de 15% das ações de uma empresa a lançar uma oferta para comprar as ações de todos os acionistas restantes da empresa, por um preço pré-determinado. FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO 8 gratificações, de atenção no resultado do trimestre. Em resumo, meu modelo ideal não é a empresa da qual ninguém é dono. Prefiro um modelo como o da InBev hoje em dia, que tem vários sócios na gestão, querendo que ela dure no longuíssimo prazo, e tem também o público investidor, os executivos e as pessoas que trabalham nela, com planos de compra de ações bastante generosos”. Marcel Telles, no CEO Summit da Endeavor em 2013, complementa a oportunidade de falta de dono com a necessidade de haver alguma vantagem competitiva interessante na empresa, como uma marca forte: “[Buscamos] Empresas que são extraordinárias a despeito daqueles executivos que rodam de três em três anos, de não terem mais dono há algumas gerações, elas têm alguma coisa: uma marca, um sistema de distribuição, uma franquia, que faz com que elas sobrevivam e ainda sejam excelentes. Normalmente elas estão em ramos boring, que não tem o élan do mercado financeiro, da internet... Essas empresas não atraem as melhores pessoas...” As Lojas Americanas eram um caso clássico em que o conflito de principal-agente levara a empresa a resultados operacionais e financeiros sub-ótimos, na visão do trio. Assim, resolveram tentar aplicar seu estilo de gestão, até então restrito ao Garantia, na economia real. A diversificação de ativos que o investimento trouxe também foi bem-vinda na partnership, que até então concentrava todos seus esforços e riscos no mercado financeiro. Beto, que é descrito por ex-colegas como um “trator”, foi designado a sair do banco e tocar a recém-comprada SONHO, GENTE E CULTURA 9 varejista. Segundo relatos, chocou seus novos colegas quando chegou aos escritórios da emopresa de jeans e mochila nas costas, parecendo um “estudante universitário”. O choque não parou aí: foram instituídas novas diretrizes de performance, abolidos os escritórios privativos em favor de uma planta aberta, como a do banco, e instaurada uma cultura de gestão argumentativa e questionadora. Em pouco tempo, Beto teve de enfrentar uma rebelião de seus diretores, que ameaçaram-no com pedidos de demissão caso as novas práticas não fossem revertidas. Após poucas horas de reflexão (e provavelmente telefonemas aos sócios), Beto demitiu os rebelados, argumentando que resolver o problema de maneira incisiva e rápida era essencial naquele momento de (re)construção da cultura empresarial da empresa. Sob seu comando, a empresa teria sua folha de pagamentos reduzida de 14 mil para oito mil colaboradores. Beto ainda viria a fundar em 1993 a GP Investimentos, gestora de fundos de private equity que levantou seu primeiro fundo, de U$ 500 milhões, em 1994, e teria participações relevantes em empresas como GloboCabo, Telemar, ALL – América Latina Logística, e em diversas empresas que hoje compõe a Americanas.com, braço de varejo online das Lojas Americanas. A firma hoje em dia é detida e tocada por dois sócios da segunda geração da empresa, Antonio Bonchristiano (fundador do site Submarino)e Fersen Lambranho (ex-CEO das Lojas Americanas). Brahma e o negócio cervejeiro FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO 10 Em 1989 veio a aquisição transformacional da Brahma, uma cervejaria carioca, por U$ 60 milhões. A transação foi polêmica entre os sócios do Garantia, pelo seu tamanho e complexidade, e por ter acontecido semanas antes da histórica eleição de Fernando Collor de Mello contra o então sindicalista Luiz Inácio "Lula” da Silva, este último que arrepiava os pelos do empresariado brasileiro com seu discurso de esquerda. Olhando com lanterna na popa, Lemann credita ao “estômago” do trio a decisão de prosseguir com o negócio em tempos tão difíceis, e sem uma completa due-dilligence legal e financeira. Dias após o fechamento da compra, foi identificado um rombo enorme no fundo de pensão da empresa, que talvez tivesse descarrilado o negócio se conhecido de antemão. Nas palavras de Lemann, o negócio foi fechado “porque nosso feeling dizia que somos um país de população jovem, com muito calor, e acreditávamos que cerveja era um bom negócio mal tocado aqui. Para nós isso valia mais do que se o Lula ou o Collor ia ganhar ou se o fundo de pensão tinha ou não problema”. A empresa foi liderada por Marcel Telles, que se tornou seu CEO, e praticou uma revolução gerencial, aplicando todos os conceitos já apurados por anos do trio à frente do Garantia e das Lojas Americanas. Foram realizadas diversas expansões geográficas na América do Sul, entre Uruguai, Argentina e Venezuela, além de adotadas as ferramentas de gestão por diretrizes ensinadas por Vicente Falconi, da Falconi Consultores de Resultado (veremos mais sobre o tema à frente). Após dez anos, Marcel passou o bastão de presidente a Magim Rodriguez, um ex-executivo da Lacta que conhecera o trio através das Americanas, e do Conselho SONHO, GENTE E CULTURA 11 arquitetou a aquisição da cervejaria arquirrival Antártica. Nesses dez anos, a Brahma tinha se tornado muito maior do que a concorrente brasileira. Por isso a operação, que anos antes poderia ser uma fusão de iguais, foi na prática uma aquisição que tomou de sobressalto a cultura empresarial da Antártica. A empresa resultante foi batizada de AmBev. Por um lado, deu-se um tom internacional à empresa, cuja sigla significava American Beverage Company, ou Companhia de Bebidas das Américas. Mas haviam ali também as iniciais das duas empresas originais, Antártica e Brahma, além do “A” de Antártica vir antes do “B” de Brahma, o que foi, supostamente, uma exigência dos acionistas da companhia adquirida. Com as operações combinadas, a AmBev dominaria 40% do mercado de bebidas, e 70% do mercado de cervejas brasileiro. Uma boa parte da primeira década da Brahma sob a direção de Marcel Telles fora dedicada à construção de um robusto time de talentos, que inclui o atual CEO da AB InBev, Carlos Brito, advindo do Banco Garantia, e que assumiu uma fábrica da empresa. Esse time foi essencial no turnaround cultural da Antártica, que era uma antítese da Brahma em muitos aspectos: seus executivos possuíam escritórios grandes, ornamentados, e privativos; servia-se comida de restaurante de luxo para os executivos diariamente; por fim, não havia uma prática meritocrática ou metas individualizadas de resultado. Outro fator que ajudou muito na integração da Antártica foi o framework de gestão de Falconi, então professor de administração de uma faculdade de engenharia de Minas Gerais, e especialista em ferramentas de gestão derivadas do Sistema Toyota de Gestão japonês. Nas décadas subsequentes, Falconi desenvolveria, em grande parte FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO 12 nas fábricas da Brahma e AmBev, um ferramental completo de metodologias de gestão que viria a ser adotado por diversas das maiores empresas Brasileiras e até pela gestão Aécio Neves do governo do estado de Minas Gerais. Para se ter uma idéia do tamanho do diferencial de produtividade conquistado por Marcel, Falconi e equipe nos primeiros dez anos de Brahma, a empresa contribuiu aproximadamente metade dos colaboradores das operações combinadas da Brahma e Antártica na AmBev, sendo responsável, no entanto, por mais de dois terços da venda de cervejas (em hectolitros).4 A filosofia desenvolvida é muito bem capturada pela carta aos acionistas da empresa presente no relatório anual de 2012, assinada pelos co-presidentes do conselho de administração da AmBev, Marcel Telles e Victorio De Marchi (esse oriundo da Antártica), e pelo então diretor- geral, Magim Rodrigues Junior: “A essência de nossa Companhia é, e continuará sendo, nossa capacidade gerencial, nossa cultura e a capacidade sem paralelos de execução da nossa gente. Selecionamos, treinamos e acompanhamos, cuidadosamente, jovens talentos. Somos todos confiantes e exigentes. Somos motivados por um agressivo sistema de remuneração variável que estimula o desempenho, a 4 O diferencial estava presente tanto nas áreas gerenciais quanto de produção. Enquanto a produção por empregado ligado a fabricação era de 8.776 hl em 1999, em 2000 (primeiro ano de operações combinadas) ela passou a 7.556 hl, o que indica que as operações fabris da Antártica eram aproximadamente 40% menos produtivas que as da Brahma. SONHO, GENTE E CULTURA 13 responsabilidade e o espírito empreendedor. Todos na AmBev estão focados em atingir resultados sustentáveis de longo prazo. Rigidez e disciplina financeira são componentes da nossa cultura. Somos uma empresa jovem onde a idade média é 29 anos. Entretanto, somos um time com grande capacidade gerencial. Os altos executivos participam ativamente do processo de seleção dos melhores profissionais no mercado, cuidadosamente preparando a próxima geração de executivos. Esses princípios básicos são suportados por pessoas talentosas, a gente AmBev, pelos nossos processos proprietários e pela maneira única com que fazemos as coisas acontecerem”. A fusão com a Interbrew e a globalização do trio No período de 1999 a 2004, a AmBev não perdeu tempo com a digestão das operações da Antártica (foi desenvolvido, por exemplo, um Centro de Serviços Compartilhados, que permitiu ganhos de escala expressivos às operações combinadas), mas continuou seu processo de agressiva expansão internacional. A estratégia era iniciar operações greenfield nos principais mercados da América Latina, e ao mesmo tempo manter olhos e ouvidos atentos a aquisições oportunistas. Seguindo essa direção, a AmBev fechou em 2003 a compra de parte da argentina Quinsa (controladora da cervejaria Quilmes), de duas das principais engarrafadoras da Pepsi no Peru, além de outras transações similares, como uma joint venture com FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO 14 a principal engarrafadora da multinacional de refrigerantes na América Central. A expansão Latino Americana não foi suficiente para saciar o sonho conjunto do trio. Em 2004, ganhava momento a onda de consolidação do setor cervejeiro mundial. Dentre as opções estratégicas do grupo, era claro que a Anheuser-Busch e a Heineken engoliriam a AmBev devido ao seu ainda pequeno tamanho relativo. A sul-africana SAB Miller e a belga Interbrew eram opções mais realistas para uma eventual combinação de operações. Assim, em março de 2004, a AmBev e seus acionistas controladores anunciaram uma complexatransação que levou os três, por meio de uma holding chamada Braco, a trocar participações5 com os acionistas controladores da cervejaria Belga Interbrew. Com o negócio, o trio e os belgas se tornaram co-controladores da InBev6, companhia esta que passou a controlar a AmBev e as operações da antiga Interbrew7. Com a sua “fábrica de talentos” produzindo profissionais de alto-nível a todo vapor, o deal levou a AmBev a expatriar mais de cem executivos para inúmeras operações da InBev pelo mundo, dentre os quais Carlos Brito, que se mudou para o Canadá para tocar a Labatt, e 5 A transação não envolveu os acionistas minoritários da Ambev, que continuaram participando apenas do capital da empresa brasileira. 6 Lemann, Telles e Sicupira ficaram com uma participação de 24.7% no capital votante da InBev, e assinaram um acordo de acionistas que dá- lhes “influência conjunta e igualitária” no controle da empresa. 7 Como consequência da operação, a cervejaria Labatt, de propriedade da Interbrew, foi incorporada à AmBev, que emitiu ações adicionais em favor da Interbrew. SONHO, GENTE E CULTURA 15 em pouco tempo, se mudar para Leuven, na Bélgica, para se tornar CEO global da empresa. Nos anos seguintes a operação, deram-se ainda outras aquisições relevantes da AmBev na América Latina, dentre elas a compra da participação restante ainda detida por acionistas minoritários da Quinsa. Anheuser-Busch Em meados de 2008, a InBev iniciou conversas para a compra da Anheuser-Busch, ícone do mercado cervejeiro americano e detentora das tradicionais Budweiser e Bud Light (a primeira tida como a marca de cerveja mais reconhecida do mundo). A transação, liderada por Carlos Brito sob supervisão do trio, foi bastante criticada por membros da família Busch, pela imprensa americana, e até pelo então candidato à presidência dos E.U.A. Barack Obama, mas acabou concluída a despeito de todos os fatores que jogavam contra sua conclusão. Rumores de algum tipo de operação entre as duas empresas remontavam a 2006, quando, contra os conselhos de seu pai, o então CEO da Anheuser-Busch, August Busch IV8, fez um acordo para se tornar distribuidor único das marcas da InBev no território americano. Com o acordo, a InBev se aproximou muito da 8 O “quarto”, como era conhecido August Busch IV, sucedeu seu pai no comando da AB. O “terceiro”, como o pai era analogamente conhecido, temia que uma parceria desse aos brasileiros um ponto de observação vantajoso sobre o funcionamento da AB. Vale lembrar que os Busch, apesar de exercerem o controle de fato da AB, detinham menos de 10% do seu capital, sendo portanto alvos fáceis de uma eventual aquisição. FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO 16 AB, estabelecendo um escritório avançado vizinho ao da empresa americana em St. Louis, e pôde, como previsto, conhecer de perto as ineficiências e fraquezas da parceira. Carlos Brito e seus colegas gostaram muito das oportunidades que viram. A Anheuser-Busch era um sonho antigo dos três empresários brasileiros, por ser, desde que assumiram a Brahma, a maior companhia cervejeira do mundo, com domínio sobre o cobiçado mercado americano, além de marcas mundialmente reconhecidas. Para melhorar ainda mais, a empresa também apresentava um tripé de (1) resultados financeiros e (2) operacionais muito piores que os InBev, e (3) controle acionário pulverizado, o que a tornava um alvo ideal para uma aquisição, potencialmente hostil, em bolsa. Os resultados fracos advinham de uma cultura corporativa bastante pródiga, que incluía escritórios luxuosos, uma frota (literalmente) de aeronaves corporativas, títulos caríssimos de clubes de golfe, e outros gastos desalinhados com os interesses dos seus acionistas. Tanto o “Terceiro” quanto o “Quarto”9 extraíam benefícios desproporcionais da empresa como executivos, vis-à-vis suas participações acionárias relativamente pequenas, e faziam isso pois exerciam o controle acionário de fato nos bastidores, exercendo grande influência sobre os membros do conselho de administração da AB, que deveriam, em tese, representar os acionistas como um todo, mas não o faziam. Como diz Julie Macinstosh, autora do livro que reconta a história da aquisição da AB pela InBev, Dethroning the King: 9 August Busch III era o “Terceiro”. August Busch IV era o “Quarto” SONHO, GENTE E CULTURA 17 “Eles nunca foram conhecidos pela sua consciência com custos. Por décadas, os Busch, que amavam aviões, e seus colaboradores, rodavam pelo país a bordo da frota corporativa de sofisticados jatos Dassault Falcon. Chegou ao ponto de, em um dado momento, diversas mulheres de membros do comitê estratégico da empresa não voarem em vôos de carreira por anos”10. E com o depoimento de um ex-executivo, presente no mesmo livro, que ilustra bem a falta de proporção entre os benefícios que extraíam como executivos, e o tamanho das participações acionárias: “Eles eram apenas os representantes figurativos da empresa. Não tinham o controle. Era como a monarquia da Grã Bretanha. Esses caras não tinham autoridade [de direito] para nada”11. Após uma série de gafes estratégicas por parte do Quarto, o mercado voltou a especular sobre um negócio entre a empresa e a InBev. Em uma dessas oportunidades, ele falhou em reportar ao seu conselho sobre um jantar que tivera com Lemann em Nova York, onde este propusera, ainda que informalmente, uma combinação das duas empresas. 10 “They had never been known for cost-consiousness. For decades, the aviation-loving Busch men and other staffers had hopscotched around the country on the company’s own fleet of sleek, leather- outfitted Dassault Falcon corporate jets. It got to the point for a while where even the wives of strategic committee members hadnt flown comercial in years”. 11 “They were just the titular heads of the company. They didn’t have control. It was like a monarchy in Great Britain. These guys really didn’t have the authority to do anything”. FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO 18 Sem ter sua idéia levada a sério pelo Quarto, Lemann e seus sócios passaram a considerar uma oferta hostil aos acionistas da Anheuser-Busch. Em uma operação deste tipo, a parte ofertante se dirige diretamente aos acionistas da empresa-alvo, ao invés do caminho comum, de se aproximar primeiro do seu conselho de administração, que por sua vez decide por dar recomendar ou não o negócio aos acionistas da empresa. Tudo indicava que o conselho da AB, dominado pelos Busch, seria reticente em trabalhar para o fechamento de um negócio entre as empresas. Assim, outra estratégia era levar o assunto a público, de modo a coagir tacitamente o conselho da AB a considerar uma potencial transação. Esta alternativa minimizava as repercussões negativas que sempre acompanham ofertas hostis, e constrangeria o conselho da AB, que não teria como ignorar a oferta sem romper com suas obrigações fiduciárias para com os seus acionistas. Assim, a primeira proposta formal foi enviada pela InBev ao conselho de administração da AB em 11 de Junho de 2008, sugerindo uma oferta de U$ 65 para cada ação da AB em circulação, que avaliava a empresa em U$ 46.3 bilhões. Em primeirode Julho, após ter sua oferta rejeitada pelo conselho (por ser “financeiramente inadequada e fora dos melhores interesses de seus acionistas), a InBev veio a público para reforçar sua oferta de U$ 65 por ação, e indicou a possibilidade de uma ação para substituir alguns membros do conselho da AB, o que abriria portas para negociações amigáveis. A ameaça surtiu efeito, e trouxe os conselheiros da AB para a mesa de negociação. Neste meio tempo, a imprensa noticiou que a InBev aumentara sua oferta para U$ 70 por ação (cinco dólares a mais que o preço da proposta original), oferta essa que foi anunciada como aceita conjuntamente SONHO, GENTE E CULTURA 19 pelas duas empresas em 14 de Julho de 2008. A cervejaria americana terminou avaliada em U$ 52 bilhões, a serem pagos à vista aos seus acionistas. Para fundear o negócio gigantesco, a InBev negociou uma linha de crédito com um sindicato de bancos que quase foi abortada com a deterioração da crise de crédito nos Estados Unidos (e subsequente falência do banco de investimentos Lehman Brothers). As linhas só não foram canceladas pois a InBev negociou condições contratuais ferrenhas, que custaram à empresa um dos U$ 50 milhões em fees que seriam perdidos caso o negócio não fosse concluído. Mesmo com a linha garantida, a InBev não deixou de ir em frente com a transação mesmo vendo os preços de ativos financeiros derretendo à sua frente com o desenrolar da crise. Burger-King, Heinz, e a 3G Capital Em 2004, o trio havia decidido diversificar seus ativos financeiros e financiou a criação de uma firma de investimentos baseada em Nova York, a 3G Capital. A iniciativa foi liderada por Alex Behring, que havia sido sócio da GP Investimentos e posteriormente presidente da ALL – América Latina Logística, entre as décadas de 1990 e 2000. A firma iniciou suas atividades concentrando esforços em ativos líquidos, através de uma combinação de gestão própria com alocação em fundos de outras gestoras, no modelo de fundo-de-fundos. Com o tempo, a 3G concentrou seus esforços no mercado de ações norte- americano, especialmente nos casos em que a empresa comprava participações relevantes em empresas de FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO 20 capital aberto, e passava a exercer influência na condução de suas estratégias. O primeiro grande negócio foi a CSX, companhia ferroviária americana (setor este em que Behring tinha grande experiência operacional). A 3G se aliou ao fundo inglês TCI, conhecido por suas incursões ativistas, e passaram a pressionar o conselho da empresa por melhorias operacionais e financeiras. Com a captação de um novo fundo, que contava com recursos de clientes12 (além daqueles dos seus sócios, incluindo o trio), a firma anunciou em 2010 a aquisição da rede de fast-food Burger King, então controlada por fundos das gestoras de private equity Texas Pacific Group, Bain Capital, e do banco de investimentos Goldman Sachs. Os fundos haviam comprado a franqueadora em 2002 da Diageo, mas tiveram dificuldades em executar o turnaround proposto principalmente após a Grande Recessão pós-2008. Pelo Burger King, os fundos da 3G Capital pagaram U$ 3.3 bilhões13, além da assunção de dívidas de U$ 700 milhões, avaliando a empresa em um múltiplo de nove vezes lucro, e fechou seu capital. Bernardo Hees, sucessor de Behring no comando da ALL, assumiu a posição de CEO da empresa, seguido por Daniel Schwartz, que liderara a transação pela 3G Capital, como 12 Eike Batista foi um dos investidores participantes do fundo que comprou a Burger King, segundo sua biografia não-autorizada publicada em 2015 por Malu Gaspar. 13 Dos U$ 3.3 bilhões, aproximadamente a metade foi financiada com dívidas, numa operação conhecida como leveraged buyout, ou aquisição alavancada. Neste tipo de transação, o investidor soma seu capital à divida bancaria para aumentar seu poder de compra e potenciais retornos. O risco da transação também aumenta. SONHO, GENTE E CULTURA 21 CFO. Em 2012, após significativas melhorias de resultado, a 3G vendeu uma participação acionária para uma empresa de capital aberto chamada Justice Holdings, detida por fundos de investimento geridos pela Pershing Square14. O deal retornou à 3G e seus sócios U$ 1.4 bilhão, que era aproximadamente o montante de capital próprio (equity) investido originalmente no negócio15. Com os sucessos acumulados em CSX e Burger King, a 3G Capital mirou mais alto, e se associou à Berkshire Hathaway, do lendário investidor americano Warren Buffet, para a aquisição da H.J. Heinz Company, fabricante dos famosos molhos ketchup homônimos. O negócio foi significantemente maior do que o anterior, mas baseado nos mesmos moldes: fechar o capital de uma empresa com uso de grande alavancagem financeira, ainda abundante e barata no mercado financeiro dos Estados Unidos. Os acionistas da Heinz receberam U$ 23.3 bilhões em dinheiro pelas suas ações. Em 2015 a Heinz adquiriu a Kraft Foods, gigante dos alimentos processados, formando a Kraft Heinz. No negócio, os acionistas da Heinz ficaram com 51% da entidade resultante, em uma transação de U$ 45 bilhões. 14 A Pershing Square é uma gestora de investimentos Americana dedicada a participações ativistas em empresas de capital aberto. Neste tipo de estratégia, o investidor tenta influenciar ativamente as decisões dos executivos e conselheiros da empresa através de práticas muitas vezes tidas como hostis, como cartas públicas e entrevistas à imprensa. 15 Na prática, a 3G realizou uma transação chamada de IPO reverso, em que uma empresa de capital fechado incorpora uma empresa de capital aberto, se tornando, por consequência, aberta – daí o IPO, ou abertura de capital. Neste caso, os acionistas da Justice ficaram com 71% da empresa combinada, enquanto a 3G e seus sócios, 29%. FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO 22 A linha mestra Vê-se pela história empresarial do trio que há algumas tendências – e preferências - que vêm ficando claras nas últimas três décadas na forma com que alocam seus recursos (tempo e capital): a) Empresas baseadas em mercados desenvolvidos Desde a fusão da AmBev com a Interbrew, o trio tem concentrado seus esforços em novos negócios baseados em mercados desenvolvidos, onde há um mix de (1) empresas com controle acionário difuso, e portanto, oportunidades de ganhos de eficiência significativos, (2) financiamento por meio de dívida barato e abundante, e (3) diversificação geográfica de resultados, e portanto, de fatores de controle exógeno, como câmbio, risco político, crescimento econômico, juros e inflação. b) Empresas com vantagens competitivas sustentáveis Veremos mais sobre o tema a seguir, mas vale ressaltar de antemão que o trio busca negócios que tenham vantagens competitivas de fácil manutenção, como marcas muito conhecidas, rede de distribuição ampla e saudável, baixa concentração de fornecedores e clientes, e baixo risco de inovações tecnológicas que venham a romper seus modelos de negócio. c) Potencial de ganhos de margem com gestão Negócios como a manufatura e venda de Fast-Moving Consumer Goods (entre eles bebidas e condimentos) e o varejo de fast-food têm em comum alto custo de mão-de- obra, alta complexidade operacional, funções relevantes de vendase, portanto, oportunidades de ganho de SONHO, GENTE E CULTURA 23 eficiência e margem significativos a partir do turnaround gerencial baseado em pessoas. d) Preferência por setores “à prova de idiotas” Não basta uma empresa ter uma situação competitiva favorável e gordura abundante se o seu negócio, estruturalmente, não for bom. A saída do trio do Banco Garantia, um banco de investimentos em modelo de partnership nos moldes da americana Goldman Sachs, e o subsequente foco em FMCGs, é bastante ilustrativo nesse sentido: deixaram para trás um modelo de negócios de baixa escalabilidade16, gestão de risco trabalhosa, e altíssima dependência de colaboradores-chave, para focarem em negócios muito mais perenes e escaláveis, que têm mais baixa dependência de colaboradores-chave e baixa exposição a riscos de mercado. De maneira metafórica, os que continuariam gerando receitas se seus executivos precisassem todos se ausentar do escritório por alguns dias. Como diz Warren Buffet, “eu tento comprar ações de negócios tão bons que um idiota possa administrá-los. Porque mais cedo ou mais tarde, um irá”. 16 É importante não confundir escalabilidade, que é a facilidade de se administrar o negócio em ele se tornando – muito – maior, com potenciais ganhos de escala, que são proporcionais à alavancagem operacional da empresa. Quanto maior a alavancagem operacional de uma empresa, maior a proporção de custos fixos sobre os custos totais. Portanto, aumentos de vendas tendem, nesses casos, a trazer margens líquidas crescentes, os chamados ganhos de escala. Negócios escaláveis não necessariamente trazem ganhos de escala. E vice-versa. FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO 24 Figura 1: Linha do Tempo SONHO, GENTE E CULTURA 25 FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO 26 PARTE 1: GENTE FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO 27 Introdução O maior ativo da empresa é gente boa, trabalhando em equipe, crescendo na medida de seu talento e sendo recompensada por isso. A remuneração tem que estar alinhada com os interesses dos donos. - Os 18 Mandamentos Nosso compromisso com o recrutamento, treinamento e retenção das melhores pessoas é um elemento-chave de nossas iniciativas estratégicas. Sabemos que a Gente AmBev é nossa maior vantagem competitiva. - Relatório Annual 2003 Nós somos um ‘one trick poney’: nosso truque é potencializar gente, é o que a gente sabe fazer. Descobrir gente que tem talento, brilho nos olhos e vontade de crescer, e abrir o caminho pra ajudar esses caras a irem pra frente. - Marcel Telles De acordo com Carlos Brito, em uma palestra dada na escola de negócios da universidade de Stanford em 2011, “gente boa é o que faz grandes empresas17. O ponto 17 “Great people are what forms great companies”. Optamos por manter o “gente boa” pois é a forma mais frequente com que o tema é tratado em português. Além disso, optamos por manter o sentido original, que dá ênfase em pessoas, de outra tradução possível, que seria „grandes empresas são formadas por gente boa”. Na nossa opinião, a ênfase está nas pessoas mesmo. FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO 28 importante que ele faz é que empresas são formadas de gente. Não há nenhum outro ingrediente mágico. Parece muito simples. Mas não é! Para ter gente boa, uma empresa precisa investir em diversas frentes: criar um ambiente onde gente boa se sinta bem; recrutar talentos constantemente, tendo sempre uma base de gente boa disponível para a empresa; promover os talentos rapidamente; e por fim, demitir gente ruim, para que o nível médio de talento da empresa esteja em perene melhora. Segundo Carlos Brito, gente boa gosta de ambientes de trabalho com três grandes características: a) Meritocracia: Performances diferentes são tratadas de maneira diferente. Os melhores são promovidos e ganham mais; os piores mudam ou saem. b) Informalidade: Gente boa gosta de estruturas organizacionais horizontais, em que o contato entre níveis de senioridade é encorajado; em que diferenças hierárquicas não sejam impostas a força; em que o linguajar seja simples e não ostentativo ou rebuscado. c) Honestidade intelectual: As discussões devem ser baseadas em fatos e dados; o melhor argumento deve sempre vencer a despeito do nível hierárquico e experiência dos participantes; os executivos têm de ser acessíveis aos seus companheiros e colaboradores. Por fim, “politicagem”, “puxa- saquismo” e outras mazelas corporativas devem ser combatidas a qualquer custo. SONHO, GENTE E CULTURA 29 Além de um ambiente favorável a gente boa, é importante que a empresa tenha um pipeline constante de talentos em seus quadros. O pipeline é suprido, na sua base, por programas de estágio, trainee e recrutamento de MBAs, em que estudantes das melhores universidades do mundo são escolhidos a dedo para se juntarem às empresas quando concluem seus cursos. Mais acima na hierarquia, cada líder é cobrado por ter uma linha de sucessão clara em seus quadros (no mínimo um potencial substituto para seu cargo para o caso de promoções ou deserções.) Para que isso ocorra, investe-se constantemente no treinamento e desenvolvimento de talentos, tanto on-the-job, quanto por meio de cursos e treinamentos formais, e por fim, de um planejamento detalhado de carreira que tenha como objetivo a formação de líderes para todos os níveis das empresas. Pontos de Resistência Ainda que pareça bastante simples, pôr em prática um ambiente como o descrito acima é bastante trabalhoso, e muitas vezes traumático para colaboradores que não estejam acostumados, ou que não tenham encaixe cultural adequado. Não é à toa que a maioria esmagadora das empresas faz exatamente o oposto. É muito mais comum conhecer culturas empresariais em que reuniões sigam protocolos implícitos ou explícitos, em que discordâncias (principalmente um colaborador discordando de um superior) são mal vistas, em que argumentos são vencidos “à força” por quem tem cargo mais alto ou mais tempo de casa, e assim por diante. FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO 30 A transição costuma ser especialmente difícil: na visão do trio, gente boa costuma se ver realizada com as novas práticas, enquanto gente ruim18 se incomoda com o ambiente aberto, a informalidade, e o clima às vezes confrontacional, e é expelido da estrutura mais cedo ou mais tarde. 18 É importante não confundir “gente ruim”, um termo usado para descrever performance e fit cultural, com alguma deficiência moral, ou maldade no sentido mais usual. Pessoas íntegras e afáveis podem frequentemente serem classificadas como “ruins”. SONHO, GENTE E CULTURA 31 1 Meritocracia Meritocracia: um sistema em que os talentosos são escolhidos e promovidos com base nas suas conquistas. - Dicionário Merriam-Webster Meritocracia é talvez o mais importante e distintivo aspecto da metodologia de gestão dos 3G. Trata-se de tratar performances distintas de maneira distinta, premiando os melhores, e promovendo a melhora ou saída dos piores, em termos de sua performance no trabalho. A principal ferramenta para se implantar uma meritocracia é o reconhecimento variável dos colaboradores em função de suaperformance. Reconhecimento vêm de duas formas: remuneração e FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO 32 promoções. Para que se possa reconhecer os colaboradores de maneira meritocrática, a empresa precisa estabelecer metas claras para todos os seus colaboradores, e avaliá-los em relação ao atingimento dessas metas, além de outras variáveis como potencial de crescimento e adesão cultural. Meritocracia na escola e nos esportes Segundo Carlos Brito, a escola e o esporte são metáforas importantes que nos ajudam a entender como meritocracias devem funcionar. Quando entramos na escola, somos expostos ao primeiro ambiente meritocrático de nossas vidas. Somos constantemente avaliados; nossas metas (notas mínimas) são bastante claras; recebemos feedbacks claros e constantes (através das notas de provas e outras avaliações) e, por fim, cada um têm de carregar seu peso para atingir seus objetivos19. O esporte, em seguida, insere mais fortemente o conceito de trabalho em equipe, ainda num ambiente meritocrático. Segundo Brito, não há feedback mais claro do que o banco de reservas. Quem joga bem fica no time titular. Além disso, a figura do técnico faz o papel de líder, que deveria ser emulado por executivos no seu dia-a-dia profissional: eles também dão feedback constante aos seus jogadores (inclusive durante o jogo), e aplicam a 19 Trabalhos em grupo talvez sejam as únicas oportunidades que temos de nos encostar no suor dos outros. Colas e fraudes não são citadas, pois tratar-se-iam, analogamente, a desvios de integridade, inaceitáveis na cultura do trio. SONHO, GENTE E CULTURA 33 dose certa de pressão para motivar a melhor performance possível. Mundo corporativo: onde ocorrem os desvios Segundo Brito, é no mundo corporativo em que a meritocracia se perde. Líderes caem na tentação de levar outros fatores em conta, como tempo de casa, anos de experiência, fidelidades pessoais e alianças políticas. Assim, acabam criando um ambiente em que gente boa fica descontente pela falta de reconhecimento, e gente ruim se sente à vontade para continuar tendo uma performance medíocre, dado que não há consequências. Ainda segundo Brito, ser realmente meritocrático é um grande desafio. A dificuldade começa em lidar com os medíocres. Dar feedback negativo pode ser desgastante. Uma demissão, que no caso da AmBev ocorre usualmente após três sessões de feedback negativo, pode ser ainda mais traumática para o líder. No entanto, os efeitos positivos valem a pena: o profissional medíocre tem de buscar um novo ambiente em que possa florescer profissionalmente; abre-se uma vaga para um bom profissional ser promovido. Brito comenta: “sim, haverá gente na lanterna. E é essa a ideia; que as pessoas na lanterna se sintam mal, e que queiram ir pro topo”. Fazer com que os colaboradores saibam sua performance em relação aos colegas incentiva uma competição saudável, que reforça o ciclo de feedback positivo do sistema de prêmios e punições. Jack Welch, uma grande influência para a cultura do trio, parece concordar, como mostra o relatório anual a investidores da GE, de 2002: FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO 34 “Not removing that bottom 10% [ of worse performers] early in their careers is not only a management failure, but false kindness as well – a form of cruelty – because inevitably a new leader will come into a business and take out that bottom 10% right away, leaving them – sometimes midway through a career – stranded and having to start over somewhere else”. O que é mérito? A AB InBev define mérito como a soma de três grandes aspectos de performance: Figura 5: Mérito SONHO, GENTE E CULTURA 35 Atingimento de metas É um critério bastante objetivo, e medido com um número: qual a média ponderada da porcentagem de atingimento de metas do colaborador. Quando o atingimento de metas está aquém do esperado (na AmBev espera-se que o colaborador atinja no mínimo 70% das suas metas), cabe ao líder avaliar se é necessário treinamento, se as metas foram mal-estabelecidas, ou se o colaborador está na atividade errada. Trabalho em equipe/liderança Fruto tanto da avaliação 360 graus (de colegas, colaboradores e supervisores) quanto da percepção do supervisor, o trabalho em equipe é a capacidade do profissional de motivar seus companheiros, contribuir pro sucesso do time, não gerar atritos e problemas, e no caso dos que possuem equipes sob sua supervisão, a percepção dos liderados. O colaborador que tem problemas com trabalho em equipe tem de se desenvolver para cobrir suas deficiências. Se atinge resultados extraordinários e tem fit cultural, portanto com tendências a comportamento de “prima donna”, tem um pouco mais de tempo para trabalha-las. Mas não muito. Fit cultural O fit cultural é o único aspecto que é entendido como “imutável”, e portanto imprescindível para que o colaborador se desenvolva na empresa. Valores como integridade, meritocracia e excelência são dificilmente FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO 36 alteráveis, e portanto podem ser deal breakers na carreira do profissional. A GE, em seu relatório anual de 2002, explica conceitos muito parecidos em relação aos seus líderes: “It’s about the four “types” that represent the way we evaluate and deal with our existing leaders. Type I: shares our values; makes the numbers – sky’s the limit! Type II: doesn’t share the values; doesn’t make the numbers – gone. Type III: shares the values; misses the numbers – typically, another chance, or two. None of these three are tough calls, but Type IV is the toughest call of all: the manager who doesn’t share the values, but delivers the numbers; the ‘go-to’ manager, the hammer, who delivers the bacon but does it on the backs of people, often “kissing up and kicking down” during the process. This type is the toughest to part with because organizations always want to deliver – it’s in the blood – and to let someone go who gets the job done is yet another unnatural act. But we have to remove these Type IVs because they have the power, by themselves, to destroy the open, informal, trust-based culture we need to win today and tomorrow” Avaliações de desempenho: pondo a meritocracia em prática SONHO, GENTE E CULTURA 37 Uma das ferramentas práticas de meritocracia é a avaliação de desempenho, que é dividida em três grandes estágios: 1. Acompanhamento mensal de metas e resultados 2. Avaliação anual de competências 3. Avaliação anual de resultados Acompanhamento Mensal: Todos os meses, cada supervisor tem de sentar com seus subordinados para revisar suas metas e performance. Essa reunião geralmente é conduzida na presença do time todo, e tem sua origem na prática das Reuniões de Resultado introduzidas por Vicente Falconi. Desta maneira, o líder começa apresentando suas metas e performance, a cada um dos subordinados faz o mesmo, até que todos tenham apresentado seus números. São discutidas as potenciais dificuldades enfrentadas por cada um, bem como encoraja-se o compartilhamento de melhores práticas entre os colegas. Figura 6: Processo de acompanhamento mensal de resultados. FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO 38 De líder para liderado (de cima para baixo): fornecimento de feedback, apoio com ferramentas e recursos, ajuda na priorização e direcionamento de esforços. De lideradopara líder (de baixo para cima): Autoanálise de performance, apresentação de resultados e status de projetos, planos de ação para atingimento de metas. Avaliação anual de competências e decisões de gente Enquanto o processo de apuração de metas e pagamento de bônus é extremamente objetivo e matemático (como veremos abaixo), ou seja, quem bateu meta leva bônus e quem não bateu meta não leva bônus, as decisões de gente, ou seja, quem é promovido, demitido ou movido lateralmente, levam em conta comportamentos e potencial de cada profissional. O processo começa com uma avaliação de comportamentos derivados dos valores das empresas, que frequentemente inclui um componente multi- avaliador (estilo 360-graus). Após a avaliação, são realizados comitês de sucessão, onde os colaboradores são classificados com base na sua prontidão para promoção, e as vagas internas da empresa são preenchidas, de cima para baixo. A prática parece bastante influenciada na política de avaliação da performance da GE, também descrita no relatório anual da empresa em 2000: “In every evaluation and reward system, we break our population down into three categories: the top 20%, SONHO, GENTE E CULTURA 39 the high-performance middle 70% and the bottom 10%. The top 20% must be loved, nurtured and rewarded in the soul and wallet because they are the ones who make magic happen. Losing one of these people must be held up as a leadership sin – a real failing. The top 20% and middle 70% are not permanent labels. People move between them all the time. However, the bottom 10%, in our experience, tend to remain there. A Company that bets its future on its people must remove that lower 10%, and keep removing it every year – Always raising the bar of performance and increasing the quality of its leadership”. Avaliação anual de resultados Cada colaborador apura o percentual de atingimento das suas metas, submete a avaliação ao seu gestor e com isso fica definido seu bônus anual. Bônus Todos os anos, os colaboradores de nível gerencial recebem uma remuneração variável, formada por um fator de performance multiplicado pelo seu salário mensal, em função do desempenho obtido durante o ano. O fator de performance se forma pela fórmula abaixo: Observa-se que além da performance individual do colaborador, impactam seu bônus a performance de sua diretoria/unidade de negócios (time), e a performance FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO 40 global da empresa20, de modo que todos os colaboradores estejam alinhados com o sucesso coletivo da firma e dos acionistas. O bônus pool O bônus pool é a quantidade total de dinheiro a ser distribuído como bônus entre os colaboradores elegíveis. Também chamado de pie, ou torta, costuma ter seu tamanho (the size of the pie) pré-definido como uma porcentagem do EBITDA (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) da empresa. Quanto maior o EBITDA, maior o numerador do pie. Pie = EBITDA * X% Em seguida, divide-se o pie (digamos que X = 20%) pela massa salarial mensal dos colaboradores elegíveis a bônus. Chamamos isso de Bônus Potencial por Colaborador: BP = Bônus Potencial (em número de salários mensais) = Pie / Despesa mensal de salários da empresa O resultado é a quantidade de salários potencial a que os colaboradores elegíveis a bônus poderão concorrer com sua performance. Em um dado ano, cada colaborador, por exemplo, poderá ganhar cinco salários mensais como bônus de performance. 20 Explicaremos melhor a formação de metas da empresa, de time e de indivíduo na Parte 2 do livro, sobre Sonho. SONHO, GENTE E CULTURA 41 Portanto, o bônus de um dado colaborador (B) será dado pela fórmula abaixo: B = Fator de Performance * BP * Salário do Colaborador Programas de excelência Nos quadros não gerenciais (cargos de operação, principalmente vendas e manufatura) não ocorrem avaliações individuais como nos quadros gerenciais. Para este grupo, a AB InBev se inspirou em um programa similar da Anheuser-Busch e criou programas de excelência, que são competições de grupo pelas quais competem unidades de trabalho comparáveis. “Todos esses programas são dedicados a maximizar a eficiência, e as unidades competem entre si para atingir o maior número de pontos com base no cumprimento de determinados procedimentos. Os colaboradores das unidades vencedoras de cada programa recebem uma remuneração extra, e, caso uma unidade atinja o maior número de pontos mais de três vezes, ela recebe o título de “Embaixadora”. Além de motivar pessoas e parceiros chave, os programas de excelência dão apoio efetivo a nossas iniciativas de redução de custos”. (Relatório Anual 2003) Por exemplo, as equipes regionais de vendas competem entre si por um dos prêmios (PEV – Programa de Excelência em Vendas), enquanto as unidades fabris competem entre si por outro prêmio (PEF – Programa de Excelência Fabril). FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO 42 De maneira análoga, os grupos são então classificados em rankings comparáveis, e posteriormente atribuídos um fator multiplicador que pode aumentar ou diminuir o PLR (participação nos lucros e resultados) a ser distribuído no ano. SONHO, GENTE E CULTURA 43 2 Informalidade Pessoas talentosas gostam de simplicidade. É ali que os talentosos se destacam. - Carlos Brito, Endeavor CEO Summit Um dos aspectos mais aparentes do estilo de gestão do trio é sua informalidade, que transparece em diversas situações diferentes. Segundo Carlos Brito, um ambiente informal, de planta aberta, com dress code casual, sem cerimônias, é um fator de grande importância para a atração e retenção de gente boa. Segundo ele, um ambiente informal incentiva FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO 44 a comunicação, a meritocracia, o trabalho duro, além de outras externalidades positivas. Escritórios de planta aberta Nas palavras de Brito, “eu não tenho um escritório. Eu me sento ao lado de meus reportes diretos em uma grande mesa – meu cara de marketing na minha direita, meu cara de operações na minha esquerda, e meu cara de finanças atrás”. Este talvez seja o ponto que causa maior espanto a executivos e donos de empresas tradicionais: como pode o CEO se sentar no meio de todos, sem a privacidade e o luxo de uma sala fechada? É exatamente este o ponto da planta aberta. Sem ter que se mover pelo escritório, os executivos podem realizar rápidas reuniões de trabalho, apenas virando suas cadeiras, aumentando a eficiência do tempo e a comunicação. Brito ressalta que faz inúmeras reuniões de um a cinco minutos com seus principais colaboradores, em que despacham rapidamente sobre vários assuntos sem a ineficiência de agendamento e deslocamento associadas a ir a uma sala de reunião (o que frequentemente ainda atrai mais gente do que o necessário). Outra grande vantagem de escritórios abertos é que eles previnem as pessoas de se esconderem por detrás de portas. Num tom bem-humorado, Brito nota que “escritórios são para pessoas medíocres, que gostam de SONHO, GENTE E CULTURA 45 se esconder detrás de suas portas e jogar joguinhos, etc.” 21 Por mais agressivo que isso possa soar, é uma grande verdade. Para trabalhar, as pessoas não precisam, na maior parte dos seus dias, de privacidade. Pelo contrário, podem se beneficiar da pressão e comunicação que um escritório abertoproporciona. Se há algo de confidencial a ser tratado (um algum tema de cunho pessoal) o colaborador pode se deslocar até uma sala de reuniões. Mas é a exceção, e não a regra. Uma vantagem final de escritórios abertos é a acessibilidade dos executivos sêniores aos outros colaboradores da empresa. Salas fechadas impõe um nível de deferência, associado ao “bater na porta”, que é excessivo, e desencoraja interações positivas à empresa. Falar com o gestor não deve ser nunca visto como uma interrupção a ser evitada, mas uma parte essencial de um ambiente de trabalho saudável. 21 “Offices are for mediocre people who like to hide behind their doors and play games, et cetera.” FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO 46 Dress code casual Outro aspecto importante das empresas do trio, e que pode parecer excessivamente cosmético mas é de grande importância, é o código informal de vestimenta adotado. Colaboradores usam calças jeans, e são frequentemente vistos com camisas bordadas com o logotipo dos produtos vendidos. A prática reforça a horizontalidade da estrutura, bem como a acessibilidade dos executivos, e contribui para a atração e retenção de talentos. Vestimentas informais são também marca do trio. Diz-se que Beto Sicupira causou espanto nas Lojas Americanas quando chegou para assumir seu cargo de presidente da empresa vestindo jeans e carregando uma mochila esportiva nas costas. Marcel Telles também pode ser visto em fotos dos tempos de AmBev bem como nos dias de hoje ainda vestindo jeans e camisa informal. Jorge Paulo, de maneira muito similar, adotou as calças caqui na época do Garantia e até hoje é visto da mesma maneira. Hierarquia horizontal Outro aspecto que favorece a informalidade do ambiente de trabalho é a estrutura organizacional plana das empresas do trio. No caso da AmBev, são apenas cinco níveis hierárquicos nos quadros gerenciais. Simplicidade Uma última característica que compõe o estilo informal de gestão do trio é a simplicidade com que conduzem diversos aspectos de suas vidas profissionais e pessoais. SONHO, GENTE E CULTURA 47 Em primeiro lugar a linguagem usada é sempre simples e objetiva, sem floreios e termos difíceis. Isso fica claro quando lemos os dezoito mandamentos, que são escritos em um tom absolutamente informal. Além disso, o estilo informal também se traduz na forma com que o trio fala em palestras, entrevistas e vídeos: nada de rebuscamento. Não se encontra, nos materiais da companhia, termos da moda, como capital humano, sizing, empowerment, etc. Vê-se apenas gente, eficiência, e cabeça de dono. FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO 48 3 Honestidade intelectual22 Transparência e fluxo de informações facilitam decisões e minimizam conflitos - Os 18 Mandamentos Em empresas grandes, só noticias boas chegam ao topo. - Carlos Brito, Endeavor CEO Summit O terceiro e último pilar de um ambiente em que gente boa se sinta bem é o que chamamos de honestidade 22 Tradução livre de “candor”. SONHO, GENTE E CULTURA 49 intelectual, que está intimamente ligado aos pilares de informalidade e meritocracia. Na visão de Carlos Brito, isso se traduz de duas principais maneiras: em primeiro lugar, no fato de “todos na empresa poderem emitir suas opiniões contanto que sejam respeitosas e construtivas”. O que isso quer dizer? Que um colaborador pode – e deve – discordar de um colega ou de um superior se ele achar que tem um argumento melhor, que esteja mais conectado com os interesses da companhia. Assim, o melhor argumento tende a vencer a despeito de diferenças de tempo de casa e senioridade hierárquica. Para o trio, gente boa gosta de estar em um ambiente onde se busca sempre o melhor resultado, a despeito de quem seja contrariado. Para que isso ocorra, a empresa precisa se desvencilhar das amarras políticas de um ambiente normal de trabalho, em que gestors não admitem serem contrariados em público, e onde decisões são impostas. Também é necessário que os colaboradores coloquem o benefício da empresa acima de seus interesses pessoais, de modo que alguma crítica ou argumentação de um colega não seja vista como uma afronta pessoal. Lendo uma carta de Jack Welch aos acionistas da GE, datada do ano 2000, vemos algo muito parecido: “Informality is not generally seen as a particularly importante characteristic in most large institutions, but it is in ours. Informality is more than just being a first- name company; it’s not just a sense of managers parading around the factory floor in suits, or of reserved parking spaces or other trappings of rank and status. It’s deeper than that. At GE it’s an atmosphere FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO 50 in which anyone can deliver a view, an idea, to anyone else, and it will be listened to and valued, regardless of the seniority of any party involved. Leaders today must be equally comfortable making a sales call or sitting in a boardroom – informality is an operating philosophy as well as a cultural characteristic”. Vicente Falconi, consultor empresarial que influenciou bastante o estilo de gestão empresarial do trio, descreve a vitória do melhor argumento como a busca incessante pela “verdade”23. Outro aspecto importante é que, segundo Brito, “gente boa gosta de saber em que pé está”24, o que significa que querem sempre receber feedbacks objetivos, diretos, e claros de seus colegas e supervisores, de modo a poderem melhorar no que for preciso, e reforçar atitudes que estejam funcionando. Também querem bastante objetividade nas oportunidades que a empresa reserva para eles. 23 Outras culturas empresariais notórias, como a Amazon e a Bridgewater Associates, também possuem aspectos próprios de “honestidade intelectual”, incentivando, e até obrigando, a discordância. 24 “Great people like to know where they stand”. SONHO, GENTE E CULTURA 51 4 Crescimento Para que o Jeito 3G funcione, tem de haver crescimento pessoal e profissional claro e constante para os melhores talentos25. Crescimento pode vir de três principais 25 Vale ressaltar que são valorizados também os colaboradores que a AmBev chama de especialistas, ou experts, que são aqueles de carreira mais estável, que entendem profundamente de um assunto, e não tem ambições de liderança. Eles podem ganhar até mais que um líder se tiverem um valor extraordinário para a companhia. Alguns exemplos possíveis são mestres cervejeiros, ou advogados fiscais, que necessitam de conhecimento específico e experiência para realizarem seus trabalhos. Mas especialistas são a exceção, e não a regra, e tem de trabalhar duro e entregar como todos os outros colaboradors. FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO 52 maneiras, muitas vezes complementares: ganhos financeiros, promoções e desafios/conhecimento. Para que isso ocorra, há de haver grande mobilidade na empresa. Posições novas têm de surgir constantemente, de modo a acomodar novos desafios e posições para aqueles que vêm de baixo. As empresas do trio possuem grande mobilidade pois elas próprias estão em vertiginoso e constante crescimento via aquisições. Assim, cria-se uma constante oferta de posições, muitas vezes envolvendo mudanças de país, para que os talentos assumam novosdesafios em suas carreiras. A falta de crescimento pode ser um grande problema para o modelo: de fato, a estrutura poderia sofrer um efeito similar a um bloqueio na saída de uma escada rolante, engarrafando o fluxo de profissionais, que parariam de ter novos desafios e oportunidades de crescimento. Este é um desafio com que empresas mais maduras, como a AB InBev, terão de lidar num futuro próximo, se não realizarem grandes movimentos estratégicos (estratégia que, naturalmente, tem limites). SONHO, GENTE E CULTURA 53 5 Criando um pipeline de gente boa Já discutimos aqui os fatores que fazem que uma empresa seja atraente aos olhos de gente boa. Agora, caminhamos para as práticas adotadas pelas empresas do trio com intuito de gerar um fluxo grande e constante de talentos para a organização. FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO 54 Os programas de trainees Uma marca registrada das empresas dos 3G é a onipresença de programas de trainee como ferramentas de recrutamento na base de suas companhias. Contratar na base é essencial: permite que a empresa molde os talentos desde o início com base em seus valores e cultura. É o que Jim Collins, o guru de gestão Americano com quem o trio se consulta periodicamente, chama de “doutrinamento” no seu famoso livro Built to Last: Successful Habits of Visionary Companies. A forma mais comum de implementar um programa de trainees é identificar as melhores universidades de uma região, e dali atrair os jovens de melhor desempenho acadêmico, potencial profissional e fit cultural para participarem do programa, que na AB InBev se chama GMT – Global Management Trainee Program. Os executivos sêniores participam ativamente do processo de seleção de candidatos, dispendendo tempo bastante relevante com entrevistas e discussões de debriefing. São notórios os almoços realizados por Marcel Telles, até pouco tempo atrás, com todas as novas turmas de trainees da AmBev. Na AmBev, os GMTs passam X anos por diferentes áreas operacionais da empresa (vendas e manufatura) aprendendo por dentro o funcionamento das operações da companhia, e alocados em diferentes projetos estratégicos. MBAs SONHO, GENTE E CULTURA 55 Outra forma bastante usada pelas empresas do trio para seleção de talentos é a contratação de MBAs recém- formados nas melhores escolas de negócios do mundo. Os estudantes geralmente participam de um estágio de verão durante suas férias entre o primeiro e o segundo anos do curso. Após três ou quatro meses de estágio, os “estagiários de verão”, ou summer interns, são avaliados, e dentre esses aos melhores são estendidas ofertas de trabalho efetivo após a conclusão do curso. Carlos Brito, CEO da AB InBev, foi contratado pelo Banco Garantia após terminar seu MBA em Stanford. Poucos meses depois de seu começo no banco, o executivo deixou sua função para assumir uma fábrica da recém- adquirida Cervejaria Brahma, em 1989, até atingir o topo da empresa. Curiosamente, o MBA de Brito foi financiado por Jorge Paulo Lemann, prática esta que deu origem à Fundação Estudar, que hoje financia a educação de jovens de alto potencial, muitos deles que acabam sendo contratados por empresas do trio. Promoções, apostas, e o “Xadrez de Gente” Com a base da pirâmide organizacional atendida pela constante contratação de trainees e MBAs, cabe às empresas cuidarem para que seus colaboradores continuem se desenvolvendo enquanto trabalham na empresa, complementando capacidades com a rotação em diferentes cargos e constantes treinamentos. Um primeiro passo é a identificação dos colaboradores de altíssimo potencial, que costumavam ser chamados de “imperdíveis”. São aqueles que a empresa aposta, e portanto se compromete a dedicar recursos FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO 56 desproporcionais para que eles não deixem a empresa. Com o tempo, o termo foi mudado para people Bets, ou apostas em pessoas. Toda a empresa tem como meta a retenção de people bets, que tendem a ser vistos como potenciais futuras lideranças da empresa. Outra prática importante é o Xadrez de Gente. Todo final de ano, após a realização das avaliações de competências, os executivos sêniores da empresa se reúnem como a área de Gente e Gestão para definir promoções e transições funcionais nos quadros. Assim, são identificados, do topo para baixo, as vagas abertas e os candidatos a preenche-las, por todos os níveis da companhia. Vale lembrar que os candidatos a promoções acabam saindo do conjunto dos que foram avaliados em conceitos quatro (metade superior), ou prontos a serem promovidos. Cada gestor têm de sempre ter mapeado ao menos um sucessor direto, para o caso de sua promoção. Também são bastante encorajadas mudanças radicais de atividade, como a ida de profissionais da operação (vendas e manufatura) para o centro corporativo (finanças, gente e gestão, e marketing), além de mudanças geográficas, grandemente facilitadas pelas suas constantes fusões e aquisições de alcance global. FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO 57 PARTE 2: SONHO FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO 58 6 Um sonho grande O maior perigo para a maioria de nós não está em mirar muito alto e não atingir o objetivo; mas sim em mirar muito baixo, e atingí-lo. - Michelangelo Um sonho grande e desafiador faz todo mundo remar na mesma direção. - Os 18 mandamentos Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles, Beto Sicupira, e seus executivos falam sempre no Sonho Grande. Lemann é SONHO, GENTE E CULTURA 59 frequentemente citado dizendo que “É melhor sonhar grande do que sonhar pequeno. Dá o mesmo trabalho”. Mas o que, na prática, isso quer dizer? O sonho grande nada mais é do que uma meta extremamente ambiciosa. Ela é constantemente mencionada no dia-a-dia da empresa, e entende-se que seja uma forma muito mais prática e útil de comunicar o que empresas normalmente têm como suas missões e visões, pois é uma meta compartilhada por todos, clara e objetiva, e não um texto vago. Todos remando na mesma direção A remuneração variável e as promoções profissionais são importantes ferramentas para motivação da força de trabalho. É uma forma prática de oferecer às pessoas uma chance real de transformarem suas carreiras e consequentemente suas vidas. Mas não é o suficiente. Nos idos do Banco Garantia, dinheiro não era o problema. Diversos ex-sócios da firma são notoriamente ricos, em parte devido aos grandes bônus que ganhavam na época do banco de investimentos. Há histórias de sócios que compraram helicópteros, barcos e carros superesportivos. Mas também foi algo com que o trio teve dificuldade de lidar. Segundo Cristiane Correa, autora do Sonho Grande, que relata a trajetória do trio, havia frustração dos três com o grau de comprometimento e alinhamento de objetivos com alguns colaboradores-chave do banco, que ficaram de fora da nova empreitada cervejeira por opção própria. FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO 60 Daniel Pink, autor Americano que explora como os seres humanos são motivados, é um dos defensores da tese de que o senso de propósito, e de pertencimento a “algo maior”, tenha efeito tão ou mais importante sobre as pessoas do que os já bem-entendidos sistemas de recompensa e punição, controlados pelo córtex frontal do cérebro. O tema também é explorado por Jim Collins, guru de gestão Americano com quem o trio se reúne
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