Buscar

As Matrizes Culturais do Brasil

Prévia do material em texto

Aula 4: As Matrizes Culturais do Brasil 
 
Nosso país possui grande diversidade cultural. Segundo Darcy Ribeiro 
(1995), a formação da nação brasileira se estabelece a partir de três matrizes 
étnico-culturais, são elas: Matriz Tupi, Matriz Lusa e a Matriz Afro. 
Trabalharemos a partir delas para entender a formação cultural do Brasil. 
Nos territórios que hoje chamamos de Brasil, habitavam muitos povos e 
com uma diversidade muito grande e complexa. Segundo a Fundação Nacional 
do Índio (FUNAI), estima-se que nossa população chegava a 3 milhões de 
habitantes. Ao longo do processo de colonização do país, o genocídio dessa 
população foi claro: em 1957 apenas 70 mil permaneciam em seus territórios. A 
FUNAI aponta: 
 
Que Desde 1500 até a década de 1970 a população indígena brasileira 
decresceu acentuadamente e muitos povos foram extintos. 
O desaparecimento dos povos indígenas passou a ser 
visto como uma contingência histórica, algo a ser 
lamentado, porém inevitável. 
 
Por outro lado, a FUNAI aponta que a partir da década de 1980 (século 
XX), com a criação da constituição de 1988 e uma legislação que indica direitos 
aos povos originários do Brasil - tais como a demarcação das terras, políticas 
indigenistas e de fiscalização e monitoramento de suas áreas - passamos a ter 
uma retomada do crescimento populacional desses povos, segundo a FUNAI: 
 
A partir de 1991, o IBGE incluiu os indígenas no censo demográfico nacional. 
O contingente de brasileiros que se considerava indígena 
cresceu 150% na década de 90. O ritmo de crescimento 
foi quase seis vezes maior que o da população em geral. 
O percentual de indígenas em relação à população total 
brasileira saltou de 0,2% em 1991 para 0,4% em 2000, 
totalizando 734 mil pessoas. Houve um aumento anual de 
10,8% da população: a maior taxa de crescimento dentre 
todas as categorias, quando a média total de crescimento 
foi de 1,6%. 
Embora a FUNAI aponte crescimento populacional, ao olhar o censo 
demográfico de 2010 (IBGE) podemos constatar que o percentual da 
população indígena Brasil é muito pequeno: apenas 0,43% de nossa 
população. Outro dado revelado pelo censo é que a população negra (soma da 
população preta e parda) é a maior do Brasil, chegando a 50,94%. 
Tabela 1: População Brasileira dividida por grupo étnico 
 
Fonte: IBGE (2010) 
 
Em relação à diversidade cultural dos povos originários do Brasil, a 
Funai aponta: 
 
Em todos os Estados da Federação, inclusive do Distrito Federal, há 
populações indígenas. A Funai também registra 69 
referências de índios ainda não contatados, além de 
existirem grupos que estão requerendo o reconhecimento 
de sua condição indígena junto ao órgão federal 
indigenista (…) representando 305 diferentes etnias. 
Foram registradas no país 274 línguas indígenas (…) 
cerca de 17,5% da população indígena não fala a língua 
portuguesa. 
 
 
 Entre no Site da Funai: ​http://www.funai.gov.br/ 
 
A Matriz Lusa que indica principalmente a cultura portuguesa ou latina, 
em nosso país, por ser tratar dos povos dominantes no processo de 
colonização, possui os processos culturais hegemônicos. Os currículos 
escolares são um exemplo disso. A importância atribuída aos fatos históricos 
europeus e o ensino religioso de apenas uma religião, a saber, o cristianismo, 
demonstram a influência do eurocentrismo na formação histórica do Brasil. É 
importante observar que no passado ocorria uma imposição cultural, 
principalmente através da violência e marginalização, como a proibição de 
manifestações de outras culturas. Veja a lei do Código Penal do Brasil em 1890 
(e que se manteve até 1935) proibindo a prática da capoeira, que consta no 
Decreto número 847, de 11 de outubro de 1890: Capítulo XIII -- Dos vadios e 
capoeiras: 
 
 
Art. 402. Fazer nas ruas e praças públicas exercício de 
agilidade e destreza corporal conhecida pela denominação 
Capoeiragem: andar em carreiras, com armas ou instrumentos 
capazes de produzir lesão corporal, provocando tumulto ou 
desordens, ameaçando pessoa certa ou incerta, ou incutindo 
temor de algum mal; 
Pena de prisão celular de dois a seis meses. 
A penalidade é a do art. 96. 
Parágrafo único. É considerado circunstância agravante 
pertencer o capoeira a alguma banda ou malta. Aos chefes ou 
cabeças, se imporá a pena em dobro. 
/ 
http://www.funai.gov.br/
Certamente, tais leis contribuíram, e ainda contribuem, para uma série 
de preconceitos que existem na sociedade, tanto em relação à matriz tupi, 
quanto à matriz afro. Vale ainda ressaltar que, a partir do século XX, a 
influência europeia diminui no mundo e também no Brasil. Temos, por um lado, 
o surgimento de universidades e de movimentos culturais que tentam produzir 
conhecimento a partir de nossa cultura mas, por outro lado, a cultura 
norte-americana chega com grande força na economia e política brasileira, 
produzindo outras formas de eurocentrismo. 
A matriz Afro, trata dos Africanos trazidos à força para o novo continente 
e principalmente para o Brasil, como mostra o mapa 2, que retrata o tráfico de 
seres humanos oriundos da África Ocidental como Benin, Costa do Marfim, 
Cabo Verde, Gâmbia, Gana, Guiné, Guiné-Bissau, Nigéria, Senegal, e também 
da África Central como Chade, Congo, Camarões, São Tomé e Príncipe. Para 
aqueles que sobreviviam ao percurso (estima-se que cerca de 15% morriam na 
viagem), o destino era principalmente, o litoral brasileiro para atender à 
atividade econômica da monocultura. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Mapa 2: Comércio triangular: Rotas do tráfico negreiro 
https://pt.wikipedia.org/wiki/Com%C3%A9rcio_atl%C3%A2ntico_de_escravos#/media/File:Triag
ular_trade.svg 
 
 
 
Assista ao Filme “Amistad” que trata de uma história baseada em fatos reais 
do navio “La Amistad” (1839). 
 
A matriz afro também trata da população afrodescendente brasileira. E 
como vimos na tabela 1, com o Censo de 2010, representa a maior parte da 
população brasileira os pretos e pardos (50,94%), sendo considerado pela 
ONU o país, fora do continente africano, com maior população negra no 
mundo. Se fizermos um recorte temporal recente, como a população 
afro-brasileira vive na atualidade? Em linhas gerais, sabemos a resposta: Vive 
a partir de uma inclusão precária, certamente devido aos fatores históricos 
vinculados à escravidão dos povos, mas também ao preconceito e falta de 
políticas públicas de inclusão nas décadas seguintes à “libertação” das 
pessoas escravizadas. 
Analisando dados do IBGE, a partir do Censo de 2010, conseguiremos 
entender melhor, por exemplo, que as pessoas pretas e pardas (consideradas 
negras) têm maior probabilidade de viver em lares em condições precárias, 
sem acesso simultâneo a água, esgoto e coleta de lixo, em relação à 
população que se declara branca. O IBGE indica ainda que, entre a população 
mais pobre do nosso país, três em cada quatro são pessoas negras. Em 
relação à renda salarial a situação é dramática: segundo reportagem publicada 
no jornal O Globo (Reportagem de Dimitrius Dantas, publicada em25/09/2017), 
“Renda de brancos e negros só deve ser equiparada no Brasil em 2089”, essa 
afirmação basea-se no relatório da ONG Oxfam Brasil (dados de 1995 a 2015) 
que indica que “em 2015, considerando todas as rendas, brancos ganhavam, 
em média, o dobro do que ganhavam negros: R$ 1.589 em comparação com 
R$ 898 por mês” (Gabriela Fujita, UOL, publicada em 13/112017) 
Dada as desigualdades apontadas, algumas políticas públicas foram 
sendo criadas aos longo dos últimos 20 anos. Chamadas de políticas 
afirmativas, possuem o objetivo de diminuir o abismo que ainda existe entre 
brancos e negros. Abaixo citaremos as duas principais políticas afirmativas em 
curso: 1.Cotas, 2.Lei 10.639/2003 Ensino da história e cultura Afro-brasileira e 
Africana: 
Segundo o artigo “Cotas Universitárias no Brasil: Análise de uma década 
de produção científica” (Guarnieri, 2017): 
 
No Brasil a Lei das Cotas (nº 12.711) foi aprovada em agosto de 2012, como política 
pública de ação afirmativa na Educação Superior, após mais de 
uma década de debate e com muitas controvérsias. Essa 
medida legal e obrigatória determina que as Universidades, 
Institutos e Centros Federais reservem 50% das suas vagas 
para estudantes oriundos de escola pública. Dentre elas, 
haverá reserva de um percentual especial destinado a 
estudantes negros (autoidentificados como de cor “parda” ou 
“preta”) e indígenas. Tal percentual será definido pela presença 
dessas populações no território da Instituição de Ensino 
Superior (IES), de acordo com o IBGE. As referidas entidades 
deverão se adequar em um prazo de quatro anos a partir da 
aprovação da nova lei. 
 
A primeira Universidade a adotar esta política afirmativa foi a UERJ em 
2003. Em 2005, outras 13 instituições de ensino superior já haviam adotado o 
sistema de cotas. No entanto, essa política afirmativa, que tem como objetivo 
promover o acesso ao ensino superior público e gratuito para pobres 
(estudantes de escolas públicas), indígenas e a população afro-brasileira, não 
agrada a toda a população - principalmente as políticas de cotas voltadas para 
a população negra. Observe o quadro abaixo, com informações retiradas do 
artigo de Guarnieri (2017): 
 
 
Argumentos da população contra as 
cotas raciais 
Argumentos em defesa das cotas raciais 
Inexistência biológica das raças; 
caráter ilegítimo das ações de “reparação” aos 
danos causados pela escravidão em tempo 
presente; 
risco de acirrar o racismo no Brasil; 
possibilidade de manipulação estatística da 
categoria “parda”; 
inviabilidade de identificação racial em um país 
mestiço; 
a questão da pobreza como determinante da 
exclusão social. 
 
A intervenção do Estado foi colocada como 
fundamental diante dos quadros de desigualdade 
raciais remanescentes de fenômenos sociais que 
precisam ser enfrentados; 
destacando-se que as “ações afirmativas” 
atuariam como alternativa para a busca de 
igualdade através da promoção de condições 
equânimes entre brancos e negros. 
Ressaltou-se também que “seu impacto seria 
muito mais profundo, permitindo o avanço do 
pluralismo nas diversas instituições nacionais 
 
 
Para estudiosos da herança africana no Brasil, como o filósofo Renato 
Nogueira, é necessário repensar conceitos e práticas cotidianas, como por 
exemplo, o conceito de miscigenação, será que ele é adequado? veja a 
resposta do professor da UFFRJ Renato Nogueirạ (disponivel: 
http://negrobelchior.cartacapital.com.br/afroperspectividade-por-uma-filosofia-q
ue-descoloniza/): 
 
Eu não reivindico a categoria de mestiçagem em nenhum momento. Não se 
trata de uma dificuldade, mas de um termo muito 
equívoco, uma ideia que traz mais dificuldades e 
confusões do que alternativas políticas. Eu identifico um 
grave problema. O termo “raça” pode ser usado com 
vários sentidos, destaco dois: sinônimo de espécie ou 
alusão ao caráter social e histórico que diferencia grupos 
humanos pelo fenótipo. Ora, os sentidos são trocados e 
como diz o ditado “não se deve confundir alhos com 
bugalhos”. Tecnicamente, uma pessoa com mãe austríaca 
branca e pai norueguês branco é tão mestiça quanto 
alguém que tem um pai nigeriano da etnia iorubá com uma 
mãe sueca de pele alva. Minha leitura percebe que o 
conceito mestiço só faria pleno sentido em casos de 
centauros, uma mistura de humanos com cavalos, ou 
ainda, se um ser extraterrestre procriasse com uma 
pessoa da nossa espécie. Dessa união (extraterrestre com 
terrestre) nasceria um ser mestiço. Minha experiência 
política e meus investimentos intelectuais trazem um 
pensamento diferente desse. Nós somos da mesma raça 
(no sentido de espécie biológica), mas isso não quer dizer 
que não exista raça num sentido social e histórico, ou seja, 
populações que podem ser diferenciadas por 
características étnico-raciais, isto é, pelo fenótipo. Mas a 
existência de mestiços pressuporia diferenças de natureza 
entre as “raças”, o que não é o caso. Eu exemplifico, os 
jogadores de futebol Daniel Alves e Kaká são “igualmente” 
mestiços. Porque provavelmente ambos têm pessoas 
brancas, negras (pretas e pardas) e indígenas em suas 
ancestralidades. Mas foi Daniel Alves que reclamou dos 
xingamentos de torcidas que além de jogar bananas, o 
chamaram de macaco diversas vezes. Conforme minhas 
pesquisas superficiais, Kaká nunca foi chamado de 
“macaco” quando jogava na Europa. Ora, Kaká é branco e 
Daniel Alves é pardo, isto é, negro. (O sistema 
classificatório étnico-racial brasileiro é bem simples: o 
IBGE informa cinco categorias de cor/raça: amarela, 
branca, indígena, parda e preta. É importante notar que a 
categoria negra não é sinônimo de preta, mas a soma 
desta com “parda”. Ou seja, pardos + pretos = negros). 
Por isso, Neymar viveu alguns episódios de discriminação 
racial em campo, algo impensado para Zico ou Kaká na 
mesma Europa. Penso que a ideia de mestiçagem cria 
mais dificuldades e confusões do que efetivas alternativas 
ao racismo e para a compreensão da sociedade brasileira. 
A suposição da existência da “mestiçagem” tem sido 
munição para as teorias ​puristas​. Afinal, para haver 
mestiços é preciso que existam puros. Supor a 
mestiçagem parece uma crítica de tom antirracista, mas 
acaba por revitalizar o racismo que “gostaria” de combater. 
A ideia de pureza fez e continua fazendo muitos estragos 
políticos, penso que devemos riscar a ideia de 
“mestiçagem” dos nossos dicionários político e intelectual, 
levando a ideia de “pureza” junto. Afinal, não existem 
puros, tampouco impuros ou misturados. Concordo com 
Carlos Moore, só existem fenótipos. Por isso, a 
mestiçagem não faz parte do meu trabalho. Não acredito e 
nem vejo como a “mestiçagem” poderia ajudar a resolver 
qualquer tensão racial. 
 
A partir da reflexão iniciada acima, indicamos que o Brasil é uma nação 
pluricultural, no entanto, manifesta desigualdades sociais gritantes em relação 
de cor, opção religiosa e opção sexual o que faz ser urgente e necessário 
debates e ações, tais como as políticas públicas afirmativas citadas para 
reverter este cenário.É neste cenário que se cria a Lei 10.639/2003 que torna 
obrigatório o ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana. 
 
Veja mais em 
https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2017/11/13/brancos-e-negros-so-t
erao-renda-igual-no-brasil-em-2089-diz-ong-que-combate-desigualdade.htm?cmpid=co
piaecola 
Leia mais: 
https://oglobo.globo.com/economia/renda-de-brancos-negros-so-deve-ser-equiparada-
no-brasil-em-2089-21865905#ixzz5K6NU5sPv 
 
https://oglobo.globo.com/economia/renda-de-brancos-negros-so-deve-ser-equiparada-no-brasil-em-2089-21865905#ixzz5K6NU5sPv
https://oglobo.globo.com/economia/renda-de-brancos-negros-so-deve-ser-equiparada-no-brasil-em-2089-21865905#ixzz5K6NU5sPv
Veja o estudo realizado pelo IPEA: Situação social da população negra por estado / 
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; Secretaria de Políticas de Promoção da 
Igualdade Racial. – Brasília : IPEA, 2014. Disponível: 
http://www.seppir.gov.br/central-de-conteudos/publicacoes/pub-pesquisas/situacao-soc
ial-da-populacao-negra-por-estado-seppir-e-ipea 
 
GUARNIERI. Fernanda Vieira. Cotas Universitárias no Brasil: Análise de uma 
década de produção científica. Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 
21, Número 2, Maio/Agosto de 2017. Disponível: 
http://www.scielo.br/pdf/pee/v21n2/2175-3539-pee-21-02-00183.pdf 
 
Vídeo de Apoio 
Documentário “O povo Brasileiro” de Darcy Ribeiro 
https://www.revistaprosaversoearte.com/o-povo-brasileiro-a-formac%CC%A7a
%CC%83o-e-o-sentido-do-brasil-darcy-ribeiro/ 
 
Filme: “Xingu” 
http://globofilmes.globo.com/filme/xingu/ 
 
Filme: “Besouro” 
http://globofilmes.globo.com/filme/besouro/ 
 
http://www.seppir.gov.br/central-de-conteudos/publicacoes/pub-pesquisas/situacao-social-da-populacao-negra-por-estado-seppir-e-ipea
http://www.seppir.gov.br/central-de-conteudos/publicacoes/pub-pesquisas/situacao-social-da-populacao-negra-por-estado-seppir-e-ipea
https://www.revistaprosaversoearte.com/o-povo-brasileiro-a-formac%CC%A7a%CC%83o-e-o-sentido-do-brasil-darcy-ribeiro/
https://www.revistaprosaversoearte.com/o-povo-brasileiro-a-formac%CC%A7a%CC%83o-e-o-sentido-do-brasil-darcy-ribeiro/

Continue navegando