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SETEBAN – RO/AC TEOLOGIA CRISTÃ CURSO MODULAR CRISTOLOGIA Vlademir Fernandes 2 SETEBAN RO-AC /// E-mail: setebanpvh@gmail.com /// Blog: seteban.blogspot.com SUMÁRIO INTRODUÇÃO..................................................................................................... 03 CAPÍTULO I: Quem é Jesus?.............................................................................. 04 1.1- O que torna Jesus tão peculiar? .......................................................04 1.2- Senhor, mentiroso ou lunático?.........................................................05 1.3- Razões para crer ............................................................................... 06 CAPÍTULO II: Nomes e naturezas de Cristo ...................................................0 8 2.1- Os nomes de Cristo ............................................................................ 08 2.2- Humanidade: Filho do homem........................................................... 09 2.3- Deidade: Filho de Deus...................................................................... 10 2.4- União hipostática de Cristo................................................................ 13 2.5- Controvérsias acerca da pessoa de Cristo......................................... 13 CAPÍTULO III: Os estados de Cristo.................................................................. 18 3.1- O estado de humilhação..................................................................... 18 3.2- O estado de exaltação......................................................................... 20 CAPÍTULO IV: Os ofícios de Cristo.................................................................... 22 4.1- Profeta................................................................................................. 22 4.2- Sacerdote............................................................................................. 23 4.3- Rei........................................................................................................ 23 CAPÍTULO V: A obra de Cristo........................................................................... 25 5.1- Morte de Cristo................................................................................... 25 5.2- Ressurreição de Cristo........................................................................ 25 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................ 27 REFERÊNCIAS.................................................................................................... 28 3 SETEBAN RO-AC /// E-mail: setebanpvh@gmail.com /// Blog: seteban.blogspot.com INTRODUÇÃO Estudar sobre Cristo é adentrar numa das mais profundas doutrinas do cristianismo. A pessoa singular de Jesus Cristo abalou todas as estruturas da humanidade em termos sociais, políticos ou religiosos com uma influencia ímpar, sagaz e arrebatadora. Por tal fato, e por Jesus ser o que é, temos justificativa abundante para estudar e sistematizar o conhecimento que temos sobre ele. A pessoa de Jesus Cristo foi alvo das maiores controvérsias teológicas que já tivemos. Compreender sua humanidade e sua divindade não foi tarefa fácil para igreja. Muito pior foi a missão de harmonizar ambas as naturezas em uma única pessoa a fim de ser fiel às Escrituras e ter uma postura firme contra as heresias. Dentre todos os desafios talvez o maior continue sendo ser leal à mensagem e imagem transparecida sabiamente e discretamente por Jesus mostrando-se, não por soberba ou vaidade, como o Messias, o verdadeiro Deus conosco. Quanto ao texto podemos dizer que foi formatado em cinco capítulos que distribuíram de forma quase equivalente os aspectos mais marcantes da vida e obra do Senhor. Também devemos mencionar alguns pressupostos adotados para construção da obra. Um deles e básico é que A Bíblia é a Palavra de Deus. Mantemos a inspiração e autoridade divina das Escrituras e a consideramos como fonte infalível do conhecimento de Deus. O outro é que mantemos a possibilidade do sobrenatural, logo assumimos que Deus pode agir e interferir na história da humanidade. Tais princípios influenciam decisivamente na maneira como abordamos a Cristologia. Numa perspectiva anti-sobrenaturalista, por exemplo, a pessoa de Cristo é vista numa perspectiva mais antropológica e natural, negando- lhe a divindade e suas ações sobrenaturais e transformando-o num mero reformador social ou religioso. Nada mais longe das pretensões do próprio Cristo! Diante do exposto desejamos que o estudo seja produtivo. Deus nos abençoe. 4 SETEBAN RO-AC /// E-mail: setebanpvh@gmail.com /// Blog: seteban.blogspot.com CAPÍTULO I QUEM É JESUS? A pergunta sobre quem é Jesus tem intrigado a humanidade há quase dois mil anos. As opiniões dividem-se nas mais diversas categorias possíveis. Alguns o consideram um simples homem caridoso, outros, o próprio Deus. Um grupo propôs a ideia de que tal figura nem mesmo tenha existido historicamente, contudo, tal opinião não resistiu às evidências e caiu em descrédito. Um fato não pode ser negado: a personalidade humilde e ao mesmo tempo imponente de Jesus influenciou, de certa forma, toda a humanidade. Em cada época, o homem descobriu veios inesgotáveis de criatividade no Novo Testamento e, se os primeiros seguidores de Jesus Cristo eram simples pescadores galileus, depois, prostraram-se diante de sua cruz os espíritos mais elevados de todos os povos. A sua revelação iluminou o pensamento de Agostinho e de Pascal. O amor a ele fez surgirem os maciços das catedrais levantados pelas mãos do homem, guiou o estro criativo de poetas e artistas, suscitou as harmonias de sinfonias e corais. A imagem do Filho do Homem inspirou as obras de um Andrei Rublev, de Michelangelo, de Rembrandt. No alvorecer do Terceiro Milênio, o Evangelho, que narra a vida terrena de Cristo, está traduzido em mais de mil e quinhentos idiomas e lido em todo mundo. (VIDA CRITÃ, 2012 apud TEOLOGIA SISTEMÁTICA, 2014). Ele também é reconhecido, à priori, sempre por qualidades boas. É misericordioso, conselheiro, perdoador e pacifista. Qualidades recomendadas e seguidas por seus discípulos. No entanto, além das aparências e da fama somos convidados constantemente a conhecer quem de fato é Jesus Cristo, pois Ele deixou claro que suas declarações são de grande importância espiritual. Ele assumiu a responsabilidade de que poderia dar “descanso a toda alma sobrecarregada”, disse que era “o caminho, a verdade e a vida” além da máxima afirmação de ser o próprio filho de Deus. A crença em Cristo é decisiva quanto à salvação. “Quem crê já está salvo, mas quem não crer, sobre ele permanece a ira divina”. Deste modo, temos uma missão a nível individual que envolve uma tomada de decisão. Somos instados a responder à sua chamada, pois certamente Jesus está perguntando a cada um de nós: “quem sou eu para você”? 1.1- O que torna Jesus tão peculiar? O que torna Jesus tão peculiar? Se formos direto ao ponto, talvez seja a afirmação feita por ele mesmo de que seu ser não era como outro qualquer. Na verdade, Jesus declarou que era o próprio Deus! Ficou claro para os ouvintes que suas proclamações o diferenciavam de um simples profeta ou mestre. Ele, em certas ocasiões, fazia alusões claras acerca de sua divindade. Tal fato torna a pessoa de Jesus sem igual na humanidade. Em certo momento Jesus fez uma pergunta peculiar a seus discípulos: “Quem diz o povo ser o Filho do Homem? (Mt 16.13). A resposta foi que o povo o identificava com Elias, Jeremias ou algum outro profeta. Jesus perguntou aos discípulos, “mas vós, 5 SETEBAN RO-AC /// E-mail: setebanpvh@gmail.com /// Blog: seteban.blogspot.com quem dizeisque eu sou?” (Mt 16.15). A resposta que agradou ao Senhor foi aquela proferida por Pedro quando disse: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”. (Mt 16.16). Reconhecer Jesus Cristo como o Filho do Deus vivo era aceitá-lo como Messias e como o próprio Senhor. Este foi o objetivo de Jesus e desta maneira ele queria ser reconhecido. 1.2- Senhor, mentiroso ou lunático? Temos apenas três opções para classificar a Jesus, ou ele era Senhor, mentiroso ou lunático. Quais dessas alternativas mais se coadunam com a personalidade dele? Que Jesus afirmou que era o próprio Messias, ou seja, Deus, é evidente. Dentre muitos textos bíblicos mostraremos apenas dois que são bastante objetivos logo, conclusivos. O primeiro deles situa-se no contexto da conversa que Jesus teve com a mulher samaritana. A certa altura a mulher disse: “Eu sei, respondeu a mulher, que há de vir o Messias, chamado Cristo; quando ele vier, nos anunciará todas as coisas”. (Jo 4.25). A resposta foi: “Disse-lhe Jesus: Eu o sou, eu que falo contigo.” (Jo 4.26). O Messias era o próprio Emanuel, ou seja, o Deus conosco. Assim, fica claro que Jesus se identificava como o Messias e, portanto, como o próprio Deus. Essa identificação também rendeu a própria morte do Senhor, este seria o outro texto a se analisar: “E o sumo sacerdote lhe disse: Eu te conjuro pelo Deus vivo que nos diga se tu és o Cristo, o Filho de Deus. Respondeu-lhe Jesus: Tu o disseste; entretanto, eu vos declaro que, desde agora, vereis o Filho do Homem assentado à direita do Todo-Poderoso e vindo sobre as nuvens do céu. Então, o sumo sacerdote rasgou as suas vestes, dizendo: Blasfemou! Que necessidade mais temos de testemunhas? Eis que ouvistes agora a blasfêmia!” (Mt 26.63-65). As palavras de Jesus foram interpretadas adequadamente pelo sumo sacerdote. Jesus não se mostrou como uma pessoa qualquer. Nenhum homem comum poderia falar em sã consciência que estaria à destra do Todo-Poderoso e vindo sobre as nuvens do céu. Este é o tipo de declaração que pode ser encarada como verdade, e neste sentido implica o reconhecimento do senhorio de Cristo. Ou pode ser vista como a fala de um mentiroso. Jesus estaria mentindo? Ele não iria às alturas se assentar à destra de Deus? Não viria nas nuvens? Será que Jesus era um mentiroso? O tipo de afirmação que Jesus pronunciava exige realmente uma tomada de decisão por parte do ouvinte. Já vimos que ele se identificava como o Messias, como Deus. Assim temos a obrigação de julgar tal afirmação como verdadeira ou falsa, antes de qualquer coisa. Você pode silenciá-lo, julgando-o tolo; pode cuspir nele e matá-lo, julgando-o um demônio; ou então, cair a seus pés e chama-lo Senhor e Deus. Mas não me venha com tolices condescendentes, afirmando ser ele um grande mestre humanista. Ele não nos deixou esta alternativa. Não era sua intenção fazê-lo. (LEWIS apud MCDOWEL, 1980, p. 23). Contudo, atribuir mentira a Jesus não se coaduna com o caráter dele. Dizer que Jesus era corrupto, mentiroso ou enganador é uma afronta até para os incrédulos. Logo, podemos assumir que ele não era mentiroso. 6 SETEBAN RO-AC /// E-mail: setebanpvh@gmail.com /// Blog: seteban.blogspot.com Se for inconcebível que Jesus fosse mentiroso, não seria possível que ele pensasse que era realmente Deus, mas que estivesse enganado? Afinal de contas, muitas pessoas são sinceras, mas equivocadas em suas convicções. Uma pessoa que pensa que é Deus é como alguém que hoje se acredita ser Napoleão. Ela estaria iludida, enganando a si própria, e, provavelmente, seria encerrada num manicômio para não causar maiores danos a si própria ou a outrem. (LEWIS apud MCDOWEL, 1980, p. 27). Entretanto, em Jesus não vemos nenhuma anormalidade nem sintomas que acompanham que tem alguma insanidade, pelo contrário, seu raciocínio e perspicácia foram sempre rechegados de inteligência, sabedoria e lógica. Jesus conseguiu produzir alguns dos pensamentos mais profundos já registrados neste mundo. Será que tal intelecto – sempre claro como o cristal, revigorante como o ar da montanha, agudo e penetrante como uma espada, totalmente sadio e vigoroso, sempre pronto, e sempre no perfeito controle de si mesmo – seria ele passível de cometer um engano tão radical e dos mais sérios com relação ao seu próprio caráter e missão? Que pensamento terrível. (SCHAFF apud MCDOWEL, 1980, p. 29). Novamente temos que admitir que não há como nos convencermos de que Jesus era um louco! Assim, nossa única alternativa seria considera-lo realmente o Messias, o Filho de Deus, o Senhor nosso Deus. 1.3- Razões para crer Queremos trabalhar neste tópico de um modo diferente. Talvez fosse interessante apresentar alguns argumentos em favor da crença em Jesus Cristo. Poderíamos falar da atitude dos discípulos de Cristo, que testemunharam bravamente a respeito de Cristo entregando até mesmo suas próprias vidas por esta causa como ocorreu com os apóstolos e muitos outros mártires no período de perseguição. Poderíamos falar da inusitada conversão de Saulo, o que, corrobora com a realidade do evangelho, uma vez que tal transformação de um perseguidor da igreja em membro, foi tão miraculosa quanto transformar água em vinho. Poderíamos tentar buscar dados e fatos arqueológicos que pudessem evidenciar a história de Jesus em como sua obra, mas não iremos seguir este caminho. Proporemos uma razão para crer baseada em argumentos pressuposicionais. A apologética pressuposicional baseia-se no fato de termos de escolher um pressuposto inicial para qualquer teoria. Tal pressuposto deve ser axiomático, ou seja, completo em si e que não exija uma demonstração ou prova. Assim, na Matemática, por exemplo, toma-se por axioma o ponto, a reta e o plano. O pressuposicionalismo garante que todos se apropriam de pressupostos. Todos partem de um determinado começo para formar sua cosmovisão a fim de compreender o mundo. O pressuposto que assumimos é a Palavra de Deus. Não exigimos provas ou argumentações para aceitá-la, simplesmente a tomamos como pressuposto. Tal método se adequa melhor com as exigências da fé, pois não cremos por meio de raciocínios ou provas científicas. Acreditamos basicamente porque a autoridade 7 SETEBAN RO-AC /// E-mail: setebanpvh@gmail.com /// Blog: seteban.blogspot.com de Deus está impressa nas declarações. Não deixamos a mente ter a palavra final para aprovar ou reprovar uma mensagem espiritual, não abraçamos ao racionalismo! Neste sentido, assumindo a palavra de Deus como verdade a mensagem bíblica, portanto, seria suficiente para esclarecer qualquer dúvida sobre a pessoa de Cristo e estabelecer firmemente sua posição como Messias e Senhor. 8 SETEBAN RO-AC /// E-mail: setebanpvh@gmail.com /// Blog: seteban.blogspot.com CAPÍTULO II NOMES E NATUREZAS DE CRISTO Há basicamente cinco nomes específicos atribuídos a Jesus que merecem uma consideração especial. Eles descrevem em parte suas naturezas, em parte sua posição oficial, e em parte a obra pela qual veio ao mundo. 2.1- Os nomes de Cristo Jesus. O nome Jesus é a forma grega do hebraico Jehoshua, Joshua ou Jeshua. A opinião comum é que deriva de um termo cuja raiz indica salvar. Cristo. É o nome oficial do Messias. É o equivalente de Mashiach do Antigo Testamento. Significa “o ungido”. Normalmente os reis o os sacerdotes eram ungidos na antiga dispensação. O óleo utilizado na consagração simbolizava o Espírito de Deus e a unção representava a transferência do Espírito Santo para a pessoa consagrada. Filho do homem. Este nome é encontrado em Sl 8.4 e Dn 7.13. Era a maneira mais comum de Jesus tratar-se a si próprio. Algo óbvio no nome é que ele identifica Jesus com a humanidade. Este fatofez com que alguns sugerissem que este nome “ocultava” justamente o caráter messiânico de Jesus. De acordo com Berkhof (2012, p. 288): O Dr. Vos é de opinião que provavelmente Jesus preferiu este nome porque ele fica bastante afastado de toda e qualquer prostituição judaica do ofício messiânico. Chamando-se a si próprio Filho do homem, Jesus infundiu à messianidade o seu espírito centralizado nas realidades celestiais. E as alturas a que assim ele elevou a sua pessoa e a sua obra bem podem ter tido algo a ver com a hesitação dos seus primeiros seguidores quanto a chamá-lo pelo mais celestial de todos os títulos. Filho de Deus. O nome Filho de Deus foi aplicado no Antigo Testamento de diversas maneiras. Foi aplicado à Israel, serviu aos oficiais de Israel, principalmente ao rei que descenderia de Davi, os anjos também receberam tal denominação e pessoas piedosas em geral. No Novo Testamento vemos Jesus apropriando-se do nome que aparece em quatro sentidos: a) No sentido oficial ou messiânico, o Messias pode ser chamado Filho de Deus como herdeiro e representante de Deus, b) No sentido trinitário, às vezes o nome é utilizado para mostrar a divindade essencial de Cristo, c) No sentido natalício, Jesus é chamado Filho de Deus em virtude de seu nascimento sobrenatural, d) No sentido ético-religioso, é neste sentido que filho de Deus é aplicado aos crentes do Novo Testamento. Senhor. O nome “Senhor” (Kurios) é aplicado no Novo Testamento a Jesus de forma tríplice. Num primeiro momento indicando uma forma polida e respeitosa de tratamento. Depois, como expressão de posso e autoridade sem nada implicar com o caráter e autoridade divinos de Jesus. Por fim, com a máxima conotação de autoridade, 9 SETEBAN RO-AC /// E-mail: setebanpvh@gmail.com /// Blog: seteban.blogspot.com expressando um caráter exaltado e, de fato, praticamente equivalendo ao nome Deus. Após estes pequenos comentários sobre os nomes atribuídos a Jesus podemos agora falar um pouco sobre sua natureza. O fato é que a pessoa singular de Jesus Cristo causou uma enorme dificuldade de “definição”. Afinal, quem era Jesus? Afirmar que era apenas um homem seria um equívoco, bem como identificá-lo apenas como o Senhor. A igreja desde muito cedo entendeu que Jesus deveria ser compreendido como verdadeiro homem e verdadeiro Deus. O Concílio de Calcedônia (451) cristalizou esta opinião da igreja. Não por ela ter compreendido completamente este mistério, mas porque não admitia os visíveis erros em limitar a natureza de Jesus a um dos extremos. Seria mais correto consolidar a dupla natureza de Jesus em conformidade com as evidências escriturísticas. 2.2- Humanidade: Filho do homem O problema principal que distanciou o homem de Deus foi o pecado, a transgressão da lei. Após a queda, o homem não tem condições, por si só, de se achegar a Deus, de restabelecer um relacionamento com Deus. Há também um abismo moral intrínseco à humanidade que é insolúvel aos homens. Portanto, considerando estes fatores, seria preciso haver outro meio de união entre a humanidade e Deus. Isso foi feito na encarnação de Cristo que é entendida como a união da divindade com a humanidade. Caso Jesus não tivesse sido homem a aplicabilidade de sua obra não contemplaria ao homem, pois não seria obra de homem. Assim ele não estaria pagando o pecado do homem, nem mesmo “levando suas dores” e muito menos teria validade para a reconciliação com Deus. Então, a humanidade de Jesus está diretamente relacionada com nossa salvação. A Bíblia nos indica em vários momentos a plena humanidade de Jesus. Ele tinha um corpo como o nosso, ele nasceu como qualquer outra criança, apesar de sua concepção ter sido sobrenatural, tudo indica que desse ponto em diante Jesus se desenvolveu como qualquer outra criança. Sua vida nos mostra claramente a natureza física humana que possuía. Vemos que ele crescia “em sabedoria, estatura e graça, diante de Deus e dos homens” (Lc 2.52). ele sentia fome (Mt 4.2), sede (Jo 19.28) e ficava cansado (Jo 4.6). Por fim, Jesus sofreu fisicamente e morreu. Outras características que podemos citar são as psicológicas. Jesus possuía qualidades psicológicas como qualquer outro homem. Ele pensava, raciocinava e sentia toda espécie de emoções humanas. Por exemplo, na morte de seu amigo Lázaro quando Jesus viu Maria irmã de Lázaro, e seus companheiros chorando, “agitou-se no espírito e comoveu-se” (Jo 11.33), chorou (Jo 11.35) e no túmulo “agitou-se novamente” (Jo 11.38). Com isso fica claro que Jesus podia sentir aflições tão profundas quanto nós. Interessante também é a vida devocional de Jesus. Ele participava do culto na sinagoga regularmente (Lc 4.16). Sua vida de oração indicava sua dependência humana do Pai. Às vezes orava por longos períodos. Foi assim na noite anterior a escolha dos discípulos, após seu batismo quando foi levado ao deserto e ali 10 SETEBAN RO-AC /// E-mail: setebanpvh@gmail.com /// Blog: seteban.blogspot.com permaneceu por quarenta dias se dedicando ao jejum e oração e, também no jardim do Jetsêmani antes de sua morte. Finalizando, o próprio Jesus utilizou a palavra homem quando fazia referência a si próprio como foi no caso em que Jesus respondeu aos judeus: “mas agora procurais matar-me, a mim, homem que vos tem dito a verdade que de Deus tem ouvido” (Jo 8.40). 2.3- Deidade: Filho de Deus Analisando os evangelhos podemos perceber, através das palavras e atitudes, o conceito que Jesus fazia de si mesmo. Essa observação é pertinente, pois se Jesus não se considerava Deus, como muitos afirmam, então ele não era – pois cremos em sua mensagem – no entanto, se ele deixou transparecer uma auto-afirmação divina, então é Deus. Devemos também considerar que Jesus não disse abertamente e com todas as letras: “Eu sou Deus”, o que seria até um gesto arrogante. Mas suas alegações e atitudes seriam totalmente impróprias se fossem feitas por alguém diferente de Deus. Por exemplo: Jesus disse que enviaria “seus anjos” (Mt 13.41). Por acaso algum homem comum tem anjos sob seu domínio? Algum homem pode decretar ordens aos anjos? Mas em outras passagens os anjos são de Deus (Lc 12.8,9). Algumas prerrogativas assumidas por Jesus são significativas. Sua atitude de perdoar pecados soou de modo terrível nos ouvidos dos seus opositores, eles até o chamaram de blasfemo, mas qual a atitude de Jesus? Ele simplesmente provou que tem poder para perdoar pecados. “Ora, para que saibais que o Filho do homem tem sobre a terra autoridade para perdoar pecados, disse ao paralítico: a ti te digo, levanta-te, toma o teu leito, e vai para tua casa” (Mc 2.10-11). A reação dos escribas mostra o significado que eles entendiam da ação de Jesus. Isto é blasfêmia, quem pode perdoar pecados senão um que é Deus, diziam eles. A autoridade que Jesus reivindicou é claramente manifesta na questão do sábado. O sábado era um dia santo para os judeus. Desde Moisés esta ordem era cumprida. O zelo por este mandamento era impressionante a ponto de motivar a criação de diversas tradições acerca do sábado tornando sua observância cada vez mais penosa. Com certeza não era intenção do mandamento escravizar ou punir as pessoas. Cristo veio mostrar o real significado do sábado e mostrar-se Senhor do sábado. Em uma ocasião quando os fariseus acusaram a Jesus e seus discípulos de violarem as leis do sábado Jesus responde: “O sábado foi estabelecido por causa do homem, e não o homem por causa do sábado; de sorte que o Filho do homem é Senhor também do sábado” (Mc 2.27-28). Jesus estava na prática redefinindo o valor do sábado, algo que só é possível para alguém igual a Deus. Admirável também é o relacionamento singular que Jesus tinha com o Pai. No evangelho de João capítulo 14 ele afirma que conhecê-lo é conhecer também o Pai; vê-lo é ver o Pai e completa afirmandoque ele está no Pai e o Pai está nele! Esta comunhão única indicava que Jesus detinha uma filiação especial; proclamava a reivindicação de uma “igualdade” com Deus. Os judeus, percebendo a dimensão desta assertiva, e avessos a ela, intentaram contra Jesus: “Por isso, pois, os judeus ainda mais procuravam matá-lo, porque não somente violava o 11 SETEBAN RO-AC /// E-mail: setebanpvh@gmail.com /// Blog: seteban.blogspot.com sábado, mas também dizia que Deus era seu próprio Pai, fazendo-se igual a Deus” (Jo 5.18). Continuando a falar sobre a divindade de Cristo, visto que essa é uma doutrina fundamental. Sem a correta compreensão dela certamente, qualquer tentativa de se conhecer o Pai será inútil. Também a salvação só será entendida e efetivamente realizada na pessoa divina de Jesus Cristo. Apesar de as Escrituras serem bem claras a esse respeito ainda é gerado confusão por parte de alguns em torno da doutrina. Como podemos então estabelecer a definitiva e inevitável conclusão de que Jesus Cristo é a Segunda Pessoa da Trindade. A divindade de Cristo é expressa na Bíblia assim como sua humanidade. Sua humanidade é declarada naturalmente quando se atribui a ele títulos humanos, atributos humanos, ações humanas e relacionamentos humanos. Semelhantemente sua divindade é revelada da mesma maneira atribuindo-lhe títulos, atributos, ações e relacionamentos divinos. Títulos Divinos Alguns títulos divinos são aplicados a Jesus Cristo como: “Verbo” ou Logos, “Deus”, “Senhor”, “Deus Forte”, “Pai da Eternidade”, “Emanuel” e “Filho de Deus”. Logos denota tanto “razão” quanto “linguagem”; assim Cristo é a Expressão, o Revelador e Manifestador de Deus. O termo logos usado somente pelo apóstolo João como um nome da Segunda Pessoa, mostra a eternidade de Cristo, assim ele era no princípio, Ele estava com Deus e Ele era Deus. (Jo 1.1). Deus é o título que expressamente afirma a divindade de Jesus Cristo. Não há nada mais explícito acerca da doutrina como as atribuições do nome Deus em relação a Jesus Cristo. O uso da designação inicia-se no Antigo Testamento e se prolonga por todo o Novo Testamento. Isaías profetizava: “Eis a voz do que clama: Preparai no deserto o caminho do Senhor, endireitai no ermo uma estrada para o nosso Deus” (Is 40.3) e ainda escreveu: “Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu; e o governo estará sobre os seus ombros; e o seu nome será: Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte, Pai Eterno, Príncipe da Paz” (Is 9.6). Isaías fala daquele que viria a nascer de uma virgem e seu nome seria Emanuel. Mateus interpreta o nome Emanuel como o “Deus Conosco” (Mt 1.23) o que significa que Deus não apenas estaria presente com a humanidade, mas faria parte da própria humanidade através da encarnação. No Novo Testamento João inicia proclamando que o Verbo era Deus. Tomé, outro discípulo de Jesus, ao ver as feridas do salvador disse: “Senhor meu e Deus meu” (Jo 20.28). Essa declaração, caso fosse falsa, seria idolatria e repreensível, contudo Cristo não o censurou. Tito o chama de grande Deus e Salvador (Tt 2.13). Pedro na introdução de sua segunda epístola afirma: “... aos que conosco alcançaram fé igualmente preciosa na justiça do nosso Deus e Salvador Jesus Cristo” (2 Pe 1.1). Utilizando quase as mesmas palavras que Tito havia atribuído a Jesus, Deus e Salvador. O apóstolo João dá outra contribuição expressiva em sua primeira carta. Ele ensina sobre a divindade de Cristo para refutar algumas heresias que circundavam a igreja e conclui com o versículo “...e nós estamos naquele que é verdadeiro, isto é, em seu Filho Jesus Cristo. Este é o verdadeiro 12 SETEBAN RO-AC /// E-mail: setebanpvh@gmail.com /// Blog: seteban.blogspot.com Deus e a vida eterna.” (1 Jo 5.20). Apesar de existirem muitas outras referências explícitas do título Deus se tratar de Cristo, estas nos são suficientes para compreendermos a igualdade de Deus proclamada na pessoa de Jesus Cristo. Ações Divinas A criação de todas as coisas é diversas vezes atribuída a Jesus “Todas as coisas foram feitas por ele e nada do que foi feito sem ele se fez” (Jo 1.3). “Ele estava no mundo; e o mundo foi feito por ele, mas o mundo não o conheceu” (Jo 1.10). “Porque nele foram criadas todas as coisas nos céus e na terra, as visíveis e as invisíveis, sejam tronos, sejam dominações, sejam principados, sejam potestades; tudo foi criado por Ele e para Ele”. Diante do exposto é difícil alguém negar que Cristo é o criador de todas as coisas. Se Ele cria, Ele é Deus. Perdoar pecados é outra ação de Jesus. Ninguém na terra tem o direito de perdoar pecados. Os judeus foram ensinados que só Jeová podia perdoar pecados. Ele é quem “apaga as nossas transgressões” e ficaram escandalizados com esta declaração de Jesus: “Ora, para que saibais que o Filho do homem tem sobre a terra autoridade para perdoar pecados disse então ao paralítico: levanta-te, toma o teu leito, e vai para tua casa” (Mt 9.6). Então, visto que somente Deus perdoa pecados e Cristo perdoou pecados, logo Ele é Deus. A ressurreição dos mortos também é obra de Deus e o próprio Cristo afirmava que era a ressurreição e a vida. “Declarou-lhe Jesus: Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim, ainda que morra, viverá” (Jo 11.25). Também era sabido que somente Deus é quem levantava os mortos. Portanto, Cristo anunciou-se a si mesmo como Deus. De fato Ele ressuscitou a muitos e no evento crucial de sua obra, após sua morte, ressurgiu reafirmando sua autoridade. Relacionamento Divino Percebemos em Cristo um relacionamento singular estabelecido com o Pai. Ele estava no Pai e o Pai estava nEle. As palavras que dizia eram palavras do Pai. Ele manifestava a glória do Pai. Este é um relacionamento perfeito estabelecido na Trindade. O Pai é igual em essência ao Filho, o Filho igual ao Espírito. Nenhum é maior que o outro ou mais adorado que o outro. Para os que crêem no testemunho bíblico da existência triuna da divindade não pode haver dúvida de que Jesus Cristo é a Segunda Pessoa da Trindade, nem mesmo dúvidas sobre se a Segunda Pessoa, em cada aspecto, é igual à Primeira ou à Terceira. Em uma análise bíblica mais aprofundada conseguimos ver claramente as três Pessoas agindo com a mesma autoridade, com o mesmo poder e com a mesma eficácia. Estas foram algumas considerações acerca da divindade de Cristo de forma que fica claro o fato de que Jesus Cristo é Deus. 13 SETEBAN RO-AC /// E-mail: setebanpvh@gmail.com /// Blog: seteban.blogspot.com 2.4- União hipostática de Cristo Conhecidas as naturezas humana e divina de Jesus, precisamos compreender a relação existente entre elas em uma única pessoa, Jesus Cristo. Esse é um dos temas mais difíceis para a Teologia, mas é de extrema importância. Compreender que o homem e Deus estavam na pessoa de Jesus Cristo é necessário para entendermos a eficácia da salvação. Caso Jesus tivesse as duas naturezas separadas uma da outra poderíamos concluir que não haveria união entre a humanidade e a divindade e, de certa forma, o abismo que separa o homem de Deus ainda existiria e a obra de Jesus seria ineficiente. Mas esta informação contradiz as Escrituras. A questão se complica ainda mais por tratar-se de duas naturezas que possuem atributos opostos. Enquanto a divindade é onipresente, onisciente, onipotente e infinita, a característica humana não possuía conhecimento ilimitado, não era onipresente e nem mesmo onipotente. Há uma visível limitação na parte humana. Então como entender a união de duas naturezas em uma única pessoa, Jesus. Essa é a chamada união hipostática de Cristo. Podemos inferir através de textos bíblicos essa realidade. Existem alguns textos que aludem a humanidade e a divindade simultaneamente. “E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade” (Jo 1.14);“Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei” (Gl 4.4); “Aquele que foi manifestado na carne foi justificado em espírito, contemplado por anjos, pregado entre os gentios, crido no mundo, recebido na glória”(1Tm 3.16). Outros textos mostram a obra de Jesus e não a atribuem nem a divindade e nem a humanidade exclusivamente, mas a Jesus como um todo. “Se todavia, alguém pecar, temos Advogado junto ao Pai, Jesus Cristo, o Justo; e ele é a propiciação pelos nossos pecados e não somente pelos nossos próprios, ainda pelos do mundo inteiro” (I Jo 2.1,2). Essa obra de Jesus que necessita tanto da humanidade quanto da divindade é obra de uma só pessoa. É interessante notar também que algumas vezes um título divino referia-se a obra humana de Jesus e um título humano relacionava-se a uma obra divina. “Ninguém subiu ao céu, senão aquele que de lá desceu, a saber, o Filho do homem” e “nenhum dos poderosos deste século conheceu a sabedoria secreta e oculta de Deus porque, se a tivessem conhecido, jamais teriam crucificado o Senhor da glória” (I Co 2.8). Podemos concluir que as referências mencionadas postulam o princípio de que Jesus Cristo, uma única pessoa, é tanto homem como Deus, simultaneamente. 2.5- Controvérsias acerca da pessoa de Cristo Na reflexão para o entendimento das duas naturezas de Cristo e o relacionamento entre elas, alguns proporam teorias que de certa forma elucidavam algum questionamento, mas se desviavam de outros princípios bíblicos pelo que não foram aceitas pela igreja. Desta forma a divindade e a humanidade de Jesus foi questionada. 14 SETEBAN RO-AC /// E-mail: setebanpvh@gmail.com /// Blog: seteban.blogspot.com Ebionismo De acordo com os ebionitas, Jesus era um homem comum que possuía dons incomuns, mas não sobrenaturais. Eles rejeitavam o nascimento virginal afirmando que Jesus nascera de José e Maria. No evento do batismo Jesus recebera o Cristo em forma de pomba o que se entende como o poder de Deus agindo no homem Jesus. Próximo ao final da vida de Jesus o Cristo afastou-se dele. Assim Jesus era homem, apesar de o poder de Deus agir nele, por determinado tempo de forma incomum. O termo grego ebionaioi é a transliteração do verbo hebraico ebionim, que significa “pobres”. Os ebionistas apareceram no ano 107 da Era Cristã e eram [...] judeus-cristãos. Essa seita tinha um ensino exagerado sobre pobreza. Como judeus, eles tinham dificuldade de aceitar a divindade de Cristo – devido ao monoteísmo judaico. Não gostavam dos escrito de Paulo, pois a teologia paulina prega a justificação pela fé, e os ebionistas observaram a lei mosaica, inclusive a circuncisão. Consideravam, então, Paulo um apóstata da lei mosaica. Negavam a divindade de Jesus e o nascimento virginal, pois o Velho Testamento ordena que somente a Deus se deve adorar [... Para eles, Jesus foi um homem como outro qualquer, mas que observou a lei de forma especial, sendo assim escolhido por Deus para ser o Messias. Jesus teria sido capacitado pelo Espírito Santo, no batismo, para o cumprimento de uma tarefa divina, assim logicamente Jesus não tem como ser preexistente. Nenhum concílio condenou oficialmente o ebionismo, mas Tertuliano, Irineu, Hipólito, Eusébio e Orígenes foram opositores de grande peso. (BUENO, 2012, apud TEOLOGIA SISTAMÁTICA, 2014). Arianismo O ensino de Ário, presbítero alexandrino, se baseava na singularidade e transcendência de Deus para mostrar que Jesus não era plenamente divino. Deus é a única origem de todas as coisas, a única existência não criada em todo universo. Tudo que não é Deus foi criado por ele. Só Deus é incriado e eterno. O Verbo é um ser criado, embora seja o primeiro e o mais elevado dos seres, o Verbo não tem existência própria. Ário tinha a ideia dominante que era o princípio monoteísta, ou seja, há um só Deus eterno que não é criado, não gerado, não originado. Para Ário, o logos era um espécie de energia divina que encarnara no homem Jesus. Esse logos teve um princípio, um começo, uma criação. O verbo, numa certa altura da história, foi criado para um devido propósito, fora uma criação do nada como a criação do mundo [...] Jesus não tinha essência divina, pois o logos que estava encarnado no homem Jesus é uma criatura, a primeira criatura, feita por Deus Pai, e uma criatura não pode ter a mesma essência/substância do Criador. A criação de Jesus foi importante nessa doutrina, pois o surgimento do logos ajudou o Pai eterno na criação do mundo. Jesus é um ser mutável e foi chamado Filho de Deus devido a sua glória futura, à qual foi escolhido. O Filho não tem como ser igual ao Pai, mas está acima de outras criaturas, inclusive, inclusive o homem, por isso não e errado venerar o Filho. Ário via em Jesus um ser intermediário entre Deus e os homens, mas Deus é somente o Pai que é Uno e Indivisível. Ário abalou sua época com suas ideias, porém não com argumentos vazios, mas usou as Esrituras para apoiar as suas ideias [...] O Concílio de Niceia realizado em 325 condenou 15 SETEBAN RO-AC /// E-mail: setebanpvh@gmail.com /// Blog: seteban.blogspot.com oficialmente o arianismo. (BUENO, 2012, apud TEOLOGIA SISTAMÁTICA, 2014). Docetismo A carta de João é praticamente uma resposta contra o movimento doceta que estava no meio dos cristãos difundindo heresias sobre a humanidade de Jesus. O docetismo é um termo proveniente do grego dokeo que significa “parecer, passar por”. Sua tese central era que Jesus se parecia ser humano. Deus não poderia encarnar na matéria, pois, segundo eles, a matéria é inerentemente má. Um Deus puro não haveria de se “misturar” com uma influência tão corruptora. Sendo imutável, Deus não poderia passar por transformações em sua natureza, coisa que teria ocorrido no caso de uma encarnação. Então, a humanidade de Jesus era uma simples ilusão; ele era mais como um fantasma, uma aparição do que ser humano. O docetismo [...] tem uma grande ligação com o gnosticismo que já havia aparecido desde a época apostólica. Docetismo é uma palavra que vem do grego, docew, que significa “parecer”. Essa referência grega dizia respeito ao corpo aprisionado pelo aeon (poder angelical), em que esse corpo é um fantasma ou uma sombra, não um corpo verdadeiro e real como de um ser humano qualquer. Para os gnósticos, a metéria é ruim, e o logos, que é o aeon, [...] não se envolveria com a matéria, que é o princípio do pecado. Por isso Cristo parecia estar numa matéria carnal, mas na verdade ele era diferente. Cristo era bom e a matéria é essencialmente má, não havendo possibilidade de união entre o logos e um corpo terreno. Os docetas, crendo assim, negavam a humanidade de Jesus, dizendo que ele parecia ser humano, mas era divino. Não houve uma condenação oficial a esse pensamento, mas Irineu e Hipólito foram os opositores dessa ideia filosófica grega e pagã da época, mas que foi introduzida na Igreja daqueles tempos. (BUENO, 2012, apud TEOLOGIA SISTAMÁTICA, 2014). Apolinarismo Apolinário era bispo sírio do século IV. No raciocínio de Apolinário, se Jesus tinha duas naturezas, então era necessário ele ter uma alma, mente (nous) humana e uma nous divina. Tal coisa seria impossível. Então Apolinário formula sua Cristologia com base em Jo 1.14 “o Verbo se fez carne” e conclui, numa leitura radical, que a carne era o único aspecto envolvido na natureza humana. Assim, Jesus era composto de uma parte humana (carne) e de uma mente, razão divina. O logos divino assumiu o lugar da alma humana. Então Jesus era humano fisicamente, mas não psicologicamente. A exemplo das questões discutidas anteriormente, a união hipostática de Jesus Cristo sofreu devido a posições errôneas que eram propagadas. Para Apolinário, a natureza humana de Jesus tinha qualidades divinas, pois o logos é da mesma substância do Pai, nãotendo como haver uma espécie de simbiose entre duas naturezas totalmente opostas. Jesus Cristo não teria então herança genética de Maria, pois se assim fosse, sua carne [...] seria como a dos homens comuns, mas ele trouxe do céu uma [...] carne celestial; o ventre de Maria seria apenas um lugar para o 16 SETEBAN RO-AC /// E-mail: setebanpvh@gmail.com /// Blog: seteban.blogspot.com desenvolvimento do feto. (BUENO, 2012, apud TEOLOGIA SISTAMÁTICA, 2014). Nestorianismo Nestório, patriarca de Constantinopla, observou que Deus não pode ter uma mãe e certamente nenhuma criatura poderia ter gerado a divindade. Maria, na verdade teria gerado um homem que era veículo para Deus. Embora Nestório não defendesse conscientemente ou ensinasse abertamente a divisão da pessoa de Cristo, foi isso que ele deixou transparecer implicitamente. Das afirmações de Nestório surgiu o atual quadro do nestorianismo como heresia que divide o Deus- homem em duas partes distintas. Nestório via o divino e o humano como antítese. Ele, na verdade, foi defensor da teologia de Antioquia, que ensinava que as naturezas divina e humana presentes na pessoa de Cristo não podem ser confundidas, pois elas não se fundem, acontecendo na realidade ter Cristo duas partes ou divisões, uma humana e outra divina. Essa teoria explica que quando Cristo tinha fome, era a parte humana que estava em ação, mas quando Jesus andou por sobre as águas ou fez milagres, o que estava em ação era a parte divina. Jesus, então, era uma pessoa dividida em duas partes com operações parceladas. A ideia de que Cristo agia com toda sua personalidade era inaceitável para Nestório. Outra questão entre Nestório e seu opositor Cirilo de Alexandria fora sobre a expressão THEÓTOKOS, pois para Nestório, Maria deu à luz ao descendente de Davi, no qual o logos residiu, por isso seria errado dizer que Maria é mãe de Deus, ou seja, Maria fora mãe da parte humana de Jesus, sendo assim impossível ela ser mãe da parte divina, em que está a divindade de Jesus. Nestório preferia a expressão XRISTOTOKOS. (BUENO, 2012, apud TEOLOGIA SISTAMÁTICA, 2014). Eutiquianismo Eutiques declarou que Jesus Cristo após a encarnação possuía uma única natureza, a de Deus feito carne tornada humana. Embora rejeitasse a ideia de duas naturezas, Eutiques concordava com o nascimento virginal e afirmava que Cristo era Deus perfeito e homem simultaneamente, o que, dá um ar de confusão. Sua alegação é que havia duas naturezas antes da encarnação e depois apenas uma. Essa ideia deu corpo a um movimento que ensinava que a humanidade de Jesus era de tal forma absorvida pela divindade que ficava praticamente eliminada. Essa teoria ensinava que, devido à encarnação do logos, a natureza humana de Jesus fora absorvida pela divina, tornando Jesus Cristo um homem especial, ou seja, a humanidade de Cristo era diferente de um homem comum, isso em nível de essência. (BUENO, 2012, apud TEOLOGIA SISTAMÁTICA, 2014). 17 SETEBAN RO-AC /// E-mail: setebanpvh@gmail.com /// Blog: seteban.blogspot.com Não podemos deixar de citar, ainda que rapidamente, duas outras heresias comuns a respeito do ser de Jesus Cristo. Trata-se do monofisismo e o monotelismo. No monofisismo a própria morfologia da palavra já indica do que se trata, monos = único e physis = natureza, ou seja, Cristo tem uma só natureza, que é composta. Afirma-se que uma energia única uniu as duas naturezas tão perfeitamente de forma que não restou distinção entre as duas naturezas. Ou ainda, a humanidade de Cristo foi transformada pela divindade, havendo um espécie de simbiose, fazendo de Jesus um homem impecável e divino, ou seja, a parte físico-humana de Jesus foi transformada numa natureza divina. No monotelismo, do grego, monos = único e qelhsis = vontade, traz a ideia de que a vontade pertence a pessoa e não à natureza. Assim, Cristo tinha apenas uma vontade, negando que tinha vontade humana. 18 SETEBAN RO-AC /// E-mail: setebanpvh@gmail.com /// Blog: seteban.blogspot.com CAPÍTULO III OS ESTADOS DE CRISTO Acompanhamos a definição de Berkhof (2012) quanto ao termo “estado” quando o limita a nosso estudo no sentido de ser posição, categoria ou “status” na vida e que se relacionada com o vínculo forense da pessoa com a lei. Em relação a Cristo quer apontar para aqueles “status” pelos quais o Senhor passou antes, durante e após sua encarnação. É nítido que tais posições foram diferenciadas. Cristo antes da encarnação é visto em sua glória e majestade, reinando universalmente e sem nenhuma limitação. Durante a encarnação vemos outra posição de Jesus Cristo. Notamos certas limitações, sujeições e especialmente uma humilhação. Após sua obra de morte e ressurreição Cristo é elevado às nuvens, ao céu. Sua oração imediatamente anterior a este episódio dirige-se a uma petição enfocando que seja restituído à glória de tinha antes da fundação do mundo. Assim, tais momentos não podem passar despercebidos. Eles fazem parte do que chamados de Estados de Cristo. Desses estados destacaremos os dois mais proeminentes quais sejam os estados de humilhação e exaltação de Cristo. 3.1- O estado de humilhação A Teologia Reformada distingue dois elementos na humilhação de Cristo. A Kenosis (esvaziamento), que será melhor comentado logo abaixo, e a tapeinosis (humiliatio) que consiste na submissão às exigências e maldição da lei. A doutrina do Kenosis Na tentativa de se compreender melhor a encarnação, surgiu no século XIX uma “chave” para se abrir novos horizontes; trata-se da doutrina do Kenosis (esvaziamento). Segundo essa concepção a expressão “[Jesus] a si mesmo se esvaziou” (Fp 2.7) afirma que aquilo de que Jesus se esvaziou foram alguns atributos divinos (Onipotência, Onipresença, Onisciência, etc) e assumiu, no lugar deles, qualidades humanas. Então a encarnação passa a ser entendida como uma troca de parte da natureza divina por qualidades humanas. Assim, qualidades morais da divindade como amor e misericórdia foram mantidas e outras já citadas, não. A doutrina ainda sustenta que Jesus não é Deus simultaneamente, mas sucessivamente. Com relação a determinados atributos ele é Deus, depois em relação a outros, é homem, depois Deus de novo. Embora essa doutrina do kenosis traga algumas respostas e resolva algumas dificuldades concernentes a encarnação, ela não condiz com as evidências, mencionadas pelos discípulos e apóstolos, de que Jesus é plenamente homem e plenamente Deus simultaneamente. Para entendermos melhor o sentido do esvaziamento (kenosis) de Fp 2.5-11 podemos usar as palavras de Daillé, o notável Teólogo reformador francês do século XVII: “Subsistir na forma de Deus significa não somente ser Rei, possuir majestade e poder, mas também ter a insígnia da realeza, sua comitiva e seu equipamento... Assim, anteriormente entre os romanos, nós 19 SETEBAN RO-AC /// E-mail: setebanpvh@gmail.com /// Blog: seteban.blogspot.com poderíamos observar a forma e um cônsul, em que o equipamento e a pompa com as leis e os costumes daquele povo investiam aqueles que exerceram o ofício: a púrpura, a cadeira de marfim, os doze oficiais que acompanham os magistrados em público com seus feixes e cetros, e coisas como tais. Quando, então, o apóstolo aqui diz que o Senhor, antes de tomar sobre si a nossa natureza, subsistia em forma de Deus, ele não meramente supõe que Ele era Deus em si mesmo, e que Ele tinha a verdadeira natureza da divindade, porém, ainda mais, que Ele possuía a glória, e desfrutava toda a dignidade, majestade e grandeza devidas a tão elevado nome. Isto é exatamente o que Nosso Senhor significa em João pela glória que Ele diz que tinha com o Pai antes que houvesse mundo”. Foi isto que Cristo renunciou em sua encarnação, “glória, majestade egrandeza”. Ele não poderia esvaziar-se a si mesmo de suas perfeições, pois uma delas é a própria imutabilidade. No estado de humilhação ainda podemos enfatizar cinco elementos: Encarnação. O preexistente filho de Deus assume a natureza humana. Apesar de ser tal ato um milagre e benevolência sem igual, não escapa da realidade de ser uma condição de humilhação. Para se ter uma ideia da dimensão da humilhação do ato poderíamos fazer uma comparação como se vestíssemos um rei de mendigo e o colocássemos a esmolar por um dia na rua. Certamente o fato do majestoso Senhor do Universo se tornar homem não foi menos aviltante do que o exemplo anterior. Sofrimento. Jesus Cristo sofreu durante toda sua vida humana. Sua vida de servo obediente lhe conduziu ao sofrimento inevitável. Ele sofreu investidas de Satanás, sofreu pelo ódio e incredulidade do povo além da perseguição de seus inimigos. O clímax de seus sofrimentos se concretizou em sua paixão. Na cruz do calvário o Senhor sentiu o peso da ira de Deus contra o pecado. Morte. Passar pela morte não é fácil para ninguém. A Bíblia fala da morte como um inimigo e sabemos que ela surgiu a partir do pecado. Ela é o “salário” do pecado. Morte é, portanto, separação de Deus. Quando Cristo passou pela morte, sentiu-a e a viveu de um modo diferente até porque ele não tinha pecado e não era merecedor de tal punição. A morte de Cristo deve ser compreendida num sentido judicial. Deus impôs judicialmente a sentença de morte no Mediador. Segundo Berkhof (2012), a morte na cruz não foi tudo, Jesus esteve sujeito, não somente à morte física mas também a morte eterna, se bem que sofreu tal morte também de uma forma diferente. Não foi extensivamente, mas intensivamente, ou seja, num momento todo o peso e punição foi despejado instantaneamente sobre o Senhor. O momento para isso pode ser identificado como aquele em que Cristo agonizou no jardim e quando bradou na cruz, “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?”. Sepultamento. O sepultamento também fez parte da humilhação de Cristo. Notemos que voltar ao pó é descrito na Escritura como parte 20 SETEBAN RO-AC /// E-mail: setebanpvh@gmail.com /// Blog: seteban.blogspot.com da punição contra o pecado. Outros textos indicam que a permanência do Salvador na sepultura foi uma humilhação Sl 16.10. Ser sepultado é ir para baixo, ou seja, uma humilhação. Talvez até mesmo símbolo de impotência, de derrota. Alguns especulam que o próprio Diabo acreditou para um momento que havia ganho a batalha, pois Cristo estava morto e sepultado, à vista, impotente de realizar sua grande promessa redentora. Descida ao hades. O tema da descida de Cristo ao hades é bastante controverso. Em nossos dias existe uma divulgação maciça de uma decida literal de Cristo ao inferno. Segundo alguns lá ele teria até mesmo pregado o evangelho para justificar a condenação dos incrédulos. A Teologia Reformada tem um pensamento um pouco diferente quanto a este quesito. Na verdade, a descida ao hades não é interpretada literalmente como uma descida ao inferno. Mas, quando se fala em descida se esta numa relação de oposição a uma subida. Descida estaria relacionada simplesmente a encarnação de Jesus e sua decida em missão à terra. Berkhof (2012) afirma: “Ora, o oposto da ascensão é a encarnação. Daí, a maioria dos comentadores entende que a expressão se refere simplesmente à terra. A expressão pode derivar de Sl 139.15 e se refere mais particularmente à encarnação. 3.2- O estado de exaltação Podemos distinguir quatro estágios na exaltação de Cristo: Ressurreição. A ressurreição de Jesus Cristo não se constituiu meramente no retorno à vida, pois muitos homens passaram por experiência de ressurreição até mesmo promovida por Cristo, como foi o caso de Lázaro. Contudo, a ressurreição de Cristo foi um evento de forma diferente. Podemos entender que nele, a natureza humana foi reconstituída à sua original força, perfeição e propósito e elevada a um nível superior. Diríamos até mesmo numa forma de glorificação. Segundo Berkhof (2012), Paulo nos diz em 1Co 15.42-44 que os corpos futuros dos crentes serão incorruptíveis, isto é, não terão possibilidade de sofrer decadência; gloriosos, o que significa que resplandecerão de fulgor celestial; poderosos, isto é, cheios de energia e, talvez, de novas faculdades; e espirituais, o que não significa imateriais ou etéreos, mas adaptados aos seus respectivos espíritos, cada corpo sendo um perfeito instrumento do espírito. É interessante mencionar que os opositores racionalistas do evangelho propuseram teorias para negar a realidade da ressurreição física de Jesus. As mais conhecidas são: teoria da falsidade, afirmando que os discípulos roubaram o corpo do túmulo e depois declararam que o Senhor havia ressuscitado; teoria do desmaio, Jesus não havia morrido realmente, apenas desfalecido, embora se pensasse que ele estivesse realmente morto; teoria da visão, afirma que na excitação do momento os discípulos fixaram tanto sua atenção no Salvador e 21 SETEBAN RO-AC /// E-mail: setebanpvh@gmail.com /// Blog: seteban.blogspot.com na possibilidade do seu retorno que tiveram visões achando que realmente o teriam visto; teorias míticas, se baseiam em lendas da ressurreição importadas da Babilônia e doutros países orientais pelo Judaísmo e colocam a ressurreição de Jesus no mesmo pé de igualdade, ou seja, um mito. Ascensão. O segundo passo na exaltação de Cristo envolvia deixar as condições e reassumir seu lugar junto ao Pai. Jesus profetizou diversas vezes seu retorno para o Pai. Lucas registra o relato mais extenso sobre a ascensão em si. (Lc 24.50-51; At 1.6-11). Antes da Idade Moderna, costumava-se pensar na ascensão como uma transição de um lugar (terra) para outro (céu). Sabemos agora, porém, que o espaço é tal que o céu não é um simples lugar acima da terra, e também parece provável que a diferença entre o céu e a terra não é apenas geográfica. Não se pode chegar até Deus simplesmente viajando o suficiente em distância e em tempo em algum tipo de nave espacial. Deus está numa dimensão diferente de realidade, e a transição daqui para lá exige não apenas uma mudança de lugar, mas de estado. A ascensão de Jesus, portanto, não foi uma mera mudança física e espacial, mas também espiritual. Naquela ocasião, Jesus passou pelo restante da metamorfose que havia começado na ressurreição de seu corpo. (ERICKSON, 1997, p. 315). Assentar-se à destra de Deus. A ascensão de Jesus significa que agora ele está à direita de Deus Pai. A ideia de estar à direita num trono parece ser simbólica. Estar á direita significa que Jesus assumiu uma posição de poder e autoridade junto ao Pai. Tiago e João em determinado momento desejavam sentar à direita e à esquerda de Cristo. O fato de Jesus se assentar também não deve ser compreendido como descanso ou inatividade. Como evidenciamos o caráter simbólico da construção gramatical não restam dúvidas disso. Além do mais, é dito que Jesus continua intercedendo por nós também à destra de Deus. Volta física de Cristo. A Escritura indica inequivocamente que Jesus Cristo irá retornar em uma data futura. O momento exato é desconhecido. Temos algumas informações acerca desse retorno. Ela será visível. “Todo olho verá”. Será uma vinda de vitória. Naquele momento Jesus Cristo se mostrará grande vencedor sobre todos os seus inimigos. Seu reino, que agora é oculto e está em crescimento, alcançará plenitude e visibilidade. De fato, naquele momento “todo joelho se dobrará”. A vinda será um glória (Mt 25.31). Aquele que passou pela humildade e humilhação agora retornará em completa exaltação. 22 SETEBAN RO-AC /// E-mail: setebanpvh@gmail.com /// Blog: seteban.blogspot.com CAPÍTULO IV OS OFÍCIOS DECRISTO Comumente a obra de Cristo é classificada em seus três ofícios: profeta, sacerdote e Rei. É importante guardar as verdades de cada classificação desta, pois realmente Jesus revelou Deus à humanidade, fez a reconciliação entre nós e Deus, além de dominar no presente e no futuro sobre toda criação. “Como profeta, Jesus revela o Pai e a verdade celestial; como rei, Jesus governa sobre todo o universo; como sacerdote, ele torna possível nossa salvação” (ERICKSON, 1997, p. 316). 4.1- Profeta Quando falamos do ministério de Cristo é importante salientarmos a função que ele desempenhou de revelar o Pai. Neste sentido Ele agiu como os profetas do Antigo Testamento que eram comissionados por Deus para falarem ao povo. O profeta proclamava exclusivamente a vontade de Deus. Eles ensinavam ao povo, profetizavam acerca dos acontecimentos futuros e realizavam obras milagrosas permitidas por Deus como forma de dar credibilidade às mensagens e ensinos ministrados. Cristo agiu semelhantemente. Ensinou, profetizou eventos futuros e operou milagres, por isso Ele mesmo se auto-afirmou profeta: “Não há profeta sem honra, senão na sua terra e na sua casa” (Mt 13.57). O povo também reconheceu seu ministério profético; quando Jesus entra em Jerusalém, as multidões disseram: “Este é o profeta Jesus, de Nazaré da Galiléia” (Mt 21.11). Apesar de existirem algumas semelhanças entre o ministério profético de Cristo com o dos profetas do Antigo Testamento havia uma diferença qualitativa. Jesus veio da própria presença de Deus. Sua preexistência com o Pai foi um fator importante em sua capacidade de revelação, assim João escreve com propriedade: “Ninguém jamais viu a Deus; o Deus unigênito, que está no seio do Pai, é quem o revelou” (Jo 1.18) e Mateus ainda afirma: “Ninguém conhece o Filho, senão o Pai; e ninguém conhece o Pai, senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar.” (Mt 11.27). A obra reveladora de Cristo abrange uma vasta dimensão de tempo e formas. Primeiramente sua obra reveladora se manifestou antes da encarnação. Como Logos Ele é a luz, como afirma João, e em certo sentido todas as verdades vieram por meio dele. O período seguinte se manifestou em sua encarnação e no período que esteve na terra. Nesta época a profecia foi ministrada de duas formas. Jesus pronunciava a verdade com autoridade e Ele próprio era a verdade. Mais que um simples pronunciamento, Jesus Cristo fazia uma demonstração da verdade e realidade divina. Após a ascensão, Cristo ainda continua sua obra profética por meio da igreja. Ele deixou evidente que seu ministério seria continuado e completado pelo Espírito Santo. O Espírito Santo seria enviado aos seus seguidores e os faria 23 SETEBAN RO-AC /// E-mail: setebanpvh@gmail.com /// Blog: seteban.blogspot.com lembrar de tudo que Jesus lhes havia dito. (Jo 14.26). Portanto, de um modo bem real Jesus continua sua obra reveladora na presente era. A obra reveladora final e mais completa de Jesus acha-se no futuro. Quando Ele voltar o veremos como é (1 Jo 3.2). Umas das palavras que representa a segunda vinda de Cristo é “revelação” (apokalypsis). Então as grandes barreiras e limitações humanas serão desfeitas e poderemos ter acesso ao conhecimento do Pai de forma ampla. 4.2- Sacerdote O sacerdote no Antigo Testamento representava o povo diante de Deus. Oferecia sacrifícios para remissão dos pecados e fazia intercessão pelo povo. A função sacerdotal era mediadora entre Deus e os homens. A intercessão foi característica do ministério de Jesus. Jesus por diversas vezes intercedeu pelos seus discípulos enquanto estava sobre a terra. A mais extensa é sua oração sacerdotal em João 17. Aqui, Jesus orou pela unidade dos discípulos, para que fossem guardados do mau e por aqueles que viriam a crer. As Escrituras afirmam que Jesus ainda continua intercedendo nos céus pelos cristãos. Em Hebreus 7.25 diz-se que ele vive para interceder por aqueles que se achegam a Deus por meio dEle e, em 9.24, diz-se que Ele comparece na presença de Deus por nós. Qual é o motivo central dessa intercessão? Jesus apresenta sua justiça ao Pai para nossa justificação. Ele assume a causa daqueles que crêem e foram justificados, mas ainda pecam e intercede para que os crentes sejam santificados e guardados do poder do tentador maligno. Outro aspecto da obra sacerdotal de Cristo foi o sacrifício perfeito oferecido por Ele. Diferente dos sacrifícios oferecidos pelos sacerdotes do Antigo Testamento, que eram imperfeitos e transitórios, o sacrifício de Cristo foi perfeito, único e eterno. “Quando, porém, veio Cristo como Sumo Sacerdote dos bens já realizados, mediante o maior e mais perfeito tabernáculo, não feito por mãos, quer dizer, não desta criação, não por meio de sangue de bodes e de bezerros, mas pelo seu próprio sangue, entrou no Santo dos Santos, uma vez por todas tendo obtido eterna redenção” (Hb 9.11-12). “Assim também Cristo, tendo-se oferecido uma vez para sempre para tirar os pecados de muitos...” (Hb 9.28). Cristo ofereceu seu próprio corpo em sacrifício e foi este sacrifício que tornou possível nossa salvação. O sacerdote perfeito cumpriu cabalmente sua missão de levar o homem a Deus. 4.3- Rei Os evangelhos, e principalmente o de Mateus, retratam Jesus Cristo como rei. Isaías profetiza um futuro rei que traria paz sem fim ao trono de Davi (Is 9.7). O autor de Hebreus aplicou o Salmo 45.6,7 ao Filho de Deus: “O teu trono, ó Deus é para todo sempre. E: Cetro de equidade é o cetro do seu reino” (Hb 1.8). O próprio Jesus disse que no novo mundo se assentaria sobre um trono glorioso. (Mt 19.28) e alegou que o reino do céu era dele (Mt 13.41). Precisamos entender corretamente o significado do reino de Deus e sua manifestação para não pensarmos que ele é exclusivamente um acontecimento futuro. O reino de Deus foi estabelecido por Jesus e semeado no coração dos discípulos e da igreja. Portanto, o governo de Jesus é exercido em sua igreja que é 24 SETEBAN RO-AC /// E-mail: setebanpvh@gmail.com /// Blog: seteban.blogspot.com seu corpo. Ele como Rei guia e mantém seu povo para cumprir os propósitos declarados. Jesus também exerce autoridade absoluta sobre o universo natural uma vez que por meio dEle vieram a existir todas as coisas (Jo 1.3) e todas as coisas subsistem (Cl 1.17). Então não pode haver desentendimento quanto à realidade do exercício real de Cristo em nossa época, contudo o reinado visível e pleno de Cristo efetivamente se dará no futuro. Então “Todos estarão sob seu governo, quer com boa vontade e sinceridade, quer com má vontade e relutância” 25 SETEBAN RO-AC /// E-mail: setebanpvh@gmail.com /// Blog: seteban.blogspot.com CAPÍTULO V A OBRA DE CRISTO A obra de Cristo certamente foi algo único e de imensurável valor. Toda Escritura converge para Cristo e, portanto, sua obra ganha enorme importância. Através dela podemos “entender” a misericórdia, o amor, a justiça e a graça de nosso Deus. A morte e a ressurreição são os eventos principais em sua vida e pontos culminantes de sua obra. É tão importante compreender o significado da morte como o da ressurreição, pois são ações complementares, uma completa a outra. Se não houvesse morte a ressurreição não existiria; se não houvesse ressurreição a morte não seria eficaz! Como Paulo disse: “Se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação, e vã, a vossa fé” (Rm 15.14). Enfatizaremos a obra de Cristo em sua morte e ressurreição. Lembramos ainda que direta ou indiretamente a obra de Cristo alcança toda a humanidade. É muito ampla e não caberia nestas páginas. O Espírito Santo continua aplicando a obra de Cristo para salvar as vidas. 5.1- Morte de CristoJesus começa a falar explicitamente sobre sua morte no final de seu ministério. Ele tinha consciência e completa convicção de que sua obra era necessariamente entregar sua vida. Ele interpretava a própria vida e morte como cumprimento da profecia de Isaías 53. Na última ceia Ele disse: “Pois vos digo que importa que se cumpra em mim o que está escrito: Ele foi contado com os malfeitores. Porque o que a mim se refere está sendo cumprido” (Lc 22.37). Pelas referências frequentes a seu sofrimento percebemos que Jesus via sua própria morte como razão de sua vinda. Ele disse aos discípulos claramente que o Filho do homem devia sofrer muitas coisas, ser rejeitado pelas autoridades religiosas e ser morto. (Mc 8.31). Jesus compreendia sua obra como um resgate. “Tal como o Filho do homem, que não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos.” (Mt 20.28). Cristo também se via como substituto. “Ninguém tem maior amor do que este: de dar alguém a própria vida em favor dos seus amigos” (Jo 15.13). Isso Ele disse na véspera de sua morte. Ainda há indicações de que Ele se via como um sacrifício. “E, por eles, a mim mesmo me consagro para que sejam consagrados na verdade” o verbo aqui é comum em contextos sacrificiais. A declaração de João Batista traz esse entendimento: “Eis o cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo!” (Jo 1.29). Portanto é evidente que Jesus tinha plena consciência de sua morte e sabia as implicações de sua obra. 5.2- Ressurreição de Cristo Temos consciência de que a ressurreição foi real e uma obra importantíssima realizada por Cristo. Ele cumpriu cabalmente sua missão, fez a perfeita expiação pelo homem oferecendo-se como sacrifício a Deus e, como sumo 26 SETEBAN RO-AC /// E-mail: setebanpvh@gmail.com /// Blog: seteban.blogspot.com sacerdote, ressurgiu para estar ao lado do Pai intercedendo pelos que crêem. Podemos listar algumas razões para sua ressurreição: Por causa de quem Ele é A morte de Jesus Cristo foi uma obra, como vimos anteriormente, repleta de significado. Ele não morreu por fraqueza, ou por ter pecado, ou por não conseguir vencer a morte. Ele morreu para cumprir a vontade do pai e, uma vez satisfeita essa vontade, seria impossível a Segunda Pessoa da Trindade permanecer na esfera da morte. Os grilhões da morte não segurariam aquele que tem vida em si próprio (Jo 5.26). Sua natureza eterna é imortal. A morte não conseguiria mudar tal natureza. Portanto, por causa do que é, Jesus Cristo ressurgiu no tempo determinado por Ele mesmo. Para cumprir o pacto davídico Deus havia prometido a Davi um trono eterno, um Rei eterno e um reino eterno. O caráter exato dessa promessa foi revelado a Davi e sua própria resposta e impressão mostram que o que foi prometido era a perpetuação do trono terrestre e do reino terreno de Davi. Sabemos que Jesus é da linhagem de Davi e foi proclamado Rei. Portanto para que esse reinado fosse eterno era imprescindível que Jesus não permanecesse na morte. Então, Jesus ressuscitou também para cumprir o pacto que Jeová havia feito a Davi. Por causa da justificação Em Romanos 4.25 lemos: “...o qual foi entregue por causa das nossas transgressões, e ressuscitou para a nossa justificação”. Não é de acordo com a sã doutrina declarar que a justificação está baseada na ressurreição de Cristo, mas sabemos que a justiça imputada ao crente advém de sua união com o Cristo ressureto, então podemos entender que a justificação do crente está ligada à ressurreição do Senhor. 27 SETEBAN RO-AC /// E-mail: setebanpvh@gmail.com /// Blog: seteban.blogspot.com CONSIDERAÇÕES FINAIS Concluímos este breve curso de Cristologia, mas já enfatizamos que o aprendizado não deve se limitar a este momento ou texto. Na verdade, a pessoa de Cristo, sua vida e obra é tão vasta que não pode ser limitada nem mesmo a uma centena de volumes. Nosso foco nesta aula foi estudar a pessoa singular de Jesus Cristo. Compreender sua humanidade e sua divindade foi tarefa inicial. Harmonizar ambas as naturezas em uma única pessoa a fim de ser fiel às Escrituras e ter uma postura firme contra as heresias foi o segundo passo. Estabelecer solidamente a divindade de Jesus Cristo foi um terceiro passo que representou lealdade à mensagem e imagem transparecida sabiamente e discretamente pelo Mestre. Estados, ofícios e obras de Cristo constituíram-se em preciosos detalhes analisados na vida do Senhor. Nosso desejo é o mesmo do apóstolo Paulo que orava para que “Cristo fosse formado” (Gl 4.19) nos seus discípulos. Assim também oramos para que Cristo continue sendo formado em nossos corações, a cada dia, mediante a Palavra do Senhor. Deus nos abençoe. 28 SETEBAN RO-AC /// E-mail: setebanpvh@gmail.com /// Blog: seteban.blogspot.com REFERÊNCIAS (Consultadas e sugeridas) BANCKOFT, Emery H. Teologia Elementar. 3ª. Edição. São Paulo: Editora Batista Regular, 1995. BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. 4 ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2012. CHAFER, Lewis Sperry. Teologia Sistemática. São Paulo: Hagnos, 2003. CHEUNG, Vincent. Teologia Sistemática. Editora Monergismo, 2006. ERICKSON, Millard J. Introdução à Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1997. HODGE, Archibald Alexander. Esboços de Teologia Sistemática. São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2001. HODGE, Charles. Teologia Sistemática. São Paulo: Hagnos, 2001. LANGSTON, A. B. Esboço de Teologia Sistemática. 3 ed. São Paulo: Juerp, 1999. MCDOWEL, Josh. Mais que um carpinteiro. 2 ed. Belo Horizonte-MG: Editora Betânia, 1980. PACKER, James I. Teologia Concisa, síntese dos fundamentos históricos da fé cristã. Campinas-SP: Editora Cultura Cristã, 1998. PACKER, James I. TENNEY, Merril. WHITE, William. O Mundo do Novo Testamento. São Paulo: Editora Vida, 1996. SOARES, Esequias. Credos e confissões de fé, breve guia histórico do cristianismo. Recife-PE: Editora Bereia, 2013. STRONG, Augustus Hopkins. Teologia Sistemática. São Paulo: Hagnos, 2003. TEOLOGIA SISTEMÁTICA. (Organização da Editora). Curitiba: InterSaberes, 2014.
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