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Gestão de Recursos Hídricos Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Prof. Ms. Carlos Eduardo Martins Revisão Textual: Profa. Esp. Kelciane da Rocha Campos Pressões socioeconômicas x planejamento em gestão de recursos hídricos 5 • Introdução • As pressões de causas naturais • A instabilidade geológica do mundo • A dinâmica astronômica e o ambiente da superfície terrestre • Variações e mudanças climáticas • Água e saúde da população • Planejamento e gestão de recursos hídricos · Os objetivos desta unidade são tratar das múltiplas pressões socioeconômicas sobre os recursos hídricos e analisar os principais mecanismos de planejamento para a minimização da degradação, proteção e monitoramento da qualidade das águas a serem distribuídas para os múltiplos fins a que se destinam. Nesta unidade, trataremos sobre as pressões socioeconômicas e o planejamento em gestão de recursos hídricos. Veja o mapa mental que sintetiza a estrutura do assunto tratado neste módulo. Fique atento(a) aos prazos das atividades que serão colocadas no ar. Recorra sempre que possível às videoaulas e ao PowerPoint narrado para tirar eventuais dúvidas sobre o conteúdo textual. Participe do fórum de discussão proposto para o tema. E em seu tempo livre, pesquise as fontes do material complementar. Além disso, procure pesquisar o máximo que puder sobre o tema “Pressões socioeconômicas x planejamento em gestão de recursos hídricos”. Há inúmeros conteúdos na internet que são bastante úteis para o seu estudo e para a sua formação profissional. Pressões socioeconômicas x planejamento em gestão de recursos hídricos 6 Unidade: Pressões socioeconômicas x planejamento em gestão de recursos hídricos Contextualização Corrida contra o tempo para salvar a Baía de Guanabara Poluição, esgoto, assoreamento e despejo irregular de lixo sufocam o ecossistema escolhido para as provas de vela dos Jogos Olímpicos de 2016. Por: Cecília Ritto, do Rio de Janeiro, 24/07/2011. As águas escuras, quase sempre com algum lixo visível e dejetos, foram no século 19 o local escolhido por Dom João VI para seus banhos de mar. As praias abrigadas, paradisíacas, pelo que contam os relatos daquele tempo, são hoje o ralo de cerca de 10 milhões de moradores da região metropolitana do Rio. E o que se vê na Baía de Guanabara é que, desde os banhos do monarca, não se pensou nem se agiu de forma minimamente eficiente para preservar um ecossistema vital para toda essa gente. Imaginar um Rio pronto para os Jogos Olímpicos de 2016 com a Guanabara nas condições atuais é impossível. E, apesar dos rios de dinheiro já empregados em programas de despoluição e em saneamento, só um projeto de dimensões olímpicas parece adequado para reverter o quadro que vem causando progressivamente a morte da baía. A Baía de Guanabara vai receber as competições de vela das Olimpíadas de 2016. Mas quem navega diariamente no espelho d’água, nos dias de hoje - cerca de 100 mil passageiros por dia, pelas contas da Barcas S.A. -, disputa espaço com uma quantidade inestimável de lixo lançado nas encostas e cursos d’água dos municípios no entorno da ‘boca banguela’ - como cantou Caetano Veloso, na música em que cita as impressões de Claude Levi Strauss sobre a baía. Nessas condições, realizar uma competição olímpica é impensável. Palavra de quem entende. “O detrito prejudica a performance do velejador imediatamente. O lixo pode enganchar no barco e torná-lo lento. Eventualmente, é possível que isso defina ou modifique o resultado de uma regata. Repercutirá super mal”, argumenta o iatista com maior número de medalhas olímpicas, Torben Grael. Gilberto Rodrigues Corrêa, de 58 anos, não é iatista. Mas entende como poucos o que é navegar na Guanabara. Ele é segundo oficial de máquinas da marinha mercante. Trabalha nas barcas há 34 anos fazendo o trajeto para Paquetá e para a Ilha do Governador. Em uma de suas viagens do dia, contou à reportagem do site de VEJA sobre a época em que os passageiros desembarcavam em Paquetá e ele aproveitava para mergulhar na baía, até o horário de retorno da embarcação ao Rio. Olhando para água, diz: “Sou um admirador disso daqui”. A cor da Guanabara já não é a mesma. De tão escura, não se vê nada além da superfície. Mergulhar? Nem pensar. “Piorou muito”, afirma. De uns tempos para cá, Corrêa passou a ver as barcas à deriva. O motivo é o lixo, que impede o prosseguimento da viagem até que o funcionário vá remover a sujeira. Em um passeio pela baía, um passageiro avista sem dificuldades pedaços de isopor, peixes mortos, garrafas pet, sacolas de plástico, e, dependendo do dia, móveis, geladeira e até luvas de box. O lixo chega por 45 rios que desembocam nas águas da Guanabara. O esgoto 7 também, pois nem 25% dele são tratados. O problema é visível: um terço da população do Rio de Janeiro vive em condições inadequadas, sem saneamento. O resultado não surpreende. A poluição dos rios do município de São Gonçalo, por exemplo, está 500% acima do permitido. Quando o assunto é a despoluição da baía, o dinheiro some com a mesma facilidade com que o lixo aparece. Em 1993, o então governador Leonel Brizola lançou o Programa de Despoluição da Baía de Guanabara (PDBG), que durou até 2006 e custou um bilhão de dólares. Na prática, nenhuma diferença foi notada na baía. Três estações de Tratamento de Esgoto foram erguidas há mais de dez anos, mas até hoje não funcionam. O problema, nesse caso, não é de difícil compreensão: os ‘doutores’ da época não previram que, para chegar às estações, seria necessário existir a rede de esgoto, que continua incompleta. Só agora, através de um novo projeto chamado Programa de Saneamento dos Municípios do entorno da Baía de Guanabara (PSAM), é que os troncos construídos para levar o esgoto serão interligados a essas estações. No caso de São Gonçalo, os dutos ainda não existem. O PSAM terá recursos do PAC, do fundo estadual de conservação estadual e do Banco Interamericano de Desenvolvimento. Ao total, serão 640 milhões de dólares. As obras têm início previsto em 2012 e será preciso correr contra o tempo para o investimento ter algum efeito a tempo dos Jogos Olímpicos. A ação, nesse caso, não pode ser isolada: o entorno da baía recebe a influência de uma área 10 vezes maior do que a dela. Ou seja, se todo o lixo e a poluição desaparecessem em um passe de mágica, mas nada fosse feito nos rios, na coleta de lixo de favelas nesse entorno, em algumas horas a poluição recomeçaria. Os sedimentos não param de chegar à Baía de Guanabara em quantidade maior do que o natural. Um estudo feito pela UFF mostra que a taxa desses sedimentos na época de ocupação indígena era de apenas 0,14 centímetro ao ano, considerada normal. De 1922 a 1957, a taxa foi para 0,49 centímetro. No intervalo entre 1997 a 2004, a baía começou a perder 1,25 centímetros anuais. O resultado é uma ainda imperceptível, mas mortal, redução da profundidade do espelho d’água. Algumas metas do PSAM para 2016: o funcionamento das três estações já prontas, a ampliação da maior estação de esgoto da cidade do Rio, chamada Alegria, de 2.500 litros por segundo para 7.400 litros, a criação de uma outra em Alcântara e a construção de dutos na Baixada Fluminense. O objetivo principal é aumentar de 30% para 60% o esgoto tratado no Rio de Janeiro, e dentro desse aumento a Guanabara não está sozinha - há ainda a Baixada de Jacarepaguá, toda a Barra da Tijuca e áreas com sistema precário em bairros próximos do centro do Rio. O processo será lento. “Os benefícios sobre a baía não se darão imediatamente. Serão necessários anos para surtir efeito. Primeiro, vamos interromper a evasão de esgotos para o mar. Depois vem o processo de recuperação da baía”, afirma o superintendente da secretaria de estado do Ambiente, Gelson Serva, que tem a difícil tarefa de melhorar a situação da Baía de Guanabara até os Jogos Olímpicos. “Nas Olimpíadas sentiremos um avanço. Mas será progressivo até 2020”, prevê.Educação e paciência - A ambição de melhorar significativamente a água da baía em cinco anos parece impossível. Primeiro teria que limpar todos os rios, o que já é muita coisa. Depois, tem a questão do lixo, que passa por uma tarefa ainda mais difícil: a educação. “É inviável deixar a Baía limpa até 2016”, afirma o professor de geologia da Universidade Federal Fluminense 8 Unidade: Pressões socioeconômicas x planejamento em gestão de recursos hídricos (UFF) José Antônio Baptista Neto. E a lista das tarefas vai além. Os lixões do entorno da Guanabara, como o de Gramacho, ainda lançam chorume. É trabalho para décadas. Pelos cálculos de Baptista, uma política séria de saneamento só teria efeito após 20 anos. Voltar ao cenário que levava Dom João VI a se banhar na Baía de Guanabara é impossível. E mesmo com todo o dinheiro que se promete investir, os envolvidos na despoluição admitem que a meta é devolver à água um aspecto aceitável. Isso significa, em uma perspectiva realista, que se todas as promessas respeitarem o cronograma previsto, será possível chegar em 2016 com a baía um pouco menos escura e com uma quantidade menor de lixo boiando pelas águas. A construção de aproximadamente 40 ‘ecopontos’ até o final de 2011 é uma ação da secretaria estadual do Ambiente que tem por objetivo reduzir a quantidade de dejetos despejados pela população nos rios. “A Baía de Guanabara é a imagem do Brasil mais usada no exterior. Uma imagem suja também prejudica a imagem do país. Ela é a nossa sala de visitas. Os dois aeroportos ficam dentro dela”, argumenta Dora Negreiros, presidente da ONG Baía de Guanabara. A professora de química da PUC-Rio Angela Wagener lembra ainda que outras ações são necessárias, como replantar a cabeceira dos rios e a mata ciliar. Caso contrário, a cada chuva continuará a chegar à baía uma enxurrada de sedimentos, causados em parte pelo desmatamento das florestas. O solo é lavado e levado para a Guanabara. “Não adianta dragar e não fechar as torneiras que levam os sedimentos e o material contaminado. Senão, é como tentar enxugar o oceano”, explica Angela. Fonte: RITTO, Cecília. Corrida contra o tempo para salvar a Baía de Guanabara. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/corrida-contra-o-tempo-para-salvar-a-baia-de-guanabara/>. Acesso em: 13 abr. 2015. http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/corrida-contra-o-tempo-para-salvar-a-baia-de-guanabara/ 9 Introdução Atualmente, diversos mecanismos de proteção ambiental vêm sendo sobrepostos com vistas a dar maior segurança para os recursos hídricos. Isso se deve ao fato de que a intensificação verificada nas atividades humanas tem contribuído de forma significativa para o aumento quantitativo e qualitativo da relação produção/consumo, o que significa a mobilização de maiores contingentes de trabalhadores nas cidades, maiores demandas por energia e maiores quantidades de água utilizada nos processos de produção e no consumo humano. Nesta unidade, analisaremos os principais focos de pressão sobre os recursos hídricos e como a gestão destes tem atuado no sentido de garantir o uso e, ao mesmo tempo, diminuir os impactos sobre os mesmos. A água compõe um ambiente, a hidrosfera, que está integrado aos outros elementos constituintes do ambiente da superfície terrestre: a litosfera (rochas e solos), a biosfera (seres vivos) e a atmosfera (ar). Cada um desses ambientes não se formou do dia para a noite; pelo contrário, são constituídos ao longo do tempo geológico, portanto formados há milhões de anos. Um aspecto bastante interessante da nossa percepção a respeito desses ambientes é a da integração que apresentam. Cremos que cada um desses ambientes forma uma engrenagem que move os outros e que, por assim dizer, é responsável pela estabilidade dos outros. É essa a “máquina do mundo newtoniana” (CAPRA, 1982). Mover uma “peça” do lugar ou provocar um mau funcionamento poderia comprometer todo o trabalho da “máquina”, isto é, da natureza. Em outra visão mais recente a respeito de natureza, que empresta um pensamento antigo, acredita-se que o mundo não seja exatamente uma máquina, mas uma estrutura viva, com alma, a “anima mundi” de Platão. Para esse pensamento, existe uma relação intrínseca entre todos os ambientes que compõem o mundo, e essa inter-relação é capaz de dotar o mundo de alma e de inteligência ligada ao corpo físico/geológico... Um mundo vivo (LOVELOCK, 2007). Em ambas as visões de mundo, podemos notar implicitamente a existência de um princípio que se notabiliza na concepção da ideia de natureza: o equilíbrio. A ideia de equilíbrio da natureza é atualmente uma das grandes bandeiras do movimento ambientalista, que influenciou e continua a influenciar as tomadas de decisão quanto às políticas públicas nacionais, nas quais é creditada ao homem a capacidade de alterar e comprometer o tal equilíbrio do mundo. Entretanto, diversos estudos vêm demonstrando nas últimas décadas que o mundo não é tão estável assim e que a estabilidade esperada não só não está sendo completamente comprometida pelas atividades humanas, mas há uma série de causas naturais para que encaremos as situações de repouso como exceção à regra, que é na verdade muito mais fruto da instabilidade. As pressões de causas naturais 10 Unidade: Pressões socioeconômicas x planejamento em gestão de recursos hídricos Até bem pouco tempo atrás, apesar das evidências provarem o contrário, mesmo o pensamento científico humano desacreditava das suspeitas de instabilidade na superfície terrestre. Entretanto, durante o século XX, surgiram diversas evidências incontestáveis de que a existência de fósseis marinhos a grandes altitudes montanhosas não se devia a um fenômeno catastrófico como o do mito do dilúvio universal dos escritos religiosos, mas, ao contrário, da mobilidade horizontal e vertical da litosfera. Atualmente, a teoria da Tectônica de Placas, ou Tectônica Global, concebe a superfície terrestre como um conjunto de partes móveis que se superpõem ou se separam permanentemente e que, devido a isso, a tal estabilidade que caracteriza os lugares é bastante dinâmica, visto que as superfícies emersas aumentam e diminuem ao sabor da dinâmica da litosfera. A teoria moderna da instabilidade da litosfera foi inicialmente proposta por Abrahan Ortelius em Thesaurus Geographicus, de 1596, no qual afirma que as Américas “[...] foram rasgadas e afastadas da Europa e África por terremotos e inundações” (MANSUR, 2013). Tal proposição foi corroborada por Francis Bacon no Novum Organum, de 1620, e, muito posteriormente, retratada pelo geógrafo Antonio Snider-Pellegrini, em 1858 (Figura 1). Figura 1. Justaposição das margens africana e americana e do Oceano Atlântico, por Antonio Snider-Pellegrini (1858), como indicavam Ortelius e Bacon. *Esquerda: antes da separação; direita: depois da separação. Fonte: Wikimedia Commons Em 1914, Alfred Wegener associou diversas evidências apresentadas por pesquisas nas áreas de paleontologia, geologia e glaciologia e conjecturou a teoria da Deriva dos Continentes, que posteriormente veio a constituir a Tectônica de Placas. A Figura 2 ilustra a proposta de Wegener para a mobilidade dos continentes. Segundo o autor, todos os continentes atuais seriam originados a partir de um supercontinente denominado por ele de Pangeia, fragmentado ao longo dos últimos 230 a 225 milhões de anos. A instabilidade geológica do mundo 11 Figura 2. Provável movimento da deriva dos continentes, que, segundo Wegener, divide o Supercontinente Pangeia e o Oceano Pantalassa. Atualmente, são considerados três os movimentos existentes na litosfera: · As margens construtivas: geradas por correntes de convecção divergentes no manto. São responsáveis pela expansão do assoalho dos oceanos; · As margens destrutivas: geradas por correntes de convecção convergentes. São responsáveis pela formação dos dobramentos modernos ou montanhas como o Himalaia, Andes, Alpes e à ascensão doarquipélago do Japão, surgidas no Cenozoico há cerca de 65 milhões de anos; · As margens transcorrentes ou de transformação: são falhas ou fissuras na litosfera, geradas por fricção promovida por correntes que se movem na mesma direção, mas em sentidos contrários, como o que ocorre na Península da Califórnia com a Falha de San Andreas. Esses três tipos de contato de placas na litosfera são responsáveis por toda a instabilidade observada na superfície, como os terremotos ou sismos de maneira geral, tsunamis ou maremotos e o vulcanismo, todos explicados, hoje, pela Tectônica de Placas. A Figura 3 é uma síntese comparativa entre os três tipos de margens observados nos tópicos anteriores. Figura 3. Tipo de margens ou limite de contato na crosta terrestre. Fonte: ufrr.br 12 Unidade: Pressões socioeconômicas x planejamento em gestão de recursos hídricos A dinâmica astronômica e o ambiente da superfície terrestre A Terra é o 4º Planeta do sistema solar, estando a uma distância de cerca de 150 milhões de km do Sol. Há diversos movimentos astronômicos ocorrendo concomitantemente no sistema solar e muitos deles feitos pela Terra. Dois desses movimentos de grande importância para a manutenção dos ambientes terrestres são: · Translação: é a órbita que a Terra faz ao redor do sol, a uma velocidade média de 107.208 km/h. Uma volta completa da Terra ao redor do Sol é efetuada em 365 dias, 5 horas, 48 minutos e 45,97 segundos; · Rotação: movimento que a Terra faz ao redor de si mesma, no sentido Oeste-Leste. Esse movimento tem uma velocidade de 1.674 km/h. Uma volta completa da Terra leva 23 horas, 56 minutos e 4,09 segundos. Tal movimento é o responsável pela alternância dia/noite e diretamente pela distribuição da radiação solar por toda a superfície terrestre. Entre os movimentos supracitados, devemos considerar a eclíptica: uma inclinação de 23°27’ entre a rotação e a translação, que é responsável pelas variações de intensidade da radiação solar na superfície terrestre ao longo do ano, ao que denominamos de estações climáticas. Outra variável astronômica de grande importância para o ambiente terrestre é a relação gravitacional estabelecida entre a Terra, a Lua e o Sol, que tem como consequência a oscilação das marés. Cada um desses movimentos, entre outros não mencionados, são bastante dinâmicos, e suas variações podem repercutir diretamente nos ambientes da superfície terrestre. As variações climáticas podem ser muito rápidas, como as que ocorrem dentro das normas climatológicas (30 anos). Podem também ser seculares, como aquelas registradas entre 100 e 200 anos e aquelas que podem remeter ao tempo geológico na casa dos milhares a milhões de anos. Para cada caso, aplicam-se procedimentos técnicos específicos, a saber: a observação instrumental, para as mudanças de curto prazo, e as análises históricas sobre indicadores biológicos (adaptações anatômicas e fisiológicas, fósseis, polens e dendrocronologia), litológicos (estratos sedimentares) e morfológicos (sistemas erosivos e de sedimentação), para conjecturar mudanças a longo ou longuíssimo prazos. No geral, o que chamamos de mudanças climáticas dizem respeito às alterações na circulação atmosférica que implicam alterações nas médias térmicas e nos totais de precipitação, nas áreas cobertas pelas superfícies aquáticas e do gelo glacial. Variações e mudanças climáticas 13 Estudos paleoclimáticos indicam que boa parte dos levantamentos mostra que há cerca de 300 a 350 milhões de anos a Pangeia apresentava um clima glacial e estava coberta por uma extensa camada de gelo. Conjecturas sugerem que há cerca de 700 milhões de anos, o gelo glacial cobria as atuais superfícies das terras do hemisfério Norte. Desde a origem do Planeta, há cerca de 4,5 bilhões de anos, até o fim do pré-Cambriano, em torno de 642 milhões de anos, o clima era bem mais quente. É provável que a água dos oceanos tenha se juntado e o ciclo hidrológico tenha se constituído nessa fase da evolução da Terra. Estudos paleoclimáticos indicam que desde o Cambriano (642 milhões de anos) até a atualidade já ocorreram diversas “idades do gelo”. A Figura 4 apresenta de forma esquemática a evolução das mudanças climáticas na superfície terrestre. Figura 4. Evolução das mudanças climáticas na Terra. Fonte: essayweb.net Ao analisar a imagem da Figura 4, podemos observar que durante o pré-Cambriano as temperaturas na superfície eram bem mais elevadas do que a atual. Ao final do 3º bilhão de anos e entre 1 bilhão e 542 milhões de anos, suspeita-se que tenham ocorrido duas idades do gelo. A partir do Cambriano, diversas eras do gelo sucederam-se até quase estabilizar-se ao longo do Plioceno, período que antecede o atual Holoceno, a ser analisado mais detidamente a seguir. Analisando pormenorizadamente o Holoceno, período iniciado há cerca de 1 bilhão de anos, até o presente, observam-se diversas idades do gelo intercaladas por períodos interglaciais. A Figura 5 representa as oscilações climáticas que ocorreram mais recentemente na história da Terra. Nesse estágio da evolução da Terra, é provável que os volumes de água doce e salgada, as taxas de precipitação (chuva) e os volumes de vapor no ar tenham variado significativamente em toda a superfície. Figura 5. Evolução térmica da superfície terrestre dos últimos 850.000 anos. Fonte: Adaptado de Ayoade (1983, p. 217). 14 Unidade: Pressões socioeconômicas x planejamento em gestão de recursos hídricos A última grande fase de glaciação ocorreu no período Pleistoceno, entre 22.000 e 14.000 anos. Nesse intervalo de tempo, as geleiras estenderam-se pelas terras emersas do hemisfério Norte, o que permitiu que os ancestrais asiáticos atravessassem o estreito de Bering e colonizassem o continente americano a partir do Norte até os confins da América do Sul. O descongelamento e o recuo do gelo à posição atual no continente europeu e norte da Ásia ocorreram há cerca de 8.500 anos. Na América do Norte, esse processo se deu por volta de 7.000 anos atrás, variando entre médias térmicas mais baixas e mais altas que a atual. Entre os anos 1000 e 1350, as temperaturas no hemisfério Norte estiveram significativamente mais elevadas em comparação à fase anteriormente observada e também às médias térmicas atuais da superfície terrestre. Nesse período, denominado pela Climatologia de “quente medieval”, houve na Europa uma fase de superprodução agrícola devido ao aumento da faixa de terras cultiváveis que se estenderam até o atual Norte periglacial, ao ponto de os dinamarqueses (“vikings”) terem ocupado e explorado as terras livres do gelo da Groenlândia (Greenland ou “terra verde”). Nesse período, houve um significativo aumento da população europeia, de cerca de 35 milhões para cerca de 80 milhões de habitantes, diferentemente de tempos anteriores, quando havia muitas doenças e escassez de alimentos. O período entre 1550 e 1850 é conhecido como Little Ice Age (Pequena Era ou Idade do Gelo). Nesse contexto, as temperaturas baixaram significativamente e as geleiras do hemisfério Norte expandiram-se consideravelmente, ao ponto de gerar uma crise econômica no campo, devida à diminuição das áreas de cultivo e pastagem. Isso repercutiu negativamente na Europa, que empreendeu e/ou acentuou a exploração das terras e da mão de obra escrava nas colônias da América para suprir a falta de produção interna de gêneros alimentícios e de bens de consumo em geral. A Figura 6 apresenta o contraste entre os dois períodos climáticos analisados. Figura 6. Período Quente Medieval e Pequena Idade do Gelo no comparativo sobre a referência zero grau Celsius (0 °C). Fonte: ppegeo.igc.usp.br Também podemos observar oscilações climáticas em tempos mais recentes. A Figura 7 representa as variáveis registradas para o hemisfério Norte. Esses valores foram medidos a partir de 1880, quando a observação instrumental dos parâmetros hídricos passou a ser mais frequente e precisa. 15 Figura 7. Temperaturaglobal média (verm.) e oscilações térmicas no hemisfério Norte. Fonte: adaptado de Ayoade (1983, p. 223). Em comparação à média global aproximada de 15 °C, as temperaturas do hemisfério Norte apresentam subidas e descidas alternadas, sendo que a partir de 1940, segundo Ayoade (1983), após uma ascensão considerável, os resultados mostraram uma queda para e equiparação à média global. Evidentemente que todas essas variações analisadas repercutem diretamente nos volumes de água salgada e doce, nas taxas de precipitação (chuvas) e nos totais de vapor evapotranspirados para o ar a partir da superfície. Isso quer dizer que o volume de água em seus diferentes estados físicos está intrinsecamente relacionado à dinâmica terrestre, que, por sua vez, é significativamente instável. A noção que temos de equilíbrio e estabilidade no ambiente é devida às nossas limitações em compreender tal dinâmica. Além disso, a espaço-temporalidade humana é significativamente mais curta que a natural. Isso dificulta mais ainda a percepção das transformações praticamente permanentes por que passa a natureza sem que percebamos, ao contrário do que ocorre com as transformações produzidas pelo homem na superfície terrestre, que são bem mais facilmente percebidas. As pressões de causas humanas ou tecnológicas Diversas atividades humanas podem ser consideradas como causadoras de pressão sobre o meio ambiente em geral e sobre a água, de forma mais específica. As pressões podem ocorrer por meio do que caracterizamos como vetores de pressão. Esses vetores podem ser qualquer conjunção de forças, com origens múltiplas, materializadas em ações que exercem pressão sobre o ambiente. Eles podem contribuir direta ou indiretamente para acelerar os processos degenerativos ambientais. Consideram-se vetores de pressão sobre os recursos hídricos o lançamento de resíduos sólidos ou líquidos com propriedades físicas, químicas e/ou biológicas nas águas que estejam acima da capacidade de autodepuração natural destas. Vejamos os principais vetores de ordem socioeconômica. 16 Unidade: Pressões socioeconômicas x planejamento em gestão de recursos hídricos As pressões que vêm do campo A agricultura, a pecuária e os extrativismos mineral e vegetal estão entre os vetores de pressão mais importantes sobre os recursos hídricos. No geral, tal conjunto de atividades contribui para a degradação dos recursos hídricos na medida em que alteram a qualidade original das águas, além de interferirem no ciclo hidrológico natural. A agricultura e a pecuária estão entre as atividades humanas mais importantes, pois são as fontes de alimentação de toda a humanidade. No entanto, a apropriação privada da terra e a sua conversão em ambiente de geração de capital e voltada para os interesses de mercado embutiu o princípio da produtividade a partir da monocultura agroindustrial. O campo transformou-se numa fábrica a céu aberto. Para que o rendimento da exploração da terra seja viável do ponto de vista mercadológico, é necessário explorar o solo ao máximo por meio do emprego de pesticidas e fertilizantes industrializados, bem como da irrigação permanente. A agricultura é de longe o setor econômico que mais consome e desperdiça água para irrigação. Ainda que atualmente alguns visionários tenham implementado sistemas bem mais racionais de irrigação com volumes mínimos, boa parte dos produtores não tem a mesma sensibilidade e responsabilidade social, mantendo sistemas antiquados e excessivamente consumistas de recursos hídricos. A agricultura tem outro fator contribuinte para a perda da qualidade das águas superficiais e subterrâneas, que é o emprego de pesticidas, os quais podem conter contaminantes bastante agressivos. Esses contaminantes podem não só comprometer a qualidade da água de consumo como também contaminar a população por meio da ingestão de pescados contaminados. A pecuária desempenha um papel bastante relevante na diminuição da qualidade original das águas, tendo em vista que a substituição da cobertura original pelas pastagens ocasiona a mudança na característica dos solos - e por esse motivo, alterando também os sistemas de escoamento superficial, que têm seu volume aumentado, e na redução da infiltração de água, implicando a diminuição do armazenamento subsuperficial e subterrâneo. Não se podem deixar de lado as atividades de extração mineral, já que os acúmulos de rejeitos de mineração podem contaminar tanto as águas superficiais quanto as subterrâneas. As pressões urbanas As cidades têm sido grandes núcleos de pressão sobre os recursos hídricos. A impermeabilização, acompanhada da canalização dos cursos d’água que atravessam grandes densidades de população, praticamente elimina o armazenamento e impossibilita o uso das águas que cortam o ambiente urbano. Ademais, a impermeabilização acompanhada da canalização elimina a infiltração e confina o escoamento da água das chuvas, o que leva à ocorrência de inundações cada vez mais frequentes e desastrosas em áreas muito chuvosas. No Brasil, as cidades têm crescido de forma rápida e desordenada em termos de ocupação. Por esse motivo, os mananciais têm sido comprometidos devido à supressão de vegetação, consumidora de CO2 e do despejo de resíduos domésticos e efluentes industriais nos canais 17 do escoamento da drenagem, provocando a eutrofização1 da água. Além disso, a captação das águas sem nenhum tipo de controle vem eliminando as fontes de armazenamento urbano, comprometendo, ainda mais, o abastecimento da população. Outro aspecto a ser mencionado é a qualidade das chuvas que caem sobre as grandes cidades e que vão ser armazenadas nos reservatórios que servem ao abastecimento público. A chuva trás consigo todos os componentes atmosféricos poluentes para o solo, sendo que alguns deles, como os óxidos emitidos pela queima de combustíveis fósseis, tornam as chuvas mais ácidas do que naturalmente são. Reverter ou minimizar a problemática supracitada significa interromper e reverter o processo de ocupação das áreas de mananciais, interromper e evitar o despejo de resíduos nos cursos d’água e evitar a impermeabilização do solo urbano. Para isso, são necessárias políticas públicas urbanísticas sérias, abrangentes e eficazes, bem como um amplo programa de educação ambiental permanente das populações das cidades. As políticas públicas voltadas à oferta de água, quando ocorrem de maneiras minimamente adequadas, em termos de tratamento e distribuição, não incluem o incentivo ao uso de águas pluviais ou de reuso. O que acaba levando ao mau hábito do uso da água tratada para fins de limpeza dos ambientes construídos, irrigação de jardins e higienização doméstica. A combinação dos dois aspectos anteriormente mencionados conduz à busca por mananciais cada vez mais distantes dos centros de consumo de água, o que acaba colocando em risco o abastecimento devido ao fato de haver grande diversidade de atividades humanas entre a origem e o destino das águas de abastecimento. Curiosamente, apesar de o Brasil ser caracterizado por uma das maiores reservas de água doce do mundo, a falta de cuidados com as matas ciliares e a poluição das águas superficiais e subterrâneas podem levar à escassez, o que antes só se admitia para aquelas regiões do mundo em que as reservas são naturalmente menores. Um exemplo bastante elucidativo dessa questão ocorre nos EUA. A municipalidade da cidade de Nova York tomou uma iniciativa inovadora para garantir a qualidade das águas de consumo da população residente na cidade. A prefeitura adquiriu as terras no entorno dos mananciais que abastecem os rios que são captados para os reservatórios da cidade. Alguns lotes estão a mais de 200 km da cidade e passam por diversas propriedades particulares, nas quais a atividade principal é a pecuária extensiva. Além de adquirir as terras, a prefeitura estabeleceu diversas parcerias com as comunidades rurais vizinhas aos mananciais, fornecendo equipamentos para drenara água de escoamento superficial que arrastam excrementos do gado para dentro dos córregos que formam os rios; forneceu sementes para a revegetação das margens dos córregos e cercou os leitos dos riachos para que o gado não tenha acesso aos cursos d’água. Além disso, a prefeitura de Nova York financiou diversas melhorias nas propriedades ao longo do trajeto dos mananciais. Em troca, os proprietários foram convencidos a contribuírem com a proteção dos cursos d’água. Resultado: a água distribuída pela concessionária de Nova York é uma das mais seguras do mundo, incluindo a dos bebedouros públicos. 1 Trata-se do aumento da flora aquática (algas) devido ao aumento excessivo de elementos considerados nutrientes, como o nitrogênio e o fósforo na água. 18 Unidade: Pressões socioeconômicas x planejamento em gestão de recursos hídricos É de longa data a relação entre as doenças que assolam a humanidade e as águas contaminadas com patógenos nocivos e com elementos químicos e físicos prejudiciais à saúde. O problema é que a água não detém naturalmente essa capacidade de causar o mal, mas é o homem que a torna maligna, graças ao lançamento de elementos contaminantes nas águas. A água contaminada é um vetor de doenças por contato físico ou por ingestão. O aumento da escala de ocorrência de infecções é esperado para os períodos com maiores taxas de precipitação. Animais domésticos e silvestres, em particular os ratos que vivem nas cidades, são repositórios de doenças, pois abrigam o vírus leptospira nos rins. Sua urina acaba transmitindo o vírus para o ambiente, a partir do qual vai infectar a água e todas as pessoas que tiverem contato direto com ela. Os períodos chuvosos são mais propícios à maior quantidade de casos de infecção, pois as pessoas circulam desprotegidas nas ruas alagadas em contato direto com a água contaminada. Em um estudo sobre a ocorrência da leptospirose na cidade de Curitiba, de Paula (2005) constatou a correlação entre as chuvas de verão e o aumento de casos de atendimento à infecção por leptospirose na rede de saúde local (Figura 8). Figura 8. Ocorrência de leptospirose em Curitiba - PR (1997 - 2001). Fonte: de Paula (2005, p. 2306.) Os mais sérios problemas de saúde das populações têm sido originados pela ingestão de águas contaminadas. Muitos parasitas têm boa parte do seu ciclo de vida desenvolvido na água doce, pois daí é possível chegarem aos hospedeiros, de onde vão eclodir em forma de vermes que passam a existir como parasitas no corpo humano. Existem diversos programas internacionais voltados para a erradicação das infestações que atingem o homem, especialmente nos países mais pobres, nos quais boa parte das populações não tem acesso à água potável e segura. A Figura 9 apresenta a relação entre acesso à água e mortalidade infantil. Água e saúde da população 19 Figura 9. Mortalidade infantil e acesso à água potável (2000). Fonte: Simielli (2000). A observação atenta da imagem da Figura 9 permite constatar que a maior parte das ocorrências de mortalidade infantil está associada às localidades nas quais boa parte das populações não tem acesso à água potável, fazendo uso de fontes contaminadas para o consumo. A esta altura, podemos supor se há formas de minimizar as situações de penúria por que passam as populações em relação à falta de água de boa qualidade para o consumo. A resposta para essa questão, além de complexa, depende bastante dos aspectos que caracterizam os lugares no que diz respeito ao âmbito socioeconômico e natural. Um diagnóstico preciso e um programa a médio e longo prazo, com execução independentemente dos interesses políticos, são um bom começo para a minimização dos atuais problemas sociais e de saúde ligados à falta de água de consumo e saneamento de modo geral. Diversos modelos de gestão podem ser observados como exemplo. No Brasil, o modelo implantado no Estado de São Paulo passou a servir de exemplo para os outros estados nos quais tem sido aplicado ou experimentado. O modelo paulista de gestão de recursos hídricos Temos visto que a experiência adquirida no Estado de São Paulo em relação à gestão dos recursos hídricos tem servido de exemplo para outros estados e até ao governo federal. Assim, vejamos alguns aspectos básicos da aplicação do modelo paulista. Planejamento e gestão de recursos hídricos 20 Unidade: Pressões socioeconômicas x planejamento em gestão de recursos hídricos A Política Estadual de Recursos Hídricos e o Plano Estadual de Recursos Hídricos O Plano Estadual de Recursos Hídricos é um dos instrumentos da Política Estadual de Recursos Hídricos, criada pelo Conselho Estadual de Recursos Hídricos, fundado em 1997. A Política Estadual de Recursos Hídricos norteia o Plano Estadual de Recursos Hídricos a partir de uma série de princípios. Até a criação da política supracitada, na década de 1990, o Estado de São Paulo apresentava um total de disponibilidade hídrica superficial global de 3.140 m3/s. As demandas de consumo giravam em torno de 354 m3/s, sendo esse volume distribuído da seguinte forma: 87 m3/s - abastecimento urbano; 112 m3/s – indústria; e 154 m3/s – agricultura irrigada (CETESB, 1990). Segundo a CETESB (1990), no contexto que precede a criação da política de águas em São Paulo, havia um cenário futuro de bastante preocupação, tendo em vista que havia: · Perspectivas de crescimento exponencial das demandas de consumo para um total de 800 m³/s; · Ausência de tratamento de esgoto na grande maioria dos municípios paulistas; · Falta de controle da carga poluidora nos lançamentos das indústrias; · Avanço lento, mas progressivo, na contaminação dos aquíferos subterrâneos; · Ocupação desordenada nas margens dos grandes reservatórios e ao longo das vertentes dos mananciais das cidades; · Erosão em grande parte dos solos agricultáveis e consequente assoreamento dos cursos d’água superficiais. Levando-se em conta todos esses aspectos que prenunciavam uma crise iminente na relação disponibilidade/uso dos recursos hídricos em São Paulo, vislumbrou-se a necessidade de um plano contendo programas de estudos, projetos, serviços e obras, tendo em vista o controle, a recuperação, proteção e conservação dos recursos hídricos. Isso culminou na Política Estadual de Recursos Hídricos, ou Lei de Águas Paulista, construída sobre as bases que são relacionadas a seguir. Princípios fundamentais da Política Estadual de Recursos Hídricos (Lei n. 7.663, de 30 de dezembro de 1991) · A água é essencial à vida, necessária a quase todas as atividades humanas e fator de equilíbrio dos ecossistemas; · O ciclo hidrológico é indissociável. As águas superficiais e subterrâneas são o mesmo recurso fluindo por meios físicos diferentes. O binômio quantidade/qualidade é indivisível; · Embora a água seja um recurso natural renovável, não é inesgotável, sendo necessário controlá-la e conservá-la; · O recurso hídrico é bem econômico ao qual deve ser atribuído justo valor. Seu significado 21 e importância são diferentes para cada uso e a sua distribuição equitativa entre eles deve considerar aspectos econômicos e sociais. Seu uso deverá ser cobrado segundo as peculiaridades de cada bacia hidrográfica; · A água é um patrimônio público cujo uso deve depender de outorga; · Os efeitos adversos das inundações, do assoreamento e da poluição das águas devem ser combatidos por seus riscos à segurança e à saúde pública e pelos prejuízos econômicos e sociais que acarretam. Princípios de aproveitamento · O aproveitamento dos recursos hídricos deve considerar sua distribuição equitativa e seu uso racional, a maximização do desenvolvimento econômico e social e a minimização dos impactos ambientais; · O suprimento de água potável às populações deve ser a principal prioridade, discriminando-se e protegendo-se mananciais de abastecimento atuais e futuros; · O uso múltiplo dos recursos hídricos será incentivado e considerado forma de desenvolvimento econômicoe social; · As obras de aproveitamento múltiplo dos recursos hídricos terão seus custos rateados entre os setores beneficiários, na forma da lei; e · Os corpos de água deverão ser mantidos em padrões de qualidade compatíveis com seus usos preponderantes. Princípios de proteção, conservação e controle · A gestão de qualidade da água deverá compatibilizar: os potenciais de assimilação pelos corpos de água de cargas poluidoras urbanas, industriais e outras; os padrões admissíveis de lançamento de efluentes; o enquadramento dos corpos de água em classes de uso preponderantes; a outorga de usos; e o licenciamento de atividades potencialmente poluidoras; · Serão adotadas medidas preventivas para a proteção da qualidade das águas, direcionadas ao controle do uso do solo, planejamento da localização industrial e normatização de lançamento de efluentes, em conjunto com medidas corretivas envolvendo o tratamento de esgotos urbanos e industriais; · Os planos de uso e ocupação do solo deverão limitar a urbanização de áreas inundáveis, assim como a excessiva impermeabilização do solo, para evitar o agravamento das inundações; · O solo agrícola será alvo de programa de uso racional e conservação, tendo em vista evitar o assoreamento e a redução dos corpos de água; · Os movimentos de terra na construção de estradas, arruamentos e loteamentos devem considerar a conservação do solo e da água; 22 Unidade: Pressões socioeconômicas x planejamento em gestão de recursos hídricos · As águas subterrâneas, reservas estratégicas para o suprimento das populações, terão programas permanentes que visem à sua proteção e conservação; · As águas superficiais serão controladas e regularizadas, tendo em vista o aumento das disponibilidades hídricas; · A outorga de usos para abastecimento urbano, industrial e irrigação e o licenciamento de atividades potencialmente poluidoras deverão prever mecanismos institucionais, técnicos e econômico-financeiros que assegurem a utilização da água, de modo a evitar e inibir perdas e desperdícios, visando a atingir níveis de consumo compatíveis com o balanço entre disponibilidade e demanda na área geográfica em consideração. Princípios de gestão · A gestão dos recursos hídricos será realizada mediante a forma organizacional, institucional e política de um Sistema Estadual de Gestão de Recursos Hídricos; · O sistema promoverá a prevalência do interesse público, buscando observar a autonomia executiva dos órgãos e das entidades intervenientes ou usuárias dos recursos hídricos; · Serão promovidas articulações entre a União, o Estado, os municípios e o setor privado, visando à integração de esforços para a implantação de soluções de âmbito regional de controle e recuperação da qualidade da água; · A gestão dos recursos hídricos será descentralizada, tomando como base a bacia hidrográfica e contando com a participação dos municípios, dos usuários das águas e da sociedade civil; e · A gestão dos recursos hídricos buscará a integração, considerando a organização regional e os seus respectivos sistemas. Sistema Integrado de Gerenciamento dos Recursos Hídricos – SIGRH · O Sistema Integrado de Gerenciamento dos Recursos Hídricos – SIGRH foi instituído a partir da Lei de Águas Paulista (Lei 7.663/1991). O SIGRH é baseado nos princípios de participação, descentralização e integração na gestão sustentável dos recursos hídricos do Estado de São Paulo. · O SIGRH é composto por representantes do Estado, dos municípios e da sociedade civil, além de contar com o Conselho Estadual de Recursos Hídricos - CRH; os Comitês de Bacias Hidrográficas – CBH, e o Comitê Coordenador do Plano Estadual de Recursos Hídricos - CORHI. O sistema está dividido hidrograficamente em 22 unidades de gestão de recursos hídricos, no caso as bacias hidrográficas (Figura 10). · O SIGRH atua conforme as orientações do Plano Estadual de Recursos Hídricos – PERH. Suas atividades são financiadas pelo Fundo Estadual de Recursos Hídricos – FEHIDRO. 23 Figura 10. Unidades de gerenciamento de recursos hídricos do estado de São Paulo. Fonte: igc.sp.gov.br A partir da adoção da PERH, as demandas previstas, consideradas em um primeiro momento alarmantes, foram ajustadas, e a perspectiva atual está representada no Quadro 1. Quadro 1. Previsão de demanda de recursos hídricos no estado de São Paulo em 2020. USO PROJEÇÃO m3/s INDUSTRIAL 137,2 Urbano 174,2 Irrigação 327,0 Total 638,0 Fonte: DAEE, apud Gomes e Barbieri (2004, p. 9.) Os dados do Quadro 1 são apenas perspectivas de mudança em vista da aplicação da PERH em São Paulo. Como toda política pública, ela depende muito da ação de fiscalização e monitoramento dos agentes públicos e da responsabilidade social das empresas, alem, é claro, da participação da sociedade no cuidado desse bem tão precioso que é a água. 24 Unidade: Pressões socioeconômicas x planejamento em gestão de recursos hídricos Material Complementar Para aprofundar seus estudos sobre gestão de recursos hídricos, explore os links indicados a seguir: Sites: Sobre o Sistema Integrado de Gerenciamento dos Recursos Hídricos (SIGRH) de São Paulo: http://www.daee.sp.gov.br/acervoepesquisa/perh/perh90/Perh9000Sumario.htm http://www.sigrh.sp.gov.br/apresentacao Sobre o Plano Estadual de Recursos Hídricos do Estado de São Paulo: http://www.daee.sp.gov.br/acervoepesquisa/perh/perh2204_2207/perh20042007.htm http://www.daee.sp.gov.br/acervoepesquisa/perh/perh90/Perh9000Sumario.htm http://www.sigrh.sp.gov.br/apresentacao http://www.daee.sp.gov.br/acervoepesquisa/perh/perh2204_2207/perh20042007.htm 25 Referências AYOADE, J. O. Introdução à climatologia para os trópicos. 4ª edição. Bertrand Brasil: Rio de Janeiro, 1983. CAPRA, F. O ponto de mutação. Ed. Cultrix: São Paulo, 1982. LOVELOCK, J. Gaia: um novo olhar sobre a vida na Terra. Edições 70: Lisboa, 2007. MANSUR, K. Teoria da tectônica de placas. Texto digital disponível em: http://www.drm.rj.gov.br/index.php/areas-de-atuacao/44-pedagogico/100-pedagogicoteoria. Acessado em 14/05/2015. MINAS GERAIS. Glossário de termos relacionados à gestão de recursos hídricos: publicação específica para a I Oficina do Sistema Estadual de Informações sobre Recursos Hídricos. Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável – SEMAD / Instituto Mineiro de Gestão das Águas – IGAM. 2008. Versão digital disponível em: http://www.em.ufop.br/ceamb/petamb/cariboost_files/glossario_20recursos_20hidricos.pdf. Acesso em: 13 abr. 2015. PAULA, E. V. Leptospirose humana: uma análise climato-geográfica de sua manifestação no Brasil, Paraná e Curitiba. Anais XII Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto, Goiânia, Brasil, 16 - 21 abril 2005, INPE, p. 2301-2308. SÃO PAULO. Plano estadual de recursos hídricos. CETESB, 1990. Disponível em: <http://www.daee.sp.gov.br/acervoepesquisa/perh/perh90/Perh9000Sumario.htm>. Acesso em: 12 abr. 2015. 26 Unidade: Pressões socioeconômicas x planejamento em gestão de recursos hídricos Anotações
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