Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
EXMO. SR. PRESIDENTE DA COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS As Defensoras abaixo-assinadas, integrantes do Grupo de Trabalho de Direitos Humanos da Procuradoria Geral do Estado (São Paulo/SP), qualificadas em anexo, com fundamento no Artigo 44 da Convenção Americana de Direitos Humanos, ratificada pelo Brasil em 25 de setembro de 1992, vêm, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, apresentar à Comissão Interamericana de Direitos Humanos a presente PETIÇÃO, concernente à VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 1, 2, 5, 7, 8, 13, 15 e 25 da Convenção Americana, pelos motivos de fato e direito expostos a seguir: 1. DOS FATOS Geraldo Hamilton Dos Santos, brasileiro naturalizado, homem transsexual, solteiro, advogado da Associação Nacional de Travestis e Transsexuais, doravante denominada simplesmente ANTRA, portador de carteira de identidade nº 42.341.677-2 expedida pela Secretária de Segurança Pública (SSP/SP), inscrito sob CPF sob nº 142.548.278-56, residente e domiciliado na Avenida Augusta, 2520 - Jardins, São Paulo, SP ao CEP 04142-003, doravante denominado simplesmente DEFENDIDO, vem perante esta corte propor e requerer o que segue. O DEFENDIDO foi preso arbitrariamente pela Polícia Militar do Estado de São Paulo, doravante denominada simplesmente PMSP, no dia 12 de novembro de 2018, durante uma manifestação a favor do reconhecimento, nas ações de agentes penitenciários, da dignidade da pessoa humana no tratamento dado às mulheres transsexuais em situação de cárcere, manifestação esta que ocorreu na rua Itambé, bairro Higienópolis/SP, promovido pela ANTRA e previamente notificado às autoridades competentes. O DEFENDIDO foi abordado pela PMSP, sob a justificativa do dever de apresentar documentos para que fosse permitido continuar em manifestação. Ocorre que, ao apresentar RG e carteira OAB, foi constatado que os nomes divergiam nestes documentos: no primeiro constava o nome atualizado de acordo com sua identidade de gênero e, no segundo, o antigo nome de registro. Fato é que o DEFENDIDO somente teve a oportunidade de mudar seu nome de nascença após seu ingresso profissional em diversos escritórios e, finalmente, quando já trabalhando para a ANTRA, teve o apoio emocional necessário para de fato efetivar a mudança de registro segundo seu nome social, escolhido em conformidade com sua identidade de gênero. Contudo, sua nova carteira de identificação da OAB ainda estava em processo de nova emissão. Ao justificar aos agentes da PMSP, o DEFENDIDO adicionalmente esclareceu ter em sua residência papéis que comprovavam de forma documental e oficial a supracitada divergência, porém foi ignorado pelos agentes da polícia e preso imediatamente sob alegação de falsidade ideológica, atentado contra à ordem pública e desacato simplesmente pelas suas inúmeras tentativas de explicar a situação aos agentes da polícia, de forma educada e pacífica . As alegações não possuem nexo e claramente também são motivadas por conta da área de atuação do DEFENDIDO, em sua busca pelo respeito e dignidade raramente atribuídos aos transsexuais nos presídios – principalmente as mulheres trans. Nós, DEFENSORAS e respectivas representantes do réu, gostaríamos de esclarecer a importância da peculiaridade da situação em que o DEFENDIDO teve sua prisão decretada. No dia seguinte à prisão, o DEFENDIDO daria início à ministração um curso gratuito e incentivado pelo próprio Ministério Público, voltado aos carcereiros das localidades de São Paulo. Tal curso teria como temática a vulnerabilidade das mulheres trans em situação de cárcere e reforçar de forma clara e expositiva quais tratamento estariam de acordo com o respeito à dignidade da pessoa humana, prevista no Art. 1 da Convenção Interamericana dos Direitos Humanos1, assim como a grande importância em seguir tais orientações. Ao chegar à delegacia, o DEFENDIDO foi ainda desrespeitado sendo chamado de “moça” e questionado de maneira inaceitável sobre qual seriam seus motivos para defender as mulheres trans em situação de cárcere, se referindo às mesmas com termos como “demônios” e “escórias da humanidade”. O DEFENDIDO afirmou o tempo todo que tinha em sua residência provas concretas que provariam sua inocência e de que tanto a manifestação quanto o curso que ofereceria não eram inconstitucionais e que, de fato, o direito de manifestação 1 CIDH “Artigo 1º - Obrigação de respeitar os direitos 1. Os Estados-partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma, por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social. 2. Para efeitos desta Convenção, pessoa é todo ser humano” estaria garantido em letra de lei segundo o Art. 5º, XVI da Constituição Federal brasileira2. Faz-se necessário ainda, citar a divergência entre os depoimentos dados pelos agentes da PMSP e pelas testemunhas, que eram alguns dos seguidores do DEFENDIDO, líder de minorias e principal organizador da manifestação junto ao ANTRA. O depoimento dos agentes expressava agressividade e desobediência do DEFENDIDO durante a abordagem policial e o caráter depredatório e atentatório à ordem pública da manifestação da qual o DEFENDIDO fazia parte como principal liderança. Em contrapartida, o depoimento das testemunhas de defesa afirma o caráter pacífico da reunião e protesto em que se encontravam e a absoluta cordialidade e mansidão do DEFENDIDO para com os agentes da PMSP durante a abordagem, em detrimento ao comportamento e ações completamente agressivas dos mesmos. As DEFENSORAS representantes do DEFENDIDO apresentaram a documentação que descarta a falsidade ideológica, porém a prisão provisória deste foi mantida com a fundamentação das outras acusações, contrariando a letra da lei disposta no Art. 313 do Código de Processo Penal brasileiro3, que prevê a decretação e manutenção da prisão preventiva somente em casos específicos, não condizentes com o do DEFENDIDO. Considerando o exposto, foi impetrado Habeas Corpus com Pedido Liminar, requerendo a revogação da prisão preventiva em decorrência de falta de fundamentação jurídica e inconstitucionalidade. Isso foi indeferido pelo sistema judiciário brasileiro e o DEFENDIDO responde pelo processo atualmente encarcerado na Penitenciária II de São Vicente, localizada na Rodovia Padre Manoel da Nóbrega, km 282 – Samarita, São Vicente, SP no CEP 11348- 910. A sentença, proferida pelo magistrado da 13ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, condenou o DEFENDIDO à pena privativa de liberdade de oito anos, não sendo concedido a ele o direito de recorrer em liberdade, sob a justificativa de que havia contra ele título condenatório em curso ,de lesão corporal ocorrido em situação adversa, fato anterior 2 Art. 5º, XVI da Constituição Federal Brasileira – “todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente”. 3 Art. 313. do Código de Processo Penal Brasileiro. “Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva: I - nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos; II - se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal; III - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência,para garantir a execução das medidas protetivas de urgência;”. àquele em que ele foi preso sob acusações sem nexo, processo esse ainda não transitado em julgado. Assim, uma série de direitos constitucionais foram violados, como a própria presunção de inocência e o princípio da legalidade. O caso foi levado ao segundo grau do Tribunal de Justiça de São Paulo, sendo que o acórdão da 5ª Câmara de Direito Criminal manteve a decisão do juiz de primeiro grau. Decorridos dez meses desta prisão arbitrária, injusta e sem fundamento jurídico, o caso foi julgado pelo Supremo Tribunal de Justiça em 20 de dezembro de 2019, quando a sentença condenatória foi mantida e nossos pedidos foram indeferidos. Em decorrência deste fato, a prisão do DEFENDIDO foi mantida, sobre a qual conclui-se como motivo o fato dele defender e lutar pelos direitos de mulheres transsexuais em situação de cárcere: um grupo minoritário vulnerável, oprimido pelas ideologias sociais e exposto a todo tipo de situação desumana e desrespeitosa. 2. DOS REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE A presente petição está de acordo com os requisitos de admissibilidade traçados na Convenção Americana de Direitos Humanos. Inicialmente, é importante registrar que os peticionários têm legitimidade para figurar no polo ativo da demanda, de acordo com o que determina o preceito do Artigo 44 da Convenção4. Ainda cabe dizer que os processos criminais do indivíduo, que ainda estejam em curso, não podem ser utilizados como justificativa para privá-lo do direito de recorrer em liberdade, o que ocorreu no caso do DEFENDIDO. Foi ignorado o princípio de presunção da inocência, descrito na Constituição da República em seu Art. 5º, inciso LVII5, de acordo com o qual ninguém poderá ser considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Acrescenta-se também que é legítima a figuração do Estado brasileiro no polo passivo da demanda. O país ratificou a Convenção Americana de Direitos Humanos em 25 de setembro de 1992, tornando-a vinculativa e obrigatória, assim como para todos os demais países signatários, estando tal obrigação expressa, no caso do Brasil, no Decreto n° 678 de 6 de novembro de 1992. Desta forma, configura-se como um acordo de vontades com direitos e obrigações, gerando responsabilidade de âmbito internacional. É justo, portanto, reconhecer a 4 Artigo 44 da CIDH – “Qualquer pessoa ou grupo de pessoas, ou entidade não-governamental legalmente reconhecida em um ou mais Estados-membros da Organização, pode apresentar à Comissão petições que contenham denúncias ou queixas de violação desta Convenção por um Estado-parte.” 5 Art. 5º da Constituição Federal brasileira, LVII – “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” legitimidade da atuação da jurisdição internacional comum que é identificada em cláusula de compromisso facultativa disposta na própria Convenção. Além disso, o Brasil já foi acionado perante esta Comissão e discutiu o mérito da questão, reconhecendo implicitamente a jurisdição. É notório o prejuízo que decorre em desfavor do DEFENDIDO, uma vez que o Estado Brasileiro cometeu diversas ações injustas, desde a primeira abordagem e durante todo os trâmites processuais, que violam o Direito Internacional. É inegável a existência de motivação tacitamente expressa, pela qual o Estado cometeu ato ilegal tendo como objetivo suprimir representante de um grupo minoritário que cotidianamente é diminuído por ideologias sociais e afetado por agressões físicas e psicológicas que lesionam gravemente sua autodeterminação e dignidade como pessoa humana, pondo em risco seu estado anímico. Por fim, verifica-se que, no presente caso, os remédios de direito interno foram exauridos, conforme o determinado no Art. 46, item “a”6 da Convenção. Foi dada a prerrogativa ao Brasil para a resolução interna deste conflito, tendo em vista o princípio da soberania estatal e o princípio da subsidiariedade do direito internacional que, de acordo com Miguel Reale, é posto ao Estado o poder de organizar-se juridicamente e de fazer valer dentro de seu território a universalidade de suas decisões nos limites dos fins éticos de convivência, onde só depois de exauridos os recursos internos, deve-se recorrer aos agentes internacionais de direito (REALE, 2000). O Brasil teve esse princípio respeitado, porém o sistema de decisões judiciais sem fundamento permaneceu. O DEFENDIDO Geraldo Hamilton dos Santos permanece atualmente privado de liberdade em regime fechado, onde já está há um ano e cinco meses por alegações sem fundamento e um processo completamente irregular segundo tanto a legislação brasileira quanto a convenções internacionais às quais o Brasil é signatário. Na dolorosa e sofrível peregrinação no burocrático sistema processual penal até a última instância, apesar da notável injustiça presente no caso em tela, tudo o que nós DEFENSORAS conseguimos foram decisões desfavoráveis e arbitrárias. Ademais, tem-se que a regra do esgotamento apenas se verifica quando existem recursos efetivos e eficazes para a proteção do direito tutelado pela Convenção7. No caso em questão, tendo em vista a unanimidade dos pronunciamentos 6 Artigo 46 da CIDH – “Para que uma petição ou comunicação apresentada de acordo com os artigos 44 ou 45 seja admitida pela Comissão, será necessário: a) que hajam sido interpostos e esgotados os recursos da jurisdição interna, de acordo com os princípios de Direito Internacional geralmente reconhecidos” 7 Art. 46, §2 da CIDH estabelece algumas causas de exceção à regra do esgotamento dos recursos internos: a. não existir, na legislação interna do Estado de que se tratar, o devido processo legal para proteção do direito desfavoráveis das Cortes Superiores , sendo violados a liberdade de expressão e o direito de reunião, previstos na Constituição Federal brasileira8, em prol de um grupo oprimido pela sociedade, por englobar uma temática complexa e que vai contra os conceitos morais conservadores, qualquer recurso a ser ajuizado perante o Supremo Tribunal, não obstante a falta de previsão legal, não ganharia posicionamento favorável e, portanto, a efetiva proteção pretendida. De acordo com dois dos princípios presentes na Convenção Americana dos Direitos Humanos, é dever do Estado garantir a existência de recursos eficazes para a garantia dos direitos e liberdades nela reconhecidos e o esgotamento destes recursos antes que se ingresse no âmbito internacional. Tal obrigação de oferecer garantias e recursos internos e a necessidade de se esgotar tais recursos é estabelecido pela Convenção Americana conforme artigo supracitado e reconhecidos por esta, recursos esses que foram exauridos conforme detalhadamente demonstrado neste documento. Conclui-se, portanto, como preenchidos os requisitos de admissibilidade desta petição frente à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, onde respeitosamente nós, DEFENSORAS, solicitamos a apreciação desta petição por tão valorosa corte. 3. DA TEMPESTIVIDADE Acerca dos requisitos temporais, esta petição se adequa aos limites traçados pelo artigo 46.1.b da CIDH9, na medida em que se apresenta dentro do prazo de seis meses da data em que se tomou conhecimento da violação do direito protegido, isto é, da data de publicação da decisão do Superior Tribunal de Justiça 20 de dezembro de 2019. Sendo assim, o prazo decorrido desde a decisão final foi menos de 5 meses e, portanto, dentro da instrução normativa constante na CIDH. Portanto, consideramos preenchido o requisito da tempestividade nesta petição à esta egrégia corte. ou direitos que se alega tenham sido violados; b. não se houver permitido ao presumido prejudicado em seus direitos o acesso aos recursos da jurisdição interna, ou houver sido ele impedido de esgotá-los; e c. houver demorajustificada na decisão sobre os mencionados recursos. 8 Art. 5º da Constituição Federal Brasileira - IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença; XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente; 9 Artigo 46 – “Para que uma petição ou comunicação apresentada de acordo com os artigos 44 ou 45 seja admitida pela Comissão, será necessário: b) que seja apresentada dentro do prazo de seis meses, a partir da data em que o presumido prejudicado em seus direitos tenha sido notificado da decisão definitiva” Podemos afirmar, após cuidadosa e extensa pesquisa, que não existe qualquer outro caso equivalente em curso em outros sistemas internacionais de justiça, já que o caso em questão aborda uma prisão arbitrária decorrente de um grupo minoritário muito específico, restando satisfeito o requisito estabelecido pelo Artigo 46.1.c da Convenção10. Tampouco, também por fruto de intensa pesquisa podemos afirmar que o caso em questão nunca foi objeto de estudado em âmbito internacional, seja pela Comissão, seja por outra organização universal, estando, dessa forma, também preenchido o requisito exposto no artigo 47.1.d da Convenção.11 Por fim, na medida em que se pleiteia os direitos à liberdade de expressão e de manifestação, ao devido processo legal e garantias processuais, é colocado em discussão também os direitos do grupo defendido e representado pelo autor. Portanto, a presente petição também visa coibir a violação dos direitos das mulheres transsexuais, especificamente aquelas em situação de cárcere, visando garantir que a dignidade da pessoa humana seja respeitada. É reivindicado também mudanças sociais, uma vez que a violência e desrespeito sofridos pelo grupo minoritário em questão são frutos de um mecanismo opressor de exclusão pertencente à sociedade, que é repassado livremente entre gerações e se torna terra fértil para uma dura realidade pautada na desigualdade e total violação dos Direitos Humanos. 4. DA VIOLAÇÃO À CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 4.1. Da prisão arbitrária Preliminarmente, diversos direitos do DEFENDIDO foram transgredidos com sua prisão arbitrária e aqui fundamentamos. Começando com o princípio da dignidade da pessoa humana, onde este foi violado ainda no preâmbulo da Convenção Americana de Direitos Humanos, a qual o Brasil foi um dos signatários, o qual expressa: Reiterando que, de acordo com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, só pode ser realizado o ideal do ser HUMANO LIVRE, ISENTO DE TEMOR e da 10 Artigo 46 – “Para que uma petição ou comunicação apresentada de acordo com os artigos 44 ou 45 seja admitida pela Comissão, será necessário: c) que a matéria da petição ou comunicação não esteja pendente de outro processo de solução internacional” 11 Artigo 47 da CIDH - "A Comissão declarará inadmissível toda petição ou comunicação apresentada de acordo com os artigos 44 ou 45 quando: d) for substancialmente reprodução de petição ou comunicação anterior, já examinada pela Comissão ou por outro organismo internacional" miséria, se forem criadas condições que permitam a cada pessoa gozar dos seus direitos econômicos, sociais e culturais, bem como dos seus DIREITOS CIVIS e políticos (grifo nosso). Quando se fala em direito a dignidade, se está, em verdade, a considerar o direito a reconhecimento, respeito, proteção e até mesmo promoção e desenvolvimento da dignidade (SARLET, 2012). O artigo 1º da CADH vincula os Estados-partes aos seus respectivos deveres de respeitar os direitos e liberdades desta Convenção e, ao prenderem o DEFENDIDO arbitrariamente, conforme ocorrido, já é violado seu artigo 5º, 1 onde “toda pessoa tem direito a que se respeite sua integridade física, psíquica e moral” e seu artigo 7.3, o qual dispõe que “ninguém pode ser submetido a detenção ou encarceramento arbitrários”. Uma vez entendido que “todo ser humano é pessoa”, conforme o artigo 1º, inciso III da Constituição Federal, faz-se presente, também, a transgressão ao seu direito de liberdade de expressão, presente na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, em seu artigo 4º, o qual declara que “toda pessoa tem o direito à liberdade de investigação, de opinião e de expressão e difusão do pensamento, por qualquer meio”. Tal direito também é pleiteado no artigo 13, 1 da Convenção12 e no direito interno no art. 5º da CF, inciso IX13. Quando o DEFENDIDO foi preso arbitrariamente, sua liberdade de expressão e difusão de pensamento foram corrompidas visto que o advogado em questão foi preso como uma forma de censura de suas ideias para a não ministração de seu curso gratuito para agentes penitenciários sobre as vulnerabilidades das mulheres transgêneras no cárcere. Além disto, o direito de reunião pacífica - presente tanto no artigo 15 da Convenção14 quanto no Art. 5º, XVI da Constituição Federal brasileira15 - foram desrespeitados, uma vez que o DEFENDIDO estava em meio a um evento, o qual foi inclusive um dos principais 12 Artigo 13 da CIDH - Liberdade de pensamento e de expressão - 1. Toda pessoa tem o direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito inclui a liberdade de procurar, receber e difundir informações e ideias de qualquer natureza, sem considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer meio de sua escolha. 13 Art. 5º, IX da Constituição Federal brasileira – “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença” 14 Artigo 15 - Direito de reunião - É reconhecido o direito de reunião pacífica e sem armas. O exercício desse direito só pode estar sujeito às restrições previstas em lei e que se façam necessárias, em uma sociedade democrática, ao interesse da segurança nacional, da segurança ou ordem públicas, ou para proteger a saúde ou a moral públicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas. 15 Art. 5º, XVI da Constituição Federal Brasileira - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente; organizadores: a manifestação em favor das mulheres transgêneras encarceradas em São Paulo. Após a prisão do DEFENDIDO, o evento foi dispersado. Conforme o andamento dos fatos da prisão do DEFENDIDO, percebe-se que garantias fundamentais não foram respeitadas como a presunção de inocência e o direito ao devido processo legal, princípios priorizados no artigo 8º, 2 da CADH16 e em nossa própria Constituição com o Art. 5º, LIV17. Beccaria, em seu clássico Dos Delitos e das Penas, ensinava que um homem não pode ser considerado culpado antes da decisão do juiz (BECCARIA, 1998), contudo quando foi pedido que o DEFENDIDO pudesse recorrer em liberdade, o pedido foi negado com a justificativa de que contra ele tinha título condenatório em curso. 4.2. Do embasamento jurisprudencial Como base jurisprudencial desta egrégia corte é importante citar o “Caso Norín Catrimán e Outros vs Chile”, decisão na qual a Corte Interamericana de Direitos Humanos reconheceu o tratamento seletivo com o qual as cortes chilenas trataram os julgamentos dos acusados envolvidos, de forma direta ou implícita, em todos os julgamentos internos pelos quais passaram os envolvidos no caso supramencionado. A decisão da corte expressamente esclareceu a importância da rigorosa aplicação das garantias judiciais garantidas pelo Art. 8 da CIDH e que, portando, “sirvampara proteger, assegurar ou fazer valer a titularidade ou o exercício de um direito”18, isto é garantir as “condições que devem ser cumpridas para assegurar a adequada defesa daqueles cujos direitos ou obrigações estão sob consideração judicial”19. Ora, o DEFENDIDO estava pacificamente exercendo seu direito de manifestação pacífica, sedimentado na Constituição Federal brasileira, tendo a seu favor diversos relatos testemunhais de que tal exercício de direito decorreu conforme seu depoimento pessoal, dentro das conformidades da norma jurídica posta. As cortes brasileiras, no entanto, de forma parcial conformaram uma maior validação aos relatos testemunhais dos agentes públicos 16 Art. 8, 2 da CIDH - Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: 17Art. 5º, LIV da Constituição Federal Brasileira – “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” 18 Cf. Caso dos “Meninos de Rua (Niños de la Calle)” (Villagrán Morales e outros) Vs. Guatemala. Mérito, par. 220; e Caso Mohamed Vs. Argentina, par. 81. 19 Cf. Caso Hilare, Constantine e Benjamin e outros Vs. Trinidade e Tobago. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 21 de junho de 2002. Série C n° 94, par. 147; e Caso Mohamed Vs. Argentina, par. 80. envolvidos na ocorrência, ignorando reiteradamente provas testemunhais a favor do DEFENDIDO, em uma clara violação dos direitos sedimentados no Art. 8 da CIDH no que tange a imparcialidade das cortes julgadoras. Convém mencionar também que é bastante claro que, desde o início dos acontecimentos que culminaram com a prisão e condenação do DEFENDIDO, a sua inconformidade com o gênero de nascimento bem como as suas motivações para a manifestação pública foram tratadas com chacota, desrespeito e diminuído em sua importância para com o grupo minoritário por ele defendido. As mulheres trans encarceradas sofrem de forma constante diversas micro agressões e invalidação de sua dignidade da pessoa humana, fato reconhecido em diversos artigos científicos e em outros estudos acadêmicos voltados aos Direitos Humanos em geral. Por exemplo, na Revista Transgressões, um artigo acadêmico intitulado “Transgeneridade e Cárcere: Diálogos sobre uma Criminologia Transfeminista” menciona, sobre a instituição prisional como um todo, que "o sistema é interpretado como uma representação de todo um contexto de exclusão, preconceito e marginalização constatado além dos muros da prisão, porém de forma amplificada" (LIMA & NASCIMENTO, 2014). O mesmo artigo demonstra, em diversos momentos, que o Estado brasileiro possui conhecimento de diversas violações e que os próprios agentes carcerários – funcionários à serviço do Estado – são fonte de muitas das violações sofridas por essa minoria específica. Ainda tecendo comentários acerca da base jurisprudencial do caso Norín Catrimán, mencionaram que no caso em questão, os juízes envolvidos “efetuaram uma valoração e uma qualificação dos fatos com base em conceitos pré-constituídos sobre o contexto que os rodeou, ao ter adotado sua decisão condenatória aplicando tais preconceitos”. Infelizmente é de conhecimento público e notório a parcialidade das cortes brasileiras perante minorias, como o emblemático caso “Rafael Braga”. Pobre, periférico, negro e catador de materiais recicláveis, foi preso nas manifestações de 2013 portando uma garrafa de desinfetante, enquadrado inicialmente pela polícia como produto destinado à confecção de coquetel molotov. Mesmo com provas periciais posteriores relevando o conteúdo real do recipiente, bem como a impossibilidade de este ter o uso que lhe foi inicialmente imputado, a condenação de Rafael a 4 anos de prisão foi mantida, sendo ignoradas sumariamente todas as provas a seu favor. Nesta mesma época, Andreas Von Richthofen foi encontrado perambulando pela cidade, em aparente surto agressivo após uso de drogas. O tratamento dado a ele foi totalmente diferente, não condenatório, procurando-se a humanidade nele antes dos delitos (GARCIA). Já em casos envolvendo minorias, como o do DEFENDIDO ou o de Rafael Braga supracitado, a discriminação incutida em suas características “indesejáveis” traz o delito à frente da humanidade, de forma expressa ou indireta, em claro processo discriminatório e de violação aos Direitos Humanos. Ainda em menção ao caso Norín Catrimán, “o artigo 1.1 da Convenção dispõe que os Estados Partes ‘se comprometem a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma por motivos de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social’. Por sua vez, o artigo 24 estipula que ‘todas as pessoas são iguais perante a lei. Por conseguinte, têm direito, sem discriminação, a igual proteção da lei’ (pars. 184 e 185 supra).”. Mesmo que de forma não expressa, é notória a parcialidade das cortes brasileiras quando os réus são integrantes de grupos minoritários ou os defendem. A Corte, em prévia decisão, “determinou que uma diferença de tratamento é discriminatória quando não se tem uma justificativa objetiva e razoável”20, o que claramente ocorre no caso do DEFENDIDO e de tantos outros integrantes de grupos minoritários. É expresso que “quando não persegue um fim legítimo e não existe uma relação razoável de proporcionalidade entre os meios utilizados e o fim pretendido”21, existe uma violação de direitos de cunho processual e discriminatório, o que pode ser facilmente identificado durante toda a fundamentação desta petição, diante dos fatos injustamente ocorridos. 4.3. Do grupo defendido O DEFENDIDO Geraldo Hamilton dos Santos é, além de um dos principais advogados da ANTRA, um homem transexual que enfrentou grandes adversidades para conquistar o importante papel social que possui atualmente. Conforme sua formação acadêmica e profissional, o DEFENDIDO iniciou pesquisas, tanto jurisprudenciais quanto dogmáticas, para entender como se passa a relação entre expressão e identidade de gênero, sexualidade e sexo em nossa sociedade. Quando o DEFENDIDO atingiu uma certa 20 Cf. Condição Jurídica e Direitos Humanos da Criança. Parecer Consultivo OC – 17/02 de 28 de agosto de 2002. Série A n° 17, par. 46; Parecer Consultivo OC – 18/03 de 17 de setembro de 2003, par. 84; e Caso YATAMA Vs. Nicarágua, par. 185. 21 Cf. TEDH, Caso D.H. e outros Vs. República Checa, n° 57325/00. Sentença de 13 de novembro de 2007, par. 196; e TEDH, Caso Sejdic e Finci Vs. Bósnia Herzegovina, n° 27996/06 e 34836/06. Sentença de 22 de janeiro de 2009, par. 42. estabilidade social, ato raro de se conseguir sendo integrante de um grupo excluído social e culturalmente, passou a atuar efetivamente no campo das diversas agressões sofridas por pessoas LGBT dentro do cárcere, mais especificamente por transgêneros e travestis no Estado de São Paulo. Ou seja, seu trabalho foi voltado intuitivamente para defender seus respectivos direitos e defendendo, assim, sua causa. Para uma melhor compreensão do trabalho do DEFENDIDO como advogado e para um melhor entendimento das motivações de sua prisão, é preciso entender, primeiramente, quem são as pessoas que compõem esse grupo. Em recente levantamento de LGBT’s em cárcere divulgado pela Secretaria da Administração Penitenciária de São Paulo. de um total de 232.979 (97,56%) de pessoas em cárcere, 5680 (2,44%) se identificam como LGBT’s. Dessas 5680 pessoas, 239 se identificam com o gênero “Mulher Trans” (Imprensa SAP, 2020). O fenômeno do encarceramento em massa chama a atenção para a focalizaçãosobre grupos sociais específicos em São Paulo com uma população jovem, negra e residente nos bairros de periferia. A idade predominante é de 25 a 29 anos, de raça parda e negra, com ensino fundamental incompleto. De acordo com dados do perfil carcerário em São Paulo e no Brasil, em relação aos tipos de crimes da maioria das mulheres (cis e trans) predomina o tráfico e roubo (IG São Paulo, 2014). Também se torna necessário uma pequena revisão de conceitos para o entendimento da gravidade da situação das mulheres trans em situação de rua. Primeiramente, é preciso entender a diferença entre identidade de gênero, sua expressão e sexualidade. Segundo Rodrigo Rodrigues de Freitas Brandão, ”a identidade de gênero se epiloga no modo como a pessoa humana se enxerga, dentro da esfera de gênero e, consequentemente, como ela age e se porta perante o meio social no qual está inserida, reproduzindo em si suas referências de feminino ou masculino” (BRANDÃO, 2016). Ou seja, a identidade de gênero diz respeito a sua própria identidade como um todo. Já em relação à orientação sexual, o Departamento de Promoção dos Direitos de LGBT se refere a ela como sendo a forma de atração de uma pessoa por outra, seja ela romântica, emocional e/ou física. A distinção entre esses conceitos se mostra presente na própria sigla LGBT, termo o qual é utilizado para se referir às pessoas não contempladas pelo padrão da orientação sexual, identidade e expressão de gênero (REIS, 2019). Tal sigla, para ser mais bem compreendida, deve ser dividida em duas partes, sendo sua primeira parte, LGB, correspondente a pessoas lésbicas, gays ou bissexuais, dizendo respeito então à orientação sexual do indivíduo. Já a segunda parte, T, diz respeito à sua identidade de gênero, lidando com pessoas travestis e transgêneros. Tal diferenciação se torna necessária quando tomamos conhecimento de uma das primeiras formas de microagressões sofridas por pessoas trans uma vez encarceradas: seu nome em seu processo criminal. Segundo a Cartilha Transexuais e Travestis, formulada pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro por meio do grupo NUDIVERSIS, o respeito ao nome social é extremamente importante nas relações sociais. Negar o tratamento pelo nome social significa tratar de maneira discriminatória a mulher/o homem trans ou a travesti, podendo até mesmo entrar com uma ação por danos morais. Sendo o nome um direito personalíssimo, o qual particulariza e individualiza a pessoa em seu contexto social, ele encontra-se defeso no Novo Código Civil, em seu Art. 16, o qual revela que “toda pessoa tem o direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome”. O uso do nome social como reconhecimento de identidade de gênero também está assegurado por meio do Decreto 8.727, de 28-04-2016, o qual diz em se artigo 2º que: os órgãos e as entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, em seus atos e procedimentos, deverão adotar o nome social da pessoa travesti ou transexual, de acordo com seu requerimento e com o disposto neste Decreto. Dentro do processo penal de uma pessoa trans, é extremamente comum encontrar sua designação como “homossexual” ao invés de mulheres transexuais ou travestis uma vez que para o senso comum, qualquer pessoa com pênis que não se identifica com o gênero masculino, apresenta um comportamento desviante que é lido como homossexual (BRANDÃO, 2016). Além deste desrespeito para com sua identidade de gênero, ainda no processo em si, não raro percebe-se a utilização do nome morto da pessoa trans no lugar de seu nome social. Nome morto é o nome que foi dado para a pessoa trans por seus familiares ao nascer, contudo, conforme seu desenvolvimento, a pessoa transexual passa a entender sua identidade de gênero e assim, acaba por escolher um outro nome (nome social) para se adequar ao seu gênero enquanto ainda não foi promovida sua alteração formal nos documentos civis. Após a parte processual, a maioria das mulheres trans e travestis são encarceradas em presídios masculinos, pois, segundo Guilherme Gomes Ferreira, doutorando em serviço social pela PUC-RS e pelo Instituto Universitário de Lisboa com pesquisa que versa sobre a experiência prisional de mulheres trans e travestis: As prisões têm uma concepção de que o gênero é o sexo, a genitália, e este é o argumento usado para prender travestis e mulheres trans em presídios de homens. Há também a ideia de que travestis e mulheres trans poderiam estuprar mulheres cisgênero, colocá-las em situação de violência, por isso não podem estar em presídios com outras mulheres e têm que ficar em presídios de homens. Os estudos de Guilherme Gomes Ferreira também apontam diversos pontos importantes na vivência dessas mulheres. O primeiro ponto é que mulheres trans geralmente não recebem visitas e, consequentemente, não acessam aos produtos que os outros custodiados, homens, recebem de seus familiares como cobertores e produtos de higiene pessoal. Existe uma circulação de venda de tais produtos, sendo que tais mulheres se tornam compradores em potencial. Como forma de “pagamento” tais mulheres fazem atividades claramente sexistas como trabalhos domésticos como limpar as celas, fazer a comida e trabalhos sexuais. Geralmente, a polidez nas negociações se dá em presídios que possuem alas/ celas específicas para pessoas LGBT. Quando não há, tais mulheres ficam presas juntamente com outros homens em uma cela superlotada e, não raramente, sofrem estupros coletivos ou as fazem de “mula” de drogas sob a coerção de matá-las. Ser mula de drogas significa traficar drogas por dentro de seu corpo pela prisão. No estudo de Sandra Kiefer, fica evidente o perigo à segurança dessas mulheres trans encarceradas com o relato de Vitória Rio Fortes, travesti. Ela conta que chegou a sofrer estupro coletivo de 21 homens em um único dia e seus casos foram o estopim para a criação de uma ala LGBT em seu conjunto prisional: Eu era obrigada a ter relação sexual com todos os homens das celas, em sequência. Todos eles rindo, zombando e batendo em mim. Era ameaçada de morte se contasse aos carcereiros. Cheguei a ser leiloada entre os presos. Um deles me “vendeu” em troca de 10 maços de cigarro, um suco e um pacote de biscoitos. (KIEFER, 2014) A criação de espaços específicos para pessoas LGBT teve início com a Resolução Conjunta nº 1, de 15 de abril de 2014, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) e do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de LGBT (CNCD/LGBT), a qual coloca diretrizes para a sistema prisional brasileiro como espaços específicos para vivência e o uso do nome social conforme a identidade de gênero da pessoa. Tal movimento foi impulsionado por um relatório publicado em 2016, realizado por Juan Mendez da ONU contra tortura. Nele, o relator expõe as torturas no sistema prisional brasileiro contra a população LGBT. Mesmo após tais direcionamentos, o Brasil mantém-se, segundo dados coletados pelo DEPEN (Departamento Penitenciário Nacional), com apenas 101 espaços de alas e celas LGBTI+, diante de um total de 1.500 unidades prisionais, Em se tratando de nome social, não só no processo em si que se encontra a inutilização do nome social: na cotidiano das apenadas trans também. Segundo a transcrição de Carolina de Assis, mencionada em Mulheres Transgêneros no cárcere: o Holocausto com Novo Endereço (REIS, 2019), percebe-se um grande desprezo, não somente por parte dos outros presos, como também pelos próprios agentes públicos: A maioria xinga a gente de bicha, traveco, demônio. Debocham o tempo inteiro da cara da gente, chama a gente de puta, safada, chama a gente de drogados, chama a gente de presos nojentos, ficam rindo. É preso, monstro, é lixo; tô sendo sincero e realista, é isso. Nossa, eu já apanheimuitas vezes de um agente aqui (SANZOVO & SÁ, 2017). Como parte da discriminação transfóbica que essas mulheres enfrentam, também se encontra uma vedação do uso de roupas femininas e, principalmente em penitenciárias controladas por facções, raspa-se os cabelos de pessoas trans como forma de negá-las sua verdadeira identidade. Desta forma, percebe-se diversas formas de discriminações contra tais mulheres encarceradas e para melhor as compreendermos, devemos, primeiramente, ser guiados pelas teorias da discriminação e seus respectivos entendimentos sobre estereótipos e preconceito. Primeiramente, discriminar significa categorizar, classificar situações a partir de um determinado critério. Tais classificações podem ser tanto positivas quanto negativas, no caso das mulheres transexuais e travestis no cárcere, encontramos uma discriminação negativa uma vez que lhes são impostas diversas desvantagens em relação aos outros presos e seres humanos. Essa forma de classificar nasce na forma de estereótipos, os quais podem ser entendidos como falsas generalizações que fazemos sobre determinados grupos uma vez que internalizamos que um grupo minoritário, geralmente considerado como diferente, não possui as características socialmente valorizadas que o grupo majoritário tem e, consequentemente, os estereótipos legitimam ações de tratamento desvantajoso para com outros grupos. Essa classificação de características socialmente aceitas são valores culturais que aprendemos desde cedo, como por exemplo, que mulheres devem tomar conta das atividades domésticas. Os estereótipos têm duas dimensões: uma dimensão descritiva e outra prescritiva. A primeira designa supostas características dos membros de um determinado grupo. A segunda designa os lugares ou funções que os membros de um determinado grupo podem ocupar na sociedade. Já os preconceitos seriam uma suspensão do dever de tratar uma pessoa como indivíduo único baseada nos valores culturais perpetrados pelos estereótipos presentes no grupo representado como diferente. O preconceito consiste numa reação emocional, uma antecipação, consciente ou inconsciente. Sendo assim, entende-se que estereótipos geram preconceitos, os quais se manifestam nas diferentes formas de discriminação. Antes de adentrar nas específicas formas de discriminação presente nas vidas de tais mulheres, é importante entendermos que discriminações possuem um interesse material, sendo este, no nosso caso, o de manter o status da heterossexualidade. Segundo o artigo (IN)visibilidade Trans (2017) o normal e socialmente aceitável deve condizer com uma postura heterossexual de acordo com os papéis sociais atribuídos aos gêneros e onde se pressupõe uma continuidade entre sexo, gênero e sexualidade. Segundo as teorias de gênero binárias de cunho biológico, que influenciaram e influenciam de forma preponderante nossa sociedade, só existem dois sexos: masculino/macho e feminino/fêmea, não havendo variações ou possibilidade de transitar. Portanto, segundo a biologia, com o reforço de um forte conservadorismo religioso, o que determina ser homem e mulher é uma condição genética, a soma de cromossomos. Segundo a doutora em psicologia social Jaqueline Gomes de Jesus “historicamente, a população transgênero (composta por travestis e pessoas transexuais) é estigmatizada, marginalizada e perseguida, devido à crença na sua anormalidade, decorrente do estereótipo de que o natural é que o gênero atribuído ao nascimento seja aquele com o qual as pessoas se identificam e, portanto, espera-se que elas se comportem de acordo com o que se julga ser o adequado para esse ou aquele gênero”. Uma vez entendidos os estereótipos e os interesses na manutenção deles, é devemos entender em qual formato de discriminação esses preconceitos se legitimam. As discriminações para contra esse grupo partem da teoria da interseccionalidade, uma vez que se requer uma consideração das múltiplas formas discriminatórias sofrida por estes indivíduos. Na existência de uma multiplicidade de opressões, cria-se o fenômeno das “minorias dentro de minorias”, fazendo com que alguns membros do grupo minoritário gozem de privilégios perante outros, revelando-se assim uma subrepresentação de parte do grupo. Um exemplo disso seria o das discriminações sofridas por mulheres. Sabe-se que existem diversos fatores discriminatórios contra mulheres com o interesse de manter o status social masculino. Contudo, algumas mulheres não sofrem somente com o sexismo, mas também com o racismo, o qual acaba por se combinar com a opressão anterior gerando algo sofrido por somente essa parcela do grupo minoritário. No caso do grupo minoritário amparado pelo DEFENDIDO, mistura-se a discriminação por ser mulher, a transfobia e a minimização de sua dignidade uma vez encarceradas. Tal discriminações vem no formato de discriminação institucional uma vez que é praticada por representantes de instituições públicas ou privadas, é motivada por estereótipos descritivos e/ou prescritivos. Tal maneira de categorizar faz parte da operação da instituição em questão. Em se tratando de Direitos Humanos, devemos primeiro elucidar o que são para depois explicar quais direitos, e de quais formas, estão sendo violados pelo sistema prisional brasileiro. Sendo assim, Direitos Humanos são os direitos públicos subjetivos que permitem a efetivação da cidadania, da dignidade e capacidade de se portar de maneira competente no espaço público. Estando relacionados com o reaparecimento da Democracia e do constitucionalismo, possuem características como sua essencialidade, universalidade e historicidade. A essencialidade dos Direitos Humanos pauta sobre eles serem inerentes ao ser humano assumindo, assim, uma posição de destaque normativo visto que representam valores supremos do homem e de sua dignidade. Já a universalidade versa o englobamento de tais direitos para todos os indivíduos possuindo assim uma abrangência territorial universal. E a historicidade trata sobre o surgimento dos Direitos Humanos sendo esta somente expansiva, ou seja, conforme esses direitos são construídos gradualmente, não se pode retroceder e sim, apenas ampliar a proteção do indivíduo conforme a conquista de novos direitos. Essa característica é a que fundamenta a ideia de gerações/dimensões dos direitos humanos. A primeira geração trata dos direitos civis, políticos e das liberdades individuais clássicas e destes, o DEFENDIDO teve como violados: seus direitos ao devido processo legal. A presunção de inocência e sua liberdade de expressão quando censuram a ocorrência de seu curso para os agentes penitenciários. A segunda geração compreende os direitos econômicos, sociais e culturais e aparecem no formato de direitos fundamentais visto que vinculam o Estado a um conjunto de obrigações materializadas em normas constitucionais, execução de políticas públicas e ações afirmativas, cabendo ao Estado a obrigação de cumpri-las. Destes foram transgredidos, em relação ao grupo defendido, o direito à segurança social, a uma habitação digna, e até mesmo o direito à educação, uma vez que, segundo dados da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (AGLBT) a evasão escolar entre travestis e transexuais chega a 73%. Ainda em relação aos direitos infringidos de segunda geração, 61 % das pessoas transexuais não possuem ensino médio (direito à educação), 50% não tem moradia adequada (direito à habitação) e 80% não possuem um tipo de renda fixa (direito econômico), segundo a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Segundo Ferreira (2014), essas mulheres trans encarceradas são, muitas vezes, impossibilitadas de estudarem dentro do presídio mesmo tendo um grande anseio de suas partes para que assim possam ser inseridas no mercado de trabalho. Não podemosestudar por causa da homofobia, do preconceito, no corredor a gente é agredido, dentro de uma sala de aula com outros detentos e em outras galerias a gente não pode ficar em função do preconceito, né. Então deveria ter um horário que descessem só as H (Assim conhecida a ala onde permanecem as travestis) do terceiro para estudar – depoimento por detenta anônima (FERREIRA, Travestis e prisões: experiência social e mecanismos particulares de encarceramento no Brasil., 2015). E em relação aos direitos de terceira geração, eles são considerados transindividuais, pois só podem ser exigidos em ações coletivas e a efetivação desses interesses beneficia a todos e sua violação também afeta a todos. São estes: o direito à paz, à autodeterminação dos povos, o direito a um meio ambiente equilibrado, a uma qualidade de vida saudável, entre outros. No livro Desigualdade Reexaminada, Amartya Sem, vencedor do prêmio Nobel de economia, explora diversos arranjos sociais ao desenvolver uma abordagem metodológica para lidar com questões pertinentes a desigualdade social. O autor enfatiza a pergunta “Igualdade em relação a quê?”, afirmando que igualdade devem correlacionada juntamente com outras demandas sociais para que assim a avaliação de igualdade não seja distorcida. Ao pontuar “que aspecto da condição de uma pessoa deve contar como fundamental na avaliação da extensão da desigualdade?”, Sen apresenta a defesa do seu ponto de vista segundo o qual as capacidades é que devem ser igualadas, sendo que a noção de capacidade é expressada no ideal de igualdade de oportunidades, Tais oportunidades envolvem não apenas as disponibilidades em recursos, mas também o acesso das pessoas a esses recursos, sendo que, geralmente, depende das habilidades e talentos para saber manuseá-los. A ausência de habilidades e talentos é limitante da liberdade de ter e fazer escolhas, uma vez que a escolha genuína pressupõe capacidades. As capacidades estão intimamente ligadas com o ideal de liberdade efetiva. As formas de exclusão e de desigualdades sociais anulam as liberdades efetivas de milhões de pessoas, assim, Amartya pauta sobre a necessidade de buscar formas de distribuição da riqueza que permitam ampliar as liberdades efetivas de um número cada vez maior de pessoas. Juntamente com seu ponto sobre a distribuição de riquezas, Sen critica a racionalidade da economia uma vez que ela simplifica as motivações das pessoas. Ele defende o reconhecimento de outras motivações de racionalidade, permitindo incorporar na formulação das políticas públicas, além da ética e racionalidade, uma pluralidade de valores presentes na sociedade, pautando assim valores morais no mundo das finanças. Tratados internacionais e Convenções são formas de unir diversos países um torno de uma causa em comum para, assim, criar um compromisso geral para com os direitos humanos em questão e servindo, também, para a denúncia de certos países em relação à sua negligência para com seu dever como signatário. O Brasil é signatário de diversos acordos internacionais e, em relação aos direitos humanos de pessoas transgêneras encarceradas, tem sido irresponsável para com suas obrigações. O primeiro ponto a ser destacado é o artigo primeiro da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (1948) o qual impõe que “todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança de sua pessoa”. O primeiro ponto importante a ser elencado é que, definitivamente, o sistema prisional brasileiro não garante a segurança de seus presos, muito menos de um subgrupo minoritário como o de mulheres trans. Outro ponto interessante é o de que, uma vez que essa norma coloca todos como iguais, alguns agentes públicos poderiam negar tratamento diferenciado às mulheres trans em situação de cárcere uma vez que, como todos são iguais, não seria correto tratar diferenciadamente uma pessoa. Esse seria o exemplo clássico de uma discriminação indireta, pois uma norma moralmente neutra causaria um impacto desproporcional em um grupo em situação de desvantagem. Cabe ainda citar a relação entre os pressupostos de uma das Escolas de Direitos Humanos, cabendo aqui, a Escola do Protesto, e o Art. 4º presente da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (1948) que versa sobre o direito que todos têm de liberdade de expressão, opinião e difusão do pensamento. De acordo com os ideias da Escola do Protesto, a luta pelos direitos humanos nunca terá desfecho pois as hierarquias sociais estão presentes mesmo em regimes democráticos. Os grupos majoritários estarão sempre tentando manter seus privilégios e por isso os Direitos Humanos devem ter garantias jurídicas para a proteção de grupos tradicionalmente discriminados e devem ser demandados socialmente em nome de grupos tradicionalmente oprimidos , o que se relaciona com o caso na medida em que o DEFENDIDO foi preso injustamente por protestar em favor de um grupo minoritário : mulheres trans em situação de cárcere. No artigo 2º da Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem é claramente apontado que “todas as pessoas são iguais perante a lei e têm os direitos e deveres consagrados nesta declaração, sem distinção de raça, língua, crença, ou qualquer outra”, contudo, é evidente a existência de um tratamento desproporcional em relação aos direitos de tais mulheres, as quais são privadas de sua expressão de gênero ao serem impedidas de usarem roupas femininas e de manterem seus cabelos longos, sendo isto contra o ordenamento jurídico internacional conforme o artigo 4º da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem que diz “toda pessoa tem o direito à liberdade de investigação, de opinião e de expressão e difusão do pensamento, por qualquer meio” No plano nacional, mulheres transgêneras em situação de cárcere têm diversos de seus direitos fundamentais sendo violados em tempo integral. Primeiramente, o direito à dignidade da pessoa humana, no artigo 1º inciso III da Constituição Federal, o qual é definido por Ingo Wolfgang Sarlet como: “Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos, mediante o devido respeito aos demais seres que integram a rede da vida” (SARLET, 2012) Outro direito do nosso ordenamento jurídico violado para com tais mulheres é o direito ao nome, o qual toda pessoa tem direito conforme Art. 16 do Código Civil. Tais mulheres são negadas de terem seus nomes em seus processos assim como são desrespeitadas neste quesito por conta da transfobia enraizada em nossos valores culturais, a qual não aceita a existência de pessoas trans. Inviabilizar o acesso ao seu nome é uma forma de inviabilizá- las. A fatídica existência de alguns agentes penitenciários que as espancam, consuma tortura, tornando assim o artigo 5º, inciso III da Constituição Federal Brasileira, outro ponto constitucional ignorado para com essa mulheres. A Convenção Americana de Direitos Humanos, em seu artigo 5º, também versa sobre tortura, priorizando a dignidade da pessoa humana, a integridade física e que penas privativas de liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma e a readaptação social dos condenados. O ideal de readaptação social dificilmente seria alcançado, levando em consideração traumas vividos como os estupros coletivos, seus cabelos raspados e o não acesso à educaçãopor conta da transfobia vivida. Sendo assim, nós, DEFENSORAS não somente do DEFENDIDO, mas também de suas causas, viemos ressaltar a responsabilidade da soberania brasileira nas tragédias que ocorrem dentro de seu pais. No artigo 33 da Carta da Organização dos Estados Americanos (OEA) fica evidente tal dever: desenvolvimento é responsabilidade primordial de cada país e deve constituir um processo integral e continuado para a criação de uma ordem econômica e social justa que permita a plena realização da pessoa humana e para isso contribua. Ainda na mesma Carta, em seu artigo 34 “os Estados membros convêm em que a igualdade de oportunidades [...] são, entre outros, objetivos básicos do desenvolvimento integral”. Vale salientar que, ao ratificar tanto a Convenção, quanto a Declaração ou a Carta, o país não poder se esquivar do cumprimento da obrigação, sob pena de responsabilização internacional, que é o que está sendo requerido. Logo, os Estados signatários devem adotar medidas discriminatórias positivas com o interesse de corrigir suas respectivas falhas nas vidas das mulheres trans em situação de cárcere 5. DO PEDIDO Levando em consideração que todos os aparatos legais do ordenamento jurídico brasileiro disponíveis foram esgotados ou se estenderão por prazo longo e indeterminado – causando ainda mais sofrimento e violação de direitos ao DEFENDIDO, e considerando ainda as sólidas fundamentações tecidas ao longo deste documento, postulamos respeitosamente à Corte Interamericana de Direitos Humanos: a. A admissão da presente petição com a consequente condenação do Estado Brasileiro, em face da violação dos artigos XXX; b. A ratificação do já postulado pelas Defensoras: de que a prisão preventiva do DEFENDIDO foi inicialmente fundamentada pela confusão documental, mas mantida de forma arbitrária, incondizente com a norma jurídica brasileira – que expressamente determina tal mecanismo como último remédio, segundo o Art. 312 do Código Penal brasileiro22, onde é expresso que a prisão preventiva deve ser 22 Art. 312. do Código Penal Brasileiro - A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. aplicada apenas em último caso e de modo fundamentado, o que claramente não ocorreu no caso supracitado; c. A determinação do processamento do recurso de apelação interposto no caso concreto; d. A ratificação pela CIDH de que o processo penal em tela é desprovido de fundamentação satisfatória, sedimentada em fontes reais do Direito; e. O endereçamento de recomendação à República Federativa do Brasil para a criação de legislação específica e protetiva à pessoa trans, texto normativo ainda inexistente em nosso ordenamento jurídico, e que contemple norma voltada à pessoa trans encarcerada entre seus artigos; f. Uma rigorosa recomendação de criação e reavaliação de mecanismos de intervenção Estatal brasileira, signatário de diversos tratados e convenções internacionais de Direitos Humanos, de forma a zelar com o compromisso há muito firmado no combate a violações de Direitos Humanos em território nacional; g. A orientação em caráter recomendativo ao governo brasileiro para que sejam adotados todos os tipos de mecanismos necessários para a reparação da violação dos direitos do DEFENDIDO: a. que garanta uma reparação completa ao DEFENDIDO, sendo este inclusive indenizado por danos morais, segundo expresso no Art. 927 do Código Civil brasileiro23. A responsabilidade civil do Estado pelos danos causados aos particulares no exercício da atividade pública é objetiva, nos termos do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal brasileira24, respondendo aquele pelos danos a que os seus agentes derem causa, em razão da adoção da teoria do risco administrativo pelo ordenamento jurídico. Segundo a 23 Art. 927. do Código Civil Brasileiro - Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. 24 Art. 37, § 6º da Constituição Federal brasileira - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. fundamentação acima, é claro o dever de indenizar os danos morais sofridos, segundo os critérios da proporcionalidade e razoabilidade; b. a validação e inclusive a promoção e expansão do projeto do curso que seria ministrado pelo DEFENDIDO. Pensamos ser de suma importância para a manutenção dos direitos das pessoas trans em cárcere que os agentes de segurança em contato com elas entendam a forma correta em suas interações para com as apenadas; c. que invista em ações afirmativas entre as próprias apenadas, de forma a promover a autovalorização e o reforço do estado anímico, geralmente bastante fragilizado por conta do preconceito estrutural: cursos de interesse das apenadas, grupos de terapia, cursos profissionalizantes, entre outras ações que visem resgatar a própria autoestima e o valor desta pessoa perante a sociedade. Diante de todo o exposto, onde salientamos todo o trabalho primoroso que o DEFENDIDO trabalhava entre as pessoas trans, bem como as irregularidades jurídicas e arbitrariedades processuais constatadas pelas DEFENSORAS, tão somente fundamentadas pelo preconceito estrutural contra o grupo minoritário protegido pelo DEFENDIDO, respeitosamente requeremos por meio desta petição um alvará de soltura em favor do DEFENDIDO Geraldo Hamilton Dos Santos, em caráter urgente e definitivo. Termos em que pedimos deferimento. São Paulo, 20 de abril de 2020. Referências Bibliográficas BECCARIA, C. (1998). Dos Delitos e das Penas. (J. COSTA, Trad.) São Paulo, Lisboa, Portugal: Fundação Calouste Gulbenkian. BRANDÃO, R. (2016). A Justiça e as Travestis: uma análise de suas relações na cidade de Catalão – GO. Revista do Núcleo de Estudos de Direito Alternativo. FERREIRA, G. (2014). Travestis e prisões: a experiência social e a materialidade do sexo e do gênero sob o lusco-fusco do cárcere. Repositório PUCRS. FERREIRA, G. (2015). Travestis e prisões: experiência social e mecanismos particulares de encarceramento no Brasil. Curitiba: Multideia Editora Ltda. GARCIA, J. (s.d.). Preso com 'Pinho Sol' em protesto de 2013 vira símbolo e inspira mobilização em SP e Rio. São Paulo, SP, Brasil. Fonte: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas- noticias/2017/06/07/preso-com-pinho-sol-em-protesto-de-2013-vira-simbolo-e-inspira- mobilizacao-em-sp-e-rio.htm IG São Paulo. (15 de jul. de 2014). Último Segundo. Estado de São Paulo tem mais de um terço dos presos do País. São Paulo. Fonte: https://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2014-07-15/estado- de-sao-paulo-tem-mais-de-um-terco-dos-presos-do-pais.html Imprensa SAP. (Janeiro de 2020). Painel Diversidados. São Paulo. JESUS, Jaqueline Gomes de. Transfobia e crimes de ódio: Assassinatos de pessoas transgênero como genocídio. In: MARANHÃO Fº, Eduardo Meinberg de Albuquerque (Org.). (In)Visibilidade Trans 2 KIEFER, S. (25 de Nov. de 2014). Homossexuais contam abusos que sofriam em prisões sem separação. O Estado de Minas. Belo Horizonte, MG. Fonte: https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2014/11/25/interna_gerais,593189/uma-questaode- respeito.shtml LIMA, H. B., & NASCIMENTO, R. R. (10 de dez de 2014). Transgeneralidade e Cárcere: Diálogos sobre uma Criminologia. Revista Transgressões, v.2, pp. p. 75-89. REALE, M. (2000). Teoria do Direito e do Estado (5 ed. ed.). São Paulo: Saraiva. REIS, G. (2019). Mulheres Transgênero no Cárcere, o Holocausto com Novo Endereço. Centro Universitário Toledo. SANZOVO, N., & SÁ, A. (2017). O lugardas trevas na prisão: um estudo comparativo entre o cárcere masculino (São Paulo) e alas LGBT (Minas Gerais). Universidade de São Paulo. SARLET, I. (2012). Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. (9ª ed. ed.). Porto Alegre: Livraria do Advogado. Referências Bibliográficas
Compartilhar