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Direito-Empresarial-Andre-Santa-Cruz-2018-Cap 1 e 2 (1)

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1.
“A burguesia, na acepção original do termo, sempre foi formada por uma classe de poupadores, de
pessoas que honravam suas palavras e respeitavam seus contratos, de pessoas que tinham uma
profunda ligação à família. Essa classe de pessoas se importava mais com o bem-estar de seus filhos,
com o trabalho e com a produtividade do que com o lazer e o deleite pessoal.
As virtudes da burguesia são as tradicionais virtudes da prudência, da justiça, da temperança e da
fortaleza (ou força). Cada uma delas possui um componente econômico – vários componentes
econômicos, na verdade.
A prudência dá sustento à instituição da poupança, ao desejo de adquirir uma boa educação para se
preparar para o futuro, e à esperança de poder legar uma herança aos nossos filhos.
Com a justiça vem o desejo de honrar os contratos, de dizer a verdade nos negócios e de fornecer uma
compensação para aqueles que foram injuriados.
Com a temperança vem o desejo de se controlar e se restringir a si próprio, de trabalhar antes de folgar, o
que mostra que a prosperidade e a liberdade são, em última instância, sustentadas por uma disciplina
interna.
Com a fortaleza vem a coragem e o impulso empreendedorial de se deixar de lado o temor desmedido e
de seguir adiante quando confrontado pelas incertezas da vida.
Essas virtudes são os fundamentos tradicionais da burguesia, bem como a base das grandes
civilizações.
Porém, a imagem invertida destas virtudes mostra como o modo virtuoso do comportamento humano
encontra seu oposto nas políticas públicas empregadas pelo estado moderno. O estado se posiciona
diretamente contra a ética burguesa, sobrepujando-a e fazendo com que seu declínio permita ao estado
se expandir em detrimento tanto da liberdade quanto da virtude.” (Lew Rockwell, em A burguesia e suas
virtudes cardinais; o Estado e seus pecados capitais)
ORIGENS DO DIREITO COMERCIAL
Ao estudarmos a história do direito comercial, logo percebemos uma coisa: o comércio é muito
mais antigo do que ele. De fato, o comércio existe desde a Idade Antiga. As civilizações mais antigas
de que temos conhecimento, como os fenícios, por exemplo, destacaram-se no exercício da atividade
mercantil. No entanto, nesse período histórico – Idade Antiga, berço das primeiras civilizações –, a
despeito de até já existirem algumas leis esparsas para a disciplina do comércio, ainda não se pode
falar na existência de um direito comercial , entendido este como um regime jurídico sistematizado
com regras e princípios próprios.
Mesmo em Roma não se pode afirmar a existência de um direito comercial, uma vez que na
civilização romana as eventuais regras comerciais existentes faziam parte do direito privado comum,
ou seja, do direito civil (jus privatorum ou jus civile).
Durante a Idade Média, todavia, o comércio já atingira um estágio mais avançado, e não era mais
uma característica de apenas alguns povos, mas de todos eles. É justamente nessa época que se
costuma apontar o surgimento das raízes do direito comercial, ou seja, do surgimento de um regime
jurídico específico para a disciplina das relações mercantis. Fala-se, então, na primeira fase desse
ramo do direito. É a época do ressurgimento das cidades (burgos) e do Renascimento Mercantil,
sobretudo em razão do fortalecimento do comércio marítimo.
Ocorre que na Idade Média não havia ainda um poder político central forte, capaz de impor
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regras gerais e aplicá-las a todos. Vivia-se sob o modo de produção feudal, em que o poder político
era altamente descentralizado nas mãos da nobreza fundiária, o que fez surgir uma série de “direitos
locais” nas diversas regiões da Europa. Em contrapartida, ganhava força o Direito Canônico, que
repudiava o lucro e não atendia, portanto, aos interesses da classe burguesa que se formava. Essa
classe burguesa, os chamados comerciantes ou mercadores, teve então que se organizar e construir o
seu próprio “direito”, a ser aplicado nos diversos conflitos que passaram a eclodir com a
efervescência da atividade mercantil que se observava, após décadas de estagnação do comércio. As
regras do direito comercial foram surgindo, pois, da própria dinâmica da atividade negocial.
Surgem nesse cenário as Corporações de Ofício, que logo assumiram relevante papel na
sociedade da época, conseguindo obter, inclusive, certa autonomia em relação à nobreza feudal.
Nessa primeira fase do direito comercial, pois, ele compreende os usos e costumes mercantis
observados na disciplina das relações jurídico-comerciais. E na elaboração desse “direito” não
havia ainda nenhuma participação “estatal”. Cada Corporação tinha seus próprios usos e costumes, e
os aplicava, por meio de cônsules eleitos pelos próprios associados, para reger as relações entre os
seus membros. Daí porque se falar em normas “pseudossistematizadas” e alguns autores usarem a
expressão “codificação privada” do direito comercial.
Nesse período de formação do direito comercial, surgem seus primeiros institutos jurídicos,
como os títulos de crédito (letra de câmbio), as sociedades (comendas), os contratos mercantis
(contrato de seguro) e os bancos. Além disso, algumas características próprias do direito comercial
começam a se delinear, como o informalismo e a influência dos usos e costumes no processo de
elaboração de suas regras.
Outra característica marcante desta fase inicial do direito comercial é o seu caráter subjetivista.
O direito comercial era o direito dos membros das corporações ou, como bem colocado por Rubens
Requião, era um direito “a serviço do comerciante”. Suas regras só se aplicavam aos mercadores
filiados a uma corporação. Assim sendo, bastava que uma das partes de determinada relação fosse
comerciante para que essa relação fosse disciplinada pelo direito comercial (ius mercatorum), em
detrimento dos demais “direitos” aplicáveis. Em resumo, pode-se dizer que o direito comercial era
um direito feito pelos comerciantes e para os comerciantes.
Por fim, é interessante notar a verdadeira revolução que o direito comercial, nessa sua primeira
fase evolutiva, provocou na doutrina contratualista, rompendo com a teoria contratual cristalizada
pelo direito romano. Em Roma, os ideais de segurança e estabilidade da classe dominante
“prenderam” o contrato, atrelando-o ao instituto da propriedade. Era o contrato, grosso modo,
apenas o instrumento por meio do qual se adquiria ou se transferia uma coisa.
Essa concepção um tanto estática de contrato, inerente ao direito romano, obviamente não se
coadunava com os ideais da classe mercantil em ascensão. Nesse sentido, perde espaço a solenidade
na celebração das avenças, e surge, triunfante, o princípio da liberdade na forma de celebração dos
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2.
2.1.
contratos.
Enfim, o sistema de jurisdição especial que marca essa primeira fase do direito comercial
provoca uma profunda transformação na teoria do direito, pois o sistema jurídico comum tradicional
vai ser derrogadopor um direito específico, peculiar a uma determinada classe social e
disciplinador da nova realidade econômica que emergia.
DA DEFINIÇÃO DO REGIME JURÍDICO DOS ATOS DE COMÉRCIO
Após o período do Renascimento Mercantil, o comércio foi se intensificando progressivamente,
sobretudo em função das feiras e dos navegadores. O sistema de jurisdição especial mencionado no
tópico antecedente, surgido e desenvolvido nas cidades italianas, difunde-se por toda a Europa,
chegando a países como França, Inglaterra, Espanha e Alemanha (nessa época ainda um Estado não
unificado).
Com essa proliferação da atividade mercantil, o direito comercial também evoluiu, e aos poucos
a competência dos tribunais consulares foi sendo ampliada, abrangendo negócios realizados entre
mercadores matriculados e não comerciantes, por exemplo.
No ocaso do período medieval, surgem no cenário geopolítico mundial os grandes Estados
Nacionais monárquicos. Estes Estados, representados na figura do monarca absoluto, vão submeter
aos seus súditos, incluindo a classe dos comerciantes, um direito posto, em contraposição ao direito
comercial de outrora, centrado na autodisciplina das relações comerciais por parte dos próprios
mercadores, através das corporações de ofício e seus juízos consulares. Todas essas mudanças vão
provocar, inclusive, a publicação da primeira grande obra doutrinária de sistematização do direito
comercial: Tratactus de Mercatura seo Mercatore , de Benvenutto Stracca, publicada no ano de
1553, a qual sem dúvida vai influenciar a edição de leis futuras sobre a matéria mercantil.
As corporações de ofício vão perdendo paulatinamente o monopólio da jurisdição mercantil, na
medida em que os Estados reivindicam e chamam para si o monopólio da jurisdição e se consagram
a liberdade e a igualdade no exercício das artes e ofícios. Com o passar do tempo, pois, os diversos
tribunais de comércio existentes tornaram-se atribuição do poder estatal.
Assim é que, em 1804 e 1808, respectivamente, são editados, na França, o Código Civil e o
Código Comercial. O direito comercial inaugura, então, sua segunda fase, podendo-se falar agora em
um sistema jurídico estatal destinado a disciplinar as relações jurídico-comerciais. Desaparece o
direito comercial como direito profissional e corporativista, surgindo em seu lugar um direito
comercial posto e aplicado pelo Estado.
Definição e descrição dos atos de comércio e sua justificação histórica
A codificação napoleônica divide claramente o direito privado: de um lado, o direito civil; de
outro, o direito comercial. O Código Civil napoleônico era, fundamentalmente, um corpo de leis que
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atendia os interesses da nobreza fundiária, pois estava centrado no direito de propriedade. Já o
Código Comercial encarnava o espírito da burguesia comercial e industrial, valorizando a riqueza
mobiliária.
A divisão do direito privado, com dois grandes corpos de leis a reger as relações jurídicas entre
particulares, cria a necessidade de estabelecimento de um critério que delimitasse a incidência de
cada um desses ramos da árvore jurídica às diversas relações ocorridas no dia a dia dos cidadãos.
Mais precisamente, era necessário criar um critério que delimitasse o âmbito de incidência do
direito comercial, já que este surgiu como um regime jurídico especial destinado a regular as
atividades mercantis. Para tanto, a doutrina francesa criou a teoria dos atos de comércio, que tinha
como uma de suas funções essenciais a de atribuir, a quem praticasse os denominados atos de
comércio, a qualidade de comerciante, o que era pressuposto para a aplicação das normas do Código
Comercial.
O direito comercial regularia, portanto, as relações jurídicas que envolvessem a prática de
alguns atos definidos em lei como atos de comércio. Não envolvendo a relação a prática destes
atos, seria ela regida pelas normas do Código Civil.
A definição dos atos de comércio era tarefa atribuída ao legislador, o qual optava ou por
descrever as suas características básicas – como fizeram o Código de Comércio português de 1833 e
o Código Comercial espanhol de 1885 – ou por enumerar, num rol de condutas típicas, que atos
seriam considerados de mercancia – como fez o nosso legislador, conforme veremos adiante.
Nessa segunda fase do direito comercial, podemos perceber uma importante mudança: a
mercantilidade, antes definida pela qualidade do sujeito (o direito comercial era o direito aplicável
aos membros das Corporações de Ofício), passa a ser definida pelo objeto (os atos de comércio).
Daí por que os doutrinadores afirmam que a codificação napoleônica operou uma objetivação do
direito comercial, além de ter, como dito anteriormente, bipartido de forma clara o direito privado.
Esta objetivação do direito comercial, segundo leciona Tullio Ascarelli, relaciona-se à formação dos
Estados Nacionais da Idade Moderna, que impõem sua soberania ao particularismo que imperava na
ordem jurídica anterior e se inspiram no princípio da igualdade, sendo, por conseguinte, avessos a
qualquer tipo de distinção de disciplinas jurídicas que se baseiem em critérios subjetivos.
Não é difícil imaginar, todavia, as deficiências do sistema francês. Afinal, ele se resume ao
estabelecimento de uma relação de atividades econômicas, sem que haja entre elas nenhum elemento
interno de ligação, gerando indefinições no tocante à natureza mercantil de algumas delas.
Na doutrina estrangeira, duas formulações sobre os atos de comércio se destacaram: a de Thaller,
que resumia os atos de comércio à atividade de circulação de bens ou serviços, e a de Alfredo
Rocco, que via nos atos de comércio a característica comum de intermediação para a troca.
A teoria de Rocco foi predominante. Ele concluiu, em síntese, que todos os atos de comércio
possuíam uma característica comum: a função de intermediação na efetivação da troca. Em suma:
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2.2.
os atos de comércio seriam aqueles que ou realizavam diretamente a referida intermediação (ato de
comércio por natureza, fundamental ou constitutivo) ou facilitavam a sua execução (ato de comércio
acessório ou por conexão).
Tais formulações doutrinárias, todavia, não convenceram. A doutrina criticava o sistema francês
afirmando que nunca se conseguiu definir satisfatoriamente o que são atos de comércio. Ademais,
mesmo à luz da doutrina de Rocco, é forçoso reconhecer que a ideia de intermediação para a troca
sempre esteve longe de conseguir englobar todas as relações jurídicas verificadas no mercado.
Com efeito, outras atividades econômicas, tão importantes quanto a mercancia, não se
encontravam na enumeração legal dos atos de comércio. Algumas delas porque se desenvolveram
posteriormente (ex.: prestação de serviços), e a produção legislativa, como sabemos, não consegue
acompanhar o ritmo veloz do desenvolvimento social, tecnológico etc. Outras delas, por razões
históricas, políticas e até religiosas, como ocorreu com a negociação de bens imóveis, excluída do
regime jurídico comercial, segundo algunsdoutrinadores, em razão de a propriedade imobiliária ser
revestida, na época, de um caráter sacro, o que tornava inaceitável a ideia de que os bens imóveis
fossem coisas negociáveis.
Outro problema detectado pela doutrina comercialista da época, decorrente da aplicação da
teoria dos atos de comércio, era o referente aos chamados atos mistos (ou unilateralmente
comerciais), aqueles que eram comerciais para apenas uma das partes (na venda de produtos aos
consumidores, por exemplo, o ato era comercial para o comerciante vendedor, e civil para o
consumidor adquirente). Nesses casos, aplicavam-se as normas do Código Comercial para a solução
de eventual controvérsia, em razão da chamada vis atractiva do direito comercial.
Diante disso, alguns doutrinadores denunciaram o retorno ao corporativismo do direito mercantil,
que voltava a ser, no dizer do grande jurista italiano Cesare Vivante, um “direito de classe”.
Preocupava ao nobre jurista o fato de o cidadão ser submetido a normas distintas em razão,
simplesmente, da qualidade da pessoa com quem contratava.
Não obstante tais críticas, a teoria francesa dos atos de comércio, por inspiração da codificação
napoleônica, foi adotada por quase todas as codificações oitocentistas, inclusive a do Brasil (Código
Comercial de 1850).
No entanto, o tempo vai demonstrar a insuficiência da teoria dos atos de comércio para a
disciplina do mercado e forçar o surgimento de outro critério delimitador do âmbito de incidência
das regras do direito comercial, uma vez que elas não abrangiam atividades econômicas tão ou mais
importantes que o comércio de bens, tais como a prestação de serviços, a agricultura, a pecuária e a
negociação imobiliária. O surgimento desse novo critério só veio ocorrer, todavia, em 1942, ou seja,
mais de cem anos após a edição dos códigos napoleônicos, em plena 2.ª Guerra Mundial.
Os atos de comércio na legislação brasileira
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Conforme já dito acima, a teoria dos atos do comércio, usada pela codificação napoleônica como
critério distintivo entre os regimes jurídicos civil e comercial, extrapolou as fronteiras da França e
irradiou-se pelo mundo, inclusive chegando ao Brasil. Isso nos remete, necessariamente, ao início
dos anos 1800, quando se começou a discutir em nosso país a necessidade de edição de um Código
Comercial.
Sobre os fatos históricos e políticos que antecederam a edição do Código Comercial de 1850, é
preciso destacar que durante muito tempo o Brasil não possuiu uma legislação própria. Aplicavam-se
aqui as leis de Portugal, as chamadas Ordenações do Reino (Ordenações Filipinas, Ordenações
Manuelinas, Ordenações Afonsinas).
A situação muda após a vinda de D. João VI ao Brasil, com a abertura dos portos às nações
amigas, o que incrementou o comércio na colônia, fazendo com que fosse criada a “Real Junta de
Comércio, Agricultura, Fábrica e Navegação”, a qual tinha, entre outros objetivos, tornar viável a
ideia de criar um direito comercial brasileiro.
Posteriormente, em 1832, foi criada uma comissão com a finalidade de pôr essa ideia em prática.
Assim foi que, em 1834, a comissão apresentou ao Congresso um projeto de lei que, uma vez
aprovado, foi promulgado em 15.06.1850. Tratava-se da Lei 556, o Código Comercial brasileiro.
Como mencionado acima, o Código Comercial de 1850, assim como a grande maioria dos
códigos editados nos anos 1800, adotou a teoria francesa dos atos de comércio, por influência da
codificação napoleônica. O Código Comercial definiu o comerciante como aquele que exercia a
mercancia de forma habitual, como sua profissão.
Embora o próprio Código não tenha dito o que considerava mercancia (atos de comércio), o
legislador logo cuidou de fazê-lo, no Regulamento 737, também de 1850. Prestação de serviços,
negociação imobiliária e atividades rurais foram esquecidas, o que corrobora a crítica já feita ao
sistema francês. Segundo o art. 19 do referido diploma legislativo, considerava-se mercancia:
§ 1.º a compra e venda ou troca de efeitos móveis ou semoventes para os vender por grosso ou a
retalho, na mesma espécie ou manufaturados, ou para alugar o seu uso;
§ 2.º as operações de câmbio, banco e corretagem;
§ 3.º as empresas de fábricas; de comissões; de depósito; de expedição, consignação, e transporte
de mercadorias; de espetáculos públicos;
§ 4.º os seguros, fretamentos, riscos e quaisquer contratos relativos ao comércio marítimo;
§ 5.º a armação e expedição de navios.
Em 1875, o Regulamento 737 foi revogado, mas o seu rol enumerativo dos atos de comércio
continuou sendo levado em conta, tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência, para a definição das
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2.3.
3.
relações jurídicas que mereceriam disciplina jurídico-comercial.
Mas não era só o Regulamento 737/1850 que definia os chamados atos de comércio no Brasil.
Outros dispositivos legais também o faziam. Assim, por exemplo, consideravam-se atos de comércio,
ainda que não praticados por comerciante, as operações com letras de câmbio e notas promissórias,
nos termos do art. 57 do Decreto 2.044/1908, e as operações realizadas por sociedades anônimas,
nos termos do art. 2.º, § 1.º, da Lei 6.404/1976.
A teoria dos atos de comércio na doutrina brasileira
O que se percebe, porém, ao analisarmos a teoria dos atos de comércio à luz do pensamento dos
grandes comercialistas brasileiros, é que também para eles o caminho percorrido para a tentativa de
uma conceituação dos atos de comércio foi extremamente tortuoso.
Enquanto na doutrina alienígena se destacou a formulação de Rocco, no Brasil ganhou destaque
merecido a formulação de Carvalho de Mendonça, que dividia os atos de comércio em três classes:
(i) atos de comércio por natureza, que compreendiam as atividades típicas de mercancia, como a
compra e venda, as operações cambiais, a atividade bancária; (ii) atos de comércio por
dependência ou conexão, que compreendiam os atos que facilitavam ou auxiliavam a mercancia
propriamente dita; e (iii) atos de comércio por força ou autoridade de lei, como, por exemplo, o já
citado art. 2.º, § 1.º, da Lei 6.404/1976.
Ora, o que se vê na formulação de Carvalho de Mendonça, resumida no parágrafo anterior, não é
uma tentativa de conceituar cientificamente os atos de comércio, mas apenas uma descrição de como
a nossa legislação os abarcava. Assim, a própria terceira classe de atos de comércio da teoria de
Carvalho de Mendonça, que abrangia os atos de comércio por força ou autoridade de lei, demonstra
que era impossível criar uma formulação teórica que conseguisse englobar todas as atividades de
mercancia. Essa terceira classe compreende aquelas atividades que são consideradas atos de
comércio simplesmente por vontade política do legislador.
Pode-se concluir que, a exemplo do que ocorreu na Europa, a doutrina brasileira também não
conseguiu atribuir um conceito unitário aos atos de comércio. Uma frase do professor Brasílio
Machado, muito citada em várias obras nacionais sobre o direito comercial, resume bem o que se
pensava sobre a teoria dos atos de comércio em nosso país: “problema insolúvel para a doutrina,
martírio para o legislador, enigma para a jurisprudência”.
A TEORIA DA EMPRESA E O NOVO PARADIGMA DO DIREITO COMERCIAL
Diante do que se expôs nos tópicos antecedentes, percebe-se quea noção do direito comercial
fundada exclusiva ou preponderantemente na figura dos atos de comércio, com o passar do tempo,
mostrou-se uma noção totalmente ultrapassada, já que a efervescência do mercado, sobretudo após a
Revolução Industrial, acarretou o surgimento de diversas outras atividades econômicas relevantes, e
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muitas delas não estavam compreendidas no conceito de “ato de comércio” ou de “mercancia”.
Em 1942, ou seja, mais de um século após a edição da codificação napoleônica, a Itália edita um
novo Código Civil, trazendo enfim um novo sistema delimitador da incidência do regime jurídico
comercial: a teoria da empresa.
Embora o Código Civil italiano de 1942 tenha adotado a chamada teoria da empresa, não
definiu o conceito jurídico de empresa. Na formulação desse conceito, merece destaque a
contribuição doutrinária de Alberto Asquini, brilhante jurista italiano que analisou a empresa como
um fenômeno econômico poliédrico que, transposto para o direito, apresentava não apenas um, mas
variados perfis: perfil subjetivo, perfil funcional, perfil objetivo e perfil corporativo.
Além disso, o Código Civil italiano promoveu a unificação formal do direito privado,
disciplinando as relações civis e comerciais num único diploma legislativo. O direito comercial
entra, enfim, na terceira fase de sua etapa evolutiva, superando o conceito de mercantilidade e
adotando, como veremos, o critério da empresarialidade como forma de delimitar o âmbito de
incidência da legislação comercial.
Note-se que, como fizemos questão de destacar acima, a unificação provocada no direito privado
pela codificação italiana foi meramente formal, uma vez que o direito comercial, a despeito de não
possuir mais um diploma legislativo próprio, conservou sua autonomia didático-científica. Afinal,
como bem destaca a doutrina majoritária a respeito do assunto, o que define a autonomia e a
independência de um direito, como regime jurídico especial, é o fato de ele possuir características,
institutos e princípios próprios, e isso o direito comercial (ou empresarial) possui desde o seu
nascimento até hoje, sem sombra de dúvida.
Assim, se é que a unificação foi conseguida de forma plena, ela o foi apenas no âmbito formal,
pois ainda continuam a existir o direito comercial e o civil como disciplinas autônomas e
independentes. O direito civil continua a ser um regime jurídico geral de direito privado, e o direito
comercial continua a ser um regime jurídico especial de direito privado, e sua especialidade está
justamente em abrigar regras específicas que se destinam à disciplina do mercado.
O mais importante, todavia, com a edição do Código Civil italiano e a formulação da teoria da
empresa, é que o direito comercial deixou de ser, como tradicionalmente o foi, o direito do
comerciante (período subjetivo das corporações de ofício) ou o direito dos atos de comércio
(período objetivo da codificação napoleônica), para ser o direito da empresa , o que o fez abranger
uma gama muito maior de relações jurídicas.
Para a teoria da empresa, o direito comercial não se limita a regular apenas as relações jurídicas
em que ocorra a prática de um determinado ato definido em lei como ato de comércio (mercancia).
A teoria da empresa faz com que o direito comercial não se ocupe apenas com alguns atos, mas com
uma forma específica de exercer uma atividade econômica: a forma empresarial. Assim, em
princípio, qualquer atividade econômica, desde que seja exercida empresarialmente, está
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3.1.
submetida à disciplina das regras do direito empresarial.
Surgimento da teoria da empresa e seus contornos
A definição do conceito jurídico de empresa é até hoje um problema para os doutrinadores do
direito empresarial. Isso se dá porque empresa, como bem lembrou Alberto Asquini, é um fenômeno
econômico que compreende a organização dos chamados fatores de produção: natureza, capital,
trabalho e tecnologia.
Transposto o fenômeno econômico para o universo jurídico, a empresa acaba não adquirindo um
sentido unitário, mas diversas acepções distintas. Daí porque o jurista italiano Alberto Asquini
observou a empresa como um fenômeno econômico poliédrico, com quatro perfis distintos quando
transposto para o direito: a) o perfil subjetivo, pelo qual a empresa seria uma pessoa (física ou
jurídica, é preciso ressaltar), ou seja, o empresário; b) o perfil funcional, pelo qual a empresa seria
uma “particular força em movimento que é a atividade empresarial dirigida a um determinado escopo
produtivo”, ou seja, uma atividade econômica organizada; c) o perfil objetivo (ou patrimonial), pelo
qual a empresa seria um conjunto de bens afetados ao exercício da atividade econômica
desempenhada, ou seja, o estabelecimento empresarial; e d) o perfil corporativo, pelo qual a
empresa seria uma comunidade laboral, uma instituição que reúne o empresário e seus auxiliares ou
colaboradores, ou seja, “um núcleo social organizado em função de um fim econômico comum”.
De todas essas acepções de empresa mencionadas por Asquini, esta última, que a considera sob
um perfil corporativo, está ultrapassada, pois só se sustentava a partir da ideologia fascista que
predominava na Itália quando da edição do Código Civil de 1942. As demais acepções, por sua vez,
que analisam a empresa a partir de seus perfis subjetivo, objetivo e funcional, se referem,
respectivamente, a três realidades distintas, mas intrinsecamente relacionadas: o empresário, o
estabelecimento empresarial e a atividade empresarial.
Com efeito, no meio jurídico é muito comum usarmos a expressão empresa com diversos
sentidos. É comum afirmar-se, por exemplo, (i) que determinada empresa está contratando
funcionários, (ii) que uma empresa foi vendida por um valor muito alto etc. Perceba-se que em cada
caso a expressão possui um significado próprio que foge ao significado do conceito técnico-jurídico
de empresa: no primeiro caso, quem contrata funcionários não é a empresa, mas o empresário (ou
seja, está-se usando a expressão segundo o seu perfil subjetivo). No segundo caso, não foi a empresa
que foi vendida, mas o estabelecimento empresarial (ou seja, está-se usando a expressão empresa
segundo o seu perfil objetivo).
O que se quer dizer é que o direito possui expressões específicas para se referir à empresa nos
seus perfis subjetivo (empresário) e objetivo (estabelecimento empresarial), mas não possui uma
expressão específica para se referir à empresa no seu perfil funcional. Nesse caso, resta-nos recorrer
a um raciocínio tautológico: empresa é empresa. Melhor dizendo, o mais adequado sentido técnico-
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3.2.
jurídico para a expressão empresa é aquele que corresponde ao seu perfil funcional, isto é, empresa
é uma atividade econômica organizada.
Assim, quando quisermos fazer menção à empresa no seu perfil subjetivo, o correto é usar a
expressão empresário (ex.: determinado empresário está contratando funcionários). Quando
quisermos fazer menção à empresa no seu perfil objetivo, o correto é usar a expressão
estabelecimento empresarial (ex.: um estabelecimento empresarial foi vendido por um valor muito
alto). Por outro lado, quando quisermos fazer menção à empresa no seu perfil funcional, ou seja,
como uma atividade, o correto é usarmos simplesmente a expressão empresa (ex.: o objeto social
daquela sociedade é a exploração de uma empresa de prestação de serviços de tecnologia).
Não bastasse essa explicação um tanto confusa, para piorar a situação daquele que se inicia no
estudo do direito empresarial, o próprio legislador parece se atrapalhar, usando a expressão empresa
muitas vezes com um sentido atécnico, isto é, sem o significado de atividade econômica.
Com efeito, se analisarmos o disposto no art. 1.º da Lei 8.934/1994 (Lei de Registro de
Empresas Mercantis), no art. 2.º da Lei 6.404/1976 (Lei das Sociedades por Ações) e no art. 863 do
Código de Processo Civil veremos que em cada um desses textos legislativos a expressão empresa
foi usada com um sentido distinto. No primeiro caso, usa-se esta expressão como sinônimo de
empresário (empresa no seu perfil subjetivo). No segundo caso, usa-se a expressão empresa como
sinônimo de atividade econômica (empresa no seu perfil funcional). No terceiro caso, ela é usada
como sinônimo de estabelecimento empresarial (empresa no seu perfil objetivo).
Enfim, a partir da desconstrução da teoria dos atos de comércio e da afirmação da teoria da
empresa como critério delimitador do âmbito de incidência das regras do regime jurídico
empresarial, o fenômeno econômico empresa, visto como organismo econômico em que há
articulação dos fatores de produção (natureza, trabalho, capital e tecnologia) para atendimento das
necessidades do mercado (produção e circulação de bens e serviços), é absorvido pelo direito
empresarial com o sentido técnico jurídico de atividade econômica organizada.
É em torno da atividade econômica organizada, ou seja, da empresa, que vão gravitar todos os
demais conceitos fundamentais do direito empresarial, sobretudo os conceitos de empresário (aquele
que exerce profissionalmente atividade econômica organizada, isto é, exerce empresa) e de
estabelecimento empresarial (complexo de bens usado para o exercício de uma atividade econômica
organizada, isto é, para o exercício de uma empresa).
A teoria da empresa no Brasil antes do Código Civil de 2002: legislação e
doutrina
A adoção da teoria francesa dos atos de comércio pelo direito comercial brasileiro fez com que
ele merecesse as mesmas críticas já apontadas acima. Com efeito, não se conseguia justificar a não
incidência das normas do regime jurídico comercial a algumas atividades tipicamente econômicas e
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de suma importância para o mercado, como a prestação de serviços, a negociação imobiliária, a
agricultura e a pecuária.
Diante disso, e da divulgação das ideias da teoria da empresa, após a edição do Codice Civile de
1942, pode-se perceber uma nítida aproximação do direito brasileiro ao sistema italiano. A doutrina,
na década de 1960, já começa a apontar com maior ênfase as vicissitudes da teoria dos atos de
comércio e a destacar as benesses da teoria da empresa.
Por outro lado, a jurisprudência pátria também já demonstrava sua insatisfação com a teoria dos
atos de comércio e sua simpatia pela teoria da empresa. Isso fez com que vários juízes concedessem
concordata a pecuaristas e garantissem a renovação compulsória de contrato de aluguel a sociedades
prestadoras de serviços, por exemplo. Ora, concordata e renovação compulsória de contrato de
aluguel eram institutos típicos do regime jurídico comercial, e estavam sendo aplicados a agentes
econômicos que não se enquadravam, perfeitamente, no conceito de comerciante adotado pelo direito
positivo brasileiro daquela época. Tratava-se de um grande avanço: a jurisprudência estava
afastando o ultrapassado critério da mercantilidade e adotando o da empresarialidade para
fundamentar suas decisões. Nesse sentido, além dos exemplos já destacados acima, podem ser
citados diversos julgados do Superior Tribunal de Justiça que, desconsiderando as ultrapassadas
normas do Código Comercial, já reconheciam a mercantilidade da negociação imobiliária e da
atividade de prestação de serviços.
(...) O Tribunal Regional Federal da 1.ª Região negou provimento às apelações dos réus, exarando
entendimento no sentido de que: “As pessoas jurídicas de direito privado, que têm por objetivo
social a prestação de serviços, não estão sujeitas ao pagamento das contribuições para o SESC e
o SENAC, uma vez que não desenvolvem atos de comércio”. (...) 3. Novo posicionamento da 1.ª
Seção do STJ no sentido de que as empresas prestadoras de serviço, no exercício de atividade
tipicamente comercial, estão sujeitas ao recolhimento das contribuições sociais destinadas ao
SESC e ao SENAC. 4. Recursos especiais providos (STJ, REsp 777.074/MG, Rel. Min. José
Delgado, DJ 05.12.2005, p. 245).
Tributário. COFINS. Construção e Vendas de Imóveis. Legalidade da Incidência. Leis
Complementares n.os 56/87 (itens 32, 34 e 50) e 70/91 (arts. 2.º e 6.º) CTN, art. 111. Lei n.º
4.591/64. Decreto-Lei n.º 2.397/87 (art. 1.º). 1. As empresas edificadoras de imóveis, bens aptos à
comercialização, realizam negócios jurídicos de natureza mercantil, celebrados com clientes
compradores. Observada a relação jurídica entre o fisco e contribuinte criada pela lei,
caracterizada atividade empresarial com intuito de lucro, divisados atos mercantis, é legal a
incidência da COFINS nas negociações empresariais e nos serviços prestados, negócios jurídicos
tributáveis. 2. Precedentes jurisprudenciais. 3. Embargos acolhidos (EREsp 110.962/MG, Rel.
Min. Milton Luiz Pereira, DJ 12.08.2002, p. 161).
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3.3.
(...) O imóvel é um bem suscetível de transação comercial, pelo que se insere no conceito de
mercadoria. – Não se sustém, data venia, nos dias que correm a interpretação literal do disposto
no artigo 191 do Código Comercial e do artigo 19, § 1.º, do Regulamento n.º 737. Em épocas de
antanho, os imóveis não constituíam objeto de ato de comércio. Atualmente, tal não se dá, por
força das Leis ns. 4.068/62 e 4.591/64. – Preliminar rejeitada. – Embargos de Divergência
recebidos. Decisão por maioria de votos (EREsp 166.366/PE, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ
12.08.2002, p. 161).
Outra prova de que o direito brasileiro já vinha aproximando-se dos ideais da teoria da empresa
pode ser encontrada na análise da legislação esparsa editada nas últimas décadas. O Código de
Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990) é um exemplo claro. Nele, o conceito de fornecedor é bem
amplo, englobando todo e qualquer exercente de atividade econômica no âmbito da cadeia produtiva.
Aproxima-se mais, portanto, do conceito moderno de empresário do quedo conceito antigo de
comerciante.
Mas muito antes do Código de Defesa do Consumidor a legislação brasileira já se mostrava
atenta à realidade da empresa como fenômeno econômico que se impregnava no Direito. Basta citar,
por exemplo, a antiga Lei 4.137/1962, já revogada, que coibia o abuso de poder econômico no
Brasil. Em seu art. 6.º, essa lei dizia: “considera-se empresa toda organização de natureza civil ou
mercantil destinada à exploração por pessoa física ou jurídica de qualquer atividade com fins
lucrativos”.
Tudo isso demonstra claramente que, em nosso ordenamento jurídico, a passagem da teoria dos
atos de comércio para a teoria da empresa não foi algo que aconteceu de repente, simplesmente em
razão de uma alteração legislativa, como alguns desavisados podem pensar. Foi o resultado de um
processo lento e gradual, que se consolidou, conforme será visto no tópico seguinte, com a entrada
em vigor do Código Civil de 2002.
A teoria da empresa do Brasil com o advento do Código Civil de 2002:
legislação e doutrina
Seguindo à risca a inspiração do Codice Civile de 1942, o novo Código Civil brasileiro
derrogou grande parte do Código Comercial de 1850, na busca de uma unificação, ainda que apenas
formal, do direito privado. Do Código Comercial resta hoje apenas a parte segunda, relativa ao
comércio marítimo (a parte terceira – “das quebras” – já havia sido revogada há muito tempo; de lá
para cá, o direito falimentar brasileiro já foi regulado pelo DL 7.661/1945, que era a antiga Lei de
Falências, hoje revogada e substituída pela Lei 11.101/2005, a Lei de Falência e Recuperação de
Empresas).
O Código Civil de 2002 trata, no seu Livro II, Título I, do “Direito de Empresa”. Desaparece a
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figura do comerciante, e surge a figura do empresário (da mesma forma, não se fala mais em
sociedade comercial, mas em sociedade empresária). A mudança, porém, está longe de se limitar a
aspectos terminológicos. Ao disciplinar o direito de empresa, o direito brasileiro se afasta,
definitivamente, da ultrapassada teoria dos atos de comércio e incorpora a teoria da empresa ao
nosso ordenamento jurídico, adotando o conceito de empresarialidade para delimitar o âmbito de
incidência do regime jurídico empresarial.
Não se fala mais em comerciante, como sendo aquele que pratica habitualmente atos de
comércio. Fala-se agora em empresário, sendo este o que “exerce profissionalmente atividade
econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços” (art. 966 do Código
Civil).
Pois bem. Tendo o Código Civil de 2002 adotado a teoria da empresa, restou superado o
ultrapassado e deficiente critério do Código Comercial de 1850, que definia o comerciante como
aquele que pratica habitualmente atos de comércio. Com a edição do Código Civil de 2002, portanto,
tornam-se obsoletas as noções de comerciante e de ato de comércio, que são substituídas pelos
conceitos de empresário e de empresa, respectivamente.
Destaque-se ainda que o Código Civil se preocupou em afirmar expressamente, em seu art. 2.037,
que as diversas normas comerciais até então existentes que não foram revogadas pelo Código devem
ser aplicadas aos empresários, o que comprova que o conceito de empresário veio para realmente
substituir o antigo conceito de comerciante. Eis o teor do artigo em questão: “Art. 2.037. Salvo
disposição em contrário, aplicam-se aos empresários e às sociedades empresárias as disposições de
lei não revogadas por este Código, referentes a comerciantes, ou a sociedades comerciais, bem como
a atividades mercantis”.
E, se ainda persiste a divisão material do direito privado, contrapondo regimes jurídicos
distintos para a disciplina das relações civis e empresariais, continua a existir, em consequência, a
necessidade de se estabelecer um critério que delimite o âmbito de incidência do direito
empresarial, como conjunto de regras específicas destinadas à disciplina da atividade econômica. E
esse critério é justamente a teoria da empresa.
Portanto, resta-nos perquirir, agora, para a exata compreensão e delimitação do âmbito de
incidência do regime jurídico empresarial, o que significa empresa e, consequentemente, qual é o
conceito de empresário à luz da nova teoria que norteia o direito empresarial.
O Código Civil não definiu diretamente o que vem a ser empresa, mas estabeleceu o conceito de
empresário em seu art. 966, conforme já mencionado. Empresário é quem exerce profissionalmente
atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.
Ora, do conceito de empresário acima transcrito pode-se estabelecer, logicamente, que empresa é
uma atividade econômica organizada com a finalidade de fazer circular ou produzir bens ou serviços.
Nesse sentido, cite-se a seguinte decisão do Superior Tribunal de Justiça:
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(...) 2. O novo Código Civil Brasileiro, em que pese não ter definido expressamente a figura
da empresa, conceituou no art. 966 o empresário como “quem exerce profissionalmente
atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços” e,
ao assim proceder, propiciou ao intérprete inferir o conceito jurídico de empresa como sendo
“o exercício organizado ou profissional de atividade econômica para a produção ou a
circulação de bens ou de serviços”. 3. Por exercício profissional da atividade econômica,
elemento que integra o núcleo do conceito de empresa, há que se entender a exploração de
atividade com finalidade lucrativa. (...) (STJ, REsp 623.367/RJ, 2.ª Turma, Rel. Min. João
Otávio de Noronha, DJ 09.08.2004, p. 245).
Empresa é, portanto, atividade, algo abstrato. Empresário, por sua vez, é quem exerce empresa.
Assim, a empresa não é sujeito de direito . Quem é sujeito de direito é o titular da empresa. Melhor
dizendo, sujeito de direito é quem exerce empresa, ou seja, o empresário, que pode ser pessoa física
(empresário individual) ou pessoa jurídica (sociedade empresária ou EIRELI).
A grande dificuldade em compreender o conceito de empresa para aqueles que iniciam o estudo
do direito empresarial está no fato de que a expressão é comumente utilizada de forma atécnica, até
mesmo pelo legislador, conforme já explicitamos acima. Empresa é, na verdade, um conceito
abstrato, que corresponde, como visto, a uma atividade econômica organizada, destinada à produção
ou à circulação de bens ou de serviços. Não se deve confundir, pois, empresa com sociedade
empresária. Esta, na verdade, é uma pessoa jurídica que exerce empresa, ou seja, que exerce uma
atividade econômica organizada. Empresa e empresário são noções, portanto, que se relacionam,
mas não se confundem.
Também não se deve confundir, por exemplo, empresa com estabelecimento empresarial. Este é o
complexo de bens que o empresário usa para exercer uma empresa, isto é, para exercer uma
atividade econômica organizada.
Enfim, a Lei 10.406/2002, que instituiu o novo Código Civil em nosso ordenamento jurídico,
completou a tão esperada transição do direito comercial brasileiro: abandonou-se a teoria francesa
dos atos de comércio para adotar-se a teoria italiana da empresa.
A evolução do direito comercial no mundo
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4.
A evolução do direito comercial no Brazil
O PROBLEMA DA NOMENCLATURA: DIREITOCOMERCIAL OU DIREITO
EMPRESARIAL?
Não se pode negar que o uso da expressão direito comercial se consagrou no meio jurídico
acadêmico e profissional, sobretudo porque foi o comércio, desde a Antiguidade, como dito, a
atividade precursora deste ramo do direito. Ocorre que, como bem destaca a doutrina comercialista,
há hoje outras atividades negociais, além do comércio, como a indústria, os bancos, a prestação de
serviços, entre outras.
Hodiernamente, portanto, o direito comercial não cuida apenas do comércio, mas de toda e
qualquer atividade econômica exercida com profissionalismo, intuito lucrativo e finalidade de
produzir ou fazer circular bens ou serviços. Dito de outra forma: o direito comercial, hoje, cuida das
relações empresariais, e por isso alguns têm sustentado que, diante dessa nova realidade, melhor
seria usar a expressão direito empresarial.
Alguns autores, inclusive, já acolheram a nova denominação, e por isso já podemos ver uma série
de cursos e manuais de direito empresarial no mercado editorial brasileiro. Também não é pequeno
o número de Faculdades de Direito no Brasil que alteraram o nome da disciplina direito comercial
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5.
para direito empresarial. Em contrapartida, também há alguns autores que continuam com seus cursos
e manuais de direito comercial, bem como há algumas faculdades que mantiveram em seus currículos
a disciplina direito comercial. Vale mencionar também que há alguns anos tem-se realizado em São
Paulo o Congresso Brasileiro de Direito Comercial (não se optou pela expressão direito
empresarial) e que, conforme veremos adiante, um novo Código para regulação desse ramo jurídico
está em tramitação, o qual está sendo chamado de novo Código Comercial, e não Código
Empresarial.
Ora, não há maiores problemas na alteração da nomenclatura do direito comercial, e parece-nos
que este deve ser realmente o caminho a ser adotado pela doutrina. De fato, não é salutar a falta de
uniformidade na referência a este importante ramo da árvore jurídica. Seria interessante que se
chegasse a um consenso, e a partir de então fosse adotada uma única nomenclatura. E a mais
adequada, diante da definitiva adoção da teoria da empresa pelo nosso ordenamento jurídico, é a
expressão direito empresarial. Não obstante, diante da constatação de que a expressão direito
comercial é, de fato, uma terminologia tradicional e por muitos ainda utilizada, usaremos, na presente
obra, as duas expressões indistintamente.
AUTONOMIA DO DIREITO EMPRESARIAL
A partir das observações feitas acima, pelas quais tentamos estabelecer, em resumo, as bases
históricas da afirmação do direito comercial, visto como ramo jurídico independente e autônomo,
podemos conceituá-lo, em síntese, como o regime jurídico especial de direito privado destinado à
regulação das atividades econômicas e dos seus agentes produtivos. Na qualidade de regime jurídico
especial, contempla todo um conjunto de normas específicas que se aplicam aos agentes econômicos,
antes chamados de comerciantes e hoje chamados de empresários – expressão genérica que
abrange os empresários individuais, as sociedades empresárias e as EIRELI.
Essa autonomia que o direito comercial (hoje chamado também de direito empresarial) possui em
relação ao direito civil não significa, todavia, que eles sejam ramos absolutamente distintos e
contrapostos. Direito comercial e direito civil, como ramos englobados na rubrica direito privado,
possuem, não raro, institutos jurídicos comuns. Ademais, o direito comercial, como regime jurídico
especial que é, muitas vezes socorre-se do direito civil – este entendido, pode-se dizer, como um
regime jurídico geral das atividades privadas – para suprir eventuais lacunas de seu arcabouço
normativo.
E mais: como bem destacou há tempos Tullio Ascarelli, a afirmação do direito empresarial como
um conjunto sistematizado de regras especiais contribui para o próprio desenvolvimento do direito
civil, já que os institutos específicos que nascem no direito empresarial, com o passar do tempo,
acabam sendo incorporados pelo direito comum. Basta citar o caso do bem de família, o qual,
pensado originalmente como forma de limitar a responsabilidade do comerciante individual, foi
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incorporado ao nosso ordenamento jurídico pelo antigo Código Civil de 1916, em seus arts. 70 e 71.
É bem verdade que a partir de certo momento a doutrina passou a discutir, com certa ênfase, a
tese da unificação do direito privado, a qual partia, fundamentalmente, da ideia de que a separação
entre o direito civil e o direito comercial não passava de um mero fenômeno histórico já superado,
ligado sobretudo ao surgimento e desenvolvimento do capitalismo. A unificação representaria, para
os defensores dessa tese, a demonstração inequívoca da evolução do direito privado e da sua
adaptação à nova realidade, representando, em definitivo, o fim do direito comercial como um ramo
autônomo.
A tese da perda de autonomia do direito comercial decorrente do processo de unificação
legislativa do direito privado, felizmente, não vingou. Afinal, as atividades econômicas
desenvolvidas no mercado possuem características muito peculiares, que fazem do direito
empresarial um regime jurídico especial, com regras, princípios e institutos jurídicos próprios.
Podem ser citados, por exemplo, a limitação de responsabilidade dos sócios de sociedades limitadas
e anônimas, a falência, os títulos de créditos e os princípios do regime jurídico cambial etc.
Ademais, a suposta unificação, conforme vimos, operou-se num plano estritamente formal. A
autonomia de um direito, por outro lado, deve ser analisada sob o ponto de vista substancial ou
material, e nesse sentido não há dúvidas de que o direito comercial/empresarial é autônomo e
independente em relação aos demais ramos jurídicos, inclusive em relação ao direito civil.
Assim, pode-se dizer que cabe ao direito civil, como bem destacava o art. 1.º do Código Civil de
1916, a disciplina geral dos direitos e obrigações de ordem privada concernentes às pessoas, aos
bens e às suas relações, sendo, ademais, fonte normativa subsidiária para os demais ramos do
direito. Já ao direito comercial cabe, por outro lado, a disciplina especial dos direitos e obrigações
de ordem privada concernentes às atividades econômicas organizadas (antes: atos de comércio;
hoje: empresas).
Durante muito tempo, é verdade, o direito civil foi o próprio direito privado, realidade que
mudou radicalmente a partir do desenvolvimento das atividades mercantis, o que fez surgir o direito
comercial, como ramo especial destinado justamente a regular os interesses especiais dos agentes
econômicos.
Não há como negar, portanto, que o direito comercial ou empresarial é, sim, ramo autônomo e
independente da árvore jurídica. A comprovar isso se pode citar, por exemplo, o fato de que o
direito comercial é até os dias atuais lecionado em disciplina autônoma nos cursos de direito do
País. Pode-se citar, ainda, o fato de que a Constituição da República estabelece, em seu art. 22,
inciso I, que compete à União legislar sobre direito civil e direito comercial, mostrando que se trata
de ramos autônomos e distintos.
Ademais, desde a sua origem até os dias atuais o direito comercial/empresarial conserva uma
série de características próprias, que o distinguem e o identificam como disciplina autônoma e
5.1.
5.1.1.
independente.
São características fundamentais do direito empresarial, que o distinguem sobremaneira do
direito civil: a) o cosmopolitismo, uma vez que o comércio, historicamente, foi fator fundamental de
integração entre os povos, razão pela qual o seu desenvolvimento propicia, até os dias de hoje, uma
intensa inter-relação entre os países (note-se que em matéria de direito empresarial há diversos
acordos internacionais em vigor, muitos dos quais o Brasil é signatário, tais como a Convenção de
Genebra, que criou uma legislação uniforme sobre títulos decrédito, e a Convenção da União de
Paris, que estabelece preceitos uniformes sobre propriedade industrial); b) a onerosidade, dado o
caráter econômico e especulativo das atividades mercantis, que faz com que o intuito de lucro seja
algo intrínseco ao exercício da atividade empresarial; c) o informalismo, em função do dinamismo
da atividade empresarial, que exige meios ágeis e flexíveis para a realização e a difusão das práticas
mercantis; d) o fragmentarismo, pelo fato de o direito empresarial possuir uma série de sub-ramos
com características específicas (direito falimentar, direito cambiário, direito societário, direito de
propriedade industrial etc.); e e) a elasticidade, porque o direito empresarial é um regime jurídico
que permanece em constante processo de mudança, para melhor se adequar ao dinamismo das
atividades econômicas.
Os princípios do direito empresarial
Do que se expôs até agora, pode-se concluir que o direito empresarial, enfim, é o direito da
empresa, isto é, o regime jurídico especial de direito privado que disciplina o exercício de atividade
econômica organizada. É no direito empresarial que iremos encontrar as regras jurídicas especiais
para a disciplina do mercado, e para tanto é fundamental que essas regras, em função de sua
especialidade, estejam assentadas em uma principiologia própria, que destaque a
imprescindibilidade da empresa como instrumento para o desenvolvimento econômico e social das
sociedades contemporâneas, nas quais as bases do capitalismo – livre-iniciativa, propriedade
privada, autonomia da vontade e valorização do trabalho humano – já estão enraizadas e
solidificadas como valores inegociáveis para a construção e manutenção de uma sociedade livre.
Liberdade de iniciativa
A livre-iniciativa é o princípio fundamental do direito empresarial. Em nosso ordenamento
jurídico, constitui princípio constitucional da ordem econômica, conforme previsão expressa do art.
170 da CF/1988: “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre-
iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social,
observados os seguintes princípios”.
No dizer do professor Fábio Ulhoa Coelho, o princípio da livre-iniciativa se desdobra em quatro
condições fundamentais para o funcionamento eficiente do modo de produção capitalista: (i)
imprescindibilidade da empresa privada para que a sociedade tenha acesso aos bens e serviços de
que necessita para sobreviver; (ii) busca do lucro como principal motivação dos empresários; (iii)
necessidade jurídica de proteção do investimento privado; (iv) reconhecimento da empresa privada
como polo gerador de empregos e de riquezas para a sociedade.
Infelizmente, porém, nos dias atuais, o princípio da livre-iniciativa vem sendo relativizado
progressivamente, muito em função de uma mentalidade anticapitalista que incrivelmente se
desenvolve em muitas pessoas, sobretudo entre os chamados “intelectuais” e entre aqueles que nos
dominam e nos exploram: os burocratas do Estado.
O avanço do Estado sobre o mercado, com a consequente restrição da aplicação do princípio da
livre-iniciativa, é tão grande que, se fizermos uma rápida pesquisa na jurisprudência dos nossos
tribunais, veremos que ele sempre é deixado de lado quando confrontado com outros princípios
“sociais”, como se pode ver a partir da leitura dos julgados abaixo, todos do Supremo Tribunal
Federal:
Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 7.844/92, do Estado de São Paulo. Meia entrada
assegurada aos estudantes regularmente matriculados em estabelecimentos de ensino. Ingresso
em casas de diversão, esporte, cultura e lazer. Competência concorrente entre a União, Estados-
Membros e o Distrito Federal para legislar sobre direito econômico. Constitucionalidade. Livre-
iniciativa e ordem econômica. Mercado. Intervenção do Estado na economia. Artigos 1.º, 3.º, 170,
205, 208, 215 e 217, § 3.º, da Constituição do Brasil. 1. É certo que a ordem econômica na
Constituição de 1988 define opção por um sistema no qual joga um papel primordial a livre-
iniciativa. Essa circunstância não legitima, no entanto, a assertiva de que o Estado só intervirá
na economia em situações excepcionais. 2. Mais do que simples instrumento de governo, a nossa
Constituição enuncia diretrizes, programas e fins a serem realizados pelo Estado e pela
sociedade. Postula um plano de ação global normativo para o Estado e para a sociedade,
informado pelos preceitos veiculados pelos seus artigos 1.º, 3.º e 170. 3. A livre-iniciativa é
expressão de liberdade titulada não apenas pela empresa, mas também pelo trabalho. Por isso a
Constituição, ao contemplá-la, cogita também da “iniciativa do Estado”; não a privilegia,
portanto, como bem pertinente apenas à empresa. 4. Se de um lado a Constituição assegura a
livre-iniciativa, de outro determina ao Estado a adoção de todas as providências tendentes a
garantir o efetivo exercício do direito à educação, à cultura e ao desporto [artigos 23, inciso V,
205, 208, 215 e 217, § 3.º, da Constituição]. Na composição entre esses princípios e regras há de
ser preservado o interesse da coletividade, interesse público primário. 5. O direito ao acesso à
cultura, ao esporte e ao lazer, são meios de complementar a formação dos estudantes. 6. Ação
direta de inconstitucionalidade julgada improcedente (ADI 1.950, Rel. Min. Eros Grau, Tribunal
Pleno, j. 03.11.2005, DJ 02.06.2006, p. 4, Ement. vol-02235-01, p. 52, LEXSTF v. 28, n. 331, 2006,
p. 56-72, RT v. 95, n. 852, 2006, p. 146-153).
Ação direta de inconstitucionalidade. Lei 8.039, de 30 de maio de 1990, que dispõe sobre critérios
de reajuste das mensalidades escolares e dá outras providencias. – Em face da atual
Constituição, para conciliar o fundamento da livre-iniciativa e do princípio da livre
concorrência com os da defesa do consumidor e da redução das desigualdades sociais, em
conformidade com os ditames da justiça social, pode o Estado, por via legislativa, regular a
política de preços de bens e de serviços, abusivo que é o poder econômico que visa ao aumento
arbitrário dos lucros. – Não é, pois, inconstitucional a Lei 8.039, de 30 de maio de 1990, pelo só
fato de ela dispor sobre critérios de reajuste das mensalidades das escolas particulares. – Exame
das inconstitucionalidades alegadas com relação a cada um dos artigos da mencionada Lei.
Ofensa ao princípio da irretroatividade com relação a expressão “marco” contida no parágrafo
5.º do artigo 2.º da referida Lei. Interpretação conforme a Constituição aplicada ao “caput” do
artigo 2.º, ao parágrafo 5.º desse mesmo artigo e ao artigo 4.º, todos da Lei em causa. Ação que se
julga procedente em parte, para declarar a inconstitucionalidade da expressão “marco” contida
no parágrafo 5.º do artigo 2.º da Lei n. 8.039/90, e, parcialmente, o “caput” e o parágrafo 2.º do
artigo 2.º, bem como o artigo 4.º os três em todos os sentidos que não aquele segundo o qual de
sua aplicação estão ressalvadas as hipóteses em que, no caso concreto, ocorra direito adquirido,
ato jurídico perfeito e coisa julgada (ADI 319 QO, Rel. Min. Moreira Alves, Tribunal Pleno, j.
03.03.1993, DJ 30.04.1993, p. 7.563, Ement. vol-01701-01, p. 36).
Agravo regimental. Suspensão de tutela antecipada. Importação de pneumáticos usados.
Manifesto interesse público. Grave lesão à ordem e à saúde públicas. 1. Lei 8.437/92, art. 4.º.
Suspensão de liminar que deferiu a antecipação dos efeitos da tutela recursal. Critérios legais. 2.
Importação de pneumáticos usados. Manifesto interesse público. Dano Ambiental. Demonstração
de grave lesão à ordem pública, considerada em termos de ordem administrativa, tendo em
conta a proibição geral de não importação de bens de consumo ou matéria-prima usada.
Precedentes. 3. Ponderação entre as exigências para preservação da saúde e do meio ambiente e
o livre exercício da atividade econômica (art. 170 da Constituição Federal). 4. Grave lesão à
ordem pública, diante do manifesto e inafastável interesse público à saúde e ao meio ambiente
ecologicamenteequilibrado (art. 225 da Constituição Federal). Precedentes. 5. Questão de
mérito. Constitucionalidade formal e material do conjunto de normas (ambientais e de comércio
exterior) que proíbem a importação de pneumáticos usados. Pedido suspensivo de antecipação de
tutela recursal. Limites impostos no art. 4.º da Lei n.º 8.437/1992. Impossibilidade de discussão na
presente medida de contracautela. 6. Agravo regimental improvido (STA 171 AgR, Rel. Min. Ellen
Gracie, Tribunal Pleno, j. 12.12.2007, DJe-036, Divulg. 28.02.2008, Public. 29.02.2008, Ement.
vol-02309-01, p. 38).
Constitucional. Administrativo. Distribuição de combustíveis. TRR. Regulamentação DL 395/38.
Recepção. Portaria Ministerial. Validade. 1. O exercício de qualquer atividade econômica
pressupõe o atendimento aos requisitos legais e às limitações impostas pela Administração no
regular exercício de seu poder de polícia, principalmente quando se trata de distribuição de
combustíveis, setor essencial para a economia moderna. 2. O princípio da livre-iniciativa não
pode ser invocado para afastar regras de regulamentação do mercado e de defesa do
consumidor. 2. O DL 395/38 foi editado em conformidade com o art. 180 da CF de 1937 e, na
inexistência da lei prevista no art. 238 da Carta de 1988, apresentava-se como diploma
plenamente válido para regular o setor de combustíveis. Precedentes: RE 252.913 e RE 229.440.
3. A Portaria 62/95 do Ministério de Minas e Energia, que limitou a atividade do transportador-
revendedor-retalhista, foi legitimamente editada no exercício de atribuição conferida pelo DL
395/38 e não ofendeu o disposto no art. 170, parágrafo único, da Constituição. 4. Recurso
extraordinário conhecido e provido (RE 349.686, Rel. Min. Ellen Gracie, 2.ª Turma, j. 14.06.2005,
DJ 05.08.2005, p. 119, Ement. vol-02199-06, p. 1.118, LEXSTF v. 27, n. 321, 2005, p. 309-314).
Direito constitucional e processual civil. Farmácia: horário de funcionamento. Matéria de
competência municipal. Precedente do Plenário. Recurso extraordinário: pressupostos de
admissibilidade. Agravo. 1. Como salientado na decisão agravada, “o Plenário do Supremo
Tribunal Federal já decidiu, por unanimidade, no julgamento do RE 237.965-SP, publicado no DJ,
31.03.00, Rel. Ministro Moreira Alves, que a fixação de horário de funcionamento para
farmácias é matéria de competência municipal, não procedendo, portanto, as alegações de
violação aos princípios constitucionais da isonomia, da livre-iniciativa, da livre concorrência,
da liberdade de trabalho, da busca do pleno emprego e ao direito do consumidor”. 2. Os
fundamentos desse precedente foram resumidos na decisão agravada, que mencionou outros, e
não infirmados pela agravante. 3. Agravo improvido (RE 321.796 AgR, Rel. Min. Sydney Sanches,
1.ª Turma, j. 08.10.2002, DJ 29.11.2002, p. 20, Ement. vol-02093-05, p. 904).
Arguição de descumprimento de preceito fundamental. Empresa pública de correios e telégrafos.
Privilégio de entrega de correspondências. Serviço postal. Controvérsia referente à Lei federal
6.538, de 22 de junho de 1978. Ato normativo que regula direitos e obrigações concernentes ao
serviço postal. Previsão de sanções nas hipóteses de violação do privilégio postal.
Compatibilidade com o sistema constitucional vigente. Alegação de afronta ao disposto nos
artigos 1.º, inciso IV; 5.º, inciso XIII, 170, caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da
Constituição do Brasil. Violação dos princípios da livre concorrência e livre-iniciativa. Não
caracterização. Arguição julgada improcedente. Interpretação conforme à Constituição conferida
ao artigo 42 da Lei n. 6.538, que estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal
da União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9.º, da Lei. 1. O serviço postal –
conjunto de atividades que torna possível o envio de correspondência, ou objeto postal, de um
remetente para endereço final e determinado – não consubstancia atividade econômica em sentido
estrito. Serviço postal é serviço público. 2. A atividade econômica em sentido amplo é gênero que
5.1.2.
compreende duas espécies, o serviço público e a atividade econômica em sentido estrito.
Monopólio é de atividade econômica em sentido estrito, empreendida por agentes econômicos
privados. A exclusividade da prestação dos serviços públicos é expressão de uma situação de
privilégio. Monopólio e privilégio são distintos entre si; não se os deve confundir no âmbito da
linguagem jurídica, qual ocorre no vocabulário vulgar. 3. A Constituição do Brasil confere à
União, em caráter exclusivo, a exploração do serviço postal e o correio aéreo nacional [artigo 20,
inciso X]. 4. O serviço postal é prestado pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT,
empresa pública, entidade da Administração Indireta da União, criada pelo Decreto-lei n. 509, de
10 de março de 1969. 5. É imprescindível distinguirmos o regime de privilégio, que diz com a
prestação dos serviços públicos, do regime de monopólio sob o qual, algumas vezes, a exploração
de atividade econômica em sentido estrito é empreendida pelo Estado. 6. A Empresa Brasileira de
Correios e Telégrafos deve atuar em regime de exclusividade na prestação dos serviços que lhe
incumbem em situação de privilégio, o privilégio postal. 7. Os regimes jurídicos sob os quais em
regra são prestados os serviços públicos importam em que essa atividade seja desenvolvida sob
privilégio, inclusive, em regra, o da exclusividade. 8. Arguição de descumprimento de preceito
fundamental julgada improcedente por maioria. O Tribunal deu interpretação conforme à
Constituição ao artigo 42 da Lei n. 6.538 para restringir a sua aplicação às atividades postais
descritas no artigo 9.º desse ato normativo (ADPF 46, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ Acórdão
Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, j. 05.08.2009, DJe-035, Divulg. 25.02.2010, Public. 26.02.2010,
Ement. vol-02391-01, p. 20).
Da leitura das ementas dos acórdãos acima transcritos se pode perceber a que ponto chegou a
mentalidade estatista e anticapitalista do brasileiro. A ideia de que a livre-iniciativa é algo
antagônico a outros princípios ditos “sociais” é deveras equivocada. A História é pródiga em
exemplos que demonstram que as sociedades mais livres e que defendem com mais veemência o
princípio da livre-iniciativa são mais desenvolvidas, social e economicamente, e ostentam menos
desigualdades e mais qualidade de vida.
Basta olhar os rankings de liberdade econômica e os rankings de desenvolvimento social para
se perceber que os países que possuem economias mais livres e abertas (menos burocracia, mais
respeito à propriedade privada e aos contratos, pouca intervenção estatal no mercado, dentre outras
características) são também os países mais bem colocados em termos de IDH (Índice de
Desenvolvimento Humano). Da mesma forma, os países que possuem economias mais
intervencionistas e fechadas ocupam geralmente as piores colocações em termos de IDH.
Liberdade de concorrência
Outro princípio basilar do direito empresarial é a livre concorrência, também prevista
expressamente na CF/1988 como princípio constitucional da ordem econômica: “Art. 170. A ordem
econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre-iniciativa, tem por fim assegurar a
todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
(...) IV – livre concorrência; (...)”.
Infelizmente este também é um princípio que não vem sendo respeitado no Brasil. E quem mais
desrespeita a livre concorrência é justamente aquele ente que, em tese, deveria protegê-la: o Estado.
Se, por um lado, o Estado finge defender a livre concorrência, criando órgãos com tal missão
institucional, tais como o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), por outro lado é o
próprio Estado que ataca a sagrada liberdade de competição, intervindo cada vez mais na economia,
restringindo cada vez mais o exercício de atividade econômica e criando cada vez mais obstáculos
ao empreendedorismo.
É verdade que as “privatizações” ocorridas nasúltimas décadas melhoraram bastante o ambiente
concorrencial nos setores “privatizados”. Mas, infelizmente, o referido processo de privatização não
significou a real desestatização da economia brasileira. O Estado deixou de exercer diretamente uma
série de atividades econômicas, nos poupando de suas usuais ineficiência e corrupção, mas passou a
exercer a atividade de regulador.
Por mais que se diga que as cada vez mais numerosas agências reguladoras possuem a função
precípua de assegurar a livre competição nos respectivos mercados regulados e proteger o
consumidor, o que acontece é justamente o contrário. Agências reguladoras (ANATEL, ANEEL,
ANP, ANVISA etc.), bem como órgãos antitruste (CADE) são absolutamente desnecessários numa
economia na qual vigora o livre mercado genuíno. O exercício de atividade econômica não pode ser
guiado por decretos e regulamentos baixados por funcionários públicos, mas sim pelos consumidores
dos produtos e serviços.1
A imensa quantidade de órgãos de controle cria um emaranhado de regulamentos que acabam se
tornando barreiras insuperáveis à entrada de novos competidores, algo que, por si só, é uma violação
à livre concorrência. Ademais, quanto mais regulação estatal existe, maior é o risco da chamada
“captura regulatória”: os empresários já estabelecidos se adaptam às regulações e passam depois a
usá-las como forma de impedir a entrada de concorrentes. É assim, pois, que o Estado contribui para
a formação de monopólios, duopólios e oligopólios. Enfim, regulação estatal é algo que
definitivamente não se coaduna com a liberdade de competição. Basta ver que os mercados mais
regulados (sistema financeiro, telecomunicações, aviação civil, seguros etc.) são justamente aqueles
mais fechados e, consequentemente, mais dominados por um grupo de empresas. Consequentemente,
como a regulação excessiva impede a livre concorrência nesses mercados, os seus consumidores
sofrem com produtos/serviços ruins e preços altos, e são justamente esses mercados que abarrotam o
Poder Judiciário com infindáveis demandas ajuizadas por consumidores insatisfeitos.
Quando o Estado se propõe a, supostamente, garantir a livre-concorrência (este autor
definitivamente não acredita que o Estado faça algo em prol da livre concorrência; ao contrário, ele é
5.1.3.
o maior agressor de tal princípio), ele o faz, diz-se, de duas maneiras: coibindo práticas de
concorrência desleal e atos que configurem infração contra a ordem econômica. No primeiro caso,
as sanções estão previstas nos arts. 183 e seguintes da Lei 9.279/1996, e o objeto da punição estatal
são condutas que atingem um concorrente in concreto (por exemplo: contrafação de marca, venda de
produto “pirata”, divulgação de informação falsa sobre concorrente etc.). No segundo caso, por sua
vez, as sanções estão previstas na Lei 12.529/2011, e o objeto da punição estatal são condutas que
atingem a concorrência in abstrato, isto é, o próprio ambiente concorrencial (por exemplo: cartéis).
Finalmente, é preciso destacar uma manifestação importante do princípio da livre concorrência,
bem lembrada pelo professor Fábio Ulhoa Coelho: a regra de ouro da competição é a seguinte: quem
acerta, ganha (obtém lucros); quem erra, perde (sofre prejuízos). O Estado não pode interferir nessa
equação, sob pena de desvirtuar toda a lógica do mercado. Uma área em que essa manifestação do
princípio da livre concorrência aparece com muita clareza são os contratos empresariais, os quais,
como veremos oportunamente, não devem sofrer intervenção estatal nem prévia (dirigismo
contratual) nem posterior (revisão judicial).
Garantia e defesa da propriedade privada
A propriedade privada também está elencada no art. 170 da CF/1988 como princípio
constitucional da ordem econômica, formando, junto com a livre-iniciativa e a livre concorrência, a
tríade que dá sustentação ao direito empresarial: “Art. 170. A ordem econômica, fundada na
valorização do trabalho humano e na livre-iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna,
conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...) II – propriedade
privada; (...)”.
Garantir e defender a propriedade privada dos meios de produção é pressuposto fundamental do
regime capitalista de livre mercado. Ausente a propriedade privada, não há também mercado,
obviamente. Não havendo mercado, não há como precificar os bens e serviços em produção e
circulação de forma legítima e eficiente, não havendo alternativa senão o planejamento central da
economia, situação na qual os preços são arbitrariamente fixados por burocratas, o que fatalmente
leva ao colapso econômico e social, como a História já comprovou. Só o capitalismo consegue
resolver o problema do cálculo econômico, e o que lhe permite isso é precisamente a propriedade
privada, como já nos alertou desde o início do século passado o economista austríaco Ludwig von
Mises.
É triste reconhecer isso, mas infelizmente a garantia da propriedade privada também se trata de
princípio que vem sendo relativizado progressivamente em nosso ordenamento jurídico, a partir do
fluido e nebuloso conceito de “função social”. Para muitos, é difícil entender que a função primordial
de uma empresa é gerar lucros e que a geração de lucros, em última análise, é que permite o
funcionamento sadio do mercado e o verdadeiro desenvolvimento econômico e “social”.
5.1.4. Princípio da preservação da empresa
Um dos princípios do direito empresarial mais alardeados pela doutrina especializada nos dias
atuais é o princípio da preservação da empresa, o qual vem sendo amplamente difundido, inspirando
alterações legislativas recentes, como a Lei 11.101/2005 (Lei de Falência e Recuperação de
Empresas), e fundamentando inúmeras decisões judiciais. A propósito, confiram-se os seguintes
julgados, nos quais o STJ deixa clara a sua preocupação com a preservação da empresa:
Processo civil. Execução. Penhora de renda. Ausência de prévia citação. Nulidade. (...) – As
Turmas que compõem a Segunda Seção deste Tribunal têm admitido a penhora sobre o
faturamento da empresa desde que, cumuladamente: a) o devedor não possua bens ou, se os
possuir, sejam esses de difícil execução ou insuficientes a saldar o crédito demandado, b) haja
indicação de administrador e esquema de pagamento (CPC, art. 677) e c) o percentual fixado
sobre o faturamento não torne inviável o exercício da atividade empresarial. Recurso Especial
parcialmente provido (REsp 866.382/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3.ª Turma, j. 11.11.2008, DJe
26.11.2008).
Processual civil. Agravo regimental. Medida cautelar. Penhora sobre o faturamento bruto da
empresa. Ausência de outros bens passíveis de constrição eficaz. Possibilidade. Percentual
elevado. Comprometimento das atividades empresariais. Redução. I. Conquanto possível a
penhora sobre o faturamento bruto da devedora, quando inexistentes bens disponíveis de fácil
liquidação, deve ela observar percentual que não comprometa a higidez financeira, ameaçando
o prosseguimento das atividades empresariais. (...) (AgRg na MC 14.919/RS, Rel. Min. Aldir
Passarinho Junior, 4.ª Turma, j. 09.12.2008, DJe 02.02.2009).
O princípio da preservação da empresa também tem sido muito usado pelos tribunais pátrios para
fundamentar decisões em matéria de dissolução de sociedades, falência, recuperação judicial etc.
Nesses últimos casos, porém, é preciso ter muito cuidado para que a aplicação excessiva e sem
critério do princípio não provoque a sua banalização. Muitas vezes atividades empresariais devem
mesmo ser encerradas, e nesses casos impedir a falência do empresário ou da sociedade empresária
contraria a ordem espontânea do mercado, sobretudo quando a manutenção de tais atividades é
conseguida com os famigerados “pacotes de socorro” baixados pelo governo.
O capitalismo é um sistema no qual os empresários auferem lucros privados e sofrem prejuízos
privados. Os “pacotes de socorro”, pois, desvirtuam a lógica natural do capitalismo, criando um
sistema no qual os empresários bem relacionados auferem lucros

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