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UNIrevista - Vol. 1, n° 3: (julho 2006) ISSN 1809-4561 1 Mídia como instrumento de controle social Filipe Reis Melo Faculdade São Miguel, PE Resumo Fala-se hoje em dia na “sociedade da informação.” Isto significa que as pessoas estão mais bem informadas? A mídia tem um papel fundamental na disseminação da ideologia das elites capitalistas e funciona como instituições de controle social. Um profundo processo de fusão empresarial atinge o setor midiático. Empresas cuja atividade principal dista muito da área informativa adquirem empresas da área de comunicação. Após atravessar uma série de filtros de informação (linha editorial, influência dos anunciantes, fontes informativas) as notícias são veiculadas. Palavras-chave: mídia, controle social, opinião pública. A utilização dos meios de comunicação para a formação da opinião pública não é uma prática recente. Bem pelo contrário, desde a institucionalização da imprensa moderna no século XVII, os seus proprietários perceberam que esta poderia ter um importante papel social como formadora de opinião pública. Ao longo da segunda metade do século XX, houve um aumento do número de países que adotaram o regime de democracia formal. Este fato veio ratificar a importância do papel da mídia e da indústria de entretenimento como instrumentos de formação de opinião pública e de controle social. Ao contrário do que ocorre em regimes autoritários, onde a classe dominante exerce o controle social através da força, em regimes de democracia formal, este controle é exercido de forma sutil. Hoje, mais que nunca, a mídia possui um vigoroso impacto sobre o grande público. De acordo com Noam Chomsky, nos regimes democráticos, é fundamental que as pessoas “pensem corretamente” e escolham os líderes que foram pré-selecionados pelas elites. E para que as pessoas pensem o que as elites querem, é necessário um sistema de doutrinação sofisticado, que inclui a mídia e a indústria de entretenimento. Caracterização da nova fase do capitalismo A nova fase do capitalismo aqui considerada é a que começa a partir do fim da Guerra Fria, cujo marco é a queda do muro de Berlim, em novembro de 1989. A década de 90 se inicia num contexto mundial totalmente diferente da década anterior, com a proeminência da corrente neoliberal sobrepondo-se ao capitalismo de cariz keynesiano, tendência esta, já anunciada durante a década de 80, com a chegada ao poder de Margareth Thatcher no Reino Unido e de Ronald Reagan nos Estados Unidos. Liberta da necessidade de mostrar ao mundo que o capitalismo europeu era um melhor regime para se viver do que o socialismo europeu, a elite capitalista dominante dirigiu a economia mundial para uma fase de financeirização e de exacerbação do lucro. Por outro lado, a redução das barreiras alfandegárias e a ampliação do comércio internacional provocaram o aumento da concorrência entre as empresas. O resultado Mídia como instrumento de controle social Filipe Reis Melo UNIrevista - Vol. 1, n° 3 : (julho 2006) 2 é um capitalismo agressivo que elimina os ganhos que a classe trabalhadora conseguiu ao longo das últimas cinco décadas e que acelera o processo de concentração da riqueza e de aumento da pobreza. Neste contexto, o controle dos meios de comunicação e de entretenimento ganha importância na medida em que é fundamental impedir o pensamento crítico das massas. A onda de fusões e aquisições de empresas que se verificou a partir dos anos 90 é o resultado deste afã por maiores lucros e por se manter num mercado muito mais competitivo. A tendência à oligopolização da economia tem recrudescido, atingindo, também, o setor dos meios de comunicação social e de entretenimento. Em 1980, 50 companhias respondiam por 90% do faturamento mundial com informação e entretenimento; em 1990, menos da metade delas ficava com os mesmos 90% (Moraes, 1998, p. 64). Segundo Klinenberg 2003, p. 30), nos Estados Unidos, em 1999, 110 empresas partilhavam 60% dos utilizadores de internet; em 2001, apenas 14 empresas detinham a mesma percentagem. Grupos empresariais das mais diversas áreas têm adquirido empresas da área de comunicação. Empresas como a Fiat, a Sony ou a General Electric controlam importantes empresas de comunicação e de entretenimento, entre as quais se destacam o jornal Corriere della Sera, a produtora cinematográfica Columbia Pictures e a rede de televisão NBC, respectivamente. Uma vez adquiridos, os jornais, as revistas e as redes de televisão passam a refletir a linha editorial dos novos patrões. Serge Dassault evidenciou esta posição quando sua empresa, a Dassault-Aviation, fabricante de armamentos, adquiriu em 2004 o grupo francês Sopresse que edita cerca de 70 títulos, entre os quais os jornais Le Figaro, L’Express, L’Expansion, e dezenas de jornais regionais: Na medida do possível, desejaria que o jornal valorizasse mais as nossas empresas. Considero haver por vezes notícias que exigem muitas precauções. É o caso de artigos referentes a contratos que estão a ser negociados. O risco consiste em pôr em perigo interesses comerciais ou industriais do nosso país. (Ramonet, 2005, p.2) Quando Dassault diz “nosso país”, refere-se à sua empresa de armamento Dassault-Aviation. Por esta razão, a entrevista sobre a venda fraudulenta de aviões Mirage a Taiwan foi censurada, assim como também foi censurada a notícia sobre as conversações entre o presidente Jacques Chirac e o presidente argelino Abdelaziz Bouteflika a respeito de uma possível venda de aviões Rafale à Argélia (Ramonet, 2005, p.2). O Quadro 1 a seguir apresenta alguns dos maiores grupos empresariais da área informativa e do entretenimento. Filtros de notícias e conteúdos Toda e qualquer notícia passa, necessariamente, por uma série de filtros antes de ser veiculada. Entre os principais filtros, destacam-se: a linha editorial do grupo proprietário; a influência das empresas anunciantes; as fontes de informação; e a ideologia dominante que impregna os profissionais da área de comunicação. No primeiro caso, a linha editorial determinada pela empresa estabelece limites quanto ao teor das críticas e quanto às notícias que devem ser evitadas. Apesar de haver este controle, é comum encontrarem-se meios Mídia como instrumento de controle social Filipe Reis Melo UNIrevista - Vol. 1, n° 3 : (julho 2006) 3 de comunicação que se autodenominam imparciais ou isentos, como se não respondessem a determinados interesses. Independentemente da posição assumida por qualquer meio informativo (“imparcial”, “objetivo”, “isento”, “independente”, “de centro”, “de direita”, “de esquerda”), nenhum deles é neutro, pois não existe o observador neutro. Toda matéria sofre influência dos valores de quem a escreve, de quem filma ou fotografa as imagens, de quem faz a edição e, finalmente, de que lê, vê ou ouve a notícia. Arbex Jr. (2001, p.35) manifesta esta idéia de forma clara: Mas quem vê, vê o quê? Da psicanálise e das ciências sociais sabemos, hoje, que o olhar é condicionado pela cultura, mas também – talvez, sobretudo – por uma série quase infinita de mecanismos inconscientes (preconceitos, afetos, traumas, automatismos), a imensa maioria forjada na primeira infância (...). Não existe o “observador neutro”. Testemunhar um evento é também construí-lo segundo o “aparelho psíquico” e a formação social e cultural da testemunha. Seria equivocado, por isso, opor radicalmente, de forma maniqueísta, uma suposta “neutralidade objetiva” daquele que presencia diretamente um acontecimento à “intencionalidade manipuladora” da câmara de televisão. Portanto a imparcialidade não existe, por mais que certos meios informativos se autodenominem dessa forma. Já em 1941, no filme Cidadão Kane, do diretor Orson Welles, o personagem principal, dono de um dos maiores jornais dos Estados Unidos, sentenciou que o tamanho das letras na manchete de seu jornal erao que determinava a importância de uma notícia. O recente caso da Clear Chanel, uma das maiores empresas de rádio dos Estados Unidos com mais de mil retransmissores, é exemplar para mostrar como as decisões tomadas no topo da organização determinam a posição política de todas as empresas subsidiárias. Seis dias após o atentado de 11 de setembro de 2001, em Nova York e Washington, o Clear Chanel aconselhava a não difusão de 150 músicas cujas letras falavam de morte, de aviões, de guerra e de paz (Arbex Jr., 2001, V). Mídia como instrumento de controle social Filipe Reis Melo UNIrevista - Vol. 1, n° 3 : (julho 2006) 4 GRUPO PROPRIETÁRIO EMPRESAS America-OnLine Tvs: CNN, HBO, Turner Network Television (TNT), Turner South, Cartoon Network; Produtoras: Time Warner Brothers, Hanna - Barbera Cartoons, Telepictures Production; Revistas: Time, Fortune, All You, Business 2.0, Life, Sports Illustrated, Inside Stuff, Money, People, Entertainment Weekly, The Ticket, In Style, Southern Living, Progressive Farmer, Southern Accents, Cooking Light, The Parent Group, This Old House, Sunset, Sunset Garden Guide, The Health Publishing Group, Real Simple, Asiaweek, President, Dancyu, Wallpaper (U.K.), Field & Stream, Freeze, Golf Magazine, Outdoor Life, Popular Science, Salt Water Sportsman, Ski, Skiing Magazine, Skiing Trade News, SNAP, Snowboard Life, Ride BMX, Today's Homeowner, TransWorld Skateboarding, TransWorld Snowboarding, Verge, Yachting Magazine, Warp); Informática: Netscape; Livraria: Amazon.com (parcialmente). News Corporation Tvs: Fox News, FOXTEL, BSkyB, DirecTV, Sky Italia, Fox News Channel, Fox Movie Channel, FX, FUEL, National Geographic Channel, SPEED Channel, Fox Sports Net, FSN New England (50%), FSN Ohio, FSN Florida, National Advertising Partners, Fox College Sports, Fox Soccer Channel, Stats, Inc., Star TV; Produtoras de cinema: 20th Century Fox, Fox Searchlight Pictures, Fox Television Studios, Blue Sky Studios; Jornais nos EUA: The New York Post; Jornais no Reino Unido: The Times, The Sun, The Sunday Times, News of the World, News International; Jornais na Austrália: Daily Telegraph, Fiji Times, Gold Coast Bulletin, Herald Sun, Newsphotos, Newspix, Newstext, NT News, Post-Courier, Sunday Herald Sun, Sunday Mail, Sunday Tasmanian, Sunday Territorian, Sunday Times, The Advertiser, The Australian, The Courier-Mail, The Mercury, The Sunday Telegraph, Weekly Times; Revistas: InsideOut, donna hay, SmartSource, The Weekly Standard, TV Guide (parcialmente). Possui 38 editoras. Controla 2/3 do mercado australiano de jornais e revistas. Em 1996 possuía 535 jornais e 244 revistas. Dassault-Aviation (empresa de armamentos) Grupo Sopresse, que edita cerca de 70 títulos, entre os quais Le Figaro, L’Express, L’Expansion, Valeurs Actuelles, Journal des Finances, Le Progrès de Lyon, La Voix du Nord, e dezenas de jornais regionais. Arnault Lagardère (empresa de armamentos) Grupo Hachette, que edita 47 revistas entre as quais Elle, Parents, Prémiere e jornais como La Provence, Nice- Matin, Corse-Presse. Possui 5 canais de televisão, 3 estações de rádios, 5 revistas, 2 jornais, 15 editoras e edita 90% dos dicionários na França. FIAT Possui 23 jornais e revistas, entre os quais, Corriere della Sera e La Stampa. Mediaset (Silvio Berlusconi) Possui 3 canais de tv na Itália (Canale 5, Italia Uno, Rete 4) e 1 canal de tv na Espanha (Tele 5). Finivest e Clube AC Milan. General Electric Tvs: NBC News (controla 80%, 20% pertence à Vivendi Universal), Telemundo, CNBC, MSNBC, Bravo, Mun2TV, Sci-Fi, Trio, USA; Produtora de cinema: Universal Pictures. Editora: RCA (controlada pelo Banco JP Morgan). Parte das ações pertencem ao Banco JP Morgan. Sony Produtora de cinena Columbia Pictures. New York Times Jornais: The New York Times, International Herald Tribune, The Boston Globe, The Courier, The Daily Comet, The Dispatch, The Gadsden Times, The Gainesville Sun, International Herald Tribune, The Ledger, The Press Democrat, Petaluma Argus-Courier, Sarasota Herald-Tribune, Spartanburg Herald-Journal, Star-Banner, TimesDaily, Times-News, The Tuscaloosa News, The Star News, The Worcester Telegram & Gazette. Possui 8 canais de tv nos EUA. No seu conselho de administração estão executivos de empresas como Merck, Morgan Guaranty Trust, Bristol Myers, American Express, Charter Oil, Johns Manville, Bethlehem Steel, IBM, Scott Paper, Sun Oil, First Boston Corporation. Bertelsmann Tvs: canal RTL Grupe (RTL, RTL 2, SUPER RTL, VOX, n-tv, M6, Five, RTL 4, Yorin, RTL TV1); Rádios: Bel RTL, Yorin FM, RTL, RTL 2, Fun Radio, 104.6 RTL, Radio Hamburg; Produtoras: FremantleMedia, SPORTFIVE, teamWorx, UFA Film & TV ProductionsBroadway Books; Jornais: Financial Times Deutschland, Sächsische Zeitung, Blic, Evenimentul Zilei, Novy Cas; Revistas: Family Circle, Fast Company, Inc., Parents, YM, Brigitte, Capital, Eltern, Geo, Stern, Focus, Muy Interesante, News, Art, Schöner Wohnen, Essen & Trinken, P.M., Sächsische Zeitung, TV Media, Femme Actuelle, Prima, Télé-Loisirs, Top Girl, Claudia, Naj; Possui 25 editoras, entre as quais, Doubleday e Brown Printing; Editoras musicais: Arista Records, BMG Ariola, BMG Canadá, BMG Japan, BMG Ricordi, BMG U.K. & Ireland, Jive Records, Milan Records, Sonopress, RCA Records, RCA Label Group, RCA Victor Group, Tablao, Windham Hill, Zomba Music Group. Walt Disney Company Tv: ABC; Produtora de cinema: Walt Disney Pictures, Touchstone Pictures, Hollywood Pictures, Caravan Pictures, Miramax Films, Buena Vista Home Video, Buena Vista Home Entertainment, Buena Vista International, Miramax Films; Revistas: Automotive Industries, Biography, Discover, Disney Adventures, Disney Magazine, ECN News, ESPN Magazine, Family Fun, Institutional Investor, JCK, Kodin, Top Famille - French family magazine, US Weekly (50%), Video Business, Quality. Possui 14 editoras de livros e 66 estações de radio nos EUA. Globo Possui 94 TVs VHF, 8 TVs UHF, 96 estações de rádio e 24 jornais. Quadro 1: Empresas de Comunicação e Entretenimento e Respectivos Grupos Proprietários Fonte: elaboração própria. Dados: Columbia Jornalism Review (http://www.cjr.org/tools/owners); COLLON, Michel. Ojo con los media! Hondarribia: Iru, 1996. Mídia como instrumento de controle social Filipe Reis Melo UNIrevista - Vol. 1, n° 3 : (julho 2006) 5 O segundo filtro de informação é a influência das empresas anunciantes que compram espaços publicitários. A maior parte da receita dos jornais, revistas e canais de televisão é proveniente de anúncios. Isto torna os veículos de informação, de forma geral, dependentes financeiramente da publicidade. Esta dependência se intensifica quanto maior for o peso do anunciante na receita da empresa, e quanto mais especializado for o veículo informativo, como é o caso de publicações especializadas em produtos farmacêuticos, em produtos de beleza ou em automóveis, cuja receita publicitária depende de poucos anunciantes. Desta forma, os anunciantes podem determinar os limites das críticas. Os editores chefes, normalmente, respeitam estes limites. Em casos extremos, os anunciantes exigem a demissão de algum jornalista cujas críticas ultrapassam os limites estabelecidos. Por outro lado, é comum haver uma relação difusa entre jornalistas e principais anunciantes. Estes últimos, muitas vezes, oferecem certos privilégios ao jornalista para que este possa melhor avaliar seus produtos ou serviços. Cria-se então uma relação de troca de favores na qual o jornalista perde paulatinamente a sua independência. O terceiro filtro são as fontes de informação. Atualmente todas as empresas públicas e as grandes empresas privadas possuem departamentos de imprensa. O mesmo ocorre com as associações patronais, câmaras de comércio, sindicatos, fundações, etc. Num mundo em que a velocidade da informação é cadavez mais importante, os meios de comunicação tendem a ser menos propensos a verificar a veracidade da informação recebida. A tendência é divulgar as informações dos departamentos de imprensa praticamente como são recebidas. Desta forma, as informações veiculadas respondem às versões de quem produziu a notícia. No que se refere às notícias internacionais, a grande maioria dos jornais, canais de televisão e rádio dependem de apenas quatro agências de notícias que respondem por 80% da informação internacional em todo o mundo: a francesa Agence France Press (AFP), a britânica Reuter, e as duas estadunidenses Associated Press (AP) e United Press International (UPI) (Collon, 1996, p.167). Nenhuma destas agências é do Terceiro Mundo, que, no entanto, representa três quartas partes da humanidade. Só a Reuter está comunicada com mais de 200.000 terminais entre bancos e centros de redações em 159 países (Collon, 1996, p.163). O quarto filtro é a própria ideologia reinante que impregna os jornalistas de forma consciente ou inconscientemente e é resultado dos três filtros anteriores. Os jornalistas sabem quem são os acionistas majoritários, conhecem a linha editorial da empresa onde trabalham e sabem quem são os anunciantes mais importantes. Conhecem, assim, os limites até onde podem chegar com suas críticas. Os jornalistas trabalham não apenas sob as tensões diárias, sob a pressão da concorrência e dos interesses políticos, mas também enfrentam uma “censura econômica” que induz à escolha de temas em função não só das expectativas de venda, mas também dos interesses econômicos do grupo proprietário cujas atividades podem estar nos mais diversos setores da economia. As obrigações dos jornalistas para com os acionistas tornaram-se, portanto, mais importantes do que o rigor da informação ou suas obrigações com a deontologia da profissão. É por este motivo que Champagne (1998, p.241) afirma que: La principal contradicción que afecta el funcionamiento del campo periodístico está en el hecho de que las prácticas periodísticas que más se ajustan a los códigos del periodismo están muy lejos de ser siempre las más económicamente rentables. Mídia como instrumento de controle social Filipe Reis Melo UNIrevista - Vol. 1, n° 3 : (julho 2006) 6 Neste contexto, cabem as perguntas: qual seria o tratamento dado pelo jornal italiano Corriere della Sera a uma greve na empresa Fiat? Que tipo de cobertura daria a rede de televisão estadunidense NBC a uma denúncia sobre uma possível poluição ambiental provocada pela empresa General Electric? Como o jornal francês Le Figaro abordaria a questão de vendas de armas da empresa Dassault-Aviation a um país acusado de infração aos Direitos Humanos? Mas talvez a maneira mais eficiente de censura se dê a nível inconsciente. As pessoas que ocupam os cargos de chefia mais importantes em empresas de comunicação possivelmente responderão que não se sentem censuradas no seu trabalho. Esta resposta é possivelmente verdadeira já que elas só ocupam o cargo que têm porque ideologicamente respondem aos interesses dos proprietários. Este é o mecanismo que Noam Chomsky denomina “internalização dos valores”, pois não é fácil acreditar em uma coisa e dizer outra. Mecanismos sistemáticos de controle Se por um lado os quatro filtros aqui mencionados já servem de crivo, há uma série de práticas sistemáticas bem estabelecidas que reforçam o direcionamento das notícias e que distraem as pessoas, impedindo-as de desenvolver um pensamento crítico. Entre estas principais práticas destacam-se: a repetição, o distinto tratamento concedido às partes adversárias (tempo, momento de cessão da palavra, uso de determinados termos, qualidade do orador), a citação sem crítica, a utilização de espaços dedicados a fatos corriqueiros, o recurso ao entretenimento em programas informativos e o uso excessivo das imagens ao vivo. A repetição é uma prática freqüentemente utilizada para criação de consenso. Uma mentira muitas vezes repetida torna-se verdade. Se diferentes meios de comunicação repetem a mesma notícia, esta passa a ser considerada verdadeira. Segundo uma pesquisa realizada pela Universidade de Mariland, em outubro de 2003, 60% dos estadunidenses que assistiam à rede de televisão Fox News acreditavam em pelo menos uma destas três mentiras: a) foram encontradas armas de destruição em massa no Iraque; b) existem provas da aliança entre o Iraque e a Al-Qaeda; c) a opinião pública mundial apóia a invasão estadunidense do Iraque. Quanto mais horas os entrevistados assistiam a Fox News, mais acreditavam nestas três mentiras (Klinenberg, 2005, p.88). Neste sentido, uma notícia pode ganhar importância ou tornar-se importante se é retomada sucessivamente por outros veículos de comunicação. Este fenômeno, conhecido como reposição, é comum entre a televisão e a imprensa escrita. À medida que um jornal comenta uma notícia veiculada na televisão, ou vice-versa, a difusão da notícia torna-se sem si mesma um acontecimento de grande importância. Em questões de importância política, em que há o debate entre idéias opostas, o tratamento dado ao lado apoiado pelo espaço informativo é diferente do tratamento dado àquele que não goza deste apoio, quando, ao segundo, ainda lhe reservam algum espaço na mídia. Em primeiro, está a desigualdade no tempo ou espaço concedido a cada lado oponente. Na maioria das vezes, a parte que se beneficia do apoio tem vantagem neste aspecto. O momento em que a cada parte lhe é concedida a palavra também é diferente, ficando a parte que se beneficia do apoio geralmente com a palavra final. Mídia como instrumento de controle social Filipe Reis Melo UNIrevista - Vol. 1, n° 3 : (julho 2006) 7 Posição apoiada pelo meio de comunicação Posição contrária a do meio de comunicação As tropas aliadas.........................................................................................................................................................As tropas de (Sadam, etc.) EUA intervém no Afeganistão..............................................................................................A União Soviética invade brutalmente o Afeganistão Os Estados Unidos...............................................................................................................................................................O regime venezuelano O governo dos Estados Unidos decidiu......................................................................................................................................Fidel Castro decidiu A solidariedade do Reino Unido com o povo estadunidense.....................................................................................O alinhamento de Cuba com a Coréia Operação militar...........................................................................................................................................................................Ataque terrorista A resposta ao ataque.................................................................................................................................................................................O ataque Em vez de dizer... Diga... O ataque matou civis..............................................................................................................................................O ataque provocou danos colaterais A primeira fase da guerra.................................................................................................................................A operação "Tempestade no Deserto" Destruição de centrais de distribuição de água e energia elétrica.........................................................................................Destruição de instalações militar-industriais Tropas invasoras.............................................................................................................................................................................Tropaslibertadoras Assassinar................................................................................................................................................................................................................Eliminar Arrocho salarial........................................................................................................................................................................................Moderação salarial Torturas........................................................................................................................................................................................Abusos Facilidades para despedir trabalhadores..................................................................................................................................................Flexibilização trabalhista País onde o capital financeiro pode obter grandes lucros......................................................................................................................País emergente EXPRESSÕES COMUNENTE UTILIZADAS QUANDO FAZ-SE REFERÊNCIA A: EUFEMISMOS Em segundo lugar está o uso de certas palavras para se referir à “nossa posição” ou à “do inimigo”. A escolha dos termos é fundamental no jornalismo. Quando se tratam de questões complexas como guerras e conflitos armados, é preciso encontrar eufemismos para se referir às atitudes do “nosso lado”, suavizando assim as posições. Pelo contrário, a linguagem escolhida para se referir ao “lado inimigo” costuma ter um matiz negativo. O Quadro 2, a seguir, traz um resumo desta diferença. Quadro 2: Expressões e Eufemismos Utilizados na Mídia Fonte: elaboração própria. Em terceiro lugar está a escolha dos interlocutores. Nesse caso, a tendência é ceder a palavra a um bom orador quando este defende o lado apoiado, e escolher um orador menos preparado para falar em nome do lado oponente. A citação de fontes sem nenhuma crítica também é outro mecanismo muito utilizado. Por mais inverossímil que uma notícia possa parecer, normalmente não é objeto de crítica se defende o lado apoiado pelo meio informativo. Isto não significa dizer que a crítica ao sistema é impossível. Bem pelo contrário, a crítica é bem-vinda porque dá legitimidade ao sistema imperante, mas não o põe em causa. Assim, a crítica, desde que não provoque o desgaste do poder contra o qual se fala, será desejada e estará sempre permitida. O noticiário crítico que induz ao questionamento praticamente não existe. Assuntos relacionados a fatos corriqueiros como a volta às praias no verão, o frio do inverno, os engarrafamentos nas estradas e as competições esportivas têm vindo a ocupar espaços cada vez maiores nos noticiários. O mesmo acontece com as matérias guardadas para eventual preenchimento de tempo ou espaço, as chamadas “matérias de gaveta”, como por exemplo, “a exuberância da floração no parque nacional” e “como se reproduzem as araras”. Também ocupam lugar de destaque notícias relacionadas à delinqüência, mas sempre de forma sensacionalista e superficial. As investigações rigorosas sobre os problemas ordinários da vida das pessoas, como as causas da delinqüência e o desemprego, não são assuntos tratados pelos grandes meios de comunicação. O telejornal não é produzido para informar, mas sim para distrair e evitar o pensamento Mídia como instrumento de controle social Filipe Reis Melo UNIrevista - Vol. 1, n° 3 : (julho 2006) 8 crítico do telespectador. A velocidade com que se salta de um assunto a outro impede o aprofundamento sobre as causas dos acontecimentos. A importância da velocidade na prática de informar passou a valorizar as imagens ao vivo. Neste aspecto, a televisão tem o predomínio sobre os demais veículos. Hoje em dia, mostrar um acontecimento ao vivo ganhou uma importância descabida. É comum, em transmissões ao vivo, o meio informativo sugerir a idéia de que ao transmitir as imagens em tempo real, o telespectador possa compreender o acontecimento. Mas ver ao vivo não é compreender o que se passa. Primeiro porque, como já foi referido anteriormente, o processo de captação e de recepção das imagens são construídas por quem as capta e por quem as recebe. E segundo porque para se compreender as causas e as implicações dos problemas é necessário reflexão, análise das fontes, enfim, é preciso tempo e dedicação. Tempo e dedicação são incompatíveis com o ritmo frenético de transmissão das imagens. Conclusão Uma das características da nova fase do capitalismo que se vive na América Latina, especialmente a partir dos anos 90, é a onda de fusões e aquisições empresariais. O setor informativo não ficou à margem deste processo. Uma vez que a mídia possui um importante papel cultural de formação social, e exerce grande influência na construção da opinião pública, a concentração dos meios de comunicação em menor número de proprietários diminui o pluralismo das notícias, constituindo-se portanto num fenômeno antidemocrático. Esses grandes grupos econômicos obtêm, assim, um poder de persuasão nunca visto na história, na medida em que um mesmo grupo empresarial pode controlar, simultaneamente, diferentes meios de comunicação, como jornais, revistas, redes de televisão, estações de rádio, editoras, produtoras de cinema e acesso à internet. Vive-se atualmente uma época na qual abundam os mais diversos e modernos meios de comunicação, mas esta situação não se traduz numa diversidade e numa melhoria da qualidade da informação. Apesar de haver uma vasta heterogeneidade no que se refere às temáticas (notícias generalistas, notícias financeiras, notícias regionais, esportes, filmes, documentários, humor, música, etc.), a informação é cada vez mais homogênea, superficial e manipulada. O controle dos meios de comunicação é de fundamental importância para a elite capitalista, pois é essencial controlar e formar a opinião pública, bem como negar conflitos, principalmente na América Latina, onde existe uma forte contradição entre os interesses de classes sociais e onde tais contradições sociais são intensificadas pelo próprio capitalismo. REFERÊNCIAS BILBIOGRÁFICAS ARBEX Jr., J. 2005. Showrnalismo: a notícia como espetáculo. 4 ed. São Paulo, Casa Amarela. Mídia como instrumento de controle social Filipe Reis Melo UNIrevista - Vol. 1, n° 3 : (julho 2006) 9 CHAMPAGNE, P. 1998. La doble dependencia: algunas observaciones sobre las relaciones entre los campos político, económico y periodístico. In: GAUTHIER, P.; GOSSELIN, A.; MOUCHON, J. (comps.). Comunicación y política. Barcelona: Gedisa. CHESNAIS, F. et al. 2002. Uma nova fase do capitalismo. São Paulo, Xamã. CHOMSKY, N. 1992. Ilusiones necesarias: control del pensamiento en las sociedades democráticas. Madrid, Libertarias/Prodhufi. COLLON, M. 1996. Ojo con los media! Hondarribia, Iru. KLINENBERG, É. 2003. “Dez mestres para os media americanos”. Le Monde Diplomatique (edição portuguesa), 49:30-31. KLINENBERG, É. 2005. “Un mouvement populaire contre les conglomérats”. Manière de Voir, abril-maio :88- 91. MORAES, D. 1998. Planeta mídia: tendências da comunicação na era global. Campo Grande, Letra Livre. RAMONET, I. 2005. “Os media em crise”. Le Monde Diplomatique (edição portuguesa), 70, 6:1-3.
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