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FILOSOFIA DO DIREITO

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AULA 1 - O QUE É FILOSOFIA DO DIREITO?
FILOSOFIA DO DIREITO
Não são poucos os autores em Direito que nos advertem que para compreendermos os debates contemporâneos, bem como as contradições que existem no mundo da sociabilidade, precisamos filosofar um pouco.
philos + sophia = Filosofia
Amizade ou amor pela sabedoria, pelo conhecimento.
Como preleciona Miguel Reale (2002, p. 5-6):
Segundo Del Vecchio (1979), a filosofia voltada para a realidade jurídica pode ser muito útil, pois a partir de seu olhar poderemos perceber dois elementos importantes, a saber:
• conhecer a nossa história para compreender o presente na sua relação com o passado;
• desenvolver um olhar crítico-reflexivo sobre as teorias e institutos presentes na esfera jurídica.
Nesse momento, você pode estar pensando: mas qual a relação entre Filosofia e Direito? Podemos afirmar que a filosofia do direito é “crítica da experiência jurídica” (REALE, 2002, p 10). E o que isso significa? Vamos com calma. Primeiramente, como surgiu a expressão?
O Jurista Cretella Jr. (2006) observa que Gustav Von Hugo (1764-1844), um dos fundadores da escola de pensamento jurídico denominada de Histórica, teria usado a expressão “filosofia do direito”, pela primeira vez, em 1797, na obra denominada de Tratado do direito natural ou Filosofia do direito positivo.
E acrescenta que não há como se desvincular direito de filosofia, sob pena de uma visão empobrecida, imediatista e meramente utilitária da experiência jurídica.
A Filosofia do Direito é, por conseguinte, o campo de investigação da Filosofia que tem por objeto de pesquisa o Direito, ou melhor, a experiência jurídica. Esta área de saber pode ser estudada do ponto de vista filosófico, por filósofos de formação ou por juristas, destacando temas como Justiça, Liberdade, Igualdade, entre outros.
EM BUSCA DE UMA CONCEITUAÇÃO
Elaborar um conceito para esta área do conhecimento não é tarefa fácil, mas precisamos considerar algumas definições:
PAULO NADER (2003, P.11):
“A Filosofia Jurídica [filosofia do direito] consiste na pesquisa conceitual do Direito e implicações lógicas, por seus princípios e razões mais elevados, e na reflexão crítico-valorativa das instituições jurídicas.”
JOÃO BAPTISTA HERKENHOFF (2010, P.16):
“A Filosofia do Direito procura captar a realidade jurídica por meio de sua relação com as causas primeiras e os princípios fundamentais. Debruça-se sobre o estudo da natureza do Direito e de sua significação essencial”.
MIGUEL REALE (2002, P.9):
“A Filosofia do Direito, esclareça-se desde logo, não é disciplina jurídica, mas é a própria Filosofia enquanto voltada para uma ordem de realidade, que a ‘realidade jurídica’. Nem mesmo se pode afirmar que seja Filosofia especial, porque é a Filosofia, na sua totalidade, na medida em que se preocupa com algo que possui valor universal, a experiência histórica e social do direito”.
ALYSSON LEANDRO MASCARO (2010, P.16):
“A Filosofia do Direito investiga o sentido de justo, por isso investiga as relações sociais mediadas pelo Direito, o justo é a legitimação filosófica e ética do direito”.
EDUARDO C. B. BITTAR E GUILHERME ASSIS DE ALMEIDA (2004, P.50):
 “A Filosofia do Direito é um saber crítico a respeito das construções jurídicas erigidas pela Ciência do Direito e pela própria práxis do Direito. Mais que isso, é sua tarefa buscar os fundamentos do Direito, seja para cientificar-se de sua natureza, seja para criticar o assento sobre o qual se fundam as estruturas do raciocínio jurídico, provocando, por vezes, fissuras no edifício que por sobre as mesmas se ergue”.
Considerando as definições sugeridas, podemos concluir que Filosofia do Direito é uma área da Filosofia que investiga a experiência jurídica em todas as suas nuances. Investiga o que é Direito, analisa a relação entre direito e moral, problematiza o conceito de justiça, a efetividade social das normas, as ideologias que fundamentam as teorias e institutos jurídicos, identifica as contradições e paradoxos típicos das sociedades contemporâneas, dentre outras possibilidades.
Partindo dessa ideia, podemos ressaltar que a Filosofia do Direito apresenta algumas características conforme preleciona Eduardo C. B. Bittar e Guilherme Assis de Almeida, na obra Curso de Filosofia do Direito, (2004, p. 50-54), a saber:
1. “É um saber crítico a respeito das construções jurídicas e práticas do Direito”;
2. “Apresenta como tarefa buscar os fundamentos do Direito”;
3. “É uma reflexão atenta às modificações no mundo jurídico e seus institutos”;
4. “Oferece suporte reflexivo ao legislador”;
5. “Desvela as ideologias que fundam certas práticas jurídicas”.
QUEM É O FILÓSOFO DO DIREITO OU JURISFILÓSOFO?
De acordo com Nader (2003, p.3), “se é verdade que a condição de filósofo não se adquire por título universitário, senão pela constância do pensamento dialético, também é certo que somente atinge a situação de jurisfilósofo o jurista que exercita, como hábito, a atitude filosófica”
Deve-se destacar, neste ponto, a figura do filósofo do direito ou jurisfilósofo. Trata-se daquele que conhece as correntes filosóficas, bem como as categorias lógicas do Direito, com o objetivo de avaliar o rigor lógico dos conceitos jurídicos e a adequação do Direito Positivo às necessidades sociais atuais. Miguel Reale (2002, p. 10), por exemplo, nos sugere algumas indagações típicas dos jurisfilósofos:
O que podemos inferir desta passagem de Miguel Reale? Podemos inferir que a Filosofia do Direito investiga os fundamentos do Direito sem se preocupar com questões de ordem prática e, por isso, o que pode ser óbvio para o aplicador do Direito, não o é para o filósofo do direito que indagará de maneira crítica e investigará seus pressupostos e ideologias. Por quê? Porque todo conhecimento é perspectivo e o Direito como construção humana é fenômeno cultural, como a arte, por exemplo.
DIVISÃO DA FILOSOFIA DO DIREITO
A Filosofia do Direito é um estudo reflexivo sobre o Direito, ou nos dizeres de Reale (2002, p. 10) “crítica da experiência jurídica” e se divide em:
· Parte geral - Ontognoseologia Jurídica;
· Parte especial - Epistemologia Jurídica e Deontologia Jurídica.
Para Reale, existe uma terceira área da parte especial que é denominada de Culturologia Jurídica que investiga o Direito como fenômeno da cultura.
O plano da Ontognoseologia estuda a experiência jurídica na relação entre sujeito e objeto. Na perspectiva do objeto, analisa-se o que é o Direito e na dimensão do sujeito, como esse objeto - o Direito -, se apresenta para a subjetividade na experiência jurídica do mundo da sociabilidade. Nos dizeres de Reale (2010, p. 301):
No plano da reflexão epistemológica*, entendendo epistemologia como uma teoria da ciência, investiga-se a o Direito como ciência. “Compete-lhe, outrossim, delimitar o campo da pesquisa científica do Direito, em suas conexões com outras ciências humanas” (REALE, 2010, p. 306). Nesta área, indaga-se qual a natureza e o papel da dogmática jurídica; como ocorrem a sistematização e integração dos institutos jurídicos, entre outras possibilidades.
(* Fil. Ref. ou inerente à epistemologia, à teoria do conhecimento (concepção epistemológica); EPISTÊMICO. [F.: Do gr. episteme, és 'ciência, conhecimento' +- logo + - ico2].)
O plano deontológico ou axiológico* promove uma reflexão valorativa. Sendo o termo axiológico entendido como estudo dos valores. Segundo Reale (2010, p. 308), “a Deontologia Jurídica é a indagação do fundamento da ordem jurídica e da razão da obrigatoriedade das normas de Direito, da legitimidade da obediência às leis, o que quer dizer indagação dos fundamentos ou dos pressupostos éticos do Direito e do Estado.”
(* Refere-se à axiologia. Fil. Qualquer das teorias, avaliações, análises e estudos que abordam a questão dos valores, esp. valores morais. [F.: axi(o)- + -logia ou do fr. axiologie.])
Assim, indagar “O que é o Direito?”, por exemplo, é uma preocupação do jurisfilósofo e provoca outras pesquisas importantes sobre norma jurídica como expressão do Estado, bem comosobre o conceito de coação, a ideia de justiça ou a relação entre validade e efetividade (NADER, 2003).
Trata-se de uma investigação filosófica norteada pelos princípios éticos, mormente pelo valor Justiça. Um bom exemplo está nos debates contemporâneos sobre eutanásia, aborto de anencéfalos, tortura, preconceito, racismo etc. que extrapolam os limites teóricos da ciência jurídica.
VOCÊ SABIA?
A Culturologia Jurídica é uma área da Filosofia do Direito que, segundo Reale (2010), investiga o Direito como fenômeno cultural. Há uma experiência jurídica que só é possível no plano da historicidade marcada por momentos culturais distintos e que se perpetuam ou não; que se prolongam ou não de geração em geração. Um exemplo interessante pode ser percebido na área do Direito de Família em que estamos ressignificando conceitos em razão de mudanças valorativas ao longo das gerações.
EXISTE UMA HISTÓRIA DA FILOSOFIA DO DIREITO?
Autores estrangeiros como Giorgio Del Vecchio (1878-1970), Gustav Radbruch (1878-1949) e autores nacionais como Miguel Reale (2002), Bittar e Almeida (2004) e Alysson Mascaro (2010) observam que existe uma história da filosofia do direito, o que significa dizer que a preocupação com a liberdade, justiça, lei, igualdade, legitimidade e bem comum, por exemplo, são tão antigas quanto a história do pensamento racional. E, nesta concepção, afirma-se que existiu uma Filosofia do Direito implícita inaugurada com o pensamento dos filósofos pré-socráticos e que se estende até o filósofo moderno Immanuel Kant (1724-1804). E uma História da Filosofia do Direito de Hegel (1770-1831) até os tempos atuais.
	
	
	
Parece-me, pois que cabe distinguir entre uma filosofia jurídica implícita, que se prolonga, no mundo ocidental, desde os pré-socráticos até Kant, e uma Filosofia Jurídica explícita, consciente da autonomia de seus títulos, por ter intencionalmente cuidado de estabelecer as fronteiras de seu objeto próprio nos domínios do discurso filosófico. O surgimento da Filosofia do Direito como disciplina autônoma foi resultado de longa maturação histórica, tornando-se uma realidade pienamente spiegata* (para empregarmos significativa expressão de Vico) na época em que se deu a terceira fundação da Ciência Jurídica ocidental, isto é, a cavaleiro dos séculos XVIII e XIX (REALE, 2002, p. 286).
	
(* Tradução livre do italiano “plenamente explicadas”.)
Por que implícita? Porque a reflexão sobre a experiência jurídica estava presente no interior das reflexões sobre a Filosofia prática, em textos sobre ética. A própria obra República de Platão apresenta uma bela reflexão filosófica sobre uma sociedade justa, seja no livro I que indaga o que é justiça, seja no Mito de Er, no Livro X, que desvela o sentido de justiça retributiva no transcendente. A experiência jurídica era analisada no interior da reflexão sobre ética, sobre o justo e o bem comum.
A ideia de uma História da Filosofia do Direito explícita decorre do advento de reflexões sobre o Direito de maneira autônoma com o surgimento de expoentes que se dedicaram a pensar a experiência jurídica sob o ponto de vista filosófico (BITTAR; ALMEIDA, 2004). O que significa dizer que surgiram obras específicas sobre o Direito, como por exemplo, a obra de Hans Kelsen, A teoria pura do direito.
Nesse sentido, podemos observar que existiu uma Filosofia do Direito antiga e medieval, uma Filosofia do Direito Renascentista e Moderna e uma Filosofia do Direito contemporânea que, segundo Del Vecchio (1979, p. 31), nos oportunizam através de seus expoentes um “repositório de observações, de raciocínios, de distinções (...). No caso particular da Filosofia do Direito, a história dela mostra-nos sobretudo que em todas as épocas se meditou sobre o problema do Direito e da Justiça”.
QUAL A CONTRIBUIÇÃO DA FILOSOFIA DO DIREITO?
Segundo Nader (2011, p.19),
Que papel a Filosofia do Direito possui no universo jurídico?
Como podemos problematizar o lugar que o Direito ocupa no mundo da sociabilidade?
Existem muitas profissões importantes para a vida em sociedade, o Direito é apenas uma delas. Considerando esse lugar da experiência jurídica, como podemos analisar a contribuição da Filosofia do Direito?
Podemos partir da ideia segundo a qual a experiência social de cada um de nós revela as dificuldades e paradoxos que temos que enfrentar na vida. Percebemos a efetividade das normas jurídicas? A prioridade do bem comum e do justo?
Há justiça social?
É nesse ponto que a Filosofia do Direito poderá nos oportunizar um olhar mais atento e eficiente para enfrentar os grandes paradoxos das sociedades modernas.
Segundo Herkenhoff (2011, p. 20),
“A Filosofia possui um duplo papel: Na universidade, lugar da pesquisa, se afigura como elemento provocador de novas pesquisas; Na vida profissional, preside o pensamento e a prática jurídica”.
O Direito como fato ou fenômeno cultural (RADBRUCH, 1997) está sujeito a diversos olhares, o olhar filosófico é apenas um deles ao lado do senso comum, do discurso religioso, do saber científico. O Direito como fenômeno cultural pode ser estudado sob a ótica da História, da Antropologia, da Psicologia, da Filosofia, da Economia e, também, da arte.
COMO POSSO DIFERENCIAR FILOSOFIA DO DIREITO E CIÊNCIA DO DIREITO?
Segundo Bittar e Almeida (2004) são áreas distintas que não se confundem porque fazem movimentos em direções opostas. A Nesse sentido, Del Vecchio (1979, p. 304) também observa:
A Ciência do Direito tem seu marco inicial na norma jurídica em direção à sua aplicação no mundo da sociabilidade e suas consequências.
Filosofia do Direito, ao contrário, para além da norma jurídica, investiga seus fundamentos, princípios, causas, em uma reflexão que considera o caminhar histórico, as ideologias, o pensamento político, as teorias filosóficas, entre outros aspectos que estão na base da norma jurídica ou instituto jurídica em questão - um exercício do pensar que não se esgota e que nos ajuda a compreender o que está ocorrendo.
A diferença entre a Filosofia e a Ciência do Direito reside, pois, no modo pelo qual cada uma delas considera o Direito:
· A primeira, no seu aspecto universal;
· A segunda, no seu aspecto particular.
AULA 2 - O CONCEITO DE DIREITO
POR QUE O DIREITO É UM OBJETO DA FILOSOFIA DO DIREITO?
Para Roberto Lyra Filho, “a maior dificuldade, numa apresentação do Direito, não será mostrar o que ele é, mas dissolver as imagens falsas ou distorcidas que muita gente aceita como retrato fiel”.
Para Filosofia do Direito, a busca de uma conceituação sobre o que é Direito é uma tarefa importante e filosófica. O rigor conceitual é uma das características da Filosofia. Trata-se de um tema típico da Filosofia do Direito e não há conceito mais complexo de se analisar que este. E, neste ponto, podemos destacar que existem dois critérios básicos que nos auxiliam nesta tarefa, a saber: o critério nominal e o critério real ou lógico (HERKENHOFF, 2010).
CRITÉRIO NOMINAL:
O que se entende por critério nominal? O termo nominal decorre da palavra “nome”.
Nominal = Investigar o que o nome representa, pois sabemos que as palavras têm uma carga valorativa que se modifica ao longo do tempo.
Um bom exemplo está na palavra grega pólis que representa a ideia de cidade-estado já que o mundo antigo grego não usava a palavra “Estado”, porque essa experiência política somente foi possível mais tarde na história da humanidade com o advento do Estado Moderno.
CRITÉRIO REAL OU LÓGICO:
O que se entende por critério real ou lógico? Real está relacionado com a concepção de realidade, como algo que é e, o termo lógico, no sentido de coerência. Assim, os dois critérios juntos são importantes, pois possibilitam compreender o que o Direito é efetivamente (HERKENHOFF, 2010).
Para abraçarmos a tarefa de uma conceituação do objeto da Filosofia do Direito, precisamos nos socorrer das lições de João Baptista Herkenhoff (2010) que nos oportuniza alguns pontos interessantes para análise.
Segundo este Filósofo do Direito, temos dois tipos para definição nominal:Sabemos que uma palavra poderá adquirir vários sentidos como a palavra grega demos que poderá designar “povo” (um grupo de famílias identificadas na cidade de Atenas) ou “bairros” (subdivisão da cidade de Atenas) na Grécia antiga e, atualmente, o termo “povo” traz outras implicações porque designa um universal abstrato.
No sentido etimológico, Direito decorre do termo latino directus. que
Directus = Significa literalmente qualidade do que está conforme à reta.
Nos dizeres de João Baptista Herkenhoff (2010, p. 79):
VOCÊ SABIA?
O que significa jus? Existem autores que observam que jus decorre da concepção de justo ou justiça e, em nossa língua vernácula, originou as palavras justiça, juiz, juízo, jurisprudência, jurisdição, entre outras.
Sob o ponto de vista semântico, a palavra “Direito” assumiu diferentes sentidos de acordo com o seu momento histórico. Como vimos, esteve ligado ao sentido de linha reta, conforme com a reta e depois em conformidade com a lei (lex) ou associado ao sentido de justo. O que importa perceber é que não existe uma única definição, nem a mais certa.
DIFERENTES ACEPÇÕES DO VOCÁBULO
“A função da regra é descrever brevemente uma realidade. Assim, não é o direito que deve ser tirado da regra, mas, do direito que existe, deve ser tirada a regra” (PAULUS, "Digesto", 50, 17, 1).
Segundo Herkenhoff (2010), “o vocábulo Direito poderá assumir diferentes acepções tais como:
1. Conjunto de normas jurídicas ou Direito objetivo; 
2. O sentido de se exigir um dever por parte de outro sujeito, também designado de
Direito subjetivo - faculdade; 
3. Como justo ou sentido de justiça; 
4. Direito como ciência – área do conhecimento; 
5. Direito como fato social; 
6. Direito natural; 
7. Direito positivo ou Estatal.
Gonçalves Jr (2012) observa que o Direito pertence ao mundo da cultura, por isso, é orientado por valores que divergem de acordo com a época e o lugar. Logo, trata-se de um conceito polissêmico. Por isso, o estudo sobre o Direito deve sinalizar o sentido que está sendo considerado pelo pesquisador.
Como adverte a epígrafe, o Direito não se reduz à regra jurídica, ao contrário, as regras jurídicas descrevem parcialmente o Direito, pois “as regras jurídicas não são o direito; descrevem o direito. O direito é algo que lhes preexiste, objeto de ‘pesquisa’ permanente e de discussão dialética, com o qual jamais coincidirão nossas fórmulas. Porque as regras descrevem o direito de modo sempre incompleto, seria errado atribuir-lhes uma ‘autoridade’ absoluta” (VILLEY, 2016, p. 67).
NORMA AGENDI OU FACULTAS AGENDI?
Quando pensamos no Direito como norma jurídica estamos diante da ideia de normas reguladoras da conduta humana e que integram ramos diferentes do Direito. Assim, podemos encontrar normas jurídicas na área do Direito penal, normas jurídicas em Direito de Família e assim por diante.
É nesse sentido que em uma dimensão positivista define-se o Direito como o “conjunto de normas de conduta social, imposto coercitivamente pelo Estado, para a realização da segurança, segundo os princípios de justiça” (NADER, 2011, p. 47). Esta não é a única definição possível, mas parte de uma visão de mundo específica, a visão positivista, que priorizou a concepção de ordem, uma ordem estabelecida (LYRA FILHO,1999).
VOCÊ SABIA?
E o que significa ordem jurídica? Nas lições de Paulo Nader (2011, p. 49, grifos no original) podemos destacar que para o autor ordem jurídica “é uma qualidade do Direito Positivo; é o sentido de harmonia e coerência lógica das normas vigentes. 
Ordem significa disposição adequada das partes de um todo. Pressupõe, portanto, pluralidade de elementos”.
Enquanto conjunto de normas jurídicas, ao lado das normas sociais e das normas morais, o Direito se manifesta em nossas vidas como dimensão objetiva.
Podemos destacar como exemplo, o direito às férias, ao 13º salário, licença maternidade etc. Podemos designar de Direito objetivo ou norma agendi.
O direito objetivo, normalmente entendido como um conjunto composto das mais variadas normas, constitui um dado objetivo. É o conjunto de regras vigentes num determinado momento para reger as relações humanas, e que são impostas, coativamente pelo Estado, à obediência de todos. Acaba sendo designado por muitos como o direito enquanto norma (jus est agendi) (GONÇALVES Jr.; MACIEL, 2012, p. 324).
Neste ponto, precisamos fazer uma pequena reflexão: há dissenso sobre o que podemos denominar de norma jurídica. Existem autores, e não são poucos, que defendem a tese segundo a qual princípios e decisões judiciais integram o que se chama pluralismo jurídico e, nesse aspecto, a norma jurídica teria um sentido mais amplo do que aquele atribuído pela corrente positivista, por exemplo.
Aceitar a existência de outros direitos que não o imposto pelo Estado representa não só se opor a uma única matriz cultural, mas também respeitar e proteger o direito à diferença, essencial para o futuro humano (GONÇALVES Jr.; MACIEL, 2012, p. 316).
VOCÊ SABIA?
Que é pluralismo? O que podemos entender por este termo? De um modo geral, “significa a coexistência de diferentes concepções de vida, cujo reconhecimento e legitimidade é requerido da Sociedade e do Estado. As democracias viabilizam diferentes concepções de vida” (GONÇALVES Jr.; MACIEL, 2012, p. 314).
O Direito será visto, também, na sua dimensão subjetiva porque fornece as condições de possibilidade para o agir e viabiliza o exercício de direitos (NADER, 2011).
Seria, para alguns, a consequência do direito objetivo, ou seja, o sujeito poderá requerer direitos individuais de acordo com a norma jurídica exigir algo do outro. “Essa faculdade de acionar o Poder Judiciário para reconhecer um direito garantido pelo ordenamento jurídico constitui o direito subjetivo” (MACIEL, 2012, p. 52).
Há uma discussão infindável sobre a relação entre o Direito como norma objetiva, norma agendi e Direito como norma subjetiva, facultas agendi.
Será que para a facultas agendi precisaria existir uma norma agendi anterior ou seria o contrário?
Existem pensadores que defendem as duas teses cada qual com argumentos interessantes. Vejamos alguns!
PONTES DE MIRANDA:
Pontes de Miranda (apud Maciel, 2012, p. 52) observa que a existência de um direito subjetivo pressupõe o direito objetivo. “Só após a incidência de regra jurídica é que os suportes fáticos entram no mundo jurídico, tornando-se fatos jurídicos. Os direitos subjetivos em todos os demais efeitos são eficácia do fato jurídico; portanto, posterius”.
VICENTE RÁO:
Vicente Ráo (apud Maciel, 2012, p. 52) observa o contrário de Pontes de Miranda, ao afirmar a prioridade do indivíduo em relação ao Estado que, por sua vez, é devedor da prestação jurisdicional e, nesse sentido, o direito subjetivo é anterior e superior ao direito objetivo.
MIGUEL REALE:
Para Miguel Reale, na Teoria Tridimensional do Direito, há correspondência entre ambos porque a norma é a integração de fato, valor e norma e se direciona a alguém para que se configure no mundo da vida, logo não poderia ser anterior, mas ambos são concomitantes e complementares (apud Maciel, 2012, p. 53).
TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JR.:
Tércio Sampaio Ferraz Jr. (apud Maciel, 2012, p. 53) observa que o direito subjetivo ressalta a posição de um sujeito em uma situação comunicativa: “aponta para a posição de um sujeito numa situação comunicativa, que se vê dotado de faculdades jurídicas (modos de agir) que o titular pode fazer valer mediante procedimentos garantidos por normas”. Assim aponta elementos essenciais que caracterizam sua estrutura, a saber:
• O sujeito de direito (pessoas ou entidades); 
• O conteúdo do direito (faculdade que possibilita constranger o outro); 
• O objeto do direito (o bem protegido); 
• Proteção do direito (possibilidade de fazer valer o direito pela via judicial).
IMMANUEL KANT:
Immanuel Kant (1724-1804), filósofo do séc. XVII, na obra Metafísica dos Costumes (tradução Edson Bini, 2003, p. 76), nos ofereceu a seguinte definição filosófica para o Direito: “O direito é, portanto, a soma das condiçõessob as quais a escolha de alguém pode ser unida à escolha de outrem de acordo com uma lei universal de liberdade”. E elabora o princípio universal do direito à moda de seu princípio moral da seguinte maneira: “Age externamente de modo que o livre uso de teu arbítrio possa coexistir com a liberdade de todos de acordo com uma lei universal”.
O DIREITO NATURAL E O DIREITO POSITIVO
Na análise do Direito como norma podemos identificar, também, o conceito de Direito como direito natural. Para tanto, é preciso relembrar alguns aspectos históricos importantes. No mundo antigo, na Idade Média, no período do Renascimento e início do período Moderno predominou o Direito Natural e a corrente do jusnaturalismo. Por quê? Porque os povos antigos, de um modo geral, compreendiam o universo como uma ordem, uma estrutura ordenada e perfeita (FERRY, 2007).
O direito natural seria o nomos (a norma) que é oferecido por esta ordem perfeita, o justo por natureza. Particularmente, na Idade Média, o direito natural assumiu status privilegiado por ter seu fundamento na ideia de Deus e, posteriormente, o sentido do direito natural ligou-se à ideia de razão, racionalidade. Trata-se de um conceito importante em Filosofia do Direito porque conduz ao estudo dos pressupostos da experiência jurídica. Essa ideia foi transmitida através de importantes pensadores.
O que podemos entender por direito natural?
Hugo Grócio (1583-1645) o definiu em uma perspectiva racionalista: “conjunto de normas ditadas pela razão” (apud NADER, 2011, p. 173).
Quais as características deste direito?
As características do direito natural segundo preleciona Norberto Bobbio (1995) são: um direito que se supõe eterno, universal, de origem em fonte não humana, um direito que pode ser deduzido (raciocínio dedutivo) e tácito.
Na relação entre direito natural e direito positivo podemos ressaltar que o direito natural nos oferece as condições para avaliarmos o direito positivo no seu comprometimento com o justo (DEL VECCHIO, 1979). E, neste ponto, sabemos que muitos princípios do direito natural foram incorporados no ordenamento jurídico de regimes políticos democráticos, tais como: a ideia de liberdade, a concepção de igualdade, a dignidade da pessoa humana, o sufrágio universal, a boa-fé, entre outros. Podem surgir discordâncias entre direito natural e direito positivo, mas sempre devemos pugnar por uma relação harmônica e preservar o espírito crítico para uma salutar discussão sobre o que é direito.
AULA 3 - AS CORRENTES DO PENSAMENTO FILOSÓFICO JURÍDICO
AS CORRENTES DO PENSAMENTO FILOSÓFICO JURÍDICO
Como preleciona Ana Lucia Sabadell (2002) vivenciamos em cada época histórica, culturas jurídicas diferentes. Surgem teorias ou ideias que acabam ocasionando a formação de grupo de pensadores que classificamos (organizamos) em escolas jurídicas. Trata-se de um grupo de pensadores que apresentam ideias comuns sobre o Direito. Não se trata de um lugar físico, ou que todos se conheçam necessariamente porque estamos no campo das ideias, das teorias. Então,
Assim, os autores em Filosofia do Direito nos oferecem uma classificação em dois grandes grupos: os jusnaturalistas ou jusmoralistas e os positivistas. É claro que em cada grupo ou escola existem diferenças teóricas e ideológicas. O que podemos analisar são os pontos básicos que os caracterizam de um modo geral e permite inseri-los juntos em uma delas.
JUSNATURALISMO
É uma palavra decorrente da união dos termos jus e naturalismo e representa uma doutrina que valoriza o direito natural, o ius naturale, como um sistema de normas aplicáveis à conduta em sociedade.
Segundo Guido Fassò (1997, p. 655) no verbete jusnaturalismo, da obra Dicionário de Política, de Norberto Bobbio,
O termo em questão, sob o ponto de vista filosófico e político, poderá trazer alguma dificuldade em seu conceito em razão das diferentes acepções da expressão “direito natural” ao longo da história da Filosofia.
Assim, podemos analisar o direito natural sob o ponto de vista:
· da divindade;
· sob o ponto de vista mais estrito como conatural a todos os seres, ligada ao instinto;
· ou como lei ditada pela razão, em sua versão moderna.
Não obstante as diferenças, podemos perceber alguns pontos comuns como a tese segundo a qual o direito natural possui anterioridade e superioridade em face do direito positivo e, por conseguinte, se afigura como importante legitimador das normas jurídicas e dos poderes do Estado (FASSÒ, 1997).
Em razão desta concepção afirmamos que o Jusnaturalismo representa uma escola de pensamento que defende tese da existência de um direito natural superior ao direito positivo e que lhe confere validade.
VOCÊ SABIA?
Os pensadores jusnaturalistas também foram designados por jusracionalistas, no período moderno, porque conceberam a ideia de uma racionalidade universal. E, por isso também estão relacionados com os direitos fundamentais porque acreditavam na existência de valores universais e imutáveis pertencentes ao gênero humano.
Nesta corrente, compreende-se a natureza humana racional como ponto fundamental e, por conseguinte, através da reta razão somos todos capazes de deduzir prescrições morais válidas universalmente como, por exemplo, “os pactos devem ser observados”. É neste sentido que encontramos a tese de que os direitos naturais decorrem da razão. Neste ponto, André Gualtieri de Oliveira (2012, p. 37) observa:
POSITIVISMO JURÍDICO
É uma corrente de pensamento que defende a ideia segundo a qual só existe um direito — o positivo.
O modelo de Hans Kelsen ainda é predominante no estudo do Direito quando se observa o positivismo jurídico. Este modelo concebe a ciência jurídica como uma ciência dogmática, pois delimita como objeto do Direito apenas a norma jurídica, ou seja, o direito posto pelo Estado.
Segundo Miguel Reale, Kelsen nunca foi adepto da Escola de Viena, mas em verdade influenciado pela escola do Círculo de Viena, constituída por um grupo de professores antimetafísicos da Universidade de Viena, que contribuíram para o surgimento do neopositivismo vienense.
Conforme assinala este pensador brasileiro, Kelsen esteve ligado à outra Escola de Viena, esta no domínio do Direito (REALE, 1990, p. 458).
Na obra Teoria pura do Direito, Kelsen defendeu a autonomia do Direito como ciência conferindo-lhe um objeto próprio, a norma jurídica, e um método específico, o princípio metodológico fundamental, também designado de princípio da pureza. Isto significa dizer que opera um corte epistemológico (separação em relação às demais ciências) e um corte axiológico (ruptura com a esfera dos valores), ou seja, separa a esfera do Direito das demais esferas de saber e dos aspectos valorativos. Por exemplo, Direito não se relaciona com o sentido moral de justiça.
Em sua teoria, o conhecimento jurídico deve ser neutro, o jurista não pode fazer juízos de valor sobre as normas, ou seja, o raciocínio jurídico deve versar sobre o que lícito ou ilícito, válido ou inválido, eficaz ou ineficaz (ASSIS et al, 2012).
O cientista do direito, segundo Kelsen, deve abster-se de valores estranhos ao objeto da ciência jurídica, porque nesse caso o conhecimento para ser científico deve ser neutro em relação aos valores. Não é da competência da ciência jurídica discutir os fins políticos desta ou daquela norma jurídica, se é justa ou não, mas ressaltar uma preocupação eminentemente jurídico-científica.
Kelsen construiu a noção de norma hipotética fundamental como a primeira norma transcendental, uma norma suposta*, como uma exigência lógica, uma ficção que sustenta o fundamento de validade da ordem jurídica. Assim, acreditou garantir a racionalidade da ordem jurídica.
(* Em sua teoria da norma suposta, segue-se o conjunto normativo da Constituição, a primeira norma posta, bem como todas as demais. Nesta concepção, a validade da norma jurídica decorre de sua origem na autoridade competente. A validade repousa na competência normativa do seu editor (ASSIS et al, 2012).)
Kelsen definiu “norma fundamental” como “a fonte comum davalidade de todas as normas pertencentes a uma e mesma ordem normativa, o seu fundamento de validade comum” (KELSEN, 1987, p. 207).
O filósofo do Direito, Ronald Dworkin, na obra Levando os direitos a sério (2002, p. 27) nos oportuniza sintetizar as ideias centrais desta corrente quando assevera que o Direito é o conjunto de regras identificáveis; regras jurídicas e direito são sinônimos e que se há uma obrigação jurídica possível significa que a situação fática se enquadra em uma regra jurídica válida.
Enfim, o modo como a ciência jurídica se organiza atualmente foi consequência de uma longa trajetória. Surgiram teorias ou ideias que acabaram ocasionando a formação de grupos de pensadores em escolas jurídicas como aquelas que acabamos de estudar e outras como o realismo jurídico, historicismo e a teoria tridimensional do Direito de Miguel Reale, por exemplo.
AULA 4 - O DIREITO E A MORAL
O QUE É DIREITO?
“Quanto mais aprendemos sobre o Direito mais nos convencemos de que nada importante sobre ele é de todo indiscutível” (DWORKIN, 2007)
A palavra “direito” apresenta duas formas distintas em latim: jus, juris e directum.
· Jus, juris ligam-se à ideia de relação entre pessoas e, no caso, relação jurídica de direitos.
· Directum nos oportuniza a ideia de linha reta como metáfora na qual o Direito deve ser um caminho reto, conforme a lei e que denota retidão moral e jurídica (ASSIS et al, 2013, p. 29).
Inferimos que ambas as formas podem ser traduzidas no sentido de relação jurídica entre sujeitos. Mas o Direito é um vocábulo plurívoco ou polissêmico. Neste sentido, encontramos diferentes modos de compreendê-lo. Nalini (2008), observa que o termo pode ser muito bem percebido, até mesmo pelo senso comum, no sentido daquilo que é correto.
Sob o ponto de vista filosófico estamos diante de um conceito “semanticamente vazio” que dependerá do contexto.
O que isto significa?
Significa dizer que não existe um conceito estabelecido como certo. Existem muitos autores que abraçaram a tarefa de conceituação do termo Direito e trazem diferentes contribuições.
Pode-se afirmar que até o séc. XIX o termo Direito estava vinculado a uma “arte empírica”; um “conjunto de aspirações subjetivas de justiça”; “formas de comportamento causal” e “normas positivas de conduta” (NALINI, 2008).
Assim, podemos conceber o Direito, no sentido grego clássico, como nomos e ligado à verdade; podemos repensar o sentido do direito natural desenvolvido pelos estoicos com reflexos no cristianismo medieval e, nesse contexto, compreender a dicotomia direito natural e direito positivo. Segundo Nalini (2008) as duas formas se complementam.
O direito positivo é uma ordenação criada pelo Estado
Immanuel Kant (1724-1804), na obra Metafísica dos costumes, por exemplo, apresenta uma definição filosófica importante para o Direito como o “conjunto das condições, por meio das quais o arbítrio de um pode está de acordo com o arbítrio de um outro segundo uma lei universal da liberdade”.
A partir dessa conceituação, à moda do seu imperativo categórico, elaborou um princípio para a esfera da legalidade: o princípio universal do Direito. Este princípio expressa a necessidade de coexistência dos arbítrios segundo uma lei universal.
Uma lei universal do Direito determinando que devo agir externamente de forma tal que preciso sempre respeitar a liberdade do arbítrio do outro como uma obrigação que me determina a razão, isto é, “age exteriormente de maneira que o uso livre do teu arbítrio possa estar de acordo com a liberdade de qualquer outro, segundo uma lei universal”. Em Kant, podemos encontrar uma boa definição filosófica para o Direito.
Conforme preleciona André Gualtieri de Oliveira (2012, p. 25),
Outros autores como Miguel Reale (1910-2006) investigam uma possível conceituação no horizonte de valores da Ciência do Direito, sendo certo dizer que para esta corrente de pensamento o Direito estará sempre vinculado ao sentido de justo.
A cada época, surgem novos valores, ocorrem fatos sociais diferentes que exigem a atenção do jurista e, em uma relação dialética, esses elementos movimentam a experiência jurídica. A experiência citadina é a experiência das normas e as normas jurídicas ocupam um lugar especial em razão de sua obrigatoriedade.
Não obstante a controvertida conceituação do Direito, vamos partir de uma ideia comumente aceita que o Direito envolve a justiça como elemento fundante de sua razão de ser e pode se materializar em normas jurídicas, diretrizes e princípios.
DO QUE ESTAMOS FALANDO QUANDO SE TRATA DE MORAL?
A ética e a moral* são conceitos diferentes, mas confundidos com frequência pelo senso comum.
Sob o ponto de vista etimológico, ética é um termo que deriva da palavra grega ethos que já observamos que designa costume, hábitos e práticas de uma cultura e liga-se ao sentido de caráter (ARANHA; MARTINS, 2014).
A palavra moral decorre do latim mos, mores que também significa maneira de se comportar regulada pelo uso, ou seja, costumes (ARANHA; MARTINS, 2014).
A moral é histórica e vincula-se a determinada cultura com seus padrões.
(* 1. Fil. Conjunto de regras de conduta, inerente ao espírito humano, aplicáveis de modo absoluto para qualquer tempo ou lugar, ou a grupo ou pessoa determinada, proveniente dos estudos filosóficos sobre a moral. 2. Conjunto de regras e princípios de decência que orientam a conduta dos indivíduos de um grupo social ou sociedade (moral burguesa, moral cristã).)
O que é moralidade num dado tempo e lugar? (DUPRÉ, 2015).
É aquilo que determinado grupo social reconheceu como bom, útil e desejável e atribuiu um valor moral.
A moral possui esse aspecto: liga-se a um grupo social, a um tempo, certos valores etc. Algumas vezes, assume um sentido pejorativo porque apresenta ideias que mais representam ideologias e, por isso, costuma-se dizer "— Não venha me dar lição de moral!”
VOCÊ SABIA?
Sobre esse sentido pejorativo, vale a pena observar que o termo ética passou a ser mais usado no Brasil em razão de uma desmoralização da palavra moral que se vinculou aos cursos de moral e cívica, frequentes durante o regime autoritário-militar de 1964 a 1985 (SROUR, 2008, p. 15).
Há uma diversidade de sentido entre ética e moral. Como surgiu a confusão? ethikéé o adjetivo derivado de ethos que gerou a palavra ética. O termo ethiké apareceu no pensamento de Aristóteles para designar um saber relativo à maneira de se comportar. E, é por isso, que para os filósofos gregos foi considerada “uma forma de conhecimento que diz respeito aos comportamentos” (DROIT, 2014, p. 15).
Fato moral, objeto dos estudos éticos, ocorre quando agentes morais agem no mundo, fazem escolhas que impactam na vida de outras pessoas e isso poderá ocorrer de maneira positiva ou negativa. A partir de nossas ações podemos prejudicar ou não outras pessoas. Há sempre a presença do outro em nossas vidas.
Segundo Srour (2008, p. 7), fatos morais “são fatos sociais que dizem respeito ao bem e ao mal, juízos sobre as condutas dos agentes, convenções históricas sobre o que é certo ou errado, justo ou injusto, legítimo ou ilegítimo”.
A nossa época “já não vive sob a influência de uma moral dominante capaz de reger tudo. Pelo contrário, o que domina, na maioria das vezes, são dúvidas sobre as regras a seguir, perplexidades sobre os princípios a serem aplicados” (DROIT, 2014, p. 21). Não há como negar que preceitos morais são relativos, efêmeros, passageiros (SROUR, 2008).
Os fatos morais podem assumir três dimensões diferentes:
MORAIS:
Um fato social moral será aquele em que há uma conduta conforme as regras morais dominantes (SROUR, 2008). Se, em uma comunidade, onde há a necessidade de racionamento de água e energia elétrica, por exemplo, e seus habitantes fazem um uso consciente de tais bens estão agindo conforme a moral dominante, logo praticam fatos morais.
IMORAIS:
Se fizerem um uso abusivo desses recursos, considerado como consumo irresponsável, estaremos diante de um fato imoral, uma conduta imoral (SROUR, 2008).
AMORAIS (NEUTRO):
Um fato socialserá amoral ou neutro, por exemplo, quando estamos diante de situações sociais corriqueiras ou triviais, tais como: ir ao cinema, visitar amigos, viajar, ler um romance, ir ao futebol etc., não implicam efeitos morais sobre outras pessoas.
A moral associa-se a uma realidade histórico-concreta (SROUR, 2008), por isso, o que é considerado como moralmente certo em determinada cultura e época não possui o caráter de valor absoluto porque trata-se de um valor que poderá se modificar.
A POLÊMICA RELAÇÃO DO DIREITO COM A MORAL
Para compreendermos a relação entre Direito e moral, precisamos observar dois pontos de vista: a visão do positivismo e a visão de doutrinas jurídicas não positivistas.
Para o juspositivismo, de um modo geral, o Direito está separado da esfera da moral. Basta lembrarmos a ideia kelseniana do corte axiológico que já estudamos. Para as doutrinas não positivistas elementos morais devem estar presentes na esfera do Direito, porque Direito e moral estariam conectados (OLIVEIRA, 2012).
Segundo Oliveira (2012) quando estamos no âmbito deste debate temos que perceber que as normas sociais, que nascem da liberdade, se dividem em normas morais e normas jurídicas.
Norma social é gênero e normas jurídicas e normas morais, espécies do gênero. Com isso o autor observa a tese de Robert Alexy segundo a qual há uma conexão importante entre elas que provoca inúmeros debates ao longo da história.
Atualmente o senso comum acredita que Direito é apenas a lei. Para os antigos a lei era a materialização de um hábito, uma prática social, envolvia hábitos, costumes, crenças religiosas e também o édito dos governantes. Nas sociedades pré-capitalistas, moral e Direito estavam misturados de maneira que uma regra moral era punida com a pena capital. As civilizações antigas organizavam sua compreensão unindo as duas esferas.
A bilateralidade do Direito é atributiva, objetiva e, portanto, há exigibilidade.
Na moral, a bilateralidade é subjetiva, não há o poder de exigir, o sujeito realizará ou não de acordo com sua consciência, sua subjetividade.
A moral, é um conjunto de princípios seguidos livremente na vida de um sujeito. Essa ideia nos ajuda a compreender a tese de Kant sobre a diferença entre direito e moral porque demonstra a ideia segundo a qual, no horizonte da vontade, no âmbito da moral o dever é puro e, na esfera do Direito, o dever é influenciado pelo temor da sanção.
AULA 5 - A JUSTIÇA
O QUE É JUSTIÇA?
O que nos move, com muita sensatez, não é a compreensão de que o mundo é privado de uma justiça completa — coisa que poucos de nós esperamos —, mas a de que a nossa volta existem injustiças claramente remediáveis que queremos eliminar.
Amartya Sem
Na clássica obra República de Platão, encontramos em seu primeiro livro o tema justiça. Os personagens estão reunidos na região do Pireu, na casa de Céfalo, pai do orador, Lisias, local em que se inicia um delicioso diálogo com Sócrates.
O problema a ser analisado é aquele que nos incomoda até hoje:
O que é justiça?
Para os sofistas personificados na figura de Trasímaco, justiça é o interesse do mais forte, sendo, portanto, a prática da injustiça mais interessante, atraente.
Sócrates, como filósofo, observa a impossibilidade da ideia sustentada pelo interlocutor, assegurando que sem justiça, sociedade alguma seria possível.
Muitas investigações partem de análises em que se focalizam instituições descurando do papel fundamental que temos como sujeitos. Uma reflexão sobre a justiça deve indagar também que tipo de vida somos capazes de escolher (SEN, 2011).
Sob o ponto de vista filosófico, podemos observar duas percepções principais para o termo justiça. A primeira compreensão considera a ideia de conformidade da conduta a uma determinada norma. Julga-se o comportamento de alguém em relação a uma norma.
Nesse tipo de percepção, temos que buscar esclarecimentos em Aristóteles que concebeu, na obra Ética a Nicômaco, Livro V, a ideia de que tudo o que é conforme a lei é justo. Para ele, a justiça é a virtude mais perfeita porque envolve todas as outras virtudes e nos liga à alteridade (ABBAGNANO, 1982) . No livro V da Ética a Nicômaco (item 1), Aristóteles observou que:
Mais tarde, no contexto romano, Ulpiano observa o sentido de justiça que será adotado pelos jurisconsultos, como a vontade de dar a cada um o que é seu, definição problematizada muito antes pelos gregos, particularmente por Platão, no Livro I, da República em que o personagem Sócrates refuta essa tese.
Essa ideia presente na obra Digesto (livro I, 1, 10) de Ulpiano, “vontade constante e perpétua de dar a cada um o seu” (suun cuique tribure) configura outra forma de designar justiça como conformidade à lei.
Por quê? Porque pressupõe que o “seu” foi determinado por uma norma, ou seja, assegurado em uma lei anterior (ABBAGNANO, 1962).
VOCÊ SABIA?
Essa noção de justiça como conformidade, apesar de muito polemizada como tautológica, inclusive por Hans Kelsen, permaneceu de certo modo entre alguns pensadores; em Thomas Hobbes, por exemplo, quando sustentava no leviatã a necessidade da existência de um poder central forte, coercitivo, para manutenção dos pactos.
Assim, Hobbes acreditava em uma justiça como conformidade ao que fora ajustado no pacto. Interessante que a ideia de justiça passa então a ter uma relação forte com uma norma estabelecida anteriormente para assegurar um direito. E o próprio Immanuel Kant, na obra Metafísica dos costumes, na Divisão da Doutrina do Direito, item A, número 3, afirma sobre a expressão romana:
Existem também teorias, como a de Hans Kelsen, que observaram esse primeiro significado como a manutenção de normas positivadas — uma justiça segundo o Direito, porque expressa a conformidade à lei.
Nesta primeira acepção, a ideia que precisamos guardar é a de uma justiça como conformidade à norma, seja ela uma norma moral, um direito natural ou uma norma jurídica. Trata-se de um sentido ligado à pessoa e o seu comportamento (ABBAGNANO, 1962). E, neste sentido, liga-se à dimensão ética. Por quê? Porque a ética é a ciência que estuda a moral, as nossas formas de viver e agir, o cumprimento das regras e o respeito aos valores compartilhados.
A segunda acepção que a Filosofia oferece ao termo justiça refere-se à norma em si e não mais à pessoa e seu comportamento. Segundo Abbagnano (1962, p. 566), liga-se ao sentido de eficiência da norma para viabilizar as relações humanas: “Neste caso, obviamente, o objeto do juízo é a própria norma”.
Neste ponto, os autores observaram diferentes fins para o termo, entendendo-o como garantidor da comunidade humana. A justiça será um instrumento e poderá estar ligada a fins como a felicidade, a utilidade, a liberdade, igualdade e a paz (ABBAGNANO, 1962). 
Quanto à felicidade, a tese de Aristóteles, no Livro V da Ética a Nicômaco, é a de que são justas as coisas que procuram salvaguardar a felicidade (bem comum) na comunidade política. Este filósofo nos oportunizou uma interessante classificação da justiça em justo universal e particular.
No sentido particular dividida em justiça distributiva e justiça corretiva. Vejamos:
JUSTIÇA UNIVERSAL OU TOTAL:
Justiça no sentido amplo, conformidade ao nomos.
JUSTIÇA PARTICULAR:
Hábito de realizar a igualdade. Divide-se em justo particular distributivo e corretivo.
· Justiça particular distributiva: desvela a igualdade na devida proporção. São as ações da sociedade política com seus membros. Igualdade proporcional.
· Justiça particular corretiva: regula as relações entre cidadãos e usa o critério do justo meio ou igualdade matemática. Subdivide-se em: comutativa ou judicial. Igualdade matemática.
Conforme preleciona Abbagnano (1962), no mundo antigo os sofistas defenderam a ligação entre justiça e utilidade, tese que ressurge no período moderno, particularmente em David Hume que compreendia a justiça como útil para salvaguardar a felicidade e a segurança, preservando a ordem na sociedade (apudABBAGNANO, 1962, p. 566).
Nesta acepção o termo justiça perde o seu caráter de valorabsoluto como entendiam os jusnaturalistas, particularmente Hugo Grócio, e passa a não ser mais um fim em si mesmo, mas um instrumento para realização e outra coisa.
A relação entre justiça e liberdade aparece no pensamento kantiano quando surge o sentido de justiça como a existência de liberdades compatibilizadas entre si, em uma dada sociedade.
Na Crítica da razão prática observa o sentido de justo quando assevera que ninguém poderá nos constranger a ser feliz à sua maneira, mas a cada um é dado o direito a buscar a felicidade pela via que lhe parecer boa, desde que não prejudique o direito do outro de fazer a mesma coisa. Ou, ainda, no célebre escrito, Ideia de uma história universal sob o ponto de vista cosmopolita, na tese V, em que reforça a ideia de liberdade sob leis como expressão de uma constituição civil justa (ABBAGNANO, 1962)
Quanto à paz, muitos pensadores compreendem que a justiça seria um critério importante para salvaguardar a paz. Interessante que esta ideia pode ser vista em Thomas Hobbes quando, na obra De Cive (I, § 15), sustenta a tese do fato da violência em que o homem é mal por natureza e, neste horizonte, somente um ordenamento justo poderia assegurar a paz sufocando qualquer possibilidade de guerra de todos contra todos. O que nos motivaria a sair do estado de natureza para este filósofo político, em que há violência de todos contra todos, é a busca pela paz.
Mais tarde, Kelsen contrapôs justiça e paz, quando assegurou em sua Teoria pura do Direito, que a justiça seria um ideal irracional, não realizável, e, somente a norma jurídica seria capaz de assegurar a paz. E muitos teóricos assimilaram essa ideia kelseniana e passaram a valorizar a norma jurídica pela sua funcionalidade negativa de evitar conflitos (ABBANGNANO, 1962).
A ideia de justiça como igualdade pode ser identificada nas teorias filosóficas, a começar pelo pensamento de Pitágoras, que considera a igualdade na reciprocidade, ou seja, posso esperar do outro aquilo que ele poderá esperar de mim. A justiça como igualdade baseou-se nessa ideia de expectativas recíprocas entre cidadãos de uma mesma comunidade.
Quando analisamos o termo justiça, observando uma história das deias, percebemos, não obstante sua esperança sempre frustrada, uma resistente exigência sendo revigorada dia a dia, por ser talvez a mais antiga aspiração humana.
Atualmente podemos pensar em suas diversas representações:
· como conformidade à lei;
· como instrumento para diferentes fins humanos;
· como igualdade entre as partes;
· como função distributiva em uma sociedade em que há uma grande demanda de bens e poucos bens disponíveis;
· como entende o senso comum que a liga às decisões judiciais ou ao proferir um juízo de valor diante de algum acontecimento: “a justiça foi feita”.
Justiça é um conceito polissêmico que vai desde a virtude grega até a legalidade de nossos dias:
· no sentido antropológico, liga-se à existência humana;
· em um aspecto psicossociológico, uma expectativa individual de reparação de um dano sofrido;
· no viés social e político, enquanto reconhecimento da necessidade de regras para existência coletiva.
Talvez uma forma de reconhecimento do outro (FARAGO, 2004). Há muitas leituras possíveis para o termo justiça, sugerimos aqui uma abordagem reflexiva sobre algumas.
AULA 6 – A LIBERDADE
O QUE É LIBERDADE?
Uma das categorias mais importantes, na história da humanidade, a liberdade, presente
no Hino da Proclamação da República, se afigura valiosa para todos os seus defensores e até
para seus detratores, porque representa, em um sentido amplo, infinitas possibilidades de escolhas
para alcançarmos os objetivos de uma vida.
Trata-se de um conceito que poderá apresentar muitas definições possíveis, mas todas convergem para uma ideia fundamental: a liberdade está inserida no campo das interações entre pessoas ou grupos.
· O que significa liberdade?
· Será livre arbítrio?
· Será que é fácil perceber que desfrutamos de uma liberdade?
· E que liberdade seria essa?
· Realmente somos livres?
São indagações que o senso comum poderá formular para, em um esforço de autocompreensão, justificar suas ações. Apesar da grande maioria limitar à liberdade ao sentido de livre arbítrio, vamos caminhar mais adiante e analisar, com a ajuda dos pensadores, dois significados relevantes para o termo.
Os dois significados traduzem, em verdade, duas formas de liberdade: a liberdade negativa e a liberdade positiva.
LIBERDADE NEGATIVA
Vejamos agora a definição de “liberdade negativa” a partir do ponto de vista de três grandes filósofos:
NORBERTO BOBBIO:
O filósofo do Direito italiano, Norberto Bobbio, na obra, Igualdade e Liberdade (1996), observa que a liberdade negativa é aquela em que o sujeito poderá agir ou não sem sofrer qualquer influência ou constrangimento.
Costuma-se ligar o sentido negativo de liberdade à ideia de emancipação relativa a uma tutela ou dominação, sendo o sujeito alguém livre para seguir sem próprio caminho. Assim, nos diz o filósofo:
	
	A liberdade negativa costuma também ser chamada de liberdade como ausência de impedimento ou constrangimento: se, por impedir, entende-se não permitir que outros façam algo, e se, por constranger entende-se que outros sejam obrigados a fazer algo, então ambas as expressões são parciais, já que a situação de liberdade chamada de liberdade negativa compreende tanto a ausência de impedimento, ou seja, a possibilidade de fazer, quanto a ausência de constrangimento, ou seja, a possibilidade de não fazer. (1996, p. 49)
Nesta citação podemos observar que a liberdade negativa pode ser vista como a possibilidade de fazer ou não fazer, desde que não proibido em lei, porque vivemos em sociedade e nos submetemos às regras morais, sociais e jurídicas. Se a conduta não for proibida, será possível realizá-la sempre conforme nossa conveniência e oportunidade.
THOMAS HOBBES:
Nos dizeres de Thomas Hobbes, na obra Do Cidadão (XIII, 15 apud BOBBIO, 1996, p. 50), a liberdade negativa poderia ser percebida como liberdade no silêncio da lei (libertas silentium legis). Ideia igualmente reforçada mais tarde por John Locke, em seu Segundo tratado sobre o governo civil (IV, 22), como uma liberdade de seguir a sua própria vontade.
MONTESQUIEU:
A definição mais contundente da liberdade negativa pode ser vista nos escritos de Montesquieu, na obra O espírito das leis (Liv. XI Cap. III), quando assevera:
	
	A liberdade é o direito de fazer tudo o que as leis permitem. Se um cidadão pudesse fazer o que elas proíbem, ele já não teria liberdade, pois os outros teriam igualmente esse poder.
Na história da liberdade, podemos observar que o sentido de liberdade negativa ganha fôlego quando desvela sua relevância política na conquista dos direitos civis, ou liberdades civis. “Quando digo que sou livre (...), quero dizer que uma determinada ação minha não é obstaculizada e, portanto, posso realizá-la”. (BOBBIO, 1996, p. 53) Temos, portanto, uma liberdade de agir.
LIBERDADE POSITIVA
Em uma linguagem política, a liberdade positiva, segunda forma de liberdade, denota a possibilidade de autodeterminação, ou seja, autonomia. Entende-se por autonomia a situação daquele que se autogoverna, não depende de outros para as próprias decisões.
Nos dizeres de Bobbio (1996, p. 51):
Nesta segunda forma de liberdade, positiva, encontramos em Rousseau uma consideração importante, a saber: a ideia de que somos legisladores de nossas próprias normas.
Na qualidade de membros de uma comunidade política obedecemos às leis que nós mesmos criamos para salvaguardar nossa existência coletiva.
Ser livre significa, portanto, obedecer às leis que nós próprios criamos.
Conforme Rousseau, em O contrato social (Cap. VIII), a liberdade positiva, como uma liberdade moral, que transforma o ser humano em senhor de si mesmo (sui iuris) é a própria liberdade (“a obediência à lei que se estatuiu a si mesma é liberdade”).
Influenciado por Rousseau, Immanuel Kant, no ensaio A paz perpétua, fortalece a ideia ao mencionar em nota ao primeiro artigodefinitivo — “A Constituição Civil em cada Estado deve ser Republicana” — que a “liberdade exterior (jurídica) deve antes explicar-se assim: é a faculdade de não obedecer a quaisquer leis externas senão enquanto lhes pude dar o meu consentimento” (B18, 20).
Consideração feita também na Metafísica dos costumes (II 46).
Então, a liberdade positiva ou política é “uma qualificação da vontade”. Se sou livre no sentido positivo, estou afirmando que o meu querer é livre (BOBBIO, 1996, p. 53). Temos, portanto, uma liberdade de querer, ou seja, uma ação foi desejada.
Você deve estar se perguntando por que precisamos distinguir os dois tipos de liberdades. E mais, pode-se acreditar que se há uma liberdade negativa, há consequentemente uma liberdade positiva. Infelizmente, não. Podemos vivenciar uma situação de vida em que realizamos uma ação livre, um agir não impedido ou constrangido sem estarmos autodeterminados e vice-versa. Por exemplo, podemos professar livremente uma religião, mesmo que não a tenhamos escolhido livremente, como poderá ocorrer em Estados totalitários que não reconhecem e não garantem a liberdade religiosa.
Ocorre que as duas liberdades são diferentes e, muitas vezes, podem ser complementares, o que seria sempre desejável, particularmente em governos democráticos que protegem as liberdades negativas dos seus membros como condição necessária ao exercício das liberdades positivas, que são as liberdades políticas. (BOBBIO, 1996, p.54)
INDIVÍDUO VERSUS COLETIVIDADE
Uma reflexão interessante que podemos realizar é a que observa as duas formas de liberdades a partir do binômio indivíduo e coletividade. Porque:
Podemos dizer que a liberdade negativa é aquela que se direciona à esfera individual, sujeito moral, na sua vida privada, na qualidade de sujeito particular. Sob o ponto de vista jurídico, são as liberdades civis, conquistadas com muito sacrifício e luta ao longo da história.
A liberdade positiva ou política é aquela que se dirige à esfera política, à vontade coletiva. Assim, a autodeterminação refere-se ao grupo social, ou se você preferir, à vontade geral de Rousseau. Bobbio (1996) observa ainda a possibilidade de designá-las de outro modo, em uma conceituação com viés histórico.
A liberdade negativa poderá ser chamada de liberdade burguesa em que o burguês é a representação do indivíduo na sua vida privada.
E a liberdade positiva ou política, designada de liberdade do cidadão, entendendo-se por este termo, o agente reivindicante promotor das deliberações coletivas.
O que não podemos perder de vista é que temos as duas liberdades, as duas dimensões habitam em cada um de nós como indivíduos singulares e como cidadãos com compromissos coletivos.
LIBERDADE DOS ANTIGOS E LIBERDADE DOS MODERNOS
A distinção entre a liberdade dos antigos e a liberdade dos modernos foi apresentada por Benjamin Constant em um célebre discurso pronunciado perante Athénée Royal de Paris, em 1819. Neste documento, o autor observa as duas formas de liberdade, a positiva como um tipo de liberdade dos antigos e a negativacomo a característica fundamental da liberdade dos modernos.
Nas sociedades antigas, pré-capitalistas não existia um governo representativo. Pense na pólis grega de Atenas, por exemplo. Nesta pólis havia uma democracia direta, com suas particularidades. Diferentemente das democracias contemporâneas, a grega era seletiva, nem todos eram tidos como cidadãos.
Nesse contexto, havia a liberdade política ou coletiva, uma liberdade para deliberar na esfera pública. Assim, enquanto cidadão livre, o homem frequentava o Ágora e decidia diretamente as questões importantes da sua cidade, votando e proferindo seus discursos. Todavia, este mesmo indivíduo livre vivenciava paralelamente uma condição de submissão na esfera privada.
Por quê?
Porque era obrigado a seguir os valores morais, sociais e religiosos do seu grupo social. As normas morais, os costumes, a tradição, a religião e as normas jurídicas, nomos, eram impostas como norma cogente e, em alguns casos, sob a pena de morte. E mais. Descumprir os rituais do grupo significava enfraquecer os laços integrativos.
Para esclarecer esse contexto, podemos vincular aqui o conceito de Durkheim de solidariedade mecânica que nos auxilia a perceber as especificidades desse tipo de liberdade positiva combinada com a ausência de liberdade negativa, porque não existia a percepção de indivíduo. E, neste ponto, Benjamin Constant destacou, portanto, que, no mundo antigo, o indivíduo é soberano na esfera pública, mas escravo na esfera privada.
Por outro lado, os modernos, conquistaram a liberdade negativa, ou seja, o indivíduo é livre e independente na esfera privada — a liberdade burguesa. Nesta situação, o exercício da soberania, que configuraria a liberdade positiva, é uma suposição, é um abstrato.
Assim, os modernos conquistaram as liberdades civis: a liberdade de opinião, a liberdade de escolha, a liberdade ir e vir, de reunir-se, de peticionar ao poder público, mas a sua soberania é restrita aos poderes de representação.
Ao pontuar as duas formas de liberdades como mutuamente excludentes, em razão do contexto histórico que as determinam, Constant pretendia defender a possibilidade de compatibilizá-las entre si, sem permitir que a adoção de uma pudesse gerar a renúncia da outra, além de uma crítica às ideias de Rousseau que não teria percebido as particularidades do contexto social das cidades antigas.
Todavia, suas ideias, neste discurso, não ficam imunes às críticas de autores como:
NORBERTO BOBBIO:
Norberto Bobbio (1996, p. 64) entendeu que as liberdades negativas não eram totalmente desconhecidas pelos romanos, por exemplo. E Na formação do Estado Moderno, “a demanda da liberdade política se processa simultaneamente com a demanda das liberdades civis”.
LOCKE:
Na tese de Locke não podemos separar a proteção de direitos como liberdade, vida e bens, sem alguma participação na elaboração das leis, ainda que uma participação indireta.
KANT:
Kant, por exemplo, na sua formulação do conceito de Direito, na Metafísica dos costumes, como o conjunto das condições que asseguram a máxima liberdade de cada um compatível com a igual liberdade de todos os outros, reconhece a liberdade política de alguns, exceto mulheres e trabalhadores assalariados.
AULA 7 – A EQUIDADE E IGUALDADE
O QUE É IGUALDADE?
“A igualdade, como valor supremo de uma convivência ordenada, feliz e civilizada – e, portanto, por um lado, como aspiração perene dos homens vivendo em sociedade, e, por outro, como tema constante das ideologias e das teorias políticas – é frequentemente acoplada com a liberdade”.
(Norberto Bobbio. Igualdade e Liberdade)
Uma das categorias mais importantes, na história da humanidade, ao lado da liberdade é o conceito de igualdade.
A dificuldade em construirmos um significado preciso é a mesma que experimentamos ao estudar o conceito de liberdade.
Trata-se de um conceito, também, polissêmico. A igualdade também é percebida como um valor, para todos que habitam o gênero humano, por exemplo.
Mas o que significa dizer que esta categoria nos força a perceber o horizonte da alteridade?
Significa dizer que pressupõe a presença do outro para que
a relação de igualdade possa ser vislumbrada.
Normalmente, costumamos dizer que somos igualmente livres ou iguais na liberdade e, neste ponto, adverte Bobbio (1996) percebemos que:
· A liberdade é uma qualidade que temos;
· A igualdade é uma maneira de estabelecer um determinado tipo de relação com o outro.
Por isso não podemos dizer que somos iguais simplesmente. Temos que pensar: iguais em quê? A quem?
A ideia de igualdade aparece no cenário político grego da democracia de Clístenes (508 a.C.) como isonomia (igual repartição de poder e riqueza) e isegoria (igualdade do discurso).
VOCÊ SABIA?
Nas leis (IV), Platão observa a boa igualdade da proporção e da harmonia. Na Ética a Nicômaco, Livro V, Aristóteles observa que pessoas desiguais merecem coisas igualmente desiguais e acrescenta que, no âmbito das igualdades, os critériossão variáveis.
Na oligarquia, por exemplo, o critério será a riqueza; em uma democracia, o critério será a liberdade (CANTO-SPERBER, 2013).
Outra observação importante está na relação que o conceito de igualdade possui com o termo justiça. Costumamos dizer que uma “ação é justa” ou “alguém é justo” quando respeita a igualdade. Até mesmo na linguagem comum percebemos a ideia de igualdade no justo meio aristotélico, por exemplo.
Quando Aristóteles, na Ética a Nicômaco, utiliza a figura da régua de Lesbos* para falar de equidade, trabalha a ideia de uma reta com dois extremos e o justo meio, a justa medida equidistante a estes extremos. A outra ideia que também podemos ligar ao sentido de igualdade é a de ordem, equilíbrio e harmonia entre pessoas (BOBBIO, 1996).
Com relação a esta ideia de harmonia, os estoicos foram bem interessantes ao relacionar harmonia e igualdade — igualdade proporcional. O cosmo representava a ordem, a harmonia e concedia a cada um o que é seu, o suum cuique tribure, que expressava o sentido máximo da justiça como igualdade.
(* Régua especial de que se serviam os operários para medir certos blocos de granito; por ser feita de metal flexível, podia ajustar-se às irregularidades do objeto; “a régua adapta-se à forma da pedra e não é rígida, exatamente como o decreto se adapta aos fatos” (Aristóteles).)
Bobbio (1996) assevera, então, que a ideia de relação é importante para o conceito de igualdade porque lhe confere o sentido de algo justo. Por isso, a igualdade passa a ser algo desejável, um ideal de uma vida justa — um bem social.
A igualdade simples entre dois objetos, não é nem justo, nem injusto. Trata-se de um fato. Imaginemos duas margaridas em um jardim, absolutamente idênticas — igualdade como um fato.
Todavia, quando passamos para o terreno das relações sociais, surge uma relevância por envolver ações humanas ou omissões, no sentido retributivo, que interferem na esfera da liberdade de outrem, por exemplo, o preço justo de uma mercadoria, a ideia de Talião etc. Bem como a distribuição de bens, vantagens ou desvantagens, no sentido atributivo (BOBBIO, 1996). O conceito de igualdade sempre estará relacionado ao sentido de justiça e liberdade.
No campo da reflexão política temos a seguinte máxima: “Todos os seres humanos são iguais” — afirmação que pode parecer genérica demais e vazia e que nos fala de uma igualdade formal.
O que significa dizer “todos iguais”?
Muitos ordenamentos jurídicos não conferem igualdade a todos. Nem todos têm a mesma oportunidade de vida, bens, direitos etc. O fato é que não há como requerer uma igualdade efetiva entre todos, o que se pretende é que, em uma relação entre pessoas, estas sejam consideradas como iguais em razão de sua dignidade humana. Uma igualdade moral que os contratualistas como Rousseau entenderam possível com o contrato social (BOBBIO, 1996).
A IGUALDADE E A LEI
Todos são iguais perante a lei ou a Lei é igual para todos, eis uma máxima bem conhecida e que está presente em nossa Constituição de 1988, no art. 5°, bem como em outras constituições estrangeiras, tratados e pactos internacionais.
Neste conceito, encontramos um ideal grego antigo de isonomia com todo o seu encanto. Acredita-se que sua recomendação se dirige essencialmente ao Estado, pois enquanto cidadãos somos iguais perante a Lei, essa é a comunis opinio.
Em verdade, sabemos que há distinções relevantes consideradas e outras nem tanto, ambas historicamente construídas. Nesse horizonte, já legitimamos a exclusão política da mulher e justificamos que alguns seres humanos poderiam ser escravizados e vendidos como se mercadorias fossem, por exemplo.
Neste ponto, Norberto Bobbio (1996, p. 29-30) sugere uma distinção importante: separar “igualdade perante a lei de igualdade de direito; de igualdade nos direitos e igualdade jurídica”.
IGUALDADE DE DIREITO:
“É usada em contraposição à igualdade de fato, correspondendo quase sempre à contraposição entre igualdade formal e igualdade substancial ou material”.
IGUALDADE NOS OU DOS DIREITOS:
“Significa algo mais do que simples igualdade perante a lei enquanto exclusão de qualquer discriminação não justificada — significa o igual gozo, por parte dos cidadãos, de alguns direitos fundamentais constitucionalmente assegurados”.
IGUALDADE PERANTE A LEI:
“Uma forma específica e historicamente determinada de igualdade de direito ou dos direitos (por exemplo, do direito de todos de terem acesso à jurisdição comum, ou aos principais cargos civis e militares, independentemente do nascimento)”.
IGUALDADE JURÍDICA:
“Entende-se habitualmente, a igualdade naquele atributo particular que faz de todo membro de um grupo social, inclusive a criança, um sujeito jurídico, isto é, um sujeito dotado de capacidade jurídica”.
IGUALDADE DE OPORTUNIDADE
A igualdade de oportunidade é considerada como uma das bases do Estado Democrático de Direito. Todavia, denota uma ideia muito genérica se não relaciona a uma situação específica. Devemos pensá-la, ainda, no contexto de sociedades capitalistas em que há grandes desigualdades e uma disputa, muitas vezes, inglória, sobre bens escassos disponíveis.
Esse ideal intenciona inserir todos os membros de uma comunidade em condições iguais para disputar os bens necessários à vida — significa pontos de partida iguais para todos, independentemente do credo, da raça, da cor ou qualquer outro elemento contingente.
O IGUALITARISMO
Considerando a problematização que estamos realizando, na análise do conceito de igualdade, não podemos deixar de mencionar a ideia de um igualitarismo como uma tese em que a igualdade assume um lugar especial acima de qualquer outro valor. E, mesmo nesta tese, devemos sempre perguntar: igualdade entre quem? E em quê? Porque já percebemos que a igualdade exige essa relação com algo.
O que podemos inferir é que até o ideal do igualitarismo máximo pode ser apenas entre alguns. Assim, podemos perceber que a ideia do sufrágio universal ou a igualdade jurídica, por exemplo, é uma espécie de exigência igualitária que carregamos como um ideal.
Frequentemente, consideramos, nesta doutrina igualitária, a ideia de seres humanos livres e iguais como membros do gênero humano. Nem todos os pensadores consideram essa igualdade natural como positiva.
Thomas Hobbes percebeu nesta dimensão o fato da violência, colocando o ser humano como lobo do outro homem. Existem doutrinas que abraçaram um fundamento naturalista (natureza humana) e outras que partiram em busca de outros fundamentos colocando-a como um bem a ser alcançado, considerando a desigualdade social um mal.
O homem é o lobo do homem, em guerra de todos contra todos.
(Thomas Hobbes)
A EQUIDADE
Já vimos que a ideia de igualdade está intrinsicamente relacionada ao sentido de justiça. Vamos agora observar a ideia de justiça como equidade.
Segundo Aristóteles, justiça e equidade representam a mesma coisa, embora a equidade signifique algo melhor, superior.
O que quis dizer?
Observou que o justo é o equitativo, mas não o justo segundo a lei, e “sim um corretivo da justiça legal”.
O conceito de equidade foi, portanto, o ápice do pensamento jusfilosófico do mundo antigo, segundo preleciona Mascaro (2010), cujo sentido não será visto no período medieval. Para Aristóteles, a equidade estava acima da mera aplicação da lei e direcionava-se ao bom julgamento em um caso concreto — adaptação do geral ao específico. Comparou, assim, o ofício do juiz ao construtor na Ilha de Lesbos para explicar a equidade como uma justiça superior.
VOCÊ SABIA?
O pensamento aristotélico foi o responsável pela introdução da ideia de equidade segundo a qual há que se observar as particularidades de uma situação para uma solução justa e sua aplicação no Direito para o bom julgamento. Por quê? Porque observa a necessidade de justiça no caso concreto. Se é correto dizer que o Direito existe para a sociedade, podemos perceber a importância que a equidade adquire para um bom julgamento.
Podemos compreender a equidade, portanto, em duas funções distintas:
·Primeiramente como elemento de integração da norma na hipótese de lacuna na Lei e,
· Em segundo lugar, como possibilidade de o intérprete corrigir a legislação adaptando-a ao caso concreto (OLIVEIRA, 2012).
É claro que a visão positivista enfraqueceu a ideia de equidade ao limitar o papel do juiz como mero aplicador de um direito. Novas percepções, atualmente, superam esse olhar da doutrina positivista e buscam ressignificar o sentido de equidade através da aplicação de princípios e diretrizes, além de normas jurídicas, e que desvelam a ideia de equidade (OLIVEIRA, 2012).
AULA 8 - LIBERAIS VERSUS COMUNITARIANOS
A preocupação fundamental dos Antigos era saber qual é o desejável supremo, o Soberano Bem que cada um poderia desejar para si mesmo a fim de atingir a eudaimonia, a felicidade, a plenitude da realização. (...) Os Modernos, em compensação, realizaram um deslocamento da questão do bem em direção à questão do justo(FARAGO, France. A justiça. p. 233).
Uma característica fundamental do mundo contemporâneo é o multiculturalismo. Mas será que não existia diversidade cultural anteriormente, nas sociedades pré-modernas? Sim, existia diversidade, mas compreendida em um sentido diferente.
Grupos que apresentavam particularidades eram tratados como minorias e ficavam limitados a partir das imposições de grupos dominantes (LUCAS, 2009).
Nas sociedades contemporâneas, percebemos e desejamos que a aproximação seja cada vez maior. Logo, o encontro é inevitável, graças ao movimento da globalização, aos ideais do liberalismo e das concepções democráticas que passaram a valorizar os seres humanos como livres e iguais.
Há ainda, segundo alguns autores, a reflexão sobre os malefícios que visões dogmáticas causaram ao longo da história e o reconhecimento do papel da cultura como o lugar da diversidade. As relações econômicas, culturais e tecnológicas atuais também contribuíram e contribuem para um intenso intercâmbio entre diferentes grupos sociais (LUCAS, 2009).
O multiculturalismo, assim, nos oportuniza o cenário da luta pelo reconhecimento de diferenças culturais no interior de uma mesma comunidade para que se configure um espaço público de aceitação e convivência harmônica (LUCAS, 2009). É neste cenário que vamos observar o debate entre os liberais e os comunitaristas sobre o justo e o bem.
O debate entre os liberais e comunitaristas acontece neste contexto multicultural do século XX e busca problematizar a relação entre o particular e o universal, entre concepções de bem e princípios de justiça.
O ponto de partida está na constatação que não existe mais um modelo a ser seguido por todos, não há mais possibilidade de um consenso sobre as maneiras de viver, mas infinitas concepções de bem igualmente válidas e valoradas por diferentes pessoas que possuem a mesma dignidade (FARAGO, 2004).
Existem milhares de religiões no mundo. Podemos buscar uma visão ortodoxa, em uma linha fundamentalista que poderá usar a coerção para impor valores ou podemos sustentar que tudo é relativo e, portanto, tudo será permitido (FARAGO, 2004). Quem tem a razão?
LIBERAIS E COMUNITARISTAS
As teorias liberais e comunitaristas concordam em um ponto fundamental: vivemos em sociedade e, portanto, o ponto de partida para essa convivência comum é o acordo. Porque é o acordo que assinala minha relação com a comunidade. Esse acordo poderá ser racional ou estar baseado na tradição herdada.
LIBERALISMO:
O liberalismo é uma tradição de pensamento político que nos remonta aos séculos XVIII, XIX e XX. Concepções como as de Locke, Montesquieu, Kant, Mill, Adam Smith, Benjamin Constant e outros, por exemplo, que buscaram uma visão política racional em defesa das liberdades individuais — a liberdade negativa, sobretudo.
Assim, podemos afirmar, segundo alguns autores, que o liberalismo foi um projeto para se buscar limites ao Estado, ou seja, o poder soberano deve ser limitado permitindo-se aos indivíduos desfrutar de sua liberdade e propriedade em busca da felicidade individual, em sintonia com as novas condições econômicas e sociais das sociedades modernas (KYMLICKA, 2013).
COMUNITARISMO:
O comunitarismo, por outro lado, surgiu também a partir das ideologias do séc. XVIII e XIX, em certas concepções sobre o ideal de comunidade. Todavia, ocorreu o predomínio das teorias liberais, sobretudo a partir do pensamento filosófico de John Rawls (vide Notas) na obra Teoria da Justiça, de 1971, que reinterpretou as categorias liberdade e igualdade.
O debate entre liberais e comunitaristas teve o seu início no séc. XX, a partir da publicação da obra O liberalismo e os limites da justiça de Michael Sandel em 1982. Temos, portanto, a tradição liberal com expoentes como John Rawls, Ronald Dworkin, Thomas Nagel e Charles Larmore (vide Notas), por exemplo, e a tradição comunitarista com Michael Sandel, Michael Walzer, Charles Taylor e Alasdair MacIntyre (vide Notas), dentre outros (KYMLICKA, 2013).
É importante sublinhar que cada autor apresenta especificidades o que nos permite dizer que há variações em ambas as teorias. Existem liberais radicais, liberais moderados e há comunitarianos radicais e outros moderados.
Na visão de alguns comunitaristas, não faz muito sentido se buscar uma ideia universal de justiça. A ideia de justiça deveria estar de acordo com o que a comunidade particular compreendesse como justo. “Uma sociedade é justa se ela age de acordo com as compreensões partilhadas por seus membros” (KYMLICKA, 2013, p. 195).
Sobre esta tese os liberais observam que corremos o risco de legitimarmos situações equivocadas. Se uma sociedade considera justa a escravidão, ela estaria legitimada?
E se uma comunidade apresentar muitas concepções de justiça e algumas conflitantes entre si, outras pertencentes a grupos marginalizados, como ficaria?
Então, o ponto de vista universal dos liberais poderia provocar uma reflexão crítica sobre nossas crenças e buscar um ponto universal, ou seja, a prioridade do justo sobre as questões do bem viver particulares (KYMLICKA, 2013).
JUSTIÇA OU BEM COMUM?
A oposição entre o sentido do justo ou justiça e concepções de bem configura um dos temas mais empolgantes dos debates entre liberais e comunitarianos.
A afirmação da prioridade do justo sobre o bem nos permite separar a concepção dos antigos e dos modernos, na forma em que estudamos a colocação de Benjamin Constant, no ensaio A liberdade dos antigos comparada às liberdades dos Modernos.
Para os antigos, há a prevalência do bem, de concepções de bem e a Ética aristotélica nos fornece um bom exemplo para essa ideia. Para os modernos, ao contrário, há a impossibilidade de uma convergência sobre o bem, logo temos a prioridade de questões de justiça sobre questões do bem viver. Segundo Gonçalves (1998):
Os comunitaristas acreditam que o mal do liberalismo está no valor que conferem ao individualismo (KYMLICKA, 2013). Por quê?
Porque os liberais fundamentam suas teorias sobre noções de direitos individuais e da liberdade pessoal e ignoram que liberdade e bem-estar individual passam necessariamente pela experiência em comunidade. É neste ponto que entendem que a defesa da liberdade deveria ser substituída pela defesa do bem comum.
E o que seria o bem comum para os comunitaristas?
Segundo Kymlicka (2013, p.195), os comunitaristas concebem “o bem comum como uma concepção do bem, dotada de um conteúdo que define o modo de vida da comunidade”. E, neste olhar, o Estado, na visão comunitarista, deve incentivar certas concepções de bem e desestimular outras.
Como definir a concepção certa e a errada? Como seria feita esta avaliação pública?
Para os liberais a neutralidade do Estado é importante para se respeitar a autonomia de cada um de seus membros (KYMLICKA, 2013). Esse debate nos leva a questionar qual seria a concepção de bem adequada em uma sociedade contemporânea pluralista.
Como o Estado faria suas escolhas para estimular maneiras de bem viver? Corre-se o risco de uma cultura de massa? E como seria o Estado na visão liberal?
O Estado, na visão dos liberais,

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