Buscar

Petição para a Corte Interamericana de Direitos Humanos

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 24 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 24 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 24 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

EXMO. SR. PRESIDENTE DA 
COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 
 
 
As Defensoras abaixo-assinadas, integrantes do Grupo de 
Trabalho de Direitos Humanos da Procuradoria Geral do Estado 
(São Paulo/SP), qualificadas em anexo, com fundamento no 
Artigo 44 da Convenção Americana de Direitos Humanos, 
ratificada pelo Brasil em 25 de setembro de 1992, vêm, 
respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, apresentar à 
Comissão Interamericana de Direitos Humanos a presente 
PETIÇÃO, concernente à VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 1, 2, 5, 
7, 8, 13, 15 e 25 da Convenção Americana, pelos motivos de 
fato e direito expostos a seguir: 
 
1. DOS FATOS 
Geraldo Hamilton Dos Santos, brasileiro naturalizado, homem transsexual, solteiro, 
advogado da Associação Nacional de Travestis e Transsexuais, doravante denominada 
simplesmente ANTRA, portador de carteira de identidade nº 42.341.677-2 expedida pela 
Secretária de Segurança Pública (SSP/SP), inscrito sob CPF sob nº 142.548.278-56, residente 
e domiciliado na Avenida Augusta, 2520 - Jardins, São Paulo, SP ao CEP 04142-003, 
doravante denominado simplesmente DEFENDIDO, vem perante esta corte propor e requerer 
o que segue. 
O DEFENDIDO foi preso arbitrariamente pela Polícia Militar do Estado de São 
Paulo, doravante denominada simplesmente PMSP, no dia 12 de novembro de 2018, durante 
uma manifestação a favor do reconhecimento, nas ações de agentes penitenciários, da 
dignidade da pessoa humana no tratamento dado às mulheres transsexuais em situação de 
cárcere, manifestação esta que ocorreu na rua Itambé, bairro Higienópolis/SP, promovido pela 
ANTRA e previamente notificado às autoridades competentes. O DEFENDIDO foi abordado 
pela PMSP, sob a justificativa do dever de apresentar documentos para que fosse permitido 
continuar em manifestação. Ocorre que, ao apresentar RG e carteira OAB, foi constatado que 
os nomes divergiam nestes documentos: no primeiro constava o nome atualizado de acordo 
com sua identidade de gênero e, no segundo, o antigo nome de registro. Fato é que o 
 
 
 
 
DEFENDIDO somente teve a oportunidade de mudar seu nome de nascença após seu 
ingresso profissional em diversos escritórios e, finalmente, quando já trabalhando para a 
ANTRA, teve o apoio emocional necessário para de fato efetivar a mudança de registro 
segundo seu nome social, escolhido em conformidade com sua identidade de gênero. 
Contudo, sua nova carteira de identificação da OAB ainda estava em processo de nova 
emissão. Ao justificar aos agentes da PMSP, o DEFENDIDO adicionalmente esclareceu ter 
em sua residência papéis que comprovavam de forma documental e oficial a supracitada 
divergência, porém foi ignorado pelos agentes da polícia e preso imediatamente sob alegação 
de falsidade ideológica, atentado contra à ordem pública e desacato simplesmente pelas suas 
inúmeras tentativas de explicar a situação aos agentes da polícia, de forma educada e pacífica 
. As alegações não possuem nexo e claramente também são motivadas por conta da área de 
atuação do DEFENDIDO, em sua busca pelo respeito e dignidade raramente atribuídos aos 
transsexuais nos presídios – principalmente as mulheres trans. 
Nós, DEFENSORAS e respectivas representantes do réu, gostaríamos de esclarecer 
a importância da peculiaridade da situação em que o DEFENDIDO teve sua prisão decretada. 
No dia seguinte à prisão, o DEFENDIDO daria início à ministração um curso gratuito e 
incentivado pelo próprio Ministério Público, voltado aos carcereiros das localidades de São 
Paulo. Tal curso teria como temática a vulnerabilidade das mulheres trans em situação de 
cárcere e reforçar de forma clara e expositiva quais tratamento estariam de acordo com o 
respeito à dignidade da pessoa humana, prevista no Art. 1 da Convenção Interamericana 
dos Direitos Humanos1, assim como a grande importância em seguir tais orientações. Ao 
chegar à delegacia, o DEFENDIDO foi ainda desrespeitado sendo chamado de “moça” e 
questionado de maneira inaceitável sobre qual seriam seus motivos para defender as mulheres 
trans em situação de cárcere, se referindo às mesmas com termos como “demônios” e 
“escórias da humanidade”. O DEFENDIDO afirmou o tempo todo que tinha em sua 
residência provas concretas que provariam sua inocência e de que tanto a manifestação quanto 
o curso que ofereceria não eram inconstitucionais e que, de fato, o direito de manifestação 
 
1 CIDH “Artigo 1º - Obrigação de respeitar os direitos 1. Os Estados-partes nesta Convenção comprometem-se a 
respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que 
esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma, por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, 
opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou 
qualquer outra condição social. 2. Para efeitos desta Convenção, pessoa é todo ser humano” 
 
 
 
 
estaria garantido em letra de lei segundo o Art. 5º, XVI da Constituição Federal brasileira2. 
Faz-se necessário ainda, citar a divergência entre os depoimentos dados pelos agentes da 
PMSP e pelas testemunhas, que eram alguns dos seguidores do DEFENDIDO, líder de 
minorias e principal organizador da manifestação junto ao ANTRA. O depoimento dos 
agentes expressava agressividade e desobediência do DEFENDIDO durante a abordagem 
policial e o caráter depredatório e atentatório à ordem pública da manifestação da qual o 
DEFENDIDO fazia parte como principal liderança. Em contrapartida, o depoimento das 
testemunhas de defesa afirma o caráter pacífico da reunião e protesto em que se encontravam 
e a absoluta cordialidade e mansidão do DEFENDIDO para com os agentes da PMSP 
durante a abordagem, em detrimento ao comportamento e ações completamente agressivas 
dos mesmos. 
As DEFENSORAS representantes do DEFENDIDO apresentaram a documentação 
que descarta a falsidade ideológica, porém a prisão provisória deste foi mantida com a 
fundamentação das outras acusações, contrariando a letra da lei disposta no Art. 313 do 
Código de Processo Penal brasileiro3, que prevê a decretação e manutenção da prisão 
preventiva somente em casos específicos, não condizentes com o do DEFENDIDO. 
Considerando o exposto, foi impetrado Habeas Corpus com Pedido Liminar, requerendo a 
revogação da prisão preventiva em decorrência de falta de fundamentação jurídica e 
inconstitucionalidade. Isso foi indeferido pelo sistema judiciário brasileiro e o DEFENDIDO 
responde pelo processo atualmente encarcerado na Penitenciária II de São Vicente, localizada 
na Rodovia Padre Manoel da Nóbrega, km 282 – Samarita, São Vicente, SP no CEP 11348-
910. 
A sentença, proferida pelo magistrado da 13ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça de 
São Paulo, condenou o DEFENDIDO à pena privativa de liberdade de oito anos, não sendo 
concedido a ele o direito de recorrer em liberdade, sob a justificativa de que havia contra ele 
título condenatório em curso ,de lesão corporal ocorrido em situação adversa, fato anterior 
 
2 Art. 5º, XVI da Constituição Federal Brasileira – “todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais 
abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente 
convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente”. 
3 Art. 313. do Código de Processo Penal Brasileiro. “Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a 
decretação da prisão preventiva: I - nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima 
superior a 4 (quatro) anos; II - se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em 
julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 
1940 - Código Penal; III - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, 
adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência,para garantir a execução das medidas protetivas de 
urgência;”. 
 
 
 
 
àquele em que ele foi preso sob acusações sem nexo, processo esse ainda não transitado em 
julgado. Assim, uma série de direitos constitucionais foram violados, como a própria 
presunção de inocência e o princípio da legalidade. O caso foi levado ao segundo grau do 
Tribunal de Justiça de São Paulo, sendo que o acórdão da 5ª Câmara de Direito Criminal 
manteve a decisão do juiz de primeiro grau. Decorridos dez meses desta prisão arbitrária, 
injusta e sem fundamento jurídico, o caso foi julgado pelo Supremo Tribunal de Justiça em 20 
de dezembro de 2019, quando a sentença condenatória foi mantida e nossos pedidos foram 
indeferidos. Em decorrência deste fato, a prisão do DEFENDIDO foi mantida, sobre a qual 
conclui-se como motivo o fato dele defender e lutar pelos direitos de mulheres transsexuais 
em situação de cárcere: um grupo minoritário vulnerável, oprimido pelas ideologias sociais e 
exposto a todo tipo de situação desumana e desrespeitosa. 
 
2. DOS REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE 
A presente petição está de acordo com os requisitos de admissibilidade traçados na 
Convenção Americana de Direitos Humanos. Inicialmente, é importante registrar que os 
peticionários têm legitimidade para figurar no polo ativo da demanda, de acordo com o que 
determina o preceito do Artigo 44 da Convenção4. 
Ainda cabe dizer que os processos criminais do indivíduo, que ainda estejam em 
curso, não podem ser utilizados como justificativa para privá-lo do direito de recorrer em 
liberdade, o que ocorreu no caso do DEFENDIDO. Foi ignorado o princípio de presunção da 
inocência, descrito na Constituição da República em seu Art. 5º, inciso LVII5, de acordo com 
o qual ninguém poderá ser considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal 
condenatória. 
Acrescenta-se também que é legítima a figuração do Estado brasileiro no polo passivo 
da demanda. O país ratificou a Convenção Americana de Direitos Humanos em 25 de 
setembro de 1992, tornando-a vinculativa e obrigatória, assim como para todos os demais 
países signatários, estando tal obrigação expressa, no caso do Brasil, no Decreto n° 678 de 6 
de novembro de 1992. Desta forma, configura-se como um acordo de vontades com direitos e 
obrigações, gerando responsabilidade de âmbito internacional. É justo, portanto, reconhecer a 
 
4 Artigo 44 da CIDH – “Qualquer pessoa ou grupo de pessoas, ou entidade não-governamental legalmente 
reconhecida em um ou mais Estados-membros da Organização, pode apresentar à Comissão petições que 
contenham denúncias ou queixas de violação desta Convenção por um Estado-parte.” 
5 Art. 5º da Constituição Federal brasileira, LVII – “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado 
de sentença penal condenatória” 
 
 
 
 
legitimidade da atuação da jurisdição internacional comum que é identificada em cláusula de 
compromisso facultativa disposta na própria Convenção. Além disso, o Brasil já foi acionado 
perante esta Comissão e discutiu o mérito da questão, reconhecendo implicitamente a 
jurisdição. 
É notório o prejuízo que decorre em desfavor do DEFENDIDO, uma vez que o 
Estado Brasileiro cometeu diversas ações injustas, desde a primeira abordagem e durante todo 
os trâmites processuais, que violam o Direito Internacional. É inegável a existência de 
motivação tacitamente expressa, pela qual o Estado cometeu ato ilegal tendo como objetivo 
suprimir representante de um grupo minoritário que cotidianamente é diminuído por 
ideologias sociais e afetado por agressões físicas e psicológicas que lesionam gravemente sua 
autodeterminação e dignidade como pessoa humana, pondo em risco seu estado anímico. Por 
fim, verifica-se que, no presente caso, os remédios de direito interno foram exauridos, 
conforme o determinado no Art. 46, item “a”6 da Convenção. Foi dada a prerrogativa ao 
Brasil para a resolução interna deste conflito, tendo em vista o princípio da soberania estatal e 
o princípio da subsidiariedade do direito internacional que, de acordo com Miguel Reale, é 
posto ao Estado o poder de organizar-se juridicamente e de fazer valer dentro de seu território 
a universalidade de suas decisões nos limites dos fins éticos de convivência, onde só depois 
de exauridos os recursos internos, deve-se recorrer aos agentes internacionais de direito 
(REALE, 2000). O Brasil teve esse princípio respeitado, porém o sistema de decisões 
judiciais sem fundamento permaneceu. 
O DEFENDIDO Geraldo Hamilton dos Santos permanece atualmente privado de 
liberdade em regime fechado, onde já está há um ano e cinco meses por alegações sem 
fundamento e um processo completamente irregular segundo tanto a legislação brasileira 
quanto a convenções internacionais às quais o Brasil é signatário. Na dolorosa e sofrível 
peregrinação no burocrático sistema processual penal até a última instância, apesar da notável 
injustiça presente no caso em tela, tudo o que nós DEFENSORAS conseguimos foram 
decisões desfavoráveis e arbitrárias. Ademais, tem-se que a regra do esgotamento apenas se 
verifica quando existem recursos efetivos e eficazes para a proteção do direito tutelado pela 
Convenção7. No caso em questão, tendo em vista a unanimidade dos pronunciamentos 
 
6 Artigo 46 da CIDH – “Para que uma petição ou comunicação apresentada de acordo com os artigos 44 ou 45 
seja admitida pela Comissão, será necessário: a) que hajam sido interpostos e esgotados os recursos da 
jurisdição interna, de acordo com os princípios de Direito Internacional geralmente reconhecidos” 
7 Art. 46, §2 da CIDH estabelece algumas causas de exceção à regra do esgotamento dos recursos internos: a. 
não existir, na legislação interna do Estado de que se tratar, o devido processo legal para proteção do direito 
 
 
 
 
 
desfavoráveis das Cortes Superiores , sendo violados a liberdade de expressão e o direito de 
reunião, previstos na Constituição Federal brasileira8, em prol de um grupo oprimido pela 
sociedade, por englobar uma temática complexa e que vai contra os conceitos morais 
conservadores, qualquer recurso a ser ajuizado perante o Supremo Tribunal, não obstante a 
falta de previsão legal, não ganharia posicionamento favorável e, portanto, a efetiva proteção 
pretendida. 
De acordo com dois dos princípios presentes na Convenção Americana dos Direitos 
Humanos, é dever do Estado garantir a existência de recursos eficazes para a garantia dos 
direitos e liberdades nela reconhecidos e o esgotamento destes recursos antes que se ingresse 
no âmbito internacional. Tal obrigação de oferecer garantias e recursos internos e a 
necessidade de se esgotar tais recursos é estabelecido pela Convenção Americana conforme 
artigo supracitado e reconhecidos por esta, recursos esses que foram exauridos conforme 
detalhadamente demonstrado neste documento. Conclui-se, portanto, como preenchidos os 
requisitos de admissibilidade desta petição frente à Comissão Interamericana de Direitos 
Humanos, onde respeitosamente nós, DEFENSORAS, solicitamos a apreciação desta 
petição por tão valorosa corte. 
 
3. DA TEMPESTIVIDADE 
Acerca dos requisitos temporais, esta petição se adequa aos limites traçados pelo 
artigo 46.1.b da CIDH9, na medida em que se apresenta dentro do prazo de seis meses da data 
em que se tomou conhecimento da violação do direito protegido, isto é, da data de publicação 
da decisão do Superior Tribunal de Justiça 20 de dezembro de 2019. Sendo assim, o prazo 
decorrido desde a decisão final foi menos de 5 meses e, portanto, dentro da instrução 
normativa constante na CIDH. Portanto, consideramos preenchido o requisito da 
tempestividade nesta petição à esta egrégia corte. 
 
ou direitos que se alega tenham sido violados; b. não se houver permitido ao presumido prejudicado em seus 
direitos o acesso aos recursos da jurisdição interna, ou houver sido ele impedido de esgotá-los; e c. houver 
demorajustificada na decisão sobre os mencionados recursos. 
8 Art. 5º da Constituição Federal Brasileira - IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e 
de comunicação, independentemente de censura ou licença; XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem 
armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra 
reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade 
competente; 
9 Artigo 46 – “Para que uma petição ou comunicação apresentada de acordo com os artigos 44 ou 45 seja 
admitida pela Comissão, será necessário: b) que seja apresentada dentro do prazo de seis meses, a partir da 
data em que o presumido prejudicado em seus direitos tenha sido notificado da decisão definitiva” 
 
 
 
 
Podemos afirmar, após cuidadosa e extensa pesquisa, que não existe qualquer outro 
caso equivalente em curso em outros sistemas internacionais de justiça, já que o caso em 
questão aborda uma prisão arbitrária decorrente de um grupo minoritário muito específico, 
restando satisfeito o requisito estabelecido pelo Artigo 46.1.c da Convenção10. Tampouco, 
também por fruto de intensa pesquisa podemos afirmar que o caso em questão nunca foi 
objeto de estudado em âmbito internacional, seja pela Comissão, seja por outra organização 
universal, estando, dessa forma, também preenchido o requisito exposto no artigo 47.1.d da 
Convenção.11 
Por fim, na medida em que se pleiteia os direitos à liberdade de expressão e de 
manifestação, ao devido processo legal e garantias processuais, é colocado em discussão 
também os direitos do grupo defendido e representado pelo autor. Portanto, a presente petição 
também visa coibir a violação dos direitos das mulheres transsexuais, especificamente aquelas 
em situação de cárcere, visando garantir que a dignidade da pessoa humana seja respeitada. É 
reivindicado também mudanças sociais, uma vez que a violência e desrespeito sofridos pelo 
grupo minoritário em questão são frutos de um mecanismo opressor de exclusão pertencente à 
sociedade, que é repassado livremente entre gerações e se torna terra fértil para uma dura 
realidade pautada na desigualdade e total violação dos Direitos Humanos. 
 
4. DA VIOLAÇÃO À CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS 
HUMANOS 
4.1. Da prisão arbitrária 
Preliminarmente, diversos direitos do DEFENDIDO foram transgredidos com sua 
prisão arbitrária e aqui fundamentamos. 
Começando com o princípio da dignidade da pessoa humana, onde este foi violado 
ainda no preâmbulo da Convenção Americana de Direitos Humanos, a qual o Brasil foi um 
dos signatários, o qual expressa: 
 
Reiterando que, de acordo com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, só 
pode ser realizado o ideal do ser HUMANO LIVRE, ISENTO DE TEMOR e da 
 
10 Artigo 46 – “Para que uma petição ou comunicação apresentada de acordo com os artigos 44 ou 45 seja 
admitida pela Comissão, será necessário: c) que a matéria da petição ou comunicação não esteja pendente de 
outro processo de solução internacional” 
11 Artigo 47 da CIDH - "A Comissão declarará inadmissível toda petição ou comunicação apresentada de acordo 
com os artigos 44 ou 45 quando: d) for substancialmente reprodução de petição ou comunicação anterior, já 
examinada pela Comissão ou por outro organismo internacional" 
 
 
 
 
miséria, se forem criadas condições que permitam a cada pessoa gozar dos seus 
direitos econômicos, sociais e culturais, bem como dos seus DIREITOS CIVIS e 
políticos (grifo nosso). 
 
Quando se fala em direito a dignidade, se está, em verdade, a considerar o direito a 
reconhecimento, respeito, proteção e até mesmo promoção e desenvolvimento da dignidade 
(SARLET, 2012). 
O artigo 1º da CADH vincula os Estados-partes aos seus respectivos deveres de 
respeitar os direitos e liberdades desta Convenção e, ao prenderem o DEFENDIDO 
arbitrariamente, conforme ocorrido, já é violado seu artigo 5º, 1 onde “toda pessoa tem direito 
a que se respeite sua integridade física, psíquica e moral” e seu artigo 7.3, o qual dispõe que 
“ninguém pode ser submetido a detenção ou encarceramento arbitrários”. 
Uma vez entendido que “todo ser humano é pessoa”, conforme o artigo 1º, inciso III 
da Constituição Federal, faz-se presente, também, a transgressão ao seu direito de liberdade 
de expressão, presente na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, em 
seu artigo 4º, o qual declara que “toda pessoa tem o direito à liberdade de investigação, de 
opinião e de expressão e difusão do pensamento, por qualquer meio”. Tal direito também é 
pleiteado no artigo 13, 1 da Convenção12 e no direito interno no art. 5º da CF, inciso IX13. 
Quando o DEFENDIDO foi preso arbitrariamente, sua liberdade de expressão e difusão de 
pensamento foram corrompidas visto que o advogado em questão foi preso como uma forma 
de censura de suas ideias para a não ministração de seu curso gratuito para agentes 
penitenciários sobre as vulnerabilidades das mulheres transgêneras no cárcere. Além disto, o 
direito de reunião pacífica - presente tanto no artigo 15 da Convenção14 quanto no Art. 5º, 
XVI da Constituição Federal brasileira15 - foram desrespeitados, uma vez que o 
DEFENDIDO estava em meio a um evento, o qual foi inclusive um dos principais 
 
12 Artigo 13 da CIDH - Liberdade de pensamento e de expressão - 1. Toda pessoa tem o direito à liberdade de 
pensamento e de expressão. Esse direito inclui a liberdade de procurar, receber e difundir informações e ideias 
de qualquer natureza, sem considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou 
artística, ou por qualquer meio de sua escolha. 
13 Art. 5º, IX da Constituição Federal brasileira – “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica 
e de comunicação, independentemente de censura ou licença” 
14 Artigo 15 - Direito de reunião - É reconhecido o direito de reunião pacífica e sem armas. O exercício desse 
direito só pode estar sujeito às restrições previstas em lei e que se façam necessárias, em uma sociedade 
democrática, ao interesse da segurança nacional, da segurança ou ordem públicas, ou para proteger a saúde ou 
a moral públicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas. 
15 Art. 5º, XVI da Constituição Federal Brasileira - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais 
abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente 
convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente; 
 
 
 
 
organizadores: a manifestação em favor das mulheres transgêneras encarceradas em São 
Paulo. Após a prisão do DEFENDIDO, o evento foi dispersado. 
Conforme o andamento dos fatos da prisão do DEFENDIDO, percebe-se que 
garantias fundamentais não foram respeitadas como a presunção de inocência e o direito ao 
devido processo legal, princípios priorizados no artigo 8º, 2 da CADH16 e em nossa própria 
Constituição com o Art. 5º, LIV17. Beccaria, em seu clássico Dos Delitos e das Penas, 
ensinava que um homem não pode ser considerado culpado antes da decisão do juiz 
(BECCARIA, 1998), contudo quando foi pedido que o DEFENDIDO pudesse recorrer em 
liberdade, o pedido foi negado com a justificativa de que contra ele tinha título condenatório 
em curso. 
 
4.2. Do embasamento jurisprudencial 
Como base jurisprudencial desta egrégia corte é importante citar o “Caso Norín 
Catrimán e Outros vs Chile”, decisão na qual a Corte Interamericana de Direitos Humanos 
reconheceu o tratamento seletivo com o qual as cortes chilenas trataram os julgamentos dos 
acusados envolvidos, de forma direta ou implícita, em todos os julgamentos internos pelos 
quais passaram os envolvidos no caso supramencionado. A decisão da corte expressamente 
esclareceu a importância da rigorosa aplicação das garantias judiciais garantidas pelo Art. 8 
da CIDH e que, portando, “sirvampara proteger, assegurar ou fazer valer a titularidade ou o 
exercício de um direito”18, isto é garantir as “condições que devem ser cumpridas para 
assegurar a adequada defesa daqueles cujos direitos ou obrigações estão sob consideração 
judicial”19. Ora, o DEFENDIDO estava pacificamente exercendo seu direito de manifestação 
pacífica, sedimentado na Constituição Federal brasileira, tendo a seu favor diversos relatos 
testemunhais de que tal exercício de direito decorreu conforme seu depoimento pessoal, 
dentro das conformidades da norma jurídica posta. As cortes brasileiras, no entanto, de forma 
parcial conformaram uma maior validação aos relatos testemunhais dos agentes públicos 
 
16 Art. 8, 2 da CIDH - Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto 
não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, 
às seguintes garantias mínimas: 
17Art. 5º, LIV da Constituição Federal Brasileira – “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o 
devido processo legal” 
18 Cf. Caso dos “Meninos de Rua (Niños de la Calle)” (Villagrán Morales e outros) Vs. Guatemala. Mérito, par. 
220; e Caso Mohamed Vs. Argentina, par. 81. 
19 Cf. Caso Hilare, Constantine e Benjamin e outros Vs. Trinidade e Tobago. Mérito, Reparações e Custas. 
Sentença de 21 de junho de 2002. Série C n° 94, par. 147; e Caso Mohamed Vs. Argentina, par. 80. 
 
 
 
 
envolvidos na ocorrência, ignorando reiteradamente provas testemunhais a favor do 
DEFENDIDO, em uma clara violação dos direitos sedimentados no Art. 8 da CIDH no que 
tange a imparcialidade das cortes julgadoras. Convém mencionar também que é bastante claro 
que, desde o início dos acontecimentos que culminaram com a prisão e condenação do 
DEFENDIDO, a sua inconformidade com o gênero de nascimento bem como as suas 
motivações para a manifestação pública foram tratadas com chacota, desrespeito e diminuído 
em sua importância para com o grupo minoritário por ele defendido. As mulheres trans 
encarceradas sofrem de forma constante diversas micro agressões e invalidação de sua 
dignidade da pessoa humana, fato reconhecido em diversos artigos científicos e em outros 
estudos acadêmicos voltados aos Direitos Humanos em geral. Por exemplo, na Revista 
Transgressões, um artigo acadêmico intitulado “Transgeneridade e Cárcere: Diálogos sobre 
uma Criminologia Transfeminista” menciona, sobre a instituição prisional como um todo, que 
"o sistema é interpretado como uma representação de todo um contexto de exclusão, 
preconceito e marginalização constatado além dos muros da prisão, porém de forma 
amplificada" (LIMA & NASCIMENTO, 2014). O mesmo artigo demonstra, em diversos 
momentos, que o Estado brasileiro possui conhecimento de diversas violações e que os 
próprios agentes carcerários – funcionários à serviço do Estado – são fonte de muitas das 
violações sofridas por essa minoria específica. 
 Ainda tecendo comentários acerca da base jurisprudencial do caso Norín Catrimán, 
mencionaram que no caso em questão, os juízes envolvidos “efetuaram uma valoração e uma 
qualificação dos fatos com base em conceitos pré-constituídos sobre o contexto que os 
rodeou, ao ter adotado sua decisão condenatória aplicando tais preconceitos”. Infelizmente é 
de conhecimento público e notório a parcialidade das cortes brasileiras perante minorias, 
como o emblemático caso “Rafael Braga”. Pobre, periférico, negro e catador de materiais 
recicláveis, foi preso nas manifestações de 2013 portando uma garrafa de desinfetante, 
enquadrado inicialmente pela polícia como produto destinado à confecção de coquetel 
molotov. Mesmo com provas periciais posteriores relevando o conteúdo real do recipiente, 
bem como a impossibilidade de este ter o uso que lhe foi inicialmente imputado, a 
condenação de Rafael a 4 anos de prisão foi mantida, sendo ignoradas sumariamente todas as 
provas a seu favor. Nesta mesma época, Andreas Von Richthofen foi encontrado 
perambulando pela cidade, em aparente surto agressivo após uso de drogas. O tratamento 
dado a ele foi totalmente diferente, não condenatório, procurando-se a humanidade nele antes 
dos delitos (GARCIA). Já em casos envolvendo minorias, como o do DEFENDIDO ou o de 
 
 
 
 
Rafael Braga supracitado, a discriminação incutida em suas características “indesejáveis” traz 
o delito à frente da humanidade, de forma expressa ou indireta, em claro processo 
discriminatório e de violação aos Direitos Humanos. 
 Ainda em menção ao caso Norín Catrimán, “o artigo 1.1 da Convenção dispõe que os 
Estados Partes ‘se comprometem a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a 
garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem 
discriminação alguma por motivos de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou 
de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou 
qualquer outra condição social’. Por sua vez, o artigo 24 estipula que ‘todas as pessoas são 
iguais perante a lei. Por conseguinte, têm direito, sem discriminação, a igual proteção da lei’ 
(pars. 184 e 185 supra).”. Mesmo que de forma não expressa, é notória a parcialidade das 
cortes brasileiras quando os réus são integrantes de grupos minoritários ou os defendem. 
 A Corte, em prévia decisão, “determinou que uma diferença de tratamento é 
discriminatória quando não se tem uma justificativa objetiva e razoável”20, o que claramente 
ocorre no caso do DEFENDIDO e de tantos outros integrantes de grupos minoritários. É 
expresso que “quando não persegue um fim legítimo e não existe uma relação razoável de 
proporcionalidade entre os meios utilizados e o fim pretendido”21, existe uma violação de 
direitos de cunho processual e discriminatório, o que pode ser facilmente identificado durante 
toda a fundamentação desta petição, diante dos fatos injustamente ocorridos. 
 
4.3. Do grupo defendido 
O DEFENDIDO Geraldo Hamilton dos Santos é, além de um dos principais 
advogados da ANTRA, um homem transexual que enfrentou grandes adversidades para 
conquistar o importante papel social que possui atualmente. Conforme sua formação 
acadêmica e profissional, o DEFENDIDO iniciou pesquisas, tanto jurisprudenciais quanto 
dogmáticas, para entender como se passa a relação entre expressão e identidade de gênero, 
sexualidade e sexo em nossa sociedade. Quando o DEFENDIDO atingiu uma certa 
 
20 Cf. Condição Jurídica e Direitos Humanos da Criança. Parecer Consultivo OC – 17/02 de 28 de agosto de 2002. 
Série A n° 17, par. 46; Parecer Consultivo OC – 18/03 de 17 de setembro de 2003, par. 84; e Caso YATAMA Vs. 
Nicarágua, par. 185. 
21 Cf. TEDH, Caso D.H. e outros Vs. República Checa, n° 57325/00. Sentença de 13 de novembro de 2007, par. 
196; e TEDH, Caso Sejdic e Finci Vs. Bósnia Herzegovina, n° 27996/06 e 34836/06. Sentença de 22 de janeiro de 
2009, par. 42. 
 
 
 
 
estabilidade social, ato raro de se conseguir sendo integrante de um grupo excluído social e 
culturalmente, passou a atuar efetivamente no campo das diversas agressões sofridas por 
pessoas LGBT dentro do cárcere, mais especificamente por transgêneros e travestis no Estado 
de São Paulo. Ou seja, seu trabalho foi voltado intuitivamente para defender seus respectivos 
direitos e defendendo, assim, sua causa. 
Para uma melhor compreensão do trabalho do DEFENDIDO como advogado e para 
um melhor entendimento das motivações de sua prisão, é preciso entender, primeiramente, 
quem são as pessoas que compõem esse grupo. Em recente levantamento de LGBT’s em 
cárcere divulgado pela Secretaria da Administração Penitenciária de São Paulo. de um total de 
232.979 (97,56%) de pessoas em cárcere, 5680 (2,44%) se identificam como LGBT’s. Dessas 
5680 pessoas, 239 se identificam com o gênero “Mulher Trans” (Imprensa SAP, 2020). 
O fenômeno do encarceramento em massa chama a atenção para a focalizaçãosobre 
grupos sociais específicos em São Paulo com uma população jovem, negra e residente nos 
bairros de periferia. A idade predominante é de 25 a 29 anos, de raça parda e negra, com 
ensino fundamental incompleto. De acordo com dados do perfil carcerário em São Paulo e no 
Brasil, em relação aos tipos de crimes da maioria das mulheres (cis e trans) predomina o 
tráfico e roubo (IG São Paulo, 2014). 
Também se torna necessário uma pequena revisão de conceitos para o entendimento 
da gravidade da situação das mulheres trans em situação de rua. Primeiramente, é preciso 
entender a diferença entre identidade de gênero, sua expressão e sexualidade. Segundo 
Rodrigo Rodrigues de Freitas Brandão, ”a identidade de gênero se epiloga no modo como a 
pessoa humana se enxerga, dentro da esfera de gênero e, consequentemente, como ela age e se 
porta perante o meio social no qual está inserida, reproduzindo em si suas referências de 
feminino ou masculino” (BRANDÃO, 2016). Ou seja, a identidade de gênero diz respeito a 
sua própria identidade como um todo. Já em relação à orientação sexual, o Departamento de 
Promoção dos Direitos de LGBT se refere a ela como sendo a forma de atração de uma 
pessoa por outra, seja ela romântica, emocional e/ou física. 
A distinção entre esses conceitos se mostra presente na própria sigla LGBT, termo o 
qual é utilizado para se referir às pessoas não contempladas pelo padrão da orientação sexual, 
identidade e expressão de gênero (REIS, 2019). Tal sigla, para ser mais bem compreendida, 
deve ser dividida em duas partes, sendo sua primeira parte, LGB, correspondente a pessoas 
lésbicas, gays ou bissexuais, dizendo respeito então à orientação sexual do indivíduo. Já a 
segunda parte, T, diz respeito à sua identidade de gênero, lidando com pessoas travestis e 
 
 
 
 
transgêneros. Tal diferenciação se torna necessária quando tomamos conhecimento de uma 
das primeiras formas de microagressões sofridas por pessoas trans uma vez encarceradas: seu 
nome em seu processo criminal. 
Segundo a Cartilha Transexuais e Travestis, formulada pela Defensoria Pública do 
Estado do Rio de Janeiro por meio do grupo NUDIVERSIS, o respeito ao nome social é 
extremamente importante nas relações sociais. Negar o tratamento pelo nome social significa 
tratar de maneira discriminatória a mulher/o homem trans ou a travesti, podendo até mesmo 
entrar com uma ação por danos morais. Sendo o nome um direito personalíssimo, o qual 
particulariza e individualiza a pessoa em seu contexto social, ele encontra-se defeso no Novo 
Código Civil, em seu Art. 16, o qual revela que “toda pessoa tem o direito ao nome, nele 
compreendidos o prenome e o sobrenome”. O uso do nome social como reconhecimento de 
identidade de gênero também está assegurado por meio do Decreto 8.727, de 28-04-2016, o 
qual diz em se artigo 2º que: os órgãos e as entidades da administração pública federal direta, 
autárquica e fundacional, em seus atos e procedimentos, deverão adotar o nome social da 
pessoa travesti ou transexual, de acordo com seu requerimento e com o disposto neste 
Decreto. 
Dentro do processo penal de uma pessoa trans, é extremamente comum encontrar sua 
designação como “homossexual” ao invés de mulheres transexuais ou travestis uma vez que 
para o senso comum, qualquer pessoa com pênis que não se identifica com o gênero 
masculino, apresenta um comportamento desviante que é lido como homossexual 
(BRANDÃO, 2016). Além deste desrespeito para com sua identidade de gênero, ainda no 
processo em si, não raro percebe-se a utilização do nome morto da pessoa trans no lugar de 
seu nome social. Nome morto é o nome que foi dado para a pessoa trans por seus familiares 
ao nascer, contudo, conforme seu desenvolvimento, a pessoa transexual passa a entender sua 
identidade de gênero e assim, acaba por escolher um outro nome (nome social) para se 
adequar ao seu gênero enquanto ainda não foi promovida sua alteração formal nos 
documentos civis. 
Após a parte processual, a maioria das mulheres trans e travestis são encarceradas em 
presídios masculinos, pois, segundo Guilherme Gomes Ferreira, doutorando em serviço social 
pela PUC-RS e pelo Instituto Universitário de Lisboa com pesquisa que versa sobre a 
experiência prisional de mulheres trans e travestis: 
As prisões têm uma concepção de que o gênero é o sexo, a genitália, e este é o 
argumento usado para prender travestis e mulheres trans em presídios de homens. Há também 
 
 
 
 
a ideia de que travestis e mulheres trans poderiam estuprar mulheres cisgênero, colocá-las em 
situação de violência, por isso não podem estar em presídios com outras mulheres e têm que 
ficar em presídios de homens. 
Os estudos de Guilherme Gomes Ferreira também apontam diversos pontos 
importantes na vivência dessas mulheres. O primeiro ponto é que mulheres trans geralmente 
não recebem visitas e, consequentemente, não acessam aos produtos que os outros 
custodiados, homens, recebem de seus familiares como cobertores e produtos de higiene 
pessoal. Existe uma circulação de venda de tais produtos, sendo que tais mulheres se tornam 
compradores em potencial. Como forma de “pagamento” tais mulheres fazem atividades 
claramente sexistas como trabalhos domésticos como limpar as celas, fazer a comida e 
trabalhos sexuais. Geralmente, a polidez nas negociações se dá em presídios que possuem 
alas/ celas específicas para pessoas LGBT. Quando não há, tais mulheres ficam presas 
juntamente com outros homens em uma cela superlotada e, não raramente, sofrem estupros 
coletivos ou as fazem de “mula” de drogas sob a coerção de matá-las. Ser mula de drogas 
significa traficar drogas por dentro de seu corpo pela prisão. 
No estudo de Sandra Kiefer, fica evidente o perigo à segurança dessas mulheres trans 
encarceradas com o relato de Vitória Rio Fortes, travesti. Ela conta que chegou a sofrer 
estupro coletivo de 21 homens em um único dia e seus casos foram o estopim para a criação 
de uma ala LGBT em seu conjunto prisional: 
Eu era obrigada a ter relação sexual com todos os homens das celas, em sequência. 
Todos eles rindo, zombando e batendo em mim. Era ameaçada de morte se contasse aos 
carcereiros. Cheguei a ser leiloada entre os presos. Um deles me “vendeu” em troca de 10 
maços de cigarro, um suco e um pacote de biscoitos. (KIEFER, 2014) 
A criação de espaços específicos para pessoas LGBT teve início com a Resolução 
Conjunta nº 1, de 15 de abril de 2014, do Conselho Nacional de Política Criminal e 
Penitenciária (CNPCP) e do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos 
Direitos de LGBT (CNCD/LGBT), a qual coloca diretrizes para a sistema prisional brasileiro 
como espaços específicos para vivência e o uso do nome social conforme a identidade de 
gênero da pessoa. Tal movimento foi impulsionado por um relatório publicado em 2016, 
realizado por Juan Mendez da ONU contra tortura. Nele, o relator expõe as torturas no 
sistema prisional brasileiro contra a população LGBT. Mesmo após tais direcionamentos, o 
Brasil mantém-se, segundo dados coletados pelo DEPEN (Departamento Penitenciário 
 
 
 
 
Nacional), com apenas 101 espaços de alas e celas LGBTI+, diante de um total de 1.500 
unidades prisionais, 
Em se tratando de nome social, não só no processo em si que se encontra a 
inutilização do nome social: na cotidiano das apenadas trans também. Segundo a transcrição 
de Carolina de Assis, mencionada em Mulheres Transgêneros no cárcere: o Holocausto 
com Novo Endereço (REIS, 2019), percebe-se um grande desprezo, não somente por parte 
dos outros presos, como também pelos próprios agentes públicos: 
A maioria xinga a gente de bicha, traveco, demônio. Debocham o tempo inteiro da 
cara da gente, chama a gente de puta, safada, chama a gente de drogados, chama a gente de 
presos nojentos, ficam rindo. É preso, monstro, é lixo; tô sendo sincero e realista, é isso. 
Nossa, eu já apanheimuitas vezes de um agente aqui (SANZOVO & SÁ, 2017). 
Como parte da discriminação transfóbica que essas mulheres enfrentam, também se 
encontra uma vedação do uso de roupas femininas e, principalmente em penitenciárias 
controladas por facções, raspa-se os cabelos de pessoas trans como forma de negá-las sua 
verdadeira identidade. 
Desta forma, percebe-se diversas formas de discriminações contra tais mulheres 
encarceradas e para melhor as compreendermos, devemos, primeiramente, ser guiados pelas 
teorias da discriminação e seus respectivos entendimentos sobre estereótipos e preconceito. 
Primeiramente, discriminar significa categorizar, classificar situações a partir de um 
determinado critério. Tais classificações podem ser tanto positivas quanto negativas, no caso 
das mulheres transexuais e travestis no cárcere, encontramos uma discriminação negativa uma 
vez que lhes são impostas diversas desvantagens em relação aos outros presos e seres 
humanos. Essa forma de classificar nasce na forma de estereótipos, os quais podem ser 
entendidos como falsas generalizações que fazemos sobre determinados grupos uma vez que 
internalizamos que um grupo minoritário, geralmente considerado como diferente, não possui 
as características socialmente valorizadas que o grupo majoritário tem e, consequentemente, 
os estereótipos legitimam ações de tratamento desvantajoso para com outros grupos. Essa 
classificação de características socialmente aceitas são valores culturais que aprendemos 
desde cedo, como por exemplo, que mulheres devem tomar conta das atividades domésticas. 
Os estereótipos têm duas dimensões: uma dimensão descritiva e outra prescritiva. A primeira 
designa supostas características dos membros de um determinado grupo. A segunda designa 
os lugares ou funções que os membros de um determinado grupo podem ocupar na sociedade. 
 
 
 
 
Já os preconceitos seriam uma suspensão do dever de tratar uma pessoa como 
indivíduo único baseada nos valores culturais perpetrados pelos estereótipos presentes no 
grupo representado como diferente. O preconceito consiste numa reação emocional, uma 
antecipação, consciente ou inconsciente. 
Sendo assim, entende-se que estereótipos geram preconceitos, os quais se 
manifestam nas diferentes formas de discriminação. Antes de adentrar nas específicas formas 
de discriminação presente nas vidas de tais mulheres, é importante entendermos que 
discriminações possuem um interesse material, sendo este, no nosso caso, o de manter o status 
da heterossexualidade. Segundo o artigo (IN)visibilidade Trans (2017) o normal e socialmente 
aceitável deve condizer com uma postura heterossexual de acordo com os papéis sociais 
atribuídos aos gêneros e onde se pressupõe uma continuidade entre sexo, gênero e 
sexualidade. Segundo as teorias de gênero binárias de cunho biológico, que influenciaram e 
influenciam de forma preponderante nossa sociedade, só existem dois sexos: 
masculino/macho e feminino/fêmea, não havendo variações ou possibilidade de transitar. 
Portanto, segundo a biologia, com o reforço de um forte conservadorismo religioso, o que 
determina ser homem e mulher é uma condição genética, a soma de cromossomos. 
Segundo a doutora em psicologia social Jaqueline Gomes de Jesus “historicamente, a 
população transgênero (composta por travestis e pessoas transexuais) é estigmatizada, 
marginalizada e perseguida, devido à crença na sua anormalidade, decorrente do estereótipo 
de que o natural é que o gênero atribuído ao nascimento seja aquele com o qual as pessoas se 
identificam e, portanto, espera-se que elas se comportem de acordo com o que se julga ser o 
adequado para esse ou aquele gênero”. Uma vez entendidos os estereótipos e os interesses na 
manutenção deles, é devemos entender em qual formato de discriminação esses preconceitos 
se legitimam. 
As discriminações para contra esse grupo partem da teoria da interseccionalidade, 
uma vez que se requer uma consideração das múltiplas formas discriminatórias sofrida por 
estes indivíduos. Na existência de uma multiplicidade de opressões, cria-se o fenômeno das 
“minorias dentro de minorias”, fazendo com que alguns membros do grupo minoritário gozem 
de privilégios perante outros, revelando-se assim uma subrepresentação de parte do grupo. 
Um exemplo disso seria o das discriminações sofridas por mulheres. Sabe-se que existem 
diversos fatores discriminatórios contra mulheres com o interesse de manter o status social 
masculino. Contudo, algumas mulheres não sofrem somente com o sexismo, mas também 
 
 
 
 
com o racismo, o qual acaba por se combinar com a opressão anterior gerando algo sofrido 
por somente essa parcela do grupo minoritário. 
No caso do grupo minoritário amparado pelo DEFENDIDO, mistura-se a 
discriminação por ser mulher, a transfobia e a minimização de sua dignidade uma vez 
encarceradas. Tal discriminações vem no formato de discriminação institucional uma vez que 
é praticada por representantes de instituições públicas ou privadas, é motivada por 
estereótipos descritivos e/ou prescritivos. Tal maneira de categorizar faz parte da operação da 
instituição em questão. 
Em se tratando de Direitos Humanos, devemos primeiro elucidar o que são para 
depois explicar quais direitos, e de quais formas, estão sendo violados pelo sistema prisional 
brasileiro. Sendo assim, Direitos Humanos são os direitos públicos subjetivos que permitem a 
efetivação da cidadania, da dignidade e capacidade de se portar de maneira competente no 
espaço público. Estando relacionados com o reaparecimento da Democracia e do 
constitucionalismo, possuem características como sua essencialidade, universalidade e 
historicidade. 
A essencialidade dos Direitos Humanos pauta sobre eles serem inerentes ao ser 
humano assumindo, assim, uma posição de destaque normativo visto que representam valores 
supremos do homem e de sua dignidade. Já a universalidade versa o englobamento de tais 
direitos para todos os indivíduos possuindo assim uma abrangência territorial universal. E a 
historicidade trata sobre o surgimento dos Direitos Humanos sendo esta somente expansiva, 
ou seja, conforme esses direitos são construídos gradualmente, não se pode retroceder e sim, 
apenas ampliar a proteção do indivíduo conforme a conquista de novos direitos. Essa 
característica é a que fundamenta a ideia de gerações/dimensões dos direitos humanos. A 
primeira geração trata dos direitos civis, políticos e das liberdades individuais clássicas e 
destes, o DEFENDIDO teve como violados: seus direitos ao devido processo legal. A 
presunção de inocência e sua liberdade de expressão quando censuram a ocorrência de seu 
curso para os agentes penitenciários. A segunda geração compreende os direitos econômicos, 
sociais e culturais e aparecem no formato de direitos fundamentais visto que vinculam o 
Estado a um conjunto de obrigações materializadas em normas constitucionais, execução de 
políticas públicas e ações afirmativas, cabendo ao Estado a obrigação de cumpri-las. Destes 
foram transgredidos, em relação ao grupo defendido, o direito à segurança social, a uma 
habitação digna, e até mesmo o direito à educação, uma vez que, segundo dados da 
Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (AGLBT) a 
 
 
 
 
evasão escolar entre travestis e transexuais chega a 73%. Ainda em relação aos direitos 
infringidos de segunda geração, 61 % das pessoas transexuais não possuem ensino médio 
(direito à educação), 50% não tem moradia adequada (direito à habitação) e 80% não possuem 
um tipo de renda fixa (direito econômico), segundo a Secretaria de Direitos Humanos da 
Presidência da República. Segundo Ferreira (2014), essas mulheres trans encarceradas são, 
muitas vezes, impossibilitadas de estudarem dentro do presídio mesmo tendo um grande 
anseio de suas partes para que assim possam ser inseridas no mercado de trabalho. 
Não podemosestudar por causa da homofobia, do preconceito, no corredor a gente é 
agredido, dentro de uma sala de aula com outros detentos e em outras galerias a gente não 
pode ficar em função do preconceito, né. Então deveria ter um horário que descessem só as H 
(Assim conhecida a ala onde permanecem as travestis) do terceiro para estudar – depoimento 
por detenta anônima (FERREIRA, Travestis e prisões: experiência social e mecanismos 
particulares de encarceramento no Brasil., 2015). 
E em relação aos direitos de terceira geração, eles são considerados transindividuais, 
pois só podem ser exigidos em ações coletivas e a efetivação desses interesses beneficia a 
todos e sua violação também afeta a todos. São estes: o direito à paz, à autodeterminação dos 
povos, o direito a um meio ambiente equilibrado, a uma qualidade de vida saudável, entre 
outros. 
No livro Desigualdade Reexaminada, Amartya Sem, vencedor do prêmio Nobel de 
economia, explora diversos arranjos sociais ao desenvolver uma abordagem metodológica 
para lidar com questões pertinentes a desigualdade social. O autor enfatiza a pergunta 
“Igualdade em relação a quê?”, afirmando que igualdade devem correlacionada juntamente 
com outras demandas sociais para que assim a avaliação de igualdade não seja distorcida. Ao 
pontuar “que aspecto da condição de uma pessoa deve contar como fundamental na avaliação 
da extensão da desigualdade?”, Sen apresenta a defesa do seu ponto de vista segundo o qual 
as capacidades é que devem ser igualadas, sendo que a noção de capacidade é expressada no 
ideal de igualdade de oportunidades, Tais oportunidades envolvem não apenas as 
disponibilidades em recursos, mas também o acesso das pessoas a esses recursos, sendo que, 
geralmente, depende das habilidades e talentos para saber manuseá-los. A ausência de 
habilidades e talentos é limitante da liberdade de ter e fazer escolhas, uma vez que a escolha 
genuína pressupõe capacidades. As capacidades estão intimamente ligadas com o ideal de 
liberdade efetiva. As formas de exclusão e de desigualdades sociais anulam as liberdades 
efetivas de milhões de pessoas, assim, Amartya pauta sobre a necessidade de buscar formas 
 
 
 
 
de distribuição da riqueza que permitam ampliar as liberdades efetivas de um número cada 
vez maior de pessoas. Juntamente com seu ponto sobre a distribuição de riquezas, Sen critica 
a racionalidade da economia uma vez que ela simplifica as motivações das pessoas. Ele 
defende o reconhecimento de outras motivações de racionalidade, permitindo incorporar na 
formulação das políticas públicas, além da ética e racionalidade, uma pluralidade de valores 
presentes na sociedade, pautando assim valores morais no mundo das finanças. 
Tratados internacionais e Convenções são formas de unir diversos países um torno de 
uma causa em comum para, assim, criar um compromisso geral para com os direitos humanos 
em questão e servindo, também, para a denúncia de certos países em relação à sua negligência 
para com seu dever como signatário. O Brasil é signatário de diversos acordos internacionais 
e, em relação aos direitos humanos de pessoas transgêneras encarceradas, tem sido 
irresponsável para com suas obrigações. O primeiro ponto a ser destacado é o artigo primeiro 
da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (1948) o qual impõe que “todo 
ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança de sua pessoa”. O primeiro ponto 
importante a ser elencado é que, definitivamente, o sistema prisional brasileiro não garante a 
segurança de seus presos, muito menos de um subgrupo minoritário como o de mulheres 
trans. Outro ponto interessante é o de que, uma vez que essa norma coloca todos como iguais, 
alguns agentes públicos poderiam negar tratamento diferenciado às mulheres trans em 
situação de cárcere uma vez que, como todos são iguais, não seria correto tratar 
diferenciadamente uma pessoa. Esse seria o exemplo clássico de uma discriminação indireta, 
pois uma norma moralmente neutra causaria um impacto desproporcional em um grupo em 
situação de desvantagem. 
Cabe ainda citar a relação entre os pressupostos de uma das Escolas de Direitos 
Humanos, cabendo aqui, a Escola do Protesto, e o Art. 4º presente da Declaração 
Americana dos Direitos e Deveres do Homem (1948) que versa sobre o direito que todos 
têm de liberdade de expressão, opinião e difusão do pensamento. De acordo com os ideias da 
Escola do Protesto, a luta pelos direitos humanos nunca terá desfecho pois as hierarquias 
sociais estão presentes mesmo em regimes democráticos. Os grupos majoritários estarão 
sempre tentando manter seus privilégios e por isso os Direitos Humanos devem ter garantias 
jurídicas para a proteção de grupos tradicionalmente discriminados e devem ser demandados 
socialmente em nome de grupos tradicionalmente oprimidos , o que se relaciona com o caso 
na medida em que o DEFENDIDO foi preso injustamente por protestar em favor de um 
grupo minoritário : mulheres trans em situação de cárcere. 
 
 
 
 
No artigo 2º da Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem é 
claramente apontado que “todas as pessoas são iguais perante a lei e têm os direitos e deveres 
consagrados nesta declaração, sem distinção de raça, língua, crença, ou qualquer outra”, 
contudo, é evidente a existência de um tratamento desproporcional em relação aos direitos de 
tais mulheres, as quais são privadas de sua expressão de gênero ao serem impedidas de 
usarem roupas femininas e de manterem seus cabelos longos, sendo isto contra o ordenamento 
jurídico internacional conforme o artigo 4º da Declaração Americana dos Direitos e Deveres 
do Homem que diz “toda pessoa tem o direito à liberdade de investigação, de opinião e de 
expressão e difusão do pensamento, por qualquer meio” 
No plano nacional, mulheres transgêneras em situação de cárcere têm diversos de 
seus direitos fundamentais sendo violados em tempo integral. Primeiramente, o direito à 
dignidade da pessoa humana, no artigo 1º inciso III da Constituição Federal, o qual é definido 
por Ingo Wolfgang Sarlet como: 
“Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e 
distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo 
respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, 
neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que 
assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante 
e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais 
mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua 
participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e 
da vida em comunhão com os demais seres humanos, mediante o devido 
respeito aos demais seres que integram a rede da vida” (SARLET, 2012) 
 
Outro direito do nosso ordenamento jurídico violado para com tais mulheres é o 
direito ao nome, o qual toda pessoa tem direito conforme Art. 16 do Código Civil. Tais 
mulheres são negadas de terem seus nomes em seus processos assim como são desrespeitadas 
neste quesito por conta da transfobia enraizada em nossos valores culturais, a qual não aceita 
a existência de pessoas trans. Inviabilizar o acesso ao seu nome é uma forma de inviabilizá-
las. A fatídica existência de alguns agentes penitenciários que as espancam, consuma tortura, 
tornando assim o artigo 5º, inciso III da Constituição Federal Brasileira, outro ponto 
constitucional ignorado para com essa mulheres. A Convenção Americana de Direitos 
Humanos, em seu artigo 5º, também versa sobre tortura, priorizando a dignidade da pessoa 
humana, a integridade física e que penas privativas de liberdade devem ter por finalidade 
essencial a reforma e a readaptação social dos condenados. O ideal de readaptação social 
 
 
 
 
dificilmente seria alcançado, levando em consideração traumas vividos como os estupros 
coletivos, seus cabelos raspados e o não acesso à educaçãopor conta da transfobia vivida. 
Sendo assim, nós, DEFENSORAS não somente do DEFENDIDO, mas também de suas 
causas, viemos ressaltar a responsabilidade da soberania brasileira nas tragédias que ocorrem 
dentro de seu pais. No artigo 33 da Carta da Organização dos Estados Americanos (OEA) fica 
evidente tal dever: desenvolvimento é responsabilidade primordial de cada país e deve 
constituir um processo integral e continuado para a criação de uma ordem econômica e social 
justa que permita a plena realização da pessoa humana e para isso contribua. Ainda na mesma 
Carta, em seu artigo 34 “os Estados membros convêm em que a igualdade de oportunidades 
[...] são, entre outros, objetivos básicos do desenvolvimento integral”. Vale salientar que, ao 
ratificar tanto a Convenção, quanto a Declaração ou a Carta, o país não poder se esquivar do 
cumprimento da obrigação, sob pena de responsabilização internacional, que é o que está 
sendo requerido. Logo, os Estados signatários devem adotar medidas discriminatórias 
positivas com o interesse de corrigir suas respectivas falhas nas vidas das mulheres trans em 
situação de cárcere 
 
5. DO PEDIDO 
Levando em consideração que todos os aparatos legais do ordenamento jurídico 
brasileiro disponíveis foram esgotados ou se estenderão por prazo longo e indeterminado – 
causando ainda mais sofrimento e violação de direitos ao DEFENDIDO, e considerando 
ainda as sólidas fundamentações tecidas ao longo deste documento, postulamos 
respeitosamente à Corte Interamericana de Direitos Humanos: 
a. A admissão da presente petição com a consequente condenação do Estado 
Brasileiro, em face da violação dos artigos XXX; 
b. A ratificação do já postulado pelas Defensoras: de que a prisão preventiva do 
DEFENDIDO foi inicialmente fundamentada pela confusão documental, mas 
mantida de forma arbitrária, incondizente com a norma jurídica brasileira – que 
expressamente determina tal mecanismo como último remédio, segundo o Art. 312 
do Código Penal brasileiro22, onde é expresso que a prisão preventiva deve ser 
 
22 Art. 312. do Código Penal Brasileiro - A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem 
pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei 
penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. 
 
 
 
 
aplicada apenas em último caso e de modo fundamentado, o que claramente não 
ocorreu no caso supracitado; 
c. A determinação do processamento do recurso de apelação interposto no caso 
concreto; 
d. A ratificação pela CIDH de que o processo penal em tela é desprovido de 
fundamentação satisfatória, sedimentada em fontes reais do Direito; 
e. O endereçamento de recomendação à República Federativa do Brasil para a 
criação de legislação específica e protetiva à pessoa trans, texto normativo ainda 
inexistente em nosso ordenamento jurídico, e que contemple norma voltada à 
pessoa trans encarcerada entre seus artigos; 
f. Uma rigorosa recomendação de criação e reavaliação de mecanismos de 
intervenção Estatal brasileira, signatário de diversos tratados e convenções 
internacionais de Direitos Humanos, de forma a zelar com o compromisso há 
muito firmado no combate a violações de Direitos Humanos em território nacional; 
g. A orientação em caráter recomendativo ao governo brasileiro para que sejam 
adotados todos os tipos de mecanismos necessários para a reparação da violação 
dos direitos do DEFENDIDO: 
 
 
 
 
a. que garanta uma reparação completa ao DEFENDIDO, sendo este 
inclusive indenizado por danos morais, segundo expresso no Art. 927 do 
Código Civil brasileiro23. A responsabilidade civil do Estado pelos danos 
causados aos particulares no exercício da atividade pública é objetiva, nos 
termos do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal brasileira24, respondendo 
aquele pelos danos a que os seus agentes derem causa, em razão da adoção 
da teoria do risco administrativo pelo ordenamento jurídico. Segundo a 
 
23 Art. 927. do Código Civil Brasileiro - Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica 
obrigado a repará-lo. 
24 Art. 37, § 6º da Constituição Federal brasileira - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado 
prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a 
terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. 
fundamentação acima, é claro o dever de indenizar os danos morais 
sofridos, segundo os critérios da proporcionalidade e razoabilidade; 
b. a validação e inclusive a promoção e expansão do projeto do curso que
seria ministrado pelo DEFENDIDO. Pensamos ser de suma importância
para a manutenção dos direitos das pessoas trans em cárcere que os agentes
de segurança em contato com elas entendam a forma correta em suas
interações para com as apenadas;
c. que invista em ações afirmativas entre as próprias apenadas, de forma a
promover a autovalorização e o reforço do estado anímico, geralmente
bastante fragilizado por conta do preconceito estrutural: cursos de interesse
das apenadas, grupos de terapia, cursos profissionalizantes, entre outras
ações que visem resgatar a própria autoestima e o valor desta pessoa
perante a sociedade.
Diante de todo o exposto, onde salientamos todo o trabalho primoroso que o 
DEFENDIDO trabalhava entre as pessoas trans, bem como as irregularidades jurídicas e 
arbitrariedades processuais constatadas pelas DEFENSORAS, tão somente fundamentadas 
pelo preconceito estrutural contra o grupo minoritário protegido pelo DEFENDIDO, 
respeitosamente requeremos por meio desta petição um alvará de soltura em favor do 
DEFENDIDO Geraldo Hamilton Dos Santos, em caráter urgente e definitivo. 
Termos em que pedimos deferimento. 
São Paulo, 20 de abril de 2020. 
 
 
 
 
Referências Bibliográficas 
BECCARIA, C. (1998). Dos Delitos e das Penas. (J. COSTA, Trad.) São Paulo, Lisboa, Portugal: 
Fundação Calouste Gulbenkian. 
BRANDÃO, R. (2016). A Justiça e as Travestis: uma análise de suas relações na cidade de Catalão – 
GO. Revista do Núcleo de Estudos de Direito Alternativo. 
FERREIRA, G. (2014). Travestis e prisões: a experiência social e a materialidade do sexo e do gênero 
sob o lusco-fusco do cárcere. Repositório PUCRS. 
FERREIRA, G. (2015). Travestis e prisões: experiência social e mecanismos particulares de 
encarceramento no Brasil. Curitiba: Multideia Editora Ltda. 
GARCIA, J. (s.d.). Preso com 'Pinho Sol' em protesto de 2013 vira símbolo e inspira mobilização em 
SP e Rio. São Paulo, SP, Brasil. Fonte: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-
noticias/2017/06/07/preso-com-pinho-sol-em-protesto-de-2013-vira-simbolo-e-inspira-
mobilizacao-em-sp-e-rio.htm 
IG São Paulo. (15 de jul. de 2014). Último Segundo. Estado de São Paulo tem mais de um terço dos 
presos do País. São Paulo. Fonte: https://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2014-07-15/estado-
de-sao-paulo-tem-mais-de-um-terco-dos-presos-do-pais.html 
Imprensa SAP. (Janeiro de 2020). Painel Diversidados. São Paulo. 
JESUS, Jaqueline Gomes de. Transfobia e crimes de ódio: Assassinatos de pessoas 
transgênero como genocídio. In: MARANHÃO Fº, Eduardo Meinberg de Albuquerque 
(Org.). (In)Visibilidade Trans 2 
KIEFER, S. (25 de Nov. de 2014). Homossexuais contam abusos que sofriam em prisões sem 
separação. O Estado de Minas. Belo Horizonte, MG. Fonte: 
https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2014/11/25/interna_gerais,593189/uma-questaode-
respeito.shtml 
LIMA, H. B., & NASCIMENTO, R. R. (10 de dez de 2014). Transgeneralidade e Cárcere: Diálogos 
sobre uma Criminologia. Revista Transgressões, v.2, pp. p. 75-89. 
REALE, M. (2000). Teoria do Direito e do Estado (5 ed. ed.). São Paulo: Saraiva. 
REIS, G. (2019). Mulheres Transgênero no Cárcere, o Holocausto com Novo Endereço. Centro 
Universitário Toledo. 
SANZOVO, N., & SÁ, A. (2017). O lugardas trevas na prisão: um estudo comparativo entre o cárcere 
masculino (São Paulo) e alas LGBT (Minas Gerais). Universidade de São Paulo. 
SARLET, I. (2012). Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal 
de 1988. (9ª ed. ed.). Porto Alegre: Livraria do Advogado. 
 
 
	Referências Bibliográficas

Outros materiais