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1 SUMÁRIO 1 ANTROPOLOGIA E CULTURA ...................................................... 2 2 ANTROPOLOGIA ........................................................................... 2 3 TEORIAS ANTROPOLÓGICAS ..................................................... 7 4 CONCEITUANDO ANTROPOLOGIA ........................................... 10 5 CONCEITUANDO CULTURA ....................................................... 14 6 CONCEITUANDO O HOMEM ...................................................... 15 7 RELATIVISMO CULTURAL: O QUE É? ....................................... 17 7.1 O Relativismo Cultural e o seu Significado ................................ 18 7.2 Relativismo Cultural x Etnocentrismo ........................................ 19 8 ETNOMARKETING: ANTROPOLOGIA, CULTURA E CONSUMO21 9 A CONTRIBUIÇÃO DA ANTROPOLOGIA AOS ESTUDOS DA SOCIEDADE .................................................................................................... 28 10 O EVOLUCIONISMO .................................................................... 29 10.1 O Evolucionismo na Sociologia .............................................. 31 10.2 Malinowski e Radcliffe-Brown: a escola funcionalista ............ 32 11 Conceitos e Métodos funcionalistas ............................................. 34 11.1 A Polêmica Gerada Pelo Funcionalismo ................................ 35 12 ANTROPOLOGIA E CULTURA POPULAR .................................. 37 12.1 O Que é Cultura Popular ........................................................ 40 13 CULTURA POPULAR BRASILEIRA ............................................. 41 14 CULTURA POPULAR E CULTURA ERUDITA ............................. 42 14.1 Cultura Organizacional ........................................................... 43 14.2 Cultura na Filosofia ................................................................ 43 14.3 Antropologia Educacional: novo olhar sobre a prática educativa44 15 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................. 46 2 1 ANTROPOLOGIA E CULTURA Antropologia Cultural É uma ciência que estuda o ser humano como um todo, suas crenças, seu comportamento, seu desenvolvimento social e outros. Essa ciência é dividida em algumas áreas, a social e a cultural são algumas delas, abaixo você vai conhecer um pouco sobre a antropologia cultural. A antropologia cultural se difere da antropologia social, pois ela estuda o homem e também a sociedade em seu aspecto cultural. Umas das principais abordagens dela é o que a palavra e a imagem representam, por esse motivo, os estudos que envolvem a natureza dos signos na comunicação é um ponto principal na antropologia cultural. Para a linguagem humana, os signos simbolizam uma espécie de marco inicial para a comunicação humana, desenvolvendo assim outras disciplinas, que por sua vez, estão ligadas a antropologia cultural, essas disciplinas são antropologia visual e a antropologia oral. Essas ligações concluem que alguns humanos vivem em estado de natureza pura. A natureza humana capacita todas as pessoas a classificar experiências vividas, além de criar símbolos dessas classificações, podendo assim transmitir o que ela vive, aprende e experimenta.1 2 ANTROPOLOGIA A Antropologia pode ser definida como uma Ciência, reflexão, teoria filosófica, sobre a humanidade e sua cultura, tendo como objetivo o estudo completo sobre o homem que é centro de suas preocupações, buscando questionar sua totalidade, como ser biológico pensante e participante da sociedade, como sua origem, corpo humano, diferenças físicas, surgimento, etnias, raça, religião, alimentação, comportamento, desenvolvimento e sua perpetuação, sua função como criador de 1 Extraído do link: www.portaleducacao.com.br 3 cultura e fazedor de história considerado na série animal, para tentar chegar a compreensão da existência humana. Fonte: sites.google.com Para responder o que é o homem a antropologia tem dimensões biológicas, sócio culturais e filosóficas, tendo toda investigação valendo-se dos métodos comparativos em busca de respostas a uma infinidade de porquês, na tentativa de compreender as semelhanças e as diferenças físicas, psíquicas, nas manifestações culturais do comportamento e da vida social entre grupos humanos, porque o homem é diferente da natureza. Como ciência do biológico e do cultural tem como objeto de estudo o homem e suas obras. Ex: O estudo do homem fóssil, suas mudanças evolutivas, sua anatomia e suas produções culturais. A Antropologia como Ciência Social – propõe conhecer o homem enquanto elemento integrante de grupos organizados. Vista como uma Ciência Humana – volta-se especificamente para o homem como um todo: sua história, suas crenças, usos e costumes, filosofia, linguagem, etc. Partimos do princípio que a natureza humana é a essência do homem, e para diferenciar das coisas do universo esta natureza apresenta-se em aspectos: 4 Os fatores ambientais exercem poderosa influência no desenvolvimento de personalidade. Uma pessoa vem a ser o é por causa dos padrões culturais do seu ambiente. Os seres humanos estão sujeitos a mudanças evolutivas. Jean Paul Sartre nega que o homem possui uma natureza essencial. O ser humano não tem caminho predeterminado para seguir. A Natureza Humana também pode ser interpretada como: Visão racional – o homem racional é e deve ser compreendido no ponto de vista da natureza e de seus poderes racionais. Visão religiosa – Ser criado por Deus e sua imagem e semelhança. Visão Científica – Diz que o homem e suas atividades são determinados pelas leis da física e química. Homem como mais complexa forma de vida. O homem possui certas características que o distingue dos outros animais, tornando-o diferente em relação ao resto da natureza, é um ser inventivo e progressivo, usa linguagem profissional (escrita e oral), é um animal pensante, criatura que possui senso ético com uma consciência moral (certo/errado), ser reflexivo, religioso, dotado de emoções estética, animal social e político, criatura finita e inacabada. Para responder o que é o homem, a antropologia tem dimensão biológica, sócio cultural, filosófica. A antropologia vista como uma Ciência Natural – interessa-se pelo conhecimento psicossomático do homem e sua evolução. A antropologia tem dois grandes campos de estudo: Antropologia Física ou Biológica – estuda a natureza física do homem, conhecendo suas origens e evoluções, estrutura anatômica e fisiológica, dividindo-se em: Paleontologia Humana – Estuda a origem e evolução humana através de fósseis. Somatologia – Descreve diferenças físicas, individuais, sexuais – tipo de sangue, metabolismo. Raciologia – Estuda a mistura de raças, características físicas. Antropometria – Utiliza técnicas de medição do corpo humano. O crânio, osso… 5 Estudo comparativo do crescimento – Conhecer as diferenças dos grupos relacionados a alimentação, exercício físico, maturidade sexual. Antropologia Cultural ou Social – estudo diferencial das crenças e das instituições de um grupo, concebidas como fundamento das instituições sociais e consideradas em suas relações com a personalidade. Estudo do homem como fazedor de cultura, investigando suas culturas no tempo e espaço, origens e desenvolvimento. Como ciência social seu objetivo consiste nos modos de comportamento hereditário e por aprendizagem. É o homem criando seu meio cultural mediante formas diferenciadas de comportamento, e evidenciando o caráter biocultural do desenvolvimento humano. O campo de estudo da Antropologia Cultural abrange: Arqueologia – estuda a cultura passada, extinta. Reconstrói o passado através de vestígios e resto de materiais não perecíveis e que não foram destruídos pelo tempo.A arqueologia divide-se em: Clássica (tenta construir as antigas civilizações letradas (Grécia, Egito, Mesopotâmia…) e Antropologia Arqueológica – trata da cultura relativa ‘as populações extintas (cultura do paleolítico, Mesolítico e Neolítico) Etnografia – Se preocupa com a descrição das sociedades humanas. Tem como objeto de estudo as culturas primitivas ou ágrafas, ex.: sociedades rurais. Etnologia – Analisa, interpreta e compara as mais variadas culturas existentes, considerando suas semelhanças e diferenças para compreender suas mudanças. Linguística – Estuda as formas e estruturas básicas das diversas línguas de várias culturas. Folclore – Estuda aspectos da cultura humana preocupando-se com fatos da cultura material e espiritual originado pelo povo. Antropologia Social – Estuda as relações sociais nos grupos humanos, cada aspecto da vida social, familiar, econômico, político, religioso, jurídico. Cultura e personalidade – O indivíduo é visto como agente de mudança cultural desempenhando papel dinâmico e inovador e como participante de uma sociedade e de sua cultura, a pessoa é portadora de caracteres biopsicológicos e de experiência sociocultural próprios. 6 A Antropologia Física ou Biológica e a Cultural recorrem a métodos (conjunto de regras para investigação) e técnicas (uso do conjunto de normas para levantamento de dados) para atender a seus objetivos de maneira fácil e segura. Podemos dividir os métodos em: histórico, estatísticos, etnográficos, comparativo ou etnológico, monográfico ou estudo de caso, genealógico, funcionalista. As técnicas podem ser divididas em: observação, entrevista, formulário. Relativismo Cultural permite ao observador ter uma visão objetiva das culturas, cujos padrões e valores são tidos como próprios e convenientes aos seus integrantes, tendo alguns princípios humanitários: Direito a autonomia tribal (direito de possuir e fazer desenvolver a própria cultura, sem interferência externa), valores culturais (forma de pensar e agir de grupos diferentes devem merecer respeito), etnocentrismo (considera que o modo de vida bom para um grupo pode não servir para outro). A Antropologia é aplicada na indústria na busca de soluções para os problemas decorrentes de baixos salários, greves, desemprego, injustiça sociais, excesso de trabalho, etc., nos projetos de desenvolvimento como é o caso da colonização de terras, reforma agrária, campanha de saúde pública, etc., no colonialismo procurando impedir a introdução de valores ocidentais em favor dos padrões nativos, na coexistência populacional. O surgimento da Antropologia aconteceu devido a curiosidade do respeito de si mesmo, independentemente do seu nível de desenvolvimento cultural. Surgiu na idade clássica, no século V ac. com a figura de Heródoto que é considerado o pai da antropologia, que caracterizou minuciosamente as culturas circulantes. Os gregos foram os que mais reuniram informações sobre povos diferentes. Até o século XVIII a antropologia pouco se desenvolveu. Os estudos antropológicos iniciaram-se efetivamente a partir de meados do século XVIII quando a antropologia passa a adquirir sua categoria de ciência, quando Linneu classificou os animais, relaciona o homem entre os primatas, designando o homem na sua classificação zoológica. Foi o primeiro a descrever as raças humana. A Antropologia sistematizou-se como ciência depois que Darwin trouxe a teoria evolucionista. O progresso da antropologia no século XX é resultado das descobertas anteriores relativas ao homem Franz Boas é considerado o pai da Antropologia Moderna, pois foi quem incentivou as pesquisas de campo em caráter científico. 7 A antropologia vem adquirindo importância cada vez maior no mundo moderno, onde o isolamento cultural é quase impossível e onde os contatos são inevitáveis e se multiplicam, levando muitas vezes a situações conflitantes. Empenha-se na solução dessas situações, procurando minimizar os desequilíbrios e tensões culturais e tentando fazer com que as culturas atingidas sejam menos molestadas e seus valores e padrões respeitados. Aplica conhecimentos antropológicos, físicos e culturais na busca de soluções para os modernos problemas sociais, políticos e econômicos, dos grupos simples e das sociedades civilizadas. O interesse da antropologia está preferencialmente pelos grupos simples, culturalmente diferenciados e também pelo conhecimento de todas as sociedades humanas, letradas ou ágrafas, extintas ou vivas, existentes nas várias regiões da terra. A finalidade da antropologia é o fornecimento do maior número possível de estudos sobre grupos humanos, uma vez que cada um deles é o produto de uma experiência cultural particular.2 3 TEORIAS ANTROPOLÓGICAS No século XIX surge o evolucionismo unilinear, que aplica a teoria da evolução na culturalidade e gera o pressuposto que o homem passaria por estágios de evolução cultural: da selvageria à barbárie, da barbárie à civilização e da civilização ao estado de perfeição relativa. Tais estudos se basearam na observação de culturas ultramarinas, a partir do gabinete e não do campo, de forma distante e pouco aprofundada. São estudos etnocêntricos e comparativos, relegando às etnias minoritárias diferentes graus de primitivismo tendo a cultura europeia como ponto de referência do processo civilizatório. É, dessa forma, uma teoria idealista, tendo como ideal o europeu, sua sociedade e tecnologia. Esta teoria criou a plataforma filosófica para o domínio europeu no novo mundo e foi desenvolvida dentro do cenário dos escritos e pensamento de Spencer (princípios da biologia, 1864) e Tylor (A cultura primitiva, 1871) dentre outros. 2 Extraído do link: pedagogiaaopedaletra.com 8 A publicação de Regras do Método Sociológico, de 1895, propõe que os fatos sociais eram mais complexos do que se imaginaria a princípio. Com Durkheim os fenômenos sociais começam a ser definidos como objetos de investigação sócio antropológica. Juntamente com Mauss, Durkheim (no final do século XIX) se debruça nas representações primitivas, estudo que culminará na obra Algumas formas primitivas de classificação, publicada em 1901. Com isto se vê inaugurada a chamada linhagem francesa no estudo da antropologia. Franz Boas, nos Estados Unidos da América, desenvolve a ideia de que cada cultura tem uma história particular e, portanto, a difusão de traços culturais deveria acontecer com frequência e abrangência. Nasce o Relativismo cultural tendo início a investigação de campo, saindo dos gabinetes e cenários puramente teóricos. Boas defende que cada cultura deve ser definida pela sua própria história particular, portanto torna-se necessário estudá-las separadamente com o objetivo de construir sua história. Surgia o Culturalismo, também conhecido como Particularismo Histórico. Deste movimento nasceria posteriormente a escola antropológica da Cultura e Personalidade. O particularismo histórico questionou o evolucionismo unilinear propondo que cada cultura possui sua historicidade que demanda respeito. São atacadas as comparações idealistas culturais. Advoga também o que seria o protótipo da observação participativa na qual o pesquisador interage com o povo alvo. Desenvolveu o método indutivo (do particular para o geral) contrapondo a antropologia clássica da época, generalista. 9 Fonte: buscar.miarroba.com A Antropologia Estrutural nasce na década de 1940. Lévi-Strauss é o seu grande teórico e defende que existem regras estruturantes das culturas na mente humana. Desta forma estas regras constroem pares de oposição para organizar o sentindo. Ele recorre a duas fontes principais: a corrente psicológica criada por Wundt e o trabalho realizado no campo da linguística, por Saussure, denominado Estruturalismo.Foi também influenciado por Durkheim, Jakobson com a teoria linguística, Kant com o idealismo e Mauss. O Estruturalismo dá um grande impulso a linguística de forma geral ao defender que é necessário compreender o padrão mental, de pensamento e comunicação de um povo, a fim de compreender a sua cultura. Nesta época métodos fonológicos passam a ser aplicados para estudos culturais. A finalidade maior é encontrar o que foi chamado de pensamento coletivo pois este aglutinaria impressões e valores de um povo. Valoriza-se o registro (e interpretação) de lendas e mitos. O Funcionalismo vem se contrapor às teorias da época e propõe a compreensão (e estudo) da cultura a partir de um ciclo de valores que estão interligados. Ou seja, todos os aspectos que definem uma sociedade (língua, atividades de subsistência etc.) fazem parte de um todo que pode ser entendido como cultura. Desta forma vemos o nascimento da distinção entre etnografia e etnologia, 10 pressupondo a necessidade de não apenas dissertar as atividades humanas em determinado segmento social, mas também compreender a identidade do grupo. Radcliffe-Brown e Evans-Pritchard desenvolveram esta teoria propondo uma nova ramificação que é o Funcionalismo estrutural. Defenderam que a estrutura social é o ponto central em uma sociedade e todas as atividades e fatos sociais (valores, religião, organização familiar etc.) são desenvolvidos com a finalidade de manter a estrutura social estável. O desequilíbrio desta estrutura social faz com que a sociedade desenvolva outros mecanismos, valores ou atividades que venham a reequilibrá-lo. O Neoevolucionismo define que a evolução cultural se dará, basicamente, através da luta do homem contra a natureza, e o domínio deste sobre aquele em relação à subsistência, segurança e bem-estar. Steward defendia, porém, que as mudanças ambientais foram as principais causadoras das mudanças culturais e prevê que as grandes possíveis mudanças ambientais puderam resultar em mudanças gerais na humanidade. Assim defende ser necessário, ao homem, permanecer com seu instinto de adaptação ao ambiente, o que proverá segurança e sobrevivência. Na segunda metade do século XX Clifford Geertz, após Lévi-Strauss, provavelmente foi o antropólogo cujas ideias mais causaram impacto na sociedade. É considerado o fundador de uma das vertentes da antropologia contemporânea, a chamada Antropologia hermenêutica ou interpretativa. As teorias simbólicas e hermenêuticas apresentam duas classes antropológicas. A primeira, simbólica, defende a identificação do significado cultural a partir da observação e analise de ritos, mitos, cosmogonias e assim por diante. A segunda, hermenêutica, defende a interpretação destes fatos sociais. A pergunta, para estes, é sempre ‘qual a ideia por trás do fato social’? 4 CONCEITUANDO ANTROPOLOGIA Nosso primeiro passo rumo ao triplo enfoque citado é conceituarmos, mesmo que de forma breve, a antropologia. Esta ciência foi formada a partir de diversas origens, estudos e fundamentos, documentados numa história de evoluções de ideias que levaram aos aspectos conclusivos de hoje. Laraia nos fala sobre a diversidade de pensadores que proveram os elementos necessários à ciência antropológica como 11 Confúcio ao afirmar que “a natureza dos homens é a mesma, são seus hábitos que os mantém separados”. A partir desta ideia fundamental da antropologia muitos levantaram uma pergunta iniciadora no assunto: porque homens semelhantes em contextos semelhantes geram culturas tão distintas? Franz Boas descreve as narrativas de Heródoto (484-424 a.C) aos gregos, a respeito do que havia visto em diferentes terras citando, em uma de suas observações, que os Lícios possuíam “um costume único pelo qual diferem de todas as outras nações. Tomam o nome da mãe e não do pai. ” Este tipo de constatação veio a formar a categoria hoje conhecida como estrutura de parentesco matrilinear. José de Anchieta (1534-1597) observou a estrutura de parentesco patrilinear entre os Tupinambás escrevendo que “porque têm para si que o parentesco verdadeiro vem pela parte dos pais, que são agentes; e que as mães não são mais que uns sacos, em respeito aos dos pais, em que se criam as crianças, e por esta causa os filhos dos pais, posto que sejam havidos de escravas e contrárias cativas, são sempre livres e tão estimados como os outros”. Geertz discorre sobre diversos outros pesquisadores que contribuíram com esboços daquilo que formaria o atual pensamento antropológico como Khaldun, no século XIV, que elaborou a tese de que os habitantes de terras quentes são mais passionais que os de climas frios. Ou ainda Locke que pesquisou o conceito das ideias a partir das distinções geográficas. No século XVIII Rousseau, Schiller e Herder tentaram construir um esboço da história da humanidade a partir dos relatos de diversas viagens, de Marco Polo a Cook. Todos estes exemplos demonstram métodos antropológicos de observação e interpretação das raízes e valores culturais em diferentes contextos humanos. Portanto, Antropologia poderia ser introdutoriamente conceituada como “o resultado da aglutinação histórica de impressões, fatos e ideias sobre a identidade do homem disperso em seus diferentes ajuntamentos sociais”. A ideologia antropológica, entretanto, sofreria forte impacto acadêmico do evolucionismo de Darwin (denominado na época de método comparativo), representado principalmente por Tylor. A principal oposição é encontrada exatamente nas claras ideias de Franz Boas (1858-1949). Este método comparativo defendia que o homem é o resultado do seu ambiente. Para melhor entendermos tomemos como exemplo o povo Ewe no centro de Gana, África ocidental. Sua língua utilizou quatro 12 vocábulos diferentes para designar o conceito de rio, porque habitam numa área fluvial que depende de uma compreensão melhor da evolução desta ideia, enquanto os Konkombas, que não transitam nos rios mas partilham o mesmo território, utilizam apenas um vocábulo para conceituar rio. Assim, segundo esta teoria, o ambiente define a cultura e define o homem levando-o a desenvolver língua, hábitos e formas de agrupamento a partir do contexto. Boas interfere e nos propõe que a cultura humana não é apenas o resultado do ambiente, mas sim o resultado das ideias. Revolucionando a Antropologia da época, Boas fez escola ao mesmo tempo em que chamou a atenção para uma dualidade que tem como primeiro elemento o reconhecimento do que o ambiente pode produzir no indivíduo. Desta forma o ambiente seria de fato determinante em alguns aspectos da formação cultural do indivíduo. Tomemos, como exemplo, um bebê recém-nascido, com três meses de idade, tendo nascido em uma família Tukano do Alto Rio Negro. Por algum motivo esta criança é levada para ser criada por uma família Italiana de Milão. Aos 15 anos de idade este adolescente, senão pelo aspecto físico, será um puro Italiano linguística e culturalmente. Enfrentaria todas as limitações como qualquer Italiano se necessário fosse se aculturar no universo Tukano, aprender sua língua, entender sua cosmovisão, adaptar-se ao clima, organização social e tudo o mais. A determinação do ambiente de fato é relevante e prioritária na formação direta do indivíduo em termos de identidade étnica e cultural. Mas Boas acrescenta um segundo elemento, para compor sua dualidade. Apesar do determinismo geográfico ter seu fundamento bem embasado, há elementos que constroem a cultura em um determinado grupo que independe de sua regionalidade. A comprovação mais conclusiva, observada por Boas, foi o desenvolvimento dos Esquimós (Inuit) em uma mesma região dividida politicamente entre o Canadá e os Estados Unidos das Américas. As escolhas culturais do agrupamento foram extremamente distintas gerando grupos também distintos apesar de compartilharema mesma história, região e ancestralidade. Falam hoje dialetos distintos e possuem costumes paradoxais mesmo vivendo tão próximos. Portanto a cultura é um elemento muito mais dinâmico do que se poderia esperar, e desta forma mais complexo ao ser analisado de forma linear. A Antropologia, inicialmente, era tratada apenas como uma área de estudo dentro da História e da Filosofia. Com o descobrimento das complexidades culturais 13 a humanidade viu-se diante da gritante necessidade de uma área específica e subdividida a ponto de cobrir algumas fontes de perguntas sociais. Surgiu o Estudo do homem. Um dos fatos que despertou atenções ao redor do mundo no século XVI foi a inconcebível possibilidade de que fatos análogos possam estar desassociados em sua origem. Com as viagens e descobertas de novos mundos e povos os relatos rapidamente chegaram à Europa conduzindo uma série de questionamentos a respeito de respostas que antes eram tidas como certas. Percebeu-se, por exemplo, que o garfo foi usado primeiramente em Fiji e tempos depois inventado na Europa sem que houvesse entre estes lugares qualquer transmissão de conhecimento. Os tesouros artísticos que chegavam do chamado novo mundo ocidental possuíam tremenda semelhança com os relatados por Marco Polo no mundo oriental. O golpe final foi dado através dos relatos de grupos isolados por gerações na Polinésia os quais, desenvolveram artifícios de bronze e arpões de pesca quase idênticos aos utilizados na Roma de dois milênios atrás sem que houvesse possibilidade de transmissão histórica de conhecimento. É claro, portanto, a conclusão de que necessidades comuns geram invenções e respostas análogas. Fonte: www.formulaenlosnegocios.com.mx 14 Tornou-se necessária a existência de uma área específica para o estudo do homem, suas interações sociais, herança histórica e identidade comunitária. Surgia a Antropologia que mais tarde viria a se desmembrar em Aplicada, Cultural, Etnologia, Fenomenologia e diversas outras estruturas de pesquisa e conhecimento do desenvolvimento humano em seu contexto social. 5 CONCEITUANDO CULTURA Vivíamos, no século XVIII, a era do determinismo geográfico onde toda diferença cultural e linguística era considerada a partir das diferenças regionais. A atenção na incipiente etnologia da época passou a se concentrar nos ambientes onde “clima, condições de subsistência, alimento, acesso à água potável, qualidade do ar e distanciamento de outros ajuntamentos humanos determinam em larga escala a identidade de uma pessoa e seu grupo”. Era uma visão parcial da identidade humana que viria a receber novos questionamentos. Em face desta crescente influência cultural analítica, no fim do século XVIII e início do XIX era ampla a utilização do termo kultur ao se referir ao bojo de valores espirituais em um povo ou nação. Paralelamente civilization era um termo francês que transmitia a ideia do desenvolvimento estrutural de uma nação. Edward Tylor (1832- 1917) sintetizou as duas expressões na nomenclatura inglesa culture a partir da qual várias escolas foram fundadas e pensamentos se distinguiram no estudo e pesquisa das distinções e semelhanças do homem em seus diversos segmentos. Inicialmente se conceituou cultura como “todo comportamento aprendido, assimilado, avaliado e sujeito a progressos; tudo aquilo que independe de uma transmissão genética”. Jacques Turgot, Jean-Jacques Rousseau e John Locke, nesta trilha, defenderam a transmissão do conhecimento como fator responsável pela cultura e desembocaram na ideia da educação como agente responsável pela formação do homem em sua totalidade afirmando até mesmo que os grandes macacos, através de uma educação sistemática e processual, poderiam se desenvolver em humanos. A partir de 1920 antropólogos como Boas, Wissler e Kroeber passaram a desenvolver um estudo antropológico a partir da análise das ideias e não dos ambientes. Vieram a questionar o determinismo geográfico a partir da observação de 15 que grupos historicamente habitantes do mesmo território se desenvolviam culturalmente de forma distinta. Silverwood-Cope traça uma linha analítica dos povos do Alto Rio Negro onde as diferenças culturais mais gritantes eram encontradas entre as etnias com grave aproximação geográfica como os Pira-Tapuya, Tariano e Hupdah os quais, compartilhando o mesmo ambiente, diferiam entre si em categorias básicas como pescadores, plantadores e coletores, sucessivamente. Konkombas e Bassaris, no nordeste de Gana, África, possuem 1.200 anos de convivência e partilha ambiental, mas observamos os principais traços culturais de parentesco divergirem rigorosamente. Os primeiros são endogâmicos (casam-se somente entre si) enquanto o segundo grupo pratica a exogamia (casam-se exclusivamente com pessoas de fora de seu circuito cultural) como valor chave para sua interação sociocultural. A partir de uma observação mais exata a ideia da existência do homem e seu agrupamento como uma entidade puramente receptiva e susceptível ao ambiente foi refutada. Passou-se a mergulhar nas ideias, possíveis geradoras de valores e costumes. De forma geral, portanto, poderíamos citar Paul Hiebert e conceituar cultura como “os sistemas mais ou menos integrados de ideias, sentimentos, valores e seus padrões associados de comportamento e produtos, compartilhados por um grupo de pessoas que organiza e regulamenta o que pensa, sente e faz”. 6 CONCEITUANDO O HOMEM A sociologia não vê o homem sozinho como homem, por definir este como um ser estritamente social. A psicologia vê o homem como um ser autoconsciente enquanto a filosofia o define como um ser moral e racional como defendia Hegel. Para a teologia, o fato de ser espiritual o distingue de toda a criação. Até aqui temos visto uma antropologia mais culturalista, mais estruturalista, na consideração de que uma cultura seria um agrupamento ou um segmento social que se desenvolve a partir das ideias e influencia o homem. Não seria, portanto, o meio geográfico que determinaria a cultura, porém a dinâmica da cultura influenciaria o ser humano que estaria dentro dela, sendo o homem a célula menor. 16 Perante tal pressuposto surgiu, porém, um problema axiomático a ser debatido na antropologia. Estudiosos começaram a perceber que, perante culturas profundamente definidas em alguns aspectos (modo de vida, valores, prioridades, etc.) não raramente surgiam indivíduos que, drástica e surpreendentemente, geravam mudanças profundas na base dos conceitos e vida. Ou seja, passou-se a perceber que o homem é um agente transformador da cultura. Assim, o segredo para entendermos a dinâmica cultural seria entendermos o homem, o indivíduo, este ser destituído de muito valor na visão estruturalista. Pensando sobre o agente humano e suas múltiplas interações, Kroeber ajuda- nos a distinguir o orgânico do cultural. Segundo ele o homem está inserido na mecânica da natureza de forma igual pois, organicamente, possui necessidades igualitárias a serem satisfeitas tais como o sono, alimentação, proteção, sexualidade e etc... Porém, a forma de suprir estas necessidades difere, certamente, de agrupamento para agrupamento, de segmento social para segmento social. E isto seria cultura. Se um indígena, membro de uma cultura tolerante ao infanticídio, ou mesmo fomentadora do mesmo, um dia decidir não mais participar, e até mesmo se opor a tal prática, movido por pura volição e escolha, sua história bem como de seu grupo poderá ser perpetuamente alterada desde então. Portanto, o homem, apesar de ser a célula menor no conceito antropológico geral e cultural, também é o agente transformador. Desta forma pode-se diferir o homem dos demais agentes da natureza, em termos culturais por “sua capacidade de transmitir sua história à geração vindoura, avaliá-la de acordocom seus atuais princípios e desejos, e recriá-la à luz de suas expectativas”. Franz Boas, estudando as diferenças culturais entre os Esquimós (Inuit) no Canadá (1883) percebeu que as ideias de nobreza, miséria, dignidade, pecado e relacionamento, “residem na construção do coração, em que eu encontro, ou não, tanto aqui quanto entre nós”. Portanto, passou a conceituar o homem como “um agente transmissor de ideias, fonte inerente de conceitos herdados pela humanidade que se distingue em suas aplicações na vida e grupo”. Desta forma a fonte da diversidade cultural passou a ser o homem e seu pensamento, não o ambiente e imposições geográficas. Entretanto falta aqui o estudo 17 e percepção dos elementos geradores de ideias no indivíduo. O que veio mais tarde a ser tratado na fenomenologia religiosa. Digno de nota seria a discordância entre Tylor e Kroeber em razão da posição do homem entre os outros seres vivos. Enquanto Tylor distinguia o homem a partir da cultura (o único possuidor de cultura e transmissão cultural) Kroeber distinguia o homem dos demais seres vivos apenas pelo poder de comunicação oral mais precisa e capacidade de gerar instrumentos que lhe pudessem ser úteis ao desenvolvimento. Apesar da tentativa de Kroeber em colocar o homem dentro da ordem da natureza, não o distinguindo dos demais seres vivos, não nos fornece munição para entendermos a sua incrível diversidade. Recorremos, portanto, às palavras de Laraia quando diz que a grande qualidade da espécie humana foi a de romper com suas próprias limitações: um animal frágil, provido de insignificante força física, dominou toda a natureza e se transformou no mais temível dos predadores. Sem asas, dominou os ares; sem guelras ou membranas próprias, conquistou os mares. Tudo isto porque difere dos outros animais por ser o único que possui cultura. Segundo Geertz, as antigas abordagens definidoras da natureza humana, tanto feitas pelo Iluminismo quanto pela antropologia clássica, são basicamente tipológicas, e tornavam secundárias as diferenças entre indivíduos e grupos. Agora, através de uma visão cultural vemos que se tornar humano é “tornar-se individual, e nós nos tornamos individuais sob a direção dos padrões culturais... (que) não são gerais, mas específicos”. Portanto poderíamos conceituar homem, para nosso estudo antropológico, como o ser em cultura, que se define a partir da sua história, suas ideias e envolvimento social. Em sua consciência, em sua moralidade e racionalidade, assim como em sua espiritualidade o homem pode aventurar-se num caminhar construtivo em sua própria essência humana através de sua vocação cultural.3 7 RELATIVISMO CULTURAL: O QUE É? Muito se fala sobre Relativismo Cultural, mas muitas pessoas não sabem o que quer dizer essa expressão. Chegou o momento de entender o que realmente significa 3 Extraído do link: instituto.antropos.com.br 18 essa palavra. Mas antes de conhecer o significado, é bom saber um pouco sobre a Antropologia que estuda esse tipo de comportamento. A antropologia é recente no campo das Ciências Sociais e escolheu a cultura humana e seu desenvolvimento como objeto de pesquisa principal. Ela direciona seus estudos em diferentes povos, sendo muitos considerados exóticos. O olhar para o outro foi o grande foco das pesquisas antropológicas, principalmente a partir da crítica do etnocentrismo (que será explicado abaixo). De acordo com a antropologia, o relativismo cultural é não julgar a cultura do outro a partir da sua, ou seja, não julgar o outro a partir de sua própria visão, como se ela tivesse que ser copiada por todos, e também que não exista a expressão “cultura melhor” ou “cultura pior”. Foi a partir do século XX, que o relativismo cultural se tornou como uma regra antropológica, combatendo a visão etnocêntrica e sem julgamentos culturais. 7.1 O Relativismo Cultural e o seu Significado Falando sobre a perspectiva do conceito científico, o relativismo cultural supõe que o pesquisador tenha uma visão totalmente neutra sobre a diversidade cultural, mesmo que seja algo totalmente novo e que cause estranheza. Ou seja, falar sobre o relativismo é não julgar as diferentes culturas e também deixar um pouco de lado sua cultura para expandir sua mente para conhecer outras. Os valores de cada sociedade só têm sentido no olhar do próprio povo que é adepto aqueles costumes, sendo difícil compreender se visto de um olhar exterior. Para entender sobre cada cultura, os sociólogos e antropólogos precisam se colocar no lugar do outro e tentar entrar em seus costumes, mesmo que isso seja difícil devido a sua grande bagagem cultural. Exemplo de relativismo cultural: No Brasil, as mulheres usam roupas que deixam barriga e pernas de fora, o que não é aceitável nos países árabes, onde as mulheres ficam totalmente cobertas. É a diversidade cultural e cada um deve respeitar sem achar que a sociedade a qual pertence está correta e a outra errada. Outro exemplo que pode ser citado é referente a religião. Não se pode achar que uma religião é superior a outra, mas é fato que muitas pessoas de uma 19 determinada religião não conseguem aceitar a outra. Isso é um exemplo ao contrário do relativismo cultural. Fonte: edu-diversidade.blogspot.com O relativismo cultural é utilizado na antropologia justamente porque junto aos pesquisadores não pode existir nenhum tipo de julgamento. Mas é importante lembrar que o relativismo deve ser usado todos os dias por toda a sociedade. Essa é a única forma de conhecer as diferenças de cada indivíduo e estabelecer melhores relações sociais e que as pessoas se tornem mais compreensivas. Ele proporciona a distância de preconceitos, discriminação e intolerância, o que a sociedade mais precisa neste momento. Esse conceito é totalmente diferente do etnocentrismo, que é justamente o que a cultura vivencia hoje. Uma superioridade que gera um grande impacto negativo nas relações sociais. 7.2 Relativismo Cultural x Etnocentrismo Nos dias atuais, essa superioridade pode ser baseada pelas riquezas, que diferenciam a cultura de cada um. Por exemplo: a tecnologia que determinados grupos possuem em suas mãos enquanto outros não possuem acesso, moradia, as oportunidades de educação e até mesmo o acesso à alimentação. 20 Mesmo sabendo que não deve existir nenhuma diferença entre as culturas, essa não é a realidade. Dessa forma é possível iniciar uma explicação da diferença entre o relativismo e o etnocentrismo. O relativismo cultural é exatamente ao contrário do etnocentrismo. Palavra de origem grega ethnos que significa nação, tribo ou pessoas que vivem juntas e centrismo que significa centro. De acordo com o conceito da antropologia, o etnocentrismo é a visão que alguém tem sobre sua própria cultura. Por exemplo: a correta é apenas a sua, considerando todas as outras em um plano inferior à sua. É você se imaginar em um lugar totalmente diferente do que você cresceu, com hábitos e costumes que nunca tenha conhecido. Por exemplo: viver na índia com os tradicionais casamentos arranjados, pode ser uma tribo aqui no Brasil totalmente diferente ou na Arábia Saudita e a obrigação do uso de burcas. É bem capaz que esses costumes entrem na sua cabeça como um confronto daquilo que você acredita. E aí tudo começa a ficar confuso e algumas afirmações começam a surgir. Por exemplo: “Isso é totalmente errado” ou “Não é possível que essas pessoas vivam dessa forma”. Esse tipo de pensamento é justamente o que se chama etnocentrismo. Ele também está voltado para o ar de superioridade e dominação, quem domina está acima de todos e não permite que outros pensem diferente dele. E para defender-se, a forma antiga era exterminar a todos que ameaçavam de um jeito muito violento. O outro jeito de deterquem pensava diferente sem utilizar uma forma sangrenta era oprimindo e humilhando as outras pessoas. Totalmente ao contrário do relativismo cultural. Relativizar é nunca transformar o que é considerado diferente de uma cultura para outra em hierarquia. Pensar que sua cultura é mais importante que outras é um grande erro. Não se deve valorizar uma sociedade baseada em critérios de superioridade e inferioridade. Enfim, todos são diferentes e tudo o que é diferente deve ser respeitado. Nem tudo que você discorda é considerado etnocentrismo Não compreender tudo de uma cultura, não faz de você um etnocentrista. Provavelmente você não deve concordar com tudo da sua própria cultura, isso é bem 21 normal. Isso faz com que não tenha nenhuma obrigação em aceitar o que é proposto em uma outra sociedade. Mas é preciso respeitar e tentar entender antes de julgar. Na índia, por exemplo, a gravidez de uma mulher é interrompida se é descoberto que é uma menina. Ninguém consegue aceitar, mas se você busca entender antes de julgar, consegue perceber que isso acontece por questões financeiras. Isso porque na Índia, os pais ainda pagam dotes na cultura indiana, fazendo com que seja difícil sustentar uma menina na família. É claro que o correto é o governo buscar uma solução para que esse tipo de coisa não exista mais. O fato é entender a diferença do pensamento etnocêntrico de quando você discorda de alguma prática de outra sociedade. É agir sem preconceito e superioridade, apenas não concordar com determinado ato daquela cultura.4 8 ETNOMARKETING: ANTROPOLOGIA, CULTURA E CONSUMO É fato que precisamos ressaltar a presença de dimensões culturais e simbólicas no universo do consumo, para isso, os profissionais de marketing contam com o aporte antropológico na gestão de marketing. Estamos em constante mudança, especialmente no quesito cultura, redefinimos padrões, criamos novos modelos e isso é um processo bastante dinâmico e as empresas precisam acompanhar essas evoluções. O Etnomarketing, com a interdisciplinaridade – antropologia e marketing, pesquisam o consumo, tentam entender de que forma acontece o comportamento de compra. Isso é fundamental para o mercado de moda. Conhecer melhor e mais detalhadamente os seus clientes e consumidores é objetivo de todas as empresas e um dos métodos que está despertando o interesse dos executivos é a etnografia (estudo por observação), método de pesquisa utilizada pelos antropólogos para conhecer de forma mais abrangente o público pesquisado. Infelizmente, pesquisas quantitativas não conseguem revelar detalhes fundamentais necessários para o bom relacionamento com os clientes e disponibilizar a eles o que eles realmente desejam. “Assim, as empresas procuram todos os mecanismos ao seu alcance para saber quem é, como pensa e como age o 4 Extraído do link: freesider.com.br 22 consumidor, que devido à enorme diversidade cultural promovida por este momento de transição, precisa ser compreendido como indivíduo. Não vivemos mais em uma cultura. Vivemos em múltiplas culturas. ”5 O atual contexto sócio histórico, já qualificado por muitos como pós-moderno, caracteriza-se por uma reestruturação na organização da atividade econômica. Entre outros aspectos, nota-se uma passagem do consumo de massa para uma cultura do consumo marcada pela existência de diversos estilos de vida que refletem a explosão de microidentidades. Essa mudança obriga as empresas a pensarem outras estratégias de segmentação de mercado, para além das tradicionais classificações por região geográfica e renda. Fatos que evidenciam essa alteração podem ser percebidos na literatura brasileira de difusão sobre o mundo dos negócios. Esta tem enfatizado, nos últimos anos, a presença de dimensões simbólicas informando o comportamento do consumidor. Diversas reportagens de publicações como Exame e Gazeta Mercantil apresentam casos que apontam a necessidade de as empresas atentarem para a variável cultural na elaboração de suas estratégias de marketing, sob pena de incorrerem em grandes fracassos mercadológicos. À medida que as dimensões culturais e simbólicas foram ganhando importância cada vez maior na explicação do comportamento do consumidor, os departamentos de marketing das empresas, os institutos de pesquisa de mercado e as agências de publicidade passaram a recorrer ao aporte antropológico, recrutando muitas vezes profissionais com formação em Antropologia – disciplina voltada à análise dos fenômenos socioculturais. Neste artigo, pretende-se ressaltar a presença de dimensões culturais e simbólicas no universo do consumo e evidenciar o recurso ao aporte antropológico na gestão de marketing, mediante a apresentação de algumas situações concretas extraídas da literatura de difusão sobre o universo empresarial. Em seguida, com base no método biográfico (Bertaux, 1980; Becker, 1999), descrevem-se as trajetórias profissionais de dois antropólogos que têm empreendido trabalhos práticos no campo da Administração Mercadológica. Antes, porém, será apresentada, na próxima seção, uma breve discussão sobre a disciplina antropológica e um dos seus subcampos: a 5 Extraído do link: www.mulheresempreendedoraspi.com.br 23 Antropologia do Consumo. O propósito final é contribuir para a discussão sobre a fronteira interdisciplinar que envolve a Antropologia do Consumo e a Mercadologia. Neste texto, parte-se do pressuposto de que o leitor já possui alguns conhecimentos sobre a Antropologia. Portanto, não será desenvolvida uma apresentação extensa dessa disciplina. Antes de tratar da Antropologia do Consumo, serão apresentadas algumas bases gerais sobre as quais se sustenta a própria Antropologia, destacando-se pontos de concordância entre os antropólogos, independente de seus pertencimentos a diferentes correntes teóricas. A Antropologia construiu-se, historicamente, como o estudo do outro, entendido como outra sociedade, outra cultura, outro grupo social, enfim, aquele que se comporta de forma diferente de mim. Em outras palavras, a Antropologia configurou-se como uma tentativa de compreender a diversidade cultural, em um encontro radical com a alteridade. A ANTROPOLOGIA SE CONSTRUIU HISTORICAMENTE COMO ESTUDO DO OUTRO, ENTENDIDO COMO OUTRA SOCIEDADE, OUTRA CULTURA, OUTRO GRUPO SOCIAL Todavia, questionando-se os resultados extraídos desse encontro com a alteridade, nota-se que há discordâncias. A descoberta de universais humanos, a descrição de uma cultura em sua totalidade e a experiência fragmentária de diálogo intercultural seriam algumas das respostas dadas pelos antropólogos. De toda forma, a imagem da Antropologia como um encontro com o outro parece representar um consenso para a comunidade antropológica. Talvez também possa denotar uma concordância a defesa da etnografia como o método de pesquisa por excelência da Antropologia. No final do século XIX, quando ela estava se institucionalizando como campo científico, os trabalhos de investigação eram realizados pelo que se convencionou chamar de “antropólogos de gabinete”. Estes não chegavam a conhecer face a face os membros dos grupos sociais estudados pela disciplina. Para construir uma explicação sobre os “estranhos” comportamentos dos povos “primitivos”, eles utilizavam dados recolhidos por viajantes, missionários e funcionários do governo colonial. Essa situação modificou-se no início do século XX, e costumam- se atribuir à Bronislaw Malinowski, um polonês naturalizado britânico, os créditos pelo 24 surgimento do método etnográfico, que caracterizou a moderna Antropologia Social e que marca a disciplina até hoje. Malinowski julgava que o recurso a missionários, administradores coloniais ou viajantes derivava em uma série de dadosdistorcidos, uma vez que a percepção desses indivíduos não estava imune ao preconceito. O próprio antropólogo deveria ir a campo. Seria indispensável o recurso ao “olhar antropológico”, aquele supostamente desprovido de preconceito, capaz de relativizar, escapando da postura etnocêntrica, isto é, capaz de entender a outra sociedade a partir das razões que seus próprios membros constroem para justificar seus comportamentos. Durante a segunda década do século XX, Malinowski passou uma longa temporada entre os nativos das ilhas Trobriand, na Oceania, desenvolvendo um estudo etnográfico que resultou no livro Argonautas do Pacífico Ocidental, um clássico da Antropologia (Malinowski, 1984). Isso não significa, evidentemente, que todos os antropólogos sejam etnógrafos. Alguns profissionais dessa disciplina parecem mais afeitos a contribuir com o avanço da teoria antropológica sem realizar o fieldwork, e não seria equivocado relatar que Marcel Mauss, certamente um dos mais célebres antropólogos do século XX, nunca desenvolveu trabalhos de terreno, ainda que tenha escrito um Manual de etnografia (Mauss, 1993). Fonte: knowmadcity.com 25 De toda forma, esses antropólogos atribuem um valor central aos dados etnográficos, isto é, eles partem das etnografias escritas por outros antropólogos. Esse foi o caso de Mauss no também clássico Essai sur le don, quando partiu dos trabalhos etnográficos de, dentre outros, Franz Boas e Malinowski para construir uma teoria sobre a troca nas sociedades “primitivas” (Mauss, 1974). Sem cair num raciocínio excludente, a Antropologia fez uma síntese, assumindo a etnografia como sua marca distintiva no âmbito das Ciências Sociais e, consequentemente, valorizando o trabalho de campo etnográfico na construção de sua teoria. Enfim, mesmo duvidando das possibilidades de estabelecer consensos em questões relacionadas à Antropologia, se se quiser arriscar uma definição sintética para a disciplina, pode-se apontar a compreensão do outro possibilitada pela prática etnográfica. Em outras palavras, a Antropologia seria o encontro etnográfico com o outro. Vale lembrar que, originariamente, esse “outro”, objeto dos estudos antropológicos, eram as sociedades tradicionais. Assim, a Antropologia ficou conhecida, durante muito tempo, como a ciência das sociedades “primitivas”. Porém, ao longo da sua história, ela foi redefinida. Essa redefinição pode ser resumida numa ressalva feita pelo filósofo francês Maurice Merleau-Ponty (1980). Ele afirmava que a Antropologia não é uma especialidade definida por um objeto particular – as sociedades “primitivas” –, mas uma maneira de pensar caracterizada pelo estranhamento que se impõe quando o objeto é o outro. Trata-se de definir a Antropologia não em relação a um objeto empírico, mas a um objeto intelectual (Augé, 1994, 1999). O antropólogo francês Claude Lévi-Strauss analisou muito bem essa transformação. Em artigo publicado nos anos 60, denominado A crise moderna da Antropologia, Lévi-Strauss (1962) questionou a possibilidade de a Antropologia tornar- se uma ciência sem objeto, fadada, portanto, a desaparecer. Essa preocupação estava ancorada na evidência do genocídio cultural que o Ocidente promoveu com diversas sociedades tribais e na constatação de que a maior parte daquelas que subsistiam estavam-se transformando em sociedades muito parecidas com as metrópoles europeias: organizavam-se politicamente a partir de um Estado-Nação, estavam em vias de industrialização, etc. Não se trata aqui de retomar o raciocínio do mestre francês em sua íntegra, apenas frisar a constatação que ele faz ao finalizar o artigo: “ora, enquanto as maneiras de ser e de agir de certos homens forem problemas 26 para outros homens, haverá lugar para uma reflexão sobre essas diferenças, que, de forma sempre renovada, continuará a ser o domínio da Antropologia” (Lévi-Strauss, 1962). Cerca de 20 anos mais tarde, um outro antropólogo, o norte-americano Clifford Geertz (1983), vaticinou: “agora somos todos nativos. ” Assim, dentro do vasto espectro do que se convencionou chamar de Antropologia das Sociedades Complexas, muitos novos temas foram-se incorporando à disciplina, dentre eles, a Antropologia do Consumo, sobre a qual serão tecidos breves comentários. O propósito aqui não é reconstruir a genealogia desse subcampo dos estudos antropológicos. Ao leitor interessado, sugere-se seguir as pistas deixadas pelos franceses Philippe Laburthe-Tolra e Jean-Pierre Warnier. No texto Produção social e consumo de objetos (1997), esses autores consideram a publicação do trabalho A dimensão oculta, de Edward T. Hall, o marco fundador da Antropologia do Consumo. Segundo eles, os trabalhos de Hall inauguram uma abordagem antropológica dos domínios do consumo relativos ao espaço: a arquitetura, o mobiliário, a decoração interior, as cores, a iluminação, a climatização, as vestimentas, os transportes coletivos, os lugares de trabalho, os espaços de lazer, as vias públicas, etc. No artigo, Laburthe-Tolra e Warnier resenham também diversos outros textos que consideram inseridos no campo da Antropologia do Consumo, dentre os quais destaca-se o já clássico trabalho de Douglas e Isherwood (1978). Além disso, apresentam os contornos desse subcampo da disciplina antropológica, retomando suas raízes mais remotas, nos trabalhos de antropólogos clássicos como Marcel Mauss e André Leroi- Gourhan, e apontando os seus limites porosos com a Sociologia, seja também em sua tradição clássica – por meio das obras deixadas por Marx, Weber, Simmel, Veblen e Nobert Elias –, seja na produção contemporânea de autores como Pierre Bourdieu e Jean Baudrillard. O trabalho dos antropólogos franceses representa um excelente mapeamento introdutório. Não se pode, contudo, deixar de destacar uma ausência importante no texto. Trata-se da referência ao antropólogo norte-americano Marshall Sahlins, cujas ideias parecem oportunas para compreenderem-se as evidências empíricas da presença de dimensões simbólicas informando o comportamento do consumidor e as trajetórias profissionais de antropólogos no campo da Administração Mercadológica, apresentadas nas próximas seções deste artigo. 27 Na sua interpretação da sociedade capitalista ocidental, Sahlins (1979) demonstrou que essa sociedade, que se auto representa como regida exclusivamente pela racionalidade econômica, sendo desprovida de dimensões culturais e do simbólico, na verdade, é, ela mesma, uma forma específica de ordem cultural. Para ele, o sistema de representações simbólicas informa a própria organização da atividade econômica na sociedade capitalista, ou seja, as esferas da produção e do consumo são espaços privilegiados de produção simbólica nesta sociedade. Assim, sua especificidade não reside no fato de o sistema econômico escapar à determinação simbólica, mas antes na constatação de que nela o simbolismo econômico é estruturalmente determinante. Partindo dessa interpretação da sociedade capitalista, o autor entende que o significado social de um objeto, o que o torna útil a certa categoria de pessoas, é menos visível por suas propriedades físicas do que pelo valor que ele assume na troca. A utilidade, destaca Sahlins, não é uma qualidade intrínseca do objeto, mas um significado construído pelos sujeitos. Neste sentido, nenhum objeto é ou tem movimento na sociedade humana, exceto pela significação que os homens lhe atribuem. Suas análises dos sistemas alimentar e de vestuário nos EUA, lastreadas na abordagem estruturalista, são bastante interessantes. Para ele, o papel do antropólogo é descobrir a ordem cultural escondida na sociedade; ele estabelece, então, uma analogia entre o trabalho desse profissional e aquele desempenhado pelos pesquisadores de mercado e agentes publicitários. Estes últimos procuram responder às constantesreformulações das relações simbólicas dentro da vida social, a fim de tornar um “produto-símbolo” um sucesso mercantil. Pode-se resumir sua análise do simbolismo econômico nas sociedades capitalistas pelo seguinte argumento: o fenômeno do consumo não pode ser compreendido levando-se em consideração apenas variáveis de natureza econômica, isto é, as mudanças na estrutura de produção e seus impactos em termos de distribuição de renda. Deve-se atentar também para variáveis socioculturais. A seguir, apresentam-se exemplos empíricos que corroboram a posição de Sahlins, uma vez que demonstram o papel que joga a dimensão simbólica no universo do consumo.6 6 Extraído do link: www.redalyc.org 28 9 A CONTRIBUIÇÃO DA ANTROPOLOGIA AOS ESTUDOS DA SOCIEDADE A antropologia e a sociologia, dentre as ciências sociais, definiram de forma bastante satisfatória seus objetos de estudo, seus objetivos e métodos. Enquanto à sociologia cabia o estudo da sociedade europeia, à antropologia cabia o estudo dos povos colonizados na África, Ásia e América. A primeira procurava descobrir as leis gerais que regulamentavam o comportamento social e as transformações da sociedade, por meio de análises qualitativas e estudos estatísticos que pudessem dar a maior amplitude possível às suas descobertas. A antropologia, por sua vez, desenvolvia um método mais empirista e qualitativo, voltado para a descoberta das particularidades das sociedades que estudava. Tal delimitação teórico-metodológica foi um aspecto importante no alvorecer das ciências humanas e sociais, pois permitiu o desenvolvimento singular dessas áreas de conhecimento. Em contrapartida, essa delimitação fez essas ciências caírem num reducionismo teórico tanto quanto à natureza das sociedades com as quais os pesquisadores entravam em contato como quanto à aparente integridade da cultura europeia. Os sociólogos imaginaram ser possível a criação de um modelo teórico único que explicasse os diversos aspectos da sociedade capitalista europeia – percebidos como dicotomias do tipo rural-urbano ou agrário-industrial. Não se davam conta, entretanto, do grau de complexidade da sociedade e das relações que se desenvolviam interna e externamente. Ao buscar ordens e similitudes, como propunham principalmente os positivistas, não percebiam que lidavam com uma realidade altamente diferenciada, cuja diversidade se acentuaria – em ritmo cada vez mais acelerado – no decorrer do século XX. Os antropólogos, por seu lado, ao procurarem identificar de forma precisa o não-europeu, tinham por base uma falsa imagem da cultura europeia, para eles homogênea e integrada. Não percebiam que, por trás da aparente uniformidade da vida social na Europa, existiam inquestionáveis e insuperáveis diferenças. Os antropólogos não se davam conta de que haviam tantas diferenças e conflitos entre o industrial e o mineiro ingleses como entre o oficial da administração britânica e o colono indiano. Não conseguiam diferenciar, por exemplo, o analfabetismo de certos grupos europeus da ausência da escrita nas sociedades iletradas. 29 No início do século XX, no entanto, essas questões ainda não se colocavam para as ciências sociais, e antropólogos e sociólogos foram a campo para pesquisar seus objetos munidos de conceitos e métodos próprios de trabalho. Subáreas da Antropologia A antropologia foi sempre a ciência da alteridade, isto é, a ciência que busca investigar o outro, aquele que é essencialmente diferente de mim. Sua gênese aparece nos relatos dos primeiros viajantes europeus que tentavam descrever os “exóticos” costumes dos povos com os quais mantinham contato. Mas, se a curiosidade pela espécie humana, por suas peculiaridades e diferenças não eram novidade, a expansão colonialista da Europa sobre os outros continentes e o desenvolvimento dos meios de transporte, especialmente o marítimo, deram nova amplitude a esse interesse e nova dimensão a esse objeto de pesquisa. Em pouco tempo tal alteridade passou a incluir povos de aparência física as mais distintas, culturas milenares e outras que não pareciam ter história, línguas e costumes díspares, além de embarcar um rico legado cultural da Antiguidade. Era necessário delimitar esse vasto universo de pesquisa, criando subáreas como a arqueologia, a etnologia e a antropologia cultural. À arqueologia coube o estudo da evolução da espécie humana – da chamada Pré-História – e do passado de civilizações já desaparecidas da Antiguidade, como os egípcios e os hebreus. À etnologia coube o estuda da diversidade da espécie humana, ou seja, a identificação das diversas etnias existentes e de sua herança genética. A antropologia cultural definiu como seu objeto de estudo as sociedades não-europeias e os povos sem escrita, para que fossem desvelados seus modelos de organização social e sua dinâmica. 10 O EVOLUCIONISMO Os estudos antropológicos, entretanto, estavam longe de respeitar a objetividade positivista a que aspiravam os cientistas sociais do século XIX. A Europa procurava se integrar em torno de um modelo econômico e político único, que julgava universal – capitalista, industrial e nacionalista -, buscando defendê-lo e legitimá-lo. 30 Os interesses coloniais, por sua vez, procuravam reforçar esse modelo político e econômico transformando as populações de outros continentes em consumidores de produtos e mão-de-obra, sendo necessário, para isso, intervir drasticamente nessas sociedades. Fonte: www.dm.com.br O desenvolvimento das ciências humanas e da antropologia, particularmente, servia também aos interesses econômicos da Europa e à necessidade expansionista do capitalismo. A base teórica que orientou esse conhecimento foram as teorias evolucionistas. De acordo com elas, a humanidade seria composta de diversas espécies em diferentes etapas de desenvolvimento do processo evolutivo. Assim, cada sociedade poderia ser classificada e inserida em um contínuo que ia das mais atrasadas e simples às mais adiantas, evoluídas e complexas. As sociedades mais simples, ou primitivas, como foram chamadas, correspondiam a estágios inferiores na história evolutiva da humanidade, verdadeiros fósseis vivos do nosso passado. Continentes inteiros foram vistos como museus propícios ao estudo da nossa diversidade evolutiva e genética. Hoje, parece cada vez mais plausível a ideia, conforme os defensores “fora da África” ou de substituição, de sermos manifestação de um único processo global de 31 evolução, que abrange a espécie humana como um todo. Aceita-se que o processo evolutivo humano levou ao aparecimento do Homo sapiens – ocorrido na África – e que migrou pelo planeta, diversificando-se em sua aparência e em seus hábitos graças a sua inigualável capacidade de adaptação ao meio. Essas diferenças, entretanto, não são de espécies. Mesmo os defensores da teoria multirregional, que advogam a tese de que o homem moderno é o resultado da interseção de espécies diferentes de hominídeos, – com o passar do tempo, os Homo erectus especiaram- se, ou seja, diferenciaram-se fisicamente por influência do meio ambiente, isso explicaria as diferenças regionais observáveis -, acreditam que, no decorrer de sua migração pelo planeta, os grupos de Homo sapiens foram se miscigenando, dando aos povos hoje existentes uma grande homogeneidade de composição genética. Inúmeros exames de DNA têm provado que não há diferenças biológicas entre grupos humanos marcados por alguma diferenciação fenotípica. Ao lado dessas diferenças regionais, passamos por séculos de colonialismo, imperialismo e industrialização do planeta, que resultam no processo que chamamos de “globalização”. Estamos próximos de constituir uma verdadeira aldeia global – redes econômicas e de informação de âmbito universal interligam os maisdistintos povos da Terra, homogeneizando as culturas, os hábitos e as crenças. A troca de influência entre as nações é imensa e até mesmo as diferenças de nacionalidade se mostram cada vez mais questionáveis. Mas, 150 anos atrás, africanos, americanos e asiáticos foram vistos como essencialmente diferentes dos europeus. 10.1 O Evolucionismo na Sociologia A sociologia não ficou imune à influência dos princípios evolucionistas. Inúmeros sociólogos procuram também descobrir as leis gerais que ordenavam as transformações e a evolução social, responsáveis por fazer com que formas sociais mais simples fossem passando natural e progressivamente a outras, mais complexas e evoluídas. Émile Durkheim, aplicando esse princípio teórico ao estudo comparado dos diversos modelos europeus de vida social, distinguiu também diversas “espécies” que se diferenciavam uma das outras, umas mais simples, outras mais complexas. Um dos aspectos que as diferenciava era, por exemplo, a complexidade na divisão social 32 do trabalho. As sociedades mais simples eram aquelas cujas tarefas se encontravam divididas apenas por sexo e idade, enquanto, nas sociedades mais complexas, as atividades produtivas iam paulatinamente se diferenciando segundo outros critérios, como o grau de instrução, por exemplo. Ferdinand Tönnies foi outro sociólogo distinguiu nos países europeus duas espécies de formações sociais: a comunidade, em que as relações sociais entre os indivíduos são mais próximas, tendo por base a vida familiar e as relações comunitárias, e a sociedade, em que já se desenvolve a vida urbana, há forte presença do Estado e menor coesão entre os agentes sociais. Dessa forma esses cientistas identificavam formações sociais “primitivas” e “complexas” e entendiam a história como processo inexorável e natural que transformaria as sociedades primitivas em complexas. Hoje, pelo menos em nível local, compreende-se que o caráter sistêmico ou interdependente da vida social integra as diferentes formas de organização social, fazendo com que a relação entre elas não seja de diferente grau de evolução, mas de complementaridade. Por outro lado, as relações de dominação de um setor social sobre o outro, ou de uma nação sobre a outra, é que explicam a existência dessas diferenças e o seu processo de transformação, que nada tem de natural ou inexorável. O marxismo foi a teoria que mais contribuiu para uma crítica eficiente das concepções evolucionistas da antropologia e da sociologia, pelo fato de explicar a vida social como uma totalidade integrada, cujas desigualdades entre as partes são consequências das relações que mantém entre si e não de sua natureza. Entretanto, resistindo a essa ideia e inspirados pelo evolucionismo, antropólogos e sociólogos procuraram então, por meio de análises comparativas, estabelecer um quadro dicotômico que permitia distinguir os traços considerados característicos de sociedades “primitivas” e aqueles considerados próprios das sociedades “complexas”. 10.2 Malinowski e Radcliffe-Brown: a escola funcionalista No início do século XX, surgiu o funcionalismo – escola antropológica que sucedeu ao evolucionismo, respondendo em partes às críticas que a ele se faziam por seu euro-centrismo e etnocentrismo. 33 De acordo com a escola funcionalista, as diversas sociedades não deveriam ser comparadas umas com as outras, mas estudadas em si mesmas de forma particular e isolada. Cada sociedade constitui uma totalidade integrada e composta de partes interdependentes e complementares, que tem a sociedade por função satisfazer as necessidades essenciais dos seus integrantes. Um traço cultural, dessa maneira, só pode ser entendido no contexto da cultura à qual pertence e não em relação a outra qualquer. A função que o traço ou costume desempenha é que justifica sua existência e permanência. Sua alteração vai depender, também, não de um desenvolvimento evolutivo, mas da perda de sua função, razão de sua existência. Em seu livro, Uma teoria científica da cultura, Malinowski definiu o conceito de função inicialmente como a resposta de uma cultura a necessidades básicas do homem, como alimentação, defesa e habitação. “A função, nesse aspecto mais simples e básico do comportamento humano, pode ser definida como a satisfação de um impulso orgânico pelo ato adequado. ” Dado, entretanto, que as necessidades da espécie humana não se resumiam a questões biológicas, a função social de determinados costumes e instituições deveria responder às necessidades sociais do grupo. “A função das relações conjugais e da paternidade é obviamente o processo de reprodução culturalmente definido. ” O fato de que uma sociedade pareça inicialmente desordenada ou desintegrada ao pesquisador, resulta de desconhecimento em relação a ela, o qual só será superado por longo processo de investigação e convivência do antropólogo com o grupo estudado. É a chamada observação participante, método de pesquisa que revolucionou os estudos antropólogos, substituindo a análise de informações superficiais e questionários inadequados pelo estudo sistemático das sociedades. O investigador, deixando seu gabinete e convivendo com a sociedade que quer conhecer, penetra na cultura, desvenda seus significados, guiado por suas informações e não por teorias externas à realidade estudada. O grande sistematizador do funcionalismo e do método da observação participante foi Malinowski, que de 1914 a 1918 viveu entre os nativos das ilhas Trobriand, próximas à Nova Guiné. Foi o primeiro a organizar e a sintetizar uma visão integrada e totalizante do modo de vida de um povo não-europeu. Graças ao seu conhecimento da língua nativa – condição que ele considerava essencial para esse trabalho – e de uma observação intensa e sistemática, conseguiu reconstituir os 34 principais aspectos da vida trobriandesa, desde as grandes cerimônias até singelos aspectos diários. Segundo Malinowski, o trabalho do antropólogo deve iniciar-se com a observação de cada detalhe da vida social – mesmo aqueles aparentemente sem importância e incoerentes -, tentando descobrir seus significados e inter-relações. A etapa seguinte é um esforço de seleção daquilo que é mais importante e significativo para o entendimento da organização de todo integrado constituído pela sociedade. Finalmente, o antropólogo deverá construir uma síntese na qual se revele o quadro das grandes instituições sociais – conceito essencial do funcionalismo referente a núcleos ordenados da sociedade que compreendem um código, um grupo humano organizado, normas, valores e uma infraestrutura material e física. A observação do participante inclui, portanto, escutar e escrever, sendo “o escrever” uma forma de compreensão da realidade estudada. Outro funcionalista importante foi o inglês Radcliffe-Brown, que, influenciado pelas teorias e pelo método de Durkheim, procurou adapta-los ao estudo das sociedades não-europeias. Como Malinowski, considerava essas sociedades como totalidades integradas de instituição que tem por função satisfazer necessidades básicas de alimento, segurança e abrigo, e de manutenção da vida social. 11 CONCEITOS E MÉTODOS FUNCIONALISTAS Com os estudos funcionalistas, as sociedades tribais africanas, australianas e asiáticas adquiriram especificidade, isto é, passaram a ser entendidas naquilo que lhes era próprio e irredutível a qualquer outra forma de organização social. Ganharam também contemporaneidade, ou seja, seus aspectos considerados arcaicos deixaram de ser tratados como “sobrevivências”, “fósseis vivos” de fases ultrapassadas da humanidade: passaram a constituir formas de integração e redefinição de padrões culturais. Dizia Malinowski que, mesmo se algum costume tivesse origem em um passado remoto, ele não constituía uma “sobrevivência”, mas um aspecto da cultura redefinidopelas necessidades sociais do presente. Essa proposição atacava o 35 procedimento evolucionista de comparar traços culturais desligados de seu contexto de origem e funcionamento. Por outro lado, os observadores funcionalistas, constatando as mudanças sociais que ocorriam nas sociedades “primitivas”, causadas pelo contato com o europeu, explicavam-na como exemplos de aculturação, processo por meio do qual sociedades diferentes, entrando em contato, tendem a intercambiar traços culturais e costumes. Os funcionalistas não consideravam as sociedades não capitalistas atrasadas, mas ainda as julgavam diferentes. Não se opunham às mudanças sociais, mas apoiavam o princípio de “administração indireta” – o colonialismo em colaboração com as elites nativas – como guia dessas mudanças, defendendo uma transformação lenta e bem dosada que preservasse as sociedades dos efeitos destrutivos da ação colonialista. O funcionalismo foi responsável pela aplicação de certos conceitos, que foram incorporados à sociologia, como função e sistema social. Foi responsável também pelo avanço nas técnicas de pesquisa empírica. Os antropólogos funcionalistas costumavam dizer que, graças à observação participante, sabia-se mais sobre as populações africanas e asiáticas do que sobre as sociedades europeias. Algum tempo mais tarde, as técnicas de pesquisa dos funcionalistas passaram a ser aplicadas no estudo de sociedades ocidentais. 11.1 A Polêmica Gerada Pelo Funcionalismo As contribuições do funcionalismo ao desenvolvimento da antropologia são inquestionáveis. Foram os funcionalistas que primeiro deram as costas à Europa e ao evolucionismo para estudar o mundo não-europeu como uma realidade de igual qualidade e capaz de ser entendida em si mesma. Foram eles que desenvolveram um método científico eficiente – e ao mesmo tempo responsável – de estudos das diferentes culturas. 36 Fonte: www.canstockphoto.hk Entretanto, muitas críticas de caráter político surgiram denunciando a colaboração dos funcionalistas com a administração colonial naquilo que ficou conhecido, na administração inglesa, como Indirect Rule – a dominação colonial apoiada na convivência da elite da sociedade colonizada. Para essa “parceria”, os conhecimentos antropológicos foram de maior importância. Os funcionalistas por meio de conceitos como aculturação e choque cultural – com o qual estudavam o intercâmbio de traços culturais provenientes do contato entre culturas -, deixavam de revelar as desigualdades que existem sempre nesse contato, em especial quando resultam de uma política colonialista. Ainda do ponto de vista político, se é verdade que o funcionalismo é responsável pela ascensão do relativismo cultural também é certo que a neutralidade que ele defende diante da realidade está cada vez mais em desuso, num mundo que se estreita e onde já se desenvolvem os princípios de uma ética mundial. Do ponto de vista teórico, o funcionalismo foi criticado por ter se preocupado essencialmente com as forças de integração social, não dando destaque aos conflitos sociais. Ao centrarem sua análise “no aqui e no agora”, os funcionalistas acabaram 37 justificando toda e qualquer prática social que tenha contribuído para a manutenção do todo. Essencialmente sincrônicos em sua análise, os funcionalistas não conseguiram explicar os processos de transformação e mudança social e, defensores da tolerância, foram excessivamente omissos quando essas transformações ocorreram, destruindo as formas tradicionais de vida na África e na Ásia. O método etnográfico e de observação participante, entretanto, continuam propiciando férteis análises de grupos sociais. Não só quando o pesquisador se vê diante de grupos étnicos diferentes, mas também quando se depara com grupos organizados em torno de hábitos e rituais particulares. O princípio de observar, escutar, descrever e interpretar continua sendo fonte de informação e conhecimento nas ciências sociais em geral e na comunicação em particular. Assim, o estudo do comportamento de tribos urbanas ou da audiência a determinados programas de televisão passam, hoje em dia, pela pesquisa etnográfica. A tecnologia, por sua vez, também, tem dotado o etnógrafo de meios cada vez mais eficientes de observação. O gravador, a câmera fotográfica e de vídeo têm sido auxiliares efetivos no conhecimento do outro.7 12 ANTROPOLOGIA E CULTURA POPULAR A miscigenação racial no Brasil, de forma distinta, pelo negro, o branco, o índio, antevê a possibilidade de que a identidade sociocultural do povo brasileiro foi sem dúvida, a condição suprema para a nossa formação, principalmente no conjunto de valores culturais tão importantes e que marcam a nossa condição histórica, inclusive, no seu fundamento à homogeneidade cultural e linguística. Muito antes da sua emancipação política e administrativa em idos de 1912, o município de Pirapora era habitado por indígenas da Tribo Cariri, que viviam da pesca abundante e da caça. Tanto o é, que o topônimo pira (salto), poré (peixe), ou “onde o peixe salta” representa através desta raça, a pujança do lugar. 7 Extraído do link: universoracionalista.org 38 Contudo, vale salientar que Pirapora, motivada pela “saudosa” navegação do Rio São Francisco, sofreu uma grande intervenção sociocultural, enfaticamente de nordestinos, na sua maioria retirantes e aventureiros que procuravam terras férteis e prosperidade econômica satisfatória. Esses grupos dentro do contexto das relações sociais representam os estudos etnológicos, feitos por pesquisadores que acima de tudo, procuram desenvolver com exatidão não só o teor antropológico dos indígenas, como a própria formação do nosso povo, de forma sistematizada e generalizada, ou seja, através da análise e interpretação sucinta da nossa história singular. Mas, o que vem a ser a cultura popular? A cultura popular é tida como “...a cultura associada ao povo, ou seja, ao contrário da cultura erudita, não está ligada ao conhecimento científico, mas como parte integrante o conhecimento vulgar ou espontâneo, o popular senso comum. Considerada também como arte do povo, o tipo de linguagem acontece como uma espécie de luta pela sobrevivência e pode ser de massa ou tradicional”. Mas, o homem começou a se desenvolver culturalmente através das suas necessidades básicas, como o alimento para saciar-lhe a fome e o abrigo do corpo. Para fins didáticos, pode-se afirmar que a cultura nasceu com o homo sapiens. Nesse prisma, os grupos humanos se expandiram progressivamente, ocupando praticamente a totalidade dos continentes do planeta, a partir de uma origem biológica comum. O desenvolvimento dos grupos humanos se fez segundo ritmos diversos e modalidades variáveis, não obstante a constatação de certas tendências globais. Todavia, não devemos hierarquizar a cultura, até porque não há como conceber que haja uma cultura superior. Há culturas diferentes, não havendo nenhuma distinção quanto às suas características em face à realidade cultural de um povo ou de um grupo humano. Sendo a cultura a dimensão do processo social, é imprescindível que cada realidade cultural tenha sua lógica interna, sendo necessário relacionar a variedade de procedimentos culturais com os contextos em que são produzidos. A contribuição no estudo das culturas advém da construção do fundamento histórico, seja como concepção ou como dimensão do processo social, sendo a cultura um produto coletivo da vida humana. 39 E a tradição, como se aplica nesse contexto? Ora, a falsa ideia que se tem, é que a tradição é tudo aquilo que é velho e/ou antigo, mas esse é um conceito falso, vez que é aquilo que está sendo entregue ou transmitido, ou seja, a herança cultural, passada de uma geração para outra, as crenças e técnicas.
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