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INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNO- LOGIA DE SÃO PAULO – CAMPUS SÃO PAULO Especialização em Educação Profissional Modalidade PROEJA TRABALHO: RESUMO E COMPARAÇÃO CRÍTICA ENTRE TEXTO E FILME REFERÊNCIA FANON, Frantz. A experiência vivida do negro. In: _________. Pele negra, máscaras bran- cas: tradução Renato da Silveira. Salvador: AEDUFBA, 2008 pp 103-126 RESUMO: Fanon é conhecido como revolucionário. Nascido na ilha da Martinica em 1925, con- siderado um homem carismático de grande coragem e brilho, tendo lutado junto às forças de resistência do norte da África e na Europa durante a Segunda Guerra Mundial, ocasião em que foi condecorado por bravura... É esse homem que no capitulo 5 “A experiência vivida do negro” inicia com frases de efeito discriminatórias, “Preto sujo!” Ou simplesmente: “Olhe, um preto!”, o autor pretende que o leitor compreenda o que é o negro em uma sociedade branca que lhe foi condicionado, principalmente na época em que foi escrito o livro (1952, reeditada em português em 1975), cujo o autor relata que chegou ao mundo pretendendo descobrir um sentido nas coisas, sua alma cheia do desejo de estar na origem do mundo, e eis que me descubro objeto em meio a outros objetos. Enclausurado nesta objetividade esmagadora... Fanom explicita que enquanto o negro estiver em casa não precisará, salvo por ocasião de pequenas lutas intestinas, confirmar seu ser diante de outro. Claro, bem que existe o mo- mento de “ser para-o-outro”, de que fala Hegel, mas qualquer ontologia torna-se irrealizável em uma sociedade colonizada e civilizada. Pois de acordo o autor de um dia para o outro, os pretos tiveram de se situar diante de dois sistemas de referência. Sua metafísica ou, menos pretensiosamente, seus costumes e ins- tâncias de referência foram abolidos porque estavam em contradição com uma civilização que não conheciam e que lhes foi imposta. O negro em seu país, em pleno século XX, ignora o momento em que sua inferiorida- de passa pelo crivo do outro... Havia também nas Antilhas este pequeno hiato entre a békaille, a mulatada e a negrada. Naquela época nos contentávamos em compreender intelectualmente essas divergências. Na verdade, isso não era muito dramático. Mas depois... Depois tivemos de enfrentar o olhar branco. [...] No trem, ao invés de um, deixavam-me dois, três lugares (ou seja, no trem o branco deixava poltronas livres ao redor de Fanon, para não se aproximar muito de um preto). Para o autor já não era mais diver- tido tal situação. [...] Lancei sobre mim um olhar objetivo, descobri minha negridão, minhas características étnicas, – e então detonaram meu tímpano com a antropofagia, com o atraso mental, o fetichismo, as taras raciais, os negreiros, me associavam aos meus ancestrais escra- vizados, linchados: decidi assumir. Foi através do plano universal do intelecto que compreen- di este parentesco interno – eu era neto de escravos. Fanon descreve como o colega do curso superior justifica não ser preconceituoso, - o alarme parava rapidamente. [...] meu lado, este colega de faculdade, originário da Argélia, que me diz: – Veja meu caro, eu não tenho preconceitos de cor... Ora essa, entre monsieur, em nossa casa o preconceito de cor não existe!... Perfeitamente, o preto é um homem como nós... Não é por ser negro que é menos inteligente do que nós... Tive um colega senegalês no regi- mento que era muito refinado... Quando me detestam, acrescentam que não é pela minha cor... Aqui ou ali, sou prisio- neiro do círculo infernal. Os pretos são selvagens, estúpidos, analfabetos. Mas eu sabia que, no meu caso, essas afirmações eram falsas. Tínhamos médicos, professores, estadistas... Sim, mas em todos esses casos algo de insólito persista. “Nós temos um professor de história sene- galês. Ele é muito inteligente... Nosso médico é um negro. Ele é muito cordial”. Era o professor negro, o médico negro; eu, que começava a fraquejar, tremia ao menor alarme. Sabia, por exemplo, que se um médico negro cometesse um erro, era o seu fim e o dos outros que o seguiriam. Na verdade, o que é que se pode esperar de um médico preto? Desde que tudo corresse bem, punham-no nas nuvens, mas atenção, nada de bobagens, por preço nenhum! O médico negro não saberá jamais a que ponto sua posição está próxima do descré- dito. Repito, eu estava murado: nem minhas atitudes polidas, nem meus conhecimentos literá- rios, nem meu domínio da teoria dos quanta obtinham indulto. Fanon reclamava, exigia explicações. Suavemente, como se fala a uma criança, expli- cavam que era a opinião de algumas pessoas apenas, acrescentando que “era preciso esperar seu rápido desaparecimento”. De que estávamos tratando? O preconceito de cor. Fanon diz que [...] tinha racionalizado o mundo e o mundo tinha rejeitado-o em nome do preconceito de cor. Desde que, no plano da razão, o acordo não era possível, lançou-se na irracionalidade. E agora vibra, a sua voz: [...] Minha negritude não é nem torre nem catedral Ela mergulha na carne vermelha do solo Ela mergulha na carne ardente do céu Ela rasga a prostração opaca da paciência sensata. Eia! O atabaque baratina a mensagem cósmica! Só o preto é capaz de transmiti-la, de decifrar seu sentido, seu alcance. Cavalgando o mundo, esporas vigorosas contra flancos do mundo, lustro o pescoço do mundo, como sacrificador entre os olhos da vítima... FILME: CAVALO Sobre os diretores: Rafhael Barbosa é graduado em Jornalismo pela Universidade Federal de Alagoas. Atuou como repórter, curador de mostras, produtor cultural e redator publicitário; Werner Salles Bagetti é jornalista, documentarista, roteirista e designer gráfico. O filme inicia com os dizeres sobre o pedido de Olorum para Oxalá, tentativas de so- bre a criação do homem para habitar a terra, na areia, na água, mas não considerou funcionar, por fim sem esperança, pediu ajuda ao orixá dos lagos, Nanã. Esta, por sua vez, desceu até as profundezas de um lago e trouxe lama para Oxalá, que moldou com destreza o corpo do ser humano. A vida, contudo, só veio depois que Olorum deu o sopro sagrado, o Enin. Mesmo assim, não compreendi todas aquelas questões, intimas dos personagens com o corpo, e sua ligação com o tema do Filme “Cavalo”, foi então que realizei pesquisas e com- preendi a conceito da ancestralidade relacionada com o fato da pessoa servir as entidades o corpo iniciado se torna “cavalo de santo”, assisti novamente ao filme com outro olhar, assim, notei muito a questão da religiosidade, e o corpo negro em foco, como um signo, e toda a sua sensibilidade religiosa ritualística, de oferendas, de danças, de objetos sagrados, os batuques a emoção ao vivenciar com seus corpos as experiências sagradas, sem medo de se entregar, com verdadeira vocação. Os próprios diretores, Barbosa; Bagetti* 1 (2021), afirmam que o projeto de filme hí- brido vai transita entre as linhagens da ficção e do documentário para construir um retrato dos chamados Cavalos, médiuns que incorporam entidades na Umbanda. 1 HONORATO, Maylson. Cavalo representa novo momento para audiovisual alagoano: longa é o primeiro ala- goano fomentado por edital público e estreia na mostra Tiradentes, em Minas. Gazeta de Alagoas, Alagoas, 15 de jan de 2020. Disponível em: <https://d.gazetadealagoas.com.br/caderno-b/246996/cavalo-representa-novo- momento-para-audiovisual-alagoano> Acesso em: 16 fev. 2021 Terminar o filme com as danças ritualísticas, tanto do personagem na chuva quanto da personagem na água, chama muito a atenção para como foi utilizado o som, a luz artistica- mente para a evocação de forma artístico-ritualístico, da ancestralidade afro-brasileira como resistência imagética no mais profundo de si, como assegura o Professor Márcio A. Oliveira, em sua narração. Visto que as cenas de dançacontemporânea sob a chuva, em plena rua da cidade, por meio da iluminação o corpo da personagem reflete num espelho d’água, hora a água e os ven- tos se torna brutais, ora delicadas, a partir de corpos nus ou seminus em movimento, “Cavalo” demonstra o potencial da nudez enquanto veículo de expressão, de emoção, desconstruindo a corporalidade enquanto espaço de tabu, sem julgamento. Há uma comparação entre os corpos negros e os corpos de cavalos, enquanto forças da natureza, unindo a apreensão do real, a re- presentação do mundo e a criação poética num mesmo registro, etéreo sem ser abstrato de- mais, conferindo protagonismo a corpos, vozes e identidades marginalizadas dentro de um contexto de pura beleza estética. Desta forma, compreende-se quando o professor apresenta a cena do personagem cor- rendo na praia de águas fluidas o homem se refaz cavalo que conduz como em carroça as ex- periências ancestrais de quem evocando guerreira proteção palmarina se faz forte para os mais jovens o serem. E correndo trôpego na cidade escura o cavalo se refaz homem ao se misturar numa chuva crescentemente mística que refaz o humano que sabe ser cavalo no barro de Na- nã. Relacionado à religião de matrizes africana, é uma cena muito intima, uma entrega com- pleta ritualística. Penso que eu não consigo falar com profundidade sobre o filme “Cavalo”, principal- mente por não ter a mesma experiência que os próprios personagens podem ter, pois de acor- do com o diretor Bagetti (2021), os personagens são sete jovens artistas, rappers, Bboys e Bgirls, dançarinos e dançarinos de diferentes gêneros. E alguns deles “são cavalos” (como são chamados os médiuns na Umbanda e o Candomblé), condição que potencializa a capacidade de expressão corporal. Nesse sentido me apropriei das explicações dos diretores e os trouxe para o constructo, e ter mais argumentos para dialogar com Fanon. Nessa perspectiva Rafhael Barbosa diz que enxergaram nessas sete trajetórias elementos que se complementam para criar uma só narrati- va, ou seja, a religiosidade, o crer, o ceder, o respeitar ancestralidade, a incorporação do corpo dentro de ritual que requer uma entrega como “cavalo santo”. Para Werner Salles, o filme também é um mergulho nas possibilidades do inconscien- te. Compreende que “Cavalo também é um arquétipo do inconsciente, uma metáfora do cor- po, da força, da psique”. Disserta que o filme dialoga diretamente com essas questões. A intuição foi o guia, não só nas performances das personagens, mas desde a concepção até a montagem final. O diretor diz que somos todos “cavalos nesse processo”. Segundo os diretores, apesar da lingua- gem provocadora, Cavalo tem a intenção de alcançar uma trajetória popular. O diretor Rafhael Barbosa, ressalta ainda que num momento em que a intolerância re- ligiosa e os diversos preconceitos avançam de maneira preocupante no país, Cavalo é um grito poético que deve reverberar. COMPARAÇÃO CRÍTICA ENTRE TEXTO E FILME Por conseguinte, dentro de uma comparação entre o texto e o filme, nota-se a questão do preconceito racial, social intolerante relacionado ao corpo, um pelo fato de sua cor, Fanon fala das frustrações a partir de um padrão de homem, aceitável na sociedade que a gente vive. De certo sentido o homem negro é exatamente um homem negro que não significa que é um homem, pois a sociedade ocidental cristã e branca dos anos 50, não o enxerga como um ho- mem, uma ideia de humanidade, que reflete como uma ideia desumanana. O autor diz que negro em seu país, em pleno século XX, ignora o momento em que sua inferioridade passa pelo crivo do outro, na verdade em seu país não há inferioridade, ele é apenas um homem, em um espaço que não é o seu, ele luta pelo direito de ser um homem ne- gro, mas o outro, o homem branco insiste em apontá-lo como inferior, até mesmo aquele que o considera amigo, suas palavras são repletas de pejorativas raciais, pois quando diz que o “preto é um homem como nós”, percebemos-se nessa fala a superioridade do homem branco, e porque o preto não seria um homem como o branco? Por causas da cor? Fanon pergunta do que se trata o problema? E ele mesmo responde – se trata do pre- conceito. Assim como a intolerância religiosa quanto as matrizes africanas, no terreiro de um- banda, candomblé o iniciado se torna “cavalo de santo”, com toda sensibilidade religiosa ritu- alística, a preparação do iniciado, o banho na lama dos corpos, a preparação dos corpos no som, na musica, todo um ritual, uma reverencia, não se cede um corpo para se tornar “cavalo santo”, as pessoas por não compreender o ritual religioso da evocação de forma ritualística, fazem críticas negativas à ancestralidade afro-brasileira, um racismo reverso, o filme “Cava- lo” quebra tabus relacionados aos corpos nus, corpos dançantes e performáticos (inclusive em rituais religiosos) que jamais devem ser julgados por sua moral, por ser um ritual a ancestrali- dade, com foco no corpo com certa magia no ar. Os diretores afirmam que o filme defende a arte através de uma linguagem essencialmente artística, discutindo política por meio de suas formas, ao invés de diálogos ou narrações.
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