Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Luíza Barreto – Medicina 2020.2 Alterações na Tireóide 1.1 ANATOMIA DA TIREÓIDE A glândula tireoide possui tom vermelho-acastanhado, cerca de 25 g e é altamente vascularizada. Está localizada na região ântero-inferior do pescoço, ântero-lateralmente à traqueia e logo abaixo da laringe, no nível entre a quinta vértebra cervical e a primeira vértebra torácica. A tireoide possui dois lobos (direito e esquerdo) que são conectados entre si por uma parte central denominada istmo da glândula tireoide. Cada lobo possui aproximadamente 5 cm de comprimento. A tireoide é circundada por uma cápsula fibrosa fina que envia septos profundos ao interior da glândula, fixada à cartilagem cricóidea e aos anéis traqueais superiores por tecido conjuntivo denso. Externamente a essa cápsula, há uma bainha formada pela parte visceral da lâmina pré-traqueal da fáscia cervical, formando uma cobertura mais geral dessa região. A glândula contém dois tipos de células: as células foliculares, localizadas nos folículos tireoidianos, e as células parafoliculares, localizadas entre os folículos. A glândula tireóidea é composta por muitas unidades secretoras chamadas folículos. As células foliculares secretam e armazenam dois hormônios tireoidianos: Triiodotironina (T3) e Tetraiodotironina (T4 ou tiroxina). As glândulas parafoliculares secretam a calcitonina, que regula o metabolismo do cálcio, principalmente suprindo a reabsorção óssea. Em alguns casos (cerca de 50% dos indivíduos) há um lobo extra na nossa glândula: o lobo piramidal. Seu tamanho é variável e projeta-se superiormente a partir do istmo da tireoide, normalmente inclinado mais à esquerda do plano mediano. Há ainda casos de indivíduos cujo istmo é completamente ausente ou incompleto. Outra característica que também pode Istmo da tireoide Lobo esquerdo da tireoide Lobo direito da tireoide Artéria carótida comum Cartilagem cricóidea Traqueia Cartilagem tireóidea estar presente é a existência de uma faixa de tecido conjuntivo do ápice do lobo piramidal até o osso hioide. Os vasos mais relevantes para a sua irrigação arterial são as artérias tireóideas superiores e as artérias tireóideas inferiores, que estão localizados entre a cápsula fibrosa da tireoide e a bainha fascial frouxa que a reveste. As artérias tireóideas superiores esquerda e direita constituem os primeiros ramos das artérias carótidas externas que, por sua vez, são ramos das artérias carótidas comuns. As artérias tireóideas inferiores, por sua vez, são os maiores ramos do tronco tireocervical. Tal tronco, originário da artéria subclávia (tanto esquerda como direita), emite vasos que irão realizar tanto a vascularização de áreas da região cervical quanto de áreas do ombro e próximas ao músculo trapézio, à clavícula e às regiões supraclavicular e supraespinhal da escápula. As artérias tireóideas inferiores, após a sua formação, seguem superomedialmente e posteriormente às bainhas carótidas até atingirem a face posterior da tireoide. Tais artérias também se dividem em vários ramos, os quais irão perfurar a lâmina pré- -traqueal da fáscia cervical e irão irrigar a face póstero inferior da glândula, especialmente os polos inferiores dela. A drenagem venosa da tireoide é realizada por 3 pares de veias que formam um plexo venoso tireóideo na face anterior da glândula. As veias tireóideas superiores acompanham as artérias tireóideas superiores em seu trajeto e drenam o sangue advindo dos polos superiores da tireoide para a veia jugular interna. As veias tireóideas médias, por sua vez, não acompanham as artérias, mas, em compensação, seguem trajetos praticamente paralelos às artérias tireóideas inferiores. Elas drenam o sangue da região intermédia dos lobos também para a veia jugular interna. Por fim, as veias tireóideas inferiores, que, normalmente, tem trajeto independente, drenam o sangue dos polos inferiores da glândula, diretamente, para as veias braquiocefálicas, diferente das veias superiores e médias, que drenam para a veia jugular interna. Os nervos da tireoide são derivados dos gânglios cervicais superiores, médios e inferiores, os quais são gânglios simpáticos que recebem nervos advindos tanto da coluna vertebral quanto da divisão supra segmentar do sistema nervoso central. O gânglio cervical inferior é um gânglio simpático formado na maioria das vezes em fusão com o primeiro gânglio torácico, sendo assim, também é chamado de gânglio cervicotorácico ou gânglio estrelado. Essa inervação chega à glândula através dos plexos cardíaco e periarteriais tireóideos superior e inferior, os quais acompanham as artérias tireóideas em seu trajeto. Vale ressaltar que essas fibras são VASOMOTORAS e, por isso, elas não induzem ou inibem diretamente a secreção da glândula, mas promovem a constrição dos vasos sanguíneos que a vascularizam. A secreção endócrina da tireoide é controlada hormonalmente através das alças de feedback. 1.2 FISIOLOGIA DA TIREÓIDE A glândula tireóide sintetiza os homônios tireoidianos (HT) tiroxina (T4) e 3,5,3'-L-triiodotironina (T3), únicos compostos biologicamente ativos que contêm molécula de iodo em sua estrutura. A função da glândula tireóide está sob o controle hipotalâmico-hipofisário-tireóide, no modelo clássico de feedback negativo. Além da regulação neuroendócrina, os efeitos fisiológicos dos hormônios tireoidianos são regulados por complexo mecanismo extratireoidiano, resultante do metabolismo periférico dos hormônios exercido pela ação enzimática das selenioproteínas desiodases e da disponibilidade de iodo no organismo. O iodo é um elemento essencial para a síntese de HT. A deficiência crônica na ingestão de iodo ocasiona bócio endêmico com hipotireoidismo severo. A consequência clínica da falta da ingestão de iodo não se restringe ao período fetal e neonatal, refletindo-se em todas as faixas etárias; em conjunto, caracterizam as doenças associadas à deficiência do iodo, sendo proeminente a presença de aumento do tamanho da glândula tireóide, denominado bócio endêmico. O crescimento da glândula ocorre em consequência do estímulo sustentado do TSH hipofisária para compensar a falta de síntese de HT. Luíza Barreto – Medicina 2020.2 O T3 é o hormônio de fato biologicamente ativo, mas a maior parte da secreção tireoidiana é composta de T4. A tireoide libera mais tiroxina pois, uma vez lançado no organismo, esse hormônio só será captado e convertido em T3 a depender da necessidade metabólica momentânea de determinado tecido. Assim, se o tecido muscular está mais ativo e precisa de mais T3 que o tecido nervoso, por exemplo, a captação de T4 será maior pelas células musculares, havendo conversão de T4 em T3 em seu interior. A liberação de T3 no organismo em maior quantidade que T4 faria com que todos os tecidos que entrassem em contato com o hormônio fossem estimulados, alterando a homeostase do metabolismo de uma forma geral. Os efeitos de T3 e T4 no organismo são múltiplos, mas, de forma geral, aumentam a taxa metabólica basal dos tecidos. Isso significa que o consumo de oxigênio e nutrientes é mais elevado (o que leva a efeitos respiratórios, cardiovasculares e metabólicos associados), a produção de calor aumenta, o desenvolvimento dos tecidos é fomentado (logo, tecidos relacionados ao crescimento como ossos, cartilagens e colágeno são estimulados), dentre outros. A calcitonina é um hormônio produzido pelas células parafoliculares (também chamadas de “células C”) da tireoide que tem como função principal a formação óssea (deposição de cálcio no osso). Como ela atua removendo cálcio do sangue para mineralizar os ossos, pode- -se dizer que ela atua reduzindo a calcemia (hormônio hipocalcemiante) - por isso, fica claro entender que um dos estímulos mais fortes para sua secreção são os altos níveis decálcio sérico. Sua atuação também envolve o bloqueio da atuação do paratormônio (hormônio que aumenta a reabsorção de cálcio, aumentando sua concentração no sangue) e dos osteoclastos. Síntese dos hormônios tireoidianos: O processo de síntese dos HT no folículo tireoidiano envolve: 1) transporte do iodeto pela captação ativa, direcionamento e transporte apical do iodo para o lúmen folicular; 2) oxidação do iodeto; 3) iodação dos resíduos tirosil da molécula de tireoglobulina formando iodotirosinas; 4) acoplamento oxidativo de duas iodotirosinas formando iodotironinas ainda ligadas à tireoglobulina. Os hormônios tireoidianos derivam da Tg, uma grande glicoproteína iodada. Após ser secretada no folículo tireoidiano, a Tg é iodada aos resíduos de tirosina, que não subsequentemente acoplados por meio de uma ligação éter. A recaptação de Tg dentro da célula folicular da tireoide possibilita a proteólise e a liberação de T4 e T3 recém- sintetizadas. No processo de sua remoção do sangue e armazenamento para uso subsequente, o iodo é bombeado para dentro das células foliculares contra um gradiente de concentração. O iodo (I-) é transportado através da membrana basal das células tireóideas por uma proteína intrínseca da membrana conhecida como simporter Na+/I (NIS). Na borda apical, uma segunda proteína transportadora de I- denominada pendrina transfere o iodo para o coloide, onde é utilizado para produzir hormônio (hormoniogênese). O NIS obtém energia da Na+/K+ ATPase, que regula o processo. Consequentemente, a concentração de iodo na glândula tireoide normal é cerca de 40 vezes maior que seu nível sanguíneo. O NIS é estimulado pelo TSH e pelo anticorpo estimulador do receptor de TSH, que está associado à doença de Graves. A pendrina – codificada pelo gene da síndrome de Pendred (PDS) – é um transportador de cloreto e iodo. Mutações do gene PDS foram encontradas nos pacientes com bócio e surdez congênita. Depois de entrar no folículo, a maior parte do iodo é oxidada pela enzima tireoideoperoxidase (TPO) por uma reação que facilita a combinação com uma molécula de tirosina para formar monoiodotirosina (MIT) e depois diiodotirosina (DIT). Duas moléculas de DIT são combinadas para formar tiroxina (T4), ou uma molécula de MIT é combinada com DIT para formar triiodotironina (T3). Apenas T4 (90%) e T3 (10%) são liberadas na circulação. Existe evidência de que a T3 seja a forma ativa do hormônio e que a T4 seja convertida em T3, antes que possa produzir seus efeitos fisiológicos. Os hormônios tireóideos são ligados à globulina de ligação da tiroxina (GLT) e outras proteínas plasmáticas para seu transporte no sangue. Apenas o hormônio livre entra nas células e regula o mecanismo de feedback hipofisário. O hormônio tireóideo ligado às proteínas forma um reservatório amplo, que é consumido lentamente à medida que se necessite de mais hormônio tireóideo livre. Secreção dos hormônios tireoidianos: A tireóide consegue manter o fornecimento de HT graças ao pool de tireoglobulina armazenado no lúmen. A tireoglobulina deve ser hidrolisada para liberar T4 e T3. Esta quebra de iodotironinas a partir da tireoglobulina é realizada no interior da célula folicular. Em condições fisiológicas, a reabsorção do coloide para o interior da célula folicular ocorre por rnicropinocitose e formação de vesículas endociticas. Em resposta ao estímulo de TSH, formam-se pseudópodes (por macropinocitose) na superfície apical da célula folicular que engolfam gotículas de coloide, formando vesículas de coloide no interior da célula. Em ambos os processos, as vesículas se fundem com os lisos somos formando endossomos ou fagossomos com função proteolítica, com digestão da TG e desprendimento das moléculas de MIT, DIT, rT3, T3 e T4. Como MIT e DIT não são biologicamente ativos e a secreção para o plasma seria ineficaz, o iodo destas moléculas é removido pela ação da enzima iodotirosina-desiodase, dependente de NADPH, denominada desalogenase de tirosina (DHAL). A enzima DHAL, presente especificamente na célula folicular, remove o iodo de MIT e DIT mas não realiza desiodação das iodotironinas (T4, T3 e rT3). O pool de iodo liberado das moléculas de MIT e DIT é reutilizado para nova síntese hormonal no próprio folículo. Em condições fisiológicas, cerca de 10% de tiroxina é convertida em T3 pela ação da enzima 5'-desiodase ainda no interior da célula folicular, e o iodo removido é reutilizado para nova síntese hormonal. T4 e T3 livres deixam a célula folicular através da membrana plasmática do polo basal próximo à rede capilar do estroma interfolicular por simples difusão. A glândula tireóide de um adulto normal libera cerca de 100 µg de T4/dia e 10 µg de T3/dia na circulação. Uma pequena quantidade de TG atinge a circulação sanguínea (até 50 ng/mL) e pode ser detectada no sangue periférico da maioria dos indivíduos normais. No entanto, quando a glândula sofre processo patológico destrutivo do folículo tireoidiano, como na Luíza Barreto – Medicina 2020.2 tireoidite, uma significativa quantidade de TG pode escapar para a circulação. Resumo: A secreção do hormônio tireóideo é regulada pelo sistema de feedback hipotalâmico-hipofisário-tireóideo. Nesse sistema, o hormônio de liberação da tirotrofina (TRH) – produzido pelo hipotálamo – controla a secreção de TSH pela adenohipófise. O TSH incrementa a atividade geral da tireoide aumentando a decomposição da tireoglobulina e a secreção de hormônio tireóideo pelos folículos na circulação sanguínea; por ativação da bomba de iodo (aumentando a atividade do NIS); por aumento da oxidação do iodo e de seu acoplamento à tirosina; e ampliando a quantidade e o tamanho das células foliculares. O efeito do TSH na secreção dos hormônios tireóideos ocorre dentro de cerca de 30 min, mas os outros efeitos demoram dias ou semanas. Os níveis altos de hormônio tireóideo atuam na inibição do TRH ou do TSH por feedback. As concentrações altas de iodo também reduzem temporariamente (algumas semanas) a atividade da tireoide, provavelmente por inibição direta do TSH na glândula. Exposição ao frio é um dos estímulos mais potentes para o aumento da produção de hormônio tireóideo e provavelmente é mediado pela ação do TRH liberado pelo hipotálamo. Várias reações emocionais também afetam as secreções de TRH e TSH. A secreção dos hormônios tireoidianos depende do iodo circulante sob a forma de iodeto, o qual é captado no polo basal dos tireócitos, que fica em contato com os capilares. O iodo penetra nas células junto com o sódio (bomba de sódio) graças ao simportador NIS (transporte ativo), dirige-se ao polo apical do tireócito e atravessa a membrana celular em direção à luz do folículo mediante ação de um outro transportador, a pendrina. Na luz folicular, o iodo é incorporado à tireoglobulina, também secretada pelos tireócitos, que forma o coloide. A incorporação do iodeto é feita por duas enzimas: tireoperoxidase (TPO), alvo de anticorpos ATPO, e oxidase tireóidea (THOX). Gotículas de coloide fazem percurso inverso: são internalizadas nas células e caminham para o polo basal, onde sofrem ação enzimática que resulta na liberação dos hormônios tireoidianos nos capilares; apenas pequena fração da tireoglobulina é liberada no sangue. Uma vez na corrente sanguínea, os hormônios são ligados a proteínas de transporte (TBG, de thyroxine-binding globulin); 0,02% de T4 circula na forma livre. Regulação da função da tireóide: A tireóide é regulada por mecanismos extratireoidianos, exercidos pelo TSH hipofisário, e por mecanismo intratireoidiano, denominado efeito auto- regulatório, que controlam a síntese, a secreção do HT e a proliferação da célula folicular tireoidiana. Hormônio tireotrófico: O TSH hipofisário é o principal modulador da função tireoidiana. A regulaçãoda secreção de TSH pela hipófise é controlada pelo hormônio hipotalâmico TRH (TSH releasing hormone) e pelo HT, que formam a tríade da alça de feedback negativa. Como outros hormônios hipotalâmicos, o TRH chega à hipófise anterior via sistema porta hipotálamo-hipófise. O TRH interage com receptores específicos da adenohipófise estimulando a secreção de TSH nas células tireotróficas e de prolactina nas células lactotófricas. O TRH é liberado de maneira pulsátil, e a sensibilidade das células tireotróficas em responder ao TRH depende do nível de T4 circulante. Na hipófise e no núcleo paraventricular do hipotálamo a maior parte da T3 intracelular (80%) é formada pela desiodação de T4 pela desiodase 2 na própria célula. Quando a concentração de T4 circulante é baixa, ocorre um aumento no número de receptores de TRH no tireotrofo e consequentemente há síntese e liberação de TSH; o inverso ocorre em situação de alta concentração de HT circulante. A implicação fisiológica decorrente desse fato é que uma queda do T3 plasmático pouco afetará a concentração intracelular de T3 na hipófise e a ocupação dos receptores de HT. Por outro lado, a queda da T4 plasmática diminuirá o aporte nuclear de T3, ativando a transcrição dos genes de TSHα, TSHβ e de TRH. Adicionalmente, uma pequena elevação de T4 circulante é suficiente para bloquear por completo a secreção de TSH, mesmo sob estímulo máximo de altas doses de TRH. Além do TRH e do HT, outras substâncias de origem hipotalâmica regulam a secreção de TSH. A somatostatina hipotalâmica e a dopamina inibem a secreção de TSH, assim como os glicocorticóides e algumas interleucinas. O TSH estimula a célula folicular da tireóide quando interage com um receptor específico, o receptor de TSH (TSHR) localizado na membrana externa do folículo tireoidiano. A ligação de TSH com o domínio aminoterminal extracelular do TSHR estimula várias vias de sinalização intermediada pela proteína G que se encontra associada ao receptor. A GDP ligada à proteína G é substituída por GTP, o que ocasiona a dissociação da subunidade ex da proteína G. A subunidade α da proteína Gs irá ativar a adenililciclase, enquanto a proteína Gq fosforila e ativa a fosfolipase C. A adenililciclase estimula a conversão de ATP para AMPc, que, por sua vez, fosforila e ativa a proteína-quinase A (pKA). Por outro lado, a fosfolipase C estimula a conversão de fosfatidil inositol 4,5- bifosfato (PIP2) para inositol 1,4,5-trifosfato (PI3) e diacilglicerol (DAG), com consequente liberação do Ca2+ do seu estoque intracelular, o que ativa a proteína-quinase C (PKC). Estudos in vitro têm indicado que estas vias de sinalização atuam de maneira seletiva nos diferentes processos atribuídos ao TSH na regulação da célula folicular tireoidiana. Os efeitos do TSH incluem a estimulação nos processos de síntese e secreção do HT e também no crescimento e proliferação celular. Adicionalmente, promove o efluxo do iodo, a iodação da TG e a secreção de HT, estimulando a formação de pseudópodes. Na região promotora dos genes de NIS, TG e TSHR há sítios responsivos à sinalização via AMPc (sítios CRE), que quando ocupados ativam a transcrição destes genes. Por isso, o efeito do TSH na captação do iodo ocorre de forma indireta, isto é, promovendo o aumento da proteína transportadora de iodo (NIS). Luíza Barreto – Medicina 2020.2 O valor do TSH circulante reflete a função tireoidiana, e por isto é utilizado amplamente na prática médica. O TSH sérico tem uma variação conforme a idade, sendo importante ressaltar os valores bastante altos no recém-nascido quando comparados aos do adulto. Pequenas modificações do T4 livre plasmático alteram rapidamente os valores do TSH; assim, seu nível elevado é um potente indicador da hipofunção tireoidiana. O TSH é um potente estimulador do crescimento da tireóide. O tecido tireoidiano tem baixo índice de proliferação, mas o estímulo sustentado do TSHR aumenta o tamanho da célula folicular e o índice de proliferação celular, com consequente aumento global da glândula. Mutação no gene do TSHR que ativa o receptor constitutivamente, independente da ligação com o TSH, aumenta tanto a função tireoidiana quanto a proliferação, com consequente quadro de hipertireoidismo e bócio. Autorregulação da tireóide: O iodo, além de ser um elemento essencial na composição do HT, também influencia diversos aspectos da função e crescimento da tireóide por processo denominado mecanismo autorregulatório. Neste processo, a hormoniogênese da glândula é controlada conforme a disponibilidade de iodo na célula, mas de maneira independente do TSH. O mecanismo autorregulatório procura manter um equilíbrio fino do estoque de HT na glândula. Em um estado de deficiência do iodo, o transporte de iodo é aumentado, e em casos de maior disponibilidade de iodo ocorre o oposto. 1.3 AUTOIMUNIDADE O hipotireoidismo autoimune pode estar associado a bócio (tireoidite com bócio ou de Hashimoto) ou, nos estágios subsequentes da doença, há um tecido tireoidiano residual mínimo (tireoidite atrófica). Como o processo autoimune reduz gradualmente a função tireoidiana, existe uma fase de compensação quando os níveis normais de hormônios tireoidianos são mantidos por elevação no TSH. Embora alguns pacientes possam apresentar sintomas menores, esse estado é denominado hipotireoidismo subclínico. A seguir, os níveis de T4 livre caem, e os níveis de TSH sobem ainda mais; os sintomas tornam-se mais prontamente evidentes em tal estágio (em geral, TSH > 10 mUI/L), que recebe a designação de hipotireoidismo clínico ou hipotireoidismo franco. Na doença autoimune da tireóide, o organismo sintetiza imunoglobulinas que se ligam ao TSHR e estes anticorpos podem: 1) ser estimuladores, ocasionando hiperfunção e quadro clínico de hipertireoidismo, ou 2) ocupar o TSHR sem gerar sinalização e ocasionar hipofunção da glândula tireóide e hipotireoidismo no paciente. A causa mais comum de hipotireoidismo primário nos países desenvolvidos é a tireoidite autoimune (ou de Hashimoto), uma condição na qual a alteração da imunidade mediada pelas células T provoca a destruição do tecido tireoidiano e o comprometimento da função glandular. A condição se caracteriza pelo infiltrado linfocítico e pela fibrose. Os anticorpos anti-tireoidianos circulantes dirigidos contra a peroxidase e a tireoglobulina tireoidianas constituem marcadores da doença, mas a inflamação glandular é, principalmente, o resultado da alteração da função mediada pelas células T. Existe predisposição genérica para a condição. Estudos associados sugerem uma base poligênica. Pacientes com tireoidite autoimune podem apresentar outros distúrbios autoimunes endócrinos e não endócrinos. Pode ser um componente de síndrome poliglandular auto imune do tipo 2 associado à insuficiência suprarrenal autoimune e diabetes melito tipo 1. É menos comum um componente de síndrome do tipo 1, que inclui insuficiência suprarrenal, hipoparatieroidismo, e candidíase mucocutânea crônica associadas à tireoidite auto imune incluem gastrite atrófica, anemia perniciosa, esclerose sistêmica, síndrome de Sjögren, doença celíaca e vitiligo. Indivíduos tratados com a-interferon podem desenvolver tireoidite auto imune com hipotireoidismo transitório ou permanente. A tireoidite auto imune produz, tipicamente, um bócio discreto como resultado da infiltração glandular com linfócitos, alterações inflamatórias nos tireócitos e fibrose. O estado hipotireoidiano provocado pela tireoidite auto imune resulta em um TSH aumentado que estimula ainda mais o aumento da tireoide. A doença de Graves se caracteriza por um aumento difuso da tireoide devido à ação de imunoglobulinas estimuladoras. Doença de Graves: Doença de Graves é uma doença autoimune, que gerauma anomalia no funcionamento da glândula tireóide. Também é a única forma de hipertireoidismo que apresenta como sintoma irritação nos olhos e pálpebras, além das manifestações mais comuns. A causa é incerta, mas acredita-se que os anticorpos estimulam uma produção de hormônios tireoidianos. Pode ser diagnosticado pelo aumento de volume da tireóide e pelo excesso de hormônios produzidos pela glândula no sangue. A DG é um distúrbio autoimune cujo principal sítio antigênico é o receptor do TSH (TSHR). O hipertireoidismo se origina da produção pelos linfócitos B de anticorpos contra o TSHR (TRAb). Tais anticorpos se ligam ao TSHR e ativam complexos de sinalização das proteínas GsA e Gq, o que, em última análise, resulta em crescimento da tireoide, aumento de sua vascularização e incremento da taxa de produção e secreção dos hormônios tireoidiano. Ao se ligarem ao receptor do TSH, os TRAb vão estimular a síntese e a liberação dos hormônios tireoidianos (T3 e T4), que, por sua vez, exercem retroalimentação negativa sobre a hipófise, mas não sobre os TRAb. Como consequência, surgirá elevação do T3 e T4, associada à supressão do TSH. Patologia: A doença de Graves se caracteriza por uma ruptura da autotolerância aos autoantígenos tireoidianos, dos quais o mais importante é o receptor do TSH. O resultado é a produção de múltiplos autoanticorpos, incluindo: • Imunoglobulina estimuladora da tireoide: Um anticorpo IgG que se liga ao receptor do TSH e simula a ação do TSH, estimulando a adenil ciclase, com o resultante aumento da liberação de hormônios tireoidianos. Quase todas as pessoas com doença de Graves possuem quantidades detectáveis desse autoanticorpo, que é relativamente específico para a doença de Graves. • Imunoglobulinas estimulantes do crescimento tireoidiano: Também dirigidas contra o receptor do TSH, esses anticorpos foram implicados na proliferação do epitélio folicular tireoidiano. • Imunoglobulinas inibidoras de ligação do TSH: Esses anticorpos antirreceptores do TSH impedem que o TSH se ligue ao seu receptor nas células epiteliais tireoidianas, desse modo inibindo de fato a função celular tireoidiana. A coexistência de imunoglobulinas estimulatórias e inibitórias no soro do mesmo paciente não é rara — um http://tireoide.org.br/noticias/doenca-de-graves/ http://tireoide.org.br/noticias/hipertireoidismo-sintomas/ Luíza Barreto – Medicina 2020.2 achado que pode explicar por que alguns pacientes com a doença de Graves desenvolvem espontaneamente episódios de hipotireoidismo. Um fenômeno autoimune mediado pelas células T também está envolvido no desenvolvimento da oftalmopatia infiltrativa característica da doença de Graves. Na oftalmopatia de Graves, o volume dos tecidos conjuntivos retro-orbitários e dos músculos extraoculares está aumentado como resultado de diversas causas, incluindo (1) acentuada infiltração do espaço retro-orbital por células mononucleares, predominantemente células T; (2) edema inflamatório e intumescimento dos músculos extraoculares; (3) acúmulo de componentes da matriz extracelular, especificamente glicosaminoglicanos hidrofílicos como o ácido hialurônico e o sulfato de condroitina; e (4) aumento do número de adipócitos (infiltrado gorduroso). Essas alterações deslocam o globo ocular para a frente, interferindo potencialmente na função dos músculos extraoculares. Tireoidite de Hashimoto: É uma doença autoimune na qual os anticorpos produzidos pelo organismo acabam atacando as células tireoidianas e destruindo-as. É a causa mais frequente do hipotireoidismo. Não se sabe ao certo a causa para a Tireoidite de Hashimoto. Existem fatores genéticos, já que há uma herança de pré-disposição ao desenvolvimento de doenças autoimunes, mas esse desenvolvimento acontece devido a elementos desencadeantes, como por exemplo o excesso de iodo, que pode lesionar as células tireoidianas. Essas células rompem quando estão expostas a uma quantidade grande dessa substância; além disso, o iodo pode levar a modificação de algumas proteínas da tireoide, que passam a não serem reconhecidas pelo sistema imunológico e atacadas. Alimentos que podem causar bócios, as chamadas substâncias bociogênicas, também podem contribuir para o desenvolvimento da Tireoidite de Hashimoto. Essas substâncias são encontradas na soja, por exemplo, e em grandes quantidades interferem na produção de hormônios tireoidianos e na sua ação no organismo. A doença ocorre, principalmente, em mulheres, sendo de cinco a oito vezes mais frequentes neste público do que em homens. Esse fato pode estar relacionado à herança genética ou a ação de hormônios sexuais na detoxificação de algumas substâncias (retirar algumas dessas substâncias tóxicas do organismo) que podem causar lesões às células tireoidianas. O aumento da idade aumenta o fator de risco, apesar de que crianças também podem desenvolver a doença. Por ano, apenas cerca de 3% a 5% dos indivíduos com anticorpos positivos desenvolve uma lesão na tireoide tão extensa para apresentar hipotireoidismo. Isso acontece, pois a nossa glândula tireoide tem muita reserva funcional e, mesmo sendo atacada, ela supre as necessidades do organismo em termos de produção de hormônios tireoidianos. Só na fase avançada da doença é que o paciente apresenta hipotireoidismo manifesto, com sintomas, mas isso pode levar anos. O diagnóstico da Tireoidite de Hashimoto normalmente é feito de forma precoce, ainda na fase de hipotireoidismo subclínico. Isso porque é feita a dosagem do TSH, que é um exame muito sensível. Os pacientes que têm anticorpos antitireoide, principalmente o antitireoperoxidase e o antitireoglobulina (dois anticorpos que são dosados elevados) precisam fazer uma dosagem de TSH. É a partir da análise deste exame que é possível saber se os pacientes apresentam eutireoidismo, hipotireoidismo subclínico ou se já estão avançando para a fase de hipotireoidismo clínico. Além da dosagem de TSH, a ultrassonografia também é um importante exame para se chegar ao diagnóstico, para observar as alterações causadas pelas lesões das células produzidas pelos auto-anticorpos. O tratamento é a reposição do hormônio que a glândula deixou de produzir. O paciente passa a tomar levotiroxina, que é o próprio T4 que deveria estar sendo produzido pelo organismo, na quantidade necessária. A dosagem do hormônio varia de acordo com a necessidade do paciente e suas características (sexo, idade, peso). Patologia: A tireoidite de Hashimoto é uma doença autoimune caracterizada pela destruição progressiva do parênquima tireoidiano, alteração de células de Hürthle e infiltrados mononucleares (linfoplasmocitários), com ou sem fibrose extensa. Mecanismos autoimunes múltiplos são responsáveis pela doença, incluindo citotoxicidade mediada pelas células T CD8 +, citocinas (IFN-g) e anticorpos antitireoidianos. BÓCIO Bócio é um aumento do tamanho da glândula tireoide. Isso pode ocorrer nos estados de hipotireoidismo, eutireoidismo e hipertireoidismo. Os bócios podem ser difusos e envolver toda a glândula sem sinal de nódulos, ou podem conter nódulos. Em geral, os bócios difusos tornam-se nodulares. Os bócios podem ser tóxicos e causar sinais de hipertireoidismo extremo (ou tireotoxicose), ou podem ser atóxicos. Os bócios atóxicos difusos e multinodulares são causados pela hipertrofia e hiperplasia compensatórias do epitélio folicular em razão de algum distúrbio que reduza a produção de hormônio tireóideo. O grau de crescimento da tireoide geralmente é proporcional à gravidade e à duração da deficiência glandular. Os bócios multinodulares causam crescimentos mais acentuados da tireoide. Quando alcançam dimensões expressivas, esses bócios podem comprimir o esôfago e a traqueia, causando dificuldade de deglutir, sensação de asfixiae estridor inspiratório. Além disso, esses bócios podem comprimir a veia cava superior e causar distensão das veias do pescoço e dos membros superiores, edema das pálpebras e conjuntivas e síncope durante os episódios de tosse. Em todo o mundo a deficiência dietética de iodo representa a causa mais comum de bócio. Os pacientes mais jovens se apresentam com bócios difusos ou simples que diminuem em resposta à suplementação adequada de iodo. Nos indivíduos mais velhos, os bócios por deficiência de iodo se tornam multinodulares e não diminuem de tamanho com a repleção de iodo. O excesso de exposição ao iodo pode provocar tireotoxicose nesses pacientes. O bócio multinodular benigno e adenoma podem ser o resultado de defeitos genéticos que levam a uma disormoniogênese que inclui mutações na tireoglobulina, na peroxidase tireoidiana, oxidase dupla e nos genes da pendrina. Semelhantemente, a exposição a substâncias bociogênicas em gêneros alimentícios, água ou medicamentos (p. ex., carbonato de lítio) que inibem as etapas normais da síntese hormonal tireoidiana podem levar ao bócio. Na maioria dos pacientes, a causa subjacente é desconhecida. Quando a tireoide fica submetida por longo tempo a baixa disponibilidade de iodo e passa a sintetizar hormônios em quantidade inferior às exigências do organismo, entra em funcionamento um importante mecanismo adaptativo. No Luíza Barreto – Medicina 2020.2 caso, as células foliculares passam a receber estímulo do TSH maior do que o habitual, estabelecendo-se resposta inicialmente hipertrófica e, depois, hiperplásica, na tentativa de fornecer ao organismo a quantidade necessária de hormônios para suas necessidades metabólicas. A longo prazo, as células foliculares não respondem mais aos estímulos hormonais e não mais sintetizam T3 e T4, ao passo que continuam a produzir tireoglobulina, a qual se acumula nos folículos e causa dilatação destes. Desse modo, a glândula torna-se total ou parcialmente hipofuncionante e aumenta de volume (bócio). O bócio desenvolve-se em três etapas. A primeira é a de hiperplasia difusa ou estágio hiperplásico. A tireoide aumenta uniformemente de volume e fica mais vascularizada, tentando captar maior quantidade de iodo; o epitélio folicular torna-se alto e os folículos são numerosos, mas em geral pequenos, com coloide escasso, pouco acidófilo, por vezes vacuolizado. Em geral, a alteração coincide com a puberdade, quando, de modo quase explosivo, o organismo necessita de maior quantidade de hormônios tireoidianos (chama-se bócio juvenil, habitualmente encontrado em adolescentes do gênero feminino). O segundo estágio é o de acúmulo de coloide nos folículos, os quais se distendem e aumentam de volume, às vezes atingindo grandes dimensões. O epitélio folicular diminui de altura, torna-se cúbico e, depois, achata-se. O coloide é muito abundante, intensamente eosinófilo, denso, vítreo e, com frequência, com fendas. Em conjunto, a glândula apresenta escassos sinais de atividade, limitada a pequenas áreas em que ainda persiste a hiperplasia. A maioria dos folículos distendidos não capta iodo radioativo e não sintetiza hormônios. Ao exame macroscópico, a tireoide aparece aumentada uniformemente de volume, com a superfície seca pela diminuição da vascularização, sendo brilhante e translúcida pela abundância de coloide espesso. Se a causa persiste por longo tempo, na terceira fase da doença surgem os nódulos, que são formados por grupos de folículos hiperdistendidos, desprovidos de função, podendo cada folículo alcançar o diâmetro de centenas de micrômetros ou de quase 1 cm; os nódulos podem ter vários centímetros de diâmetro e são alternados com outros ou com partes do parênquima menos involuídas, ou com áreas microfoliculares, ou ainda com discreta hiperplasia folicular. Em consequência da distensão dos folículos, os vasos ficam comprimidos, resultando em áreas de infarto ou de hemorragia, onde podem se formar pseudocistos, fibrose, hialinização, depósitos de hemossiderina e calcificação. A tireoide torna-se bastante aumentada de volume, bem mais pesada, podendo chegar a 2.000 g ou mais, embora habitualmente fique entre 200 e 600 g. A glândula apresenta consistência dura, estrutura assimétrica e superfície bocelada. Aos cortes, evidenciam-se ora zonas translúcidas, ora compactas, ao lado de cistos de conteúdo coloide ou sanguíneo, envolvidos por traves fibrosas, de diâmetros variáveis, e focos de calcificação ou de ossificação. Exame clínico: O primeiro passo na avaliação de um bócio é confirmar se o crescimento representa aumento da tireoide. O excesso de pele e de gordura subcutânea no pescoço anterior confunde-se com uma tireoide aumentada. Estes achados podem ser distinguidos do verdadeiro aumento da tireoide através da palpação de uma tireoide normal sob o enganoso tecido macio e pela observação de que aquela massa não sobe e desce com a deglutição. A ultrassonografia ajuda a resolver a incerteza. O histórico do paciente pode fornecer importantes indícios da causa subjacente. Uma história da infância pode confirmar uma deficiência prévia de iodo. Os sintomas de hipotireoidismo sugerem uma tireoidite autoimune, enquanto a evidência clínica de tireotoxicose pode sugerir doença de Graves ou um bócio multinodular. Os achados clínicos podem levar à identificação de uma das diversas formas de tireoidite (p. ex., dor na tireoidite subaguda ou puerpério na tireoidite linfocítica). Sintomas sugerindo a invasão de estruturas adjacentes podem levantar preocupações relativas a doenças malignas ou à tireoidite de Riedel. O exame meticuloso da tireoide é informativo. O aumento difuso favorece uma das formas de tireoidite, doença de Graves, ou uma neoplasia difusamente infiltrativa. O aumento nodular provavelmente reflete um bócio multinodular benigno ou uma neoplasia maligna. O tamanho preciso da glândula deve ser documentado. Disfonia, desvio traqueal, linfadenopatia cervical e ingurgitamento venoso no pescoço devem ser observados. A obstrução subtotal da abertura torácica pode ser revelada fazendo com que o paciente eleve as mãos juntas acima da cabeça (manobra de Pemberton) enquanto são verificados os sinais de pletora facial e distensão venosa cervical. Obs: Bócio detectado nos primeiros meses ou anos de vida é indicativo de defeito congênito na síntese dos hormônios tireoidianos. Pode ser, ainda, secundário à tireoidite de Hashimoto (TH) ou à grave deficiência alimentar de iodo. Em adultos, hipotireoidismo com bócio é quase sempre secundário à TH. Hipotireoidismo central cursa sempre sem bócio. O mesmo se aplica aos casos de hipotireoidismo primário decorrente de ectopia, hipoplasia ou aplasia tireoidiana. HIPOTIREOIDISMO O hipotireoidismo é uma síndrome clínica resultante da deficiente produção ou ação dos hormônios tireoidianos, com consequente alentecimento generalizado dos processos metabólicos. Pode ser primário (falência tireoidiana), secundário (causa hipofisária, por deficiência de tireotrofina ou TSH) ou terciário (deficiência hipotalâmica do hormônio liberador da tireotrofina ou TRH). A terminologia hipotireoidismo central é preferível, porque nem sempre é possível distinguirmos entre causas hipofisárias e hipotalâmicas. Apenas em casos muito raros, o hipotireoidismo pode ser decorrente de uma resistência generalizada aos hormônios tireoidianos, causada por mutações nos seus receptores. EPIDEMIOLOGIA: O hipotireoidismo primário (HTP) é uma doença muito prevalente em todo o mundo. Pode ser endêmica em regiões com deficiência de iodo, mas também é uma doença comum em áreas iodorrepletas, conforme mostrado em uma série de testes de base populacional. O hipotireoidismo primário é mais comum na raça branca e responde por 95% do total de casos. Em recente levantamentofeito no Rio de Janeiro, a prevalência de HTP (clínico e subclínico) variou de 9,4% em mulheres com 35 a 44 anos de idade a 19,1% naquelas com 75 anos de idade ou Luíza Barreto – Medicina 2020.2 mais (média de 10,3%). Bem menos comum é o hipotireoidismo central, cuja prevalência estimada é de 0,005% na população em geral. Resistência aos hormônios tireoidianos é ainda mais rara, com cerca de 1.000 casos descritos na literatura. O hipotireoidismo congênito ocorre em 1 em cada 4.000 a 5.000 recém-nascidos. ETIOLOGIA: A frequência das diversas causas de HTP é variável e depende de fatores dietéticos e geográficos – como quantidade de iodo alimentar, ingestão de bocígenos alimentares, características genéticas da população etc. – e da faixa etária dos pacientes (se adultos ou crianças). A tireoidite de Hashimoto (TH) é a causa mais comum de hipotireoidismo. A doença de Graves pode, também, ter essa doença como estágio final, devido à agressão glandular pelo processo autoimune. Da mesma maneira, pacientes com hipertireoidismo autoimune podem evoluir para hipotireoidismo e vice-versa, em função de mudanças no tipo predominante de anticorpos contra receptor do TSH (de estimuladores para bloqueadores). As tireoidites subagudas (granulomatosa, linfocítica e pós parto) com frequência levam ao hipotireoidismo, que nesse caso é transitório na grande maioria das vezes. Cerca de 20 a 30% das mulheres com tireoidite pós-parto desenvolverão HTP após 5 anos (risco maior naquelas com altos títulos de anticorpos antiperoxidase). O hipotireoidismo ocorre também em 30 a 40% dos pacientes com tireoidite de Riedel, resultado da substituição do tecido tireoidiano por tecido fibroso. Algumas vezes, o hipotireoidismo é decorrente de doenças infiltrativas, como hemocromatose, sarcoidose, esclerose sistêmica progressiva, amiloidose ou cistinose. O câncer da tireoide não costuma causar hipotireoidismo. O hipotireoidismo também pode ser causado pelo tratamento do hipertireoidismo, ou até mesmo mais tardiamente pela tireoidectomia subtotal. A ingestão de iodo em quantidade excessiva, medicamentos ricos em iodo (amiodarona, contrastes radiológicos) ou carbonato de lítio também podem causar hipotireoidismo. O uso do alfainterferon e da interleucina 2 para o tratamento de tumores malignos ou da hepatite B ou C pode resultar em tireoidite indolor e hipotireoidismo (em 5 a 20% dos pacientes). O uso dos inibidores da tirosinoquinase sunitinibe e sorafenibe (usados no tratamento de tumores gastrintestinais e carcinoma renal) resulta em hipotireoidismo em uma alta proporção de pacientes. Hipotireoidismo primário pode, ainda, ser decorrente de radioterapia externa da cabeça e do pescoço. É bastante comum (25 a 50%) após a irradiação de linfomas de Hodgkin e não Hodgkin, sobretudo quando a tireoide não foi protegida e quando contrastes radiológicos contendo iodo foram usados antes da radioterapia. Etiologia em crianças: A tireoidite de Hashimoto (TH) constitui a etiologia mais comum de hipotireoidismo e bócio atóxico adquiridos em crianças e adolescentes. A doença é rara antes dos 4 anos de idade, mas pode se manifestar bem antes. A incidência da TH é maior em meninas (4 a 8:1). Em regiões endêmicas para baixa ingestão de iodo, esta constitui a causa mais comum de hipotireoidismo em crianças. O hipotireoidismo secundário costuma ser diagnosticado no contexto de outras deficiências dos hormônios da adenohipófise; a deficiência isolada de TSH é muito rara. Os níveis de TSH podem estar baixos, normais ou mesmo levemente aumentados no hipotireoidismo secundário; o último evento é decorrente da secreção de formas imunoativas, porém bioinativas, de TSH. O diagnóstico é confirmado pela detecção de um baixo nível de T4 livre. A meta do tratamento consiste em manter níveis de T4 na metade superior da faixa de referência, visto que os níveis de TSH não podem ser usados para monitorar a terapia. HIPOTIREOIDISMO CONGÊNITO: O hipotireoidismo ocorre em cerca de 1 em 4.000 recém-nascidos. Pode ser transitório, especialmente quando a mãe possui anticorpos bloqueadores de TSH-R ou se recebeu drogas antitireoidianas, porém o hipotireoidismo permanente ocorre na maioria deles. O hipotireoidismo neonatal é devido à disgenesia da glândula tireoide em 80 a 85% dos casos, a erros inatos da síntese dos hormônios tireoidianos em 10 a 15% dos casos e mediado por anticorpos contra o TSH-R em 5% dos recém-nascidos afetados. As anormalidades de desenvolvimento são duas vezes mais comuns em meninas. As mutações que causam hipotireoidismo congênito estão sendo identificadas com frequência cada vez maior, porém a maioria dos casos continua sendo idiopática. A maioria dos lactentes parece normal por ocasião do nascimento, e menos de 10% são diagnosticados com base nas características clínicas, que incluem icterícia prolongada, problemas alimentares, hipotonia, língua aumentada de volume, maturação óssea ativada e hérnia umbilical. Ainda mais importante, se o tratamento for retardado, o resultado será um dano neurológico permanente. Além disso, pode-se observar a presença das manifestações típicas do hipotireoidismo adulto. Outras malformações congênitas, especialmente cardíacas, são quatro vezes mais comuns no hipotireoidismo congênito. Tendo em vista as graves consequências neurológicas do hipotireoidismo congênito não tratado, foram estabelecidos programas de triagem neonatal. Em geral, baseiam-se na determinação dos níveis de TSH ou de T4 em amostras de sangue obtidas por punção do calcanhar. Quando o diagnóstico é confirmado, a T4 é administrada na posologia de 10 a 15 µg/kg/dia, sendo a dose ajustada pelo monitoramento cuidadoso dos níveis de TSH. As necessidades de T4 são relativamente grandes durante o primeiro ano de vida, e um nível circulante elevado de T4 costuma ser necessário para normalizar o TSH. O tratamento precoce com T4 resulta em níveis normais de QI, porém anormalidades neurodesenvolvimentais podem ocorrer naqueles com hipotireoidismo mais grave ao diagnóstico ou quando o tratamento é protelado ou não ideal. QUADRO CLÍNICO: O hipotireoidismo tem como manifestações mais marcantes: astenia, sonolência, intolerância ao frio, pele seca e descamativa, voz arrastada, hiporreflexia profunda, edema facial, anemia e bradicardia. A síndrome compromete o organismo de maneira global, por isso a riqueza da sintomatologia com a qual a síndrome pode expressar-se. Entretanto, muitos pacientes são assintomáticos ou oligossintomáticos, sobretudo aqueles com doença menos intensa ou de duração não prolongada. Em casos eventuais, os pacientes podem se apresentar apenas com parestesias em braços e pernas. A expressão plena do hipotireoidismo é conhecida como mixedema. Como 10 a 15% da função tireoidiana não depende do TSH, pacientes com hipotireoidismo central tendem a ter menor riqueza de sintomas. Alterações metabólicas: A alteração lipídica mais característica do hipotireoidismo é a elevação do colesterol LDL, a qual pode vir isolada ou associada à hipertrigliceridemia. O colesterol HDL encontra-se inalterado ou um pouco baixo. O aumento do colesterol LDL resulta da Luíza Barreto – Medicina 2020.2 diminuição T3-dependente da expressão do gene do receptor hepático de LDL. As partículas LDL dos hipotireóideos parecem ser mais suscetíveis à oxidação, o que potencialmente as torna mais aterogênicas. Lipemia pós- prandial é mais comum em hipotireóideos do que em controles. Outros fatores de risco cardiovascular em geral encontrados nessa população são elevação de proteína C reativa ultrassensível, homocisteína e lipoproteína(a). Elevação de transaminases, creatinoquinase e desidrogenase láctica pode também acontece. Alterações endócrinas: Hiperprolactinemia (presente em 30 a 40% doscasos e decorrente de aumento do TRH, bem como da diminuição do tônus dopaminérgico), redução nos níveis de IGF-1 e IGFBP3 (por diminuição da secreção de GH, resultante do aumento no tônus somatostatinérgico), hiporresponsividade do GH aos testes de estímulo. Alterações neurológicas, oftalmológicas e psiquiátricas: Entre as alterações neurológicas, a mais grave é o coma mixedematoso. Manifestações mais comuns são cefaleia, tonturas, zumbido no ouvido, astenia, adinamia, fala lenta ou arrastada, hiporreflexia profunda, alterações vestibulares, déficits cognitivos, distúrbios visuais, deficiência auditiva, parestesias, etc. Em casos raros, os pacientes mostram-se com um quadro de agitação intensa (loucura mixedematosa). Sintomas psicóticos podem ocorrer nos casos não tratados ou, muito raro, quando se inicia o tratamento. Pode acontecer depressão, psicoses esquizoides ou afetivas, distúrbios bipolares ou demência. Em estudos recentes, constatou-se risco aumentado para glaucoma no hipotireoidismo. Alterações de pele e fâneros: Pele seca, descamativa e áspera, que pode ficar amarelada devido ao acúmulo de caroteno. Cabelos secos e quebradiços, queda de cabelos, fragilidade ungueal, rarefação do terço distal das sobrancelhas (madarose) e edema facial são outros achados comuns. Também podem ser encontrados edema de membros inferiores ou generalizado, bem como lenta cicatrização de feridas e ulcerações. Alterações no sistema cardiovascular: Bradicardia (a despeito da anemia), redução do débito cardíaco, hipofonese das bulhas cardíacas, baixa voltagem do QRS e alterações inespecíficas do ST-T são manifestações mais características do hipotireoidismo de longa duração, não tratado. Cardiomegalia, sobretudo por derrame pericárdico, pode também estar presente. Essas manifestações em geral revertem com o tratamento. Hipotireóideos apresentam, ainda, maior risco para doença arterial coronariana aterosclerótica. Alterações no sistema digestivo: Anorexia, constipação intestinal e distensão gasosa são as manifestações mais comuns. As duas últimas resultam de menor ingestão alimentar, retardo no esvaziamento gástrico e alentecimento do trânsito intestinal. Algumas vezes, grave retenção fecal ou íleo paralítico podem acontecer. Megacólon pode ser constatado por exames radiológico. Completa acloridria acontece em 50% dos pacientes. Macroglossia é uma manifestação tardia do hipotireoidismo não tratado, e ascite mixedematosa é rara. Em estudos atuais, foi relatado que a doença hepática gordurosa não alcoólica (esteatose e esteato-hepatite) é mais frequente entre hipotireóideos do que na população em geral. Alterações no sistema respiratório: O hipotireoidismo pode cursar com respirações lentas e rasas, bem como respostas ventilatórias alteradas à hipercapnia ou hipóxia. Ocorre dispneia em cerca de 50% dos pacientes. Pode haver também derrame pleural, bem como apneia do sono obstrutiva. É comum insuficiência respiratória em pacientes com coma mixedematoso. Alterações no sistema musculoesquelético: Pacientes com hipotireoidismo podem se apresentar com fadiga muscular generalizada, mialgias e cãibras. Artralgias, derrames articulares, síndrome do túnel do carpo e pseudogota também podem ocorrer. Em geral, não se observa alteração dos níveis séricos do cálcio e do fosfato, nem da densidade mineral óssea. Entretanto, há evidências de redução da remodelação óssea e de resistência à ação do paratormônio. Alterações renais: No hipotireoidismo, pode haver diminuição do fluxo sanguíneo renal e da taxa de filtração glomerular, em função de redução do débito cardíaco e do volume sanguíneo. Como consequência, ocorre elevação dos níveis séricos de creatinina, ácido úrico e magnésio. Além disso, proteinúria discreta se faz presente, muitas vezes secundária à insuficiência cardíaca ou a um aumento da transudação capilar de proteínas. Hipocalcemia leve é encontrada em alguns pacientes. Alterações no sistema reprodutivo: Em mulheres, o hipotireoidismo acompanha-se de irregularidades menstruais (oligomenorreia, amenorreia primária ou secundária e, sobretudo, menorragia), anovulação e infertilidade. Em homens, podem ser observadas redução da libido, disfunção erétil e oligospermia. Alterações no sistema hematopoiético: Anemia leve a moderada é um achado comum, com frequência bem variável (32 a 84%). A anemia causada pelo hipotireoidismo per se pode ser normocítica ou macrocítica e responde à reposição de L-tiroxina. Anemia hipocrômica e microcítica pode também ocorrer, caso surja deficiência de ferro, secundária à menorragia. A anemia macrocítica também resulta de absorção deficiente de vitamina B12, que pode ser multifatorial: diminuição do fator intrínseco, redução da produção renal de eritropoetina ou associação à anemia perniciosa (vista em até 14% dos pacientes e decorrente da presença de anticorpos contra as células parietais da mucosa gástrica). Nesses casos, a administração parenteral de vitamina B12 se faz necessária. Obs: Mixedema, ou edema mucoide, consiste no acúmulo, na derme e nos demais tecidos conjuntivos, de glicosaminoglicanos hidrofílicos, especialmente ácido hialurônico. Com isso, as fibras e os feixes colágenos ficam afastados uns dos outros e, muitas vezes, intumescidos e fragmentados. Na derme, ocasionalmente a população de mastócitos está aumentada. Os anexos cutâneos tornam-se hipotróficos. Com frequência, o mixedema acompanha-se de derrames nas cavidades serosas. A pele mostra-se espessada (pseudoedematosa), seca, pálida, fria, especialmente na face, no pescoço, na região supraclavicular, no dorso das mãos e nos pés. Mixedema da língua e das pregas vocais provoca seu aumento volumétrico; a língua pode fazer protrusão na boca e a voz enrouquece. O mixedema compromete em especial o coração, intestinos, Luíza Barreto – Medicina 2020.2 músculos esqueléticos, vias respiratórias superiores e nervos periféricos. DIAGNÓSTICO LABORATORIAL: Hipotireoidismo primário: As alterações clássicas são: TSH elevado e níveis baixos de T4 livre (FT4) e T3. De início, observa- se apenas elevação do TSH, caracterizando o hipotireoidismo subclínico; a seguir, reduzem-se o T4 e, em uma fase posterior, o T3. Pode haver, também, secreção preferencial de T3, de modo que, em pelo menos um terço dos hipotireóideos, os níveis de T3 estão normais. Por essa razão, diante da suspeita de hipotireoidismo, a dosagem de T3 sérico torna-se desnecessária, já que a redução de seus níveis séricos sempre sucede a redução do T4. É importante notar que os níveis de TSH tendem a se elevar com a idade. Nos dias atuais, acredita-se que o valor de corte (cut-off) do TSH para o diagnóstico do hipotireoidismo primário fora do período da gestação deva ser: • Até os 65 anos → 4,5 mUI/L • De 65 a 75 anos → 6 mUI/L • 75 anos → 10 mUI/L Hipotireoidismo central: O HTC caracteriza-se por níveis séricos de FT4 baixos, enquanto aqueles do TSH podem estar normais, baixos ou, até mesmo, um pouco elevados (em geral < 10 mUI/L). Trata-se, contudo, de TSH com reduzida bioatividade intrínseca, em função do aumento do conteúdo de ácido siálico no hormônio. Teste do TRH: Na maioria dos casos, esse exame deixou de ser utilizado após o surgimento dos ensaios ultrassensíveis para o TSH. Consiste na dosagem do TSH basal e 30 e 60 min após a injeção de TRH. Sua utilidade maior seria na distinção entre hipotireoidismo de origem hipofisária ou hipotalâmica. O HTC se caracteriza por ausência de resposta do TSH ao TRH nas patologias hipofisárias e pico tardio – ou seja, após 45 min – ou resposta ausente no hipotireoidismo terciário. No hipotireoidismo primário, observa-se resposta exagerada do TSH 30 a 45 min após a injeção de TRH (pico > 20 mUI/L em homens; e > 30 mUI/L em mulheres). Entretanto,a resposta do TSH ao TRH exógeno em casos de HTC é, em geral, pouco informativa para o diagnóstico, podendo estar em quantidade normal, reduzida ou exagerada, ou apenas deslocada no tempo (prolongada ou retardada). Resposta anormal pode também ser observada em indivíduos normais. COMA MIXEDEMATOSO: Trata-se da complicação mais grave do hipotireoidismo, com mortalidade muito elevada (pode chegar a 60% ou mais), mesmo quando as medidas terapêuticas são realizadas em tempo hábil. Ocorre nos casos de hipotireoidismo grave de longa duração não diagnosticados ou naqueles tratados de forma inadequada. TRATAMENTO: O tratamento do hipotireoidismo consiste em geral na administração de levotiroxina ou L-tiroxina (L-T4), em uma dose única diá ria. Existem alguns relatos de benefícios da associação de L-T4 e T3 em pacientes não responsivos à monoterapia com L-T4. 54 Contudo, para a grande maioria dos casos, essa combinação não se faz necessária. A L-tiroxina tem meia-vida de cerca de 7 dias e, assim, deve ser administrada em dose única diária. Pela sua meia-vida prolongada, caso o paciente se esqueça de tomar a medicação um dia, poderá tomar no dia seguinte a dose em dobro. Os pacientes devem ser orientados a tomar a medicação em jejum, pela manhã ou no final da noite. Um estudo mostrou que a administração à noite propiciou normalização mais rápida do TSH, porém a diferença não chegou a ser significativa. Constatou-se, ainda, que a ingestão concomitante de café diminui a absorção da L-T4. RESUMO: O hipotireoidismo é uma doença frequente, resultante da incapacidade da tireoide em secretar quantidades adequadas de T3 e T4. Essa incapacidade pode decorrer de deficiente secreção de TSH, causada por disfunção hipofisária e/ou hipotalâmica (hipotireoidismo central), mas cerca de 95% dos casos são decorrentes de patologia tireoidiana (hipotireoidismo primário). Em nosso meio, a tireoidite de Hashimoto representa a causa mais comum de hipotireoidismo. A apresentação clínica depende da idade, do sexo e das condições físicas do paciente, bem como da intensidade do hipotireoidismo. Os sintomas da doen ça são muitas vezes inespecíficos, e vários pacientes com hipotireoidismo bioquí mico podem ser assintomáticos ou oligossintomáticos. Portanto, a avaliação hormonal (TSH e T4 livre) é imprescindível para a confirmação do diagnóstico. O hipotireoidismo pode implicar efeitos bastante deletérios para vários sistemas e, se não tratado, torna-se uma condição que pode ser fatal. O tratamento consiste na reposição de L- tiroxina que, na grande maioria dos casos, precisa ser mantida de modo indefinido. HIPERTIREOIDISMO A tireotoxicose é o estado hipermetabólico devido à elevação dos níveis circulantes de T3 e T4. Por ser mais comumente provocada pela hiperfunção da glândula tireoide, a tireotoxicose é frequentemente conhecida como hipertireoidismo. Em determinadas condições, contudo, o excesso de oferta está relacionado à liberação excessiva de hormônio tireoidiano pré-formado (p. ex., na tireoidite) ou provém de uma fonte extraordinária, que não a glândula tireoide hiperfracionante. Portanto, falando estritamente, o hipertireoidismo é apenas uma categoria de tireotoxicose Luíza Barreto – Medicina 2020.2 (embora a mais comum) → Hipertireoidismo é o termo que define hiperfunção da tireoide; tireotoxicose refere-se a sinais e sintomas resultantes da elevação de hormônios tireoidianos séricos circulantes. Resumo: O hipertireoidismo é caracterizado pelo aumento da síntese e liberação dos hormônios tireoidianos pela glândula tireoide. A tireotoxicose refere-se à síndrome clínica decorrente do excesso de hormônios tireoidianos circulantes, secundário ao hipertireoidismo ou não. O termo hipertireoidismo refere-se ao aumento da síntese e liberação dos hormônios tireoidianos pela glândula tireoide. Tireotoxicose refere-se à síndrome clínica decorrente do excesso de hormônios tireoidianos circulantes, secundário à hiperfunção da glândula tireoide ou não. A tireotoxicose por T3 decorre do aumento isolado dos níveis séricos de T3 e supressão do TSH. As manifestações clínicas da tireotoxicose são verdadeiramente multiformes e incluem alterações pertinentes ao estado hipermetabólico induzido por quantidade excessiva de hormônio tireoidiano, assim como aquelas relacionadas à hiper-reatividade do sistema nervoso simpático: Sintomas constitucionais: A pele das pessoas tireotóxicas tende a ser macia, quente e enrubescida; a intolerância ao calor e a sudorese excessiva são comuns. O aumento da atividade simpática e o hipermetabolismo resultam em perda ponderal a despeito do aumento do apetite. Gastrointestinal: O estímulo do intestino resulta em hipermotilidade, má absorção e diarreia. Cardíaco: As palpitações e a taquicardia são comuns; os idosos podem desenvolver insuficiência cardíaca congestiva como consequência da agravação de doença cardíaca preexistente. Neuromuscular: Os pacientes frequentemente experimentam nervosismo, tremor e irritabilidade. Quase 50% desenvolvem fraqueza muscular proximal (miopatia tireoidiana). Manifestações oculares: Olhar amplo, arregalado, e atraso palpebral (lid lag) estão presentes devido à hiperestimulação simpática do elevador da pálpebra superior. No entanto, a verdadeira oftalmopatia tireoidiana associada à proptose é uma característica somente observada na doença de Graves. Tempestade tireoidiana é a expressão usada para designar o início abrupto de hipertireoidismo grave. Essa condição ocorre mais comumente em pacientes com doença de Graves subjacente, provavelmente resultante de elevação aguda dos níveis de catecolaminas, como pode ser encontrado durante o estresse. A tempestade tireoidiana constitui uma emergência médica: número significante de pacientes não tratados falece devido a arritmias cardíacas. Hipertireoidismo apatético se refere à tireotoxicose que ocorre em idosos, nos quais as características típicas de excesso de hormônio tireoidiano observados em pacientes mais jovens estão embotadas. Nesses pacientes, o diagnóstico é frequentemente feito durante a avaliação laboratorial para perda de peso inexplicada ou do agravamento de uma doença cardíaca. Obs: O desencadeamento do hipertireoidismo pode ocorrer devido ao excesso de iodo que pode estar presente em alguns medicamentos, ao surgimento de nódulos na glândula, ao funcionamento mais acelerado da tireoide ou à ingestão dos hormônios da tireoide. Obs: A causa mais comum de hipertireoidismo é a Doença de Graves, que ocorre quando o sistema imunológico começa a produzir anticorpos que atacam a própria glândula tireoide. ABORDAGEM AO PACIENTE: O paciente com suspeita de tireotoxicose deve ser submetido a anamnese e exame físico cuidadosos, no intuito de buscar o diagnóstico e estabelecer sua etiologia. O tempo de início dos sintomas, uso de medicamentos, exposição ao iodo (realização de exames com contraste iodado ou uso de compostos com alto teor de iodo), gestação recente e história familiar de doença autoimune da tireoide devem ser questionados. No exame físico, a determinação do peso corporal, pressão arterial e frequência cardíaca são particularmente importantes. Taquicardia sinusal e hipertensão arterial sistólica são comuns, e a fibrilação atrial pode estar presente, principalmente em idosos. Sinais oculares como retração palpebral, olhar fixo ou assustado e sinal de lid-lag são decorrentes da hiperatividade adrenérgica e podem ser observados em qualquer quadro de tireotoxicose. No entanto, a presença de sinais como hiperemia conjuntival e palpebral, edema palpebral, quemose, paralisia de músculos extraoculares ou exoftalmia são característicos da oftalmopatia da doença de Graves (DG). No quadro de tireotoxicose, a pele geralmente équente e úmida. Tremor fino de extremidades, fraqueza muscular proximal e hiperreflexia são achados frequentes. Dermatopatia infiltrativa (mixedema pré-tibial) é uma manifestação rara da DG. A palpação e ausculta da glândula tireoide permitem avaliar o tamanho, a consistência, a presença de nódulos ou o sopro tireoidiano. Bócio de tamanho variado é geralmente observado na DG e no bócio multinodular tóxico (BMNT). Dor espontânea ou à palpação da tireoide é característica da tireoidite subaguda, enquanto a presença de nódulo único leva à suspeita de adenoma folicular hiperfuncionante. DIAGNÓSTICO: O diagnóstico de hipertireoidismo se baseia nas características clínicas e dados laboratoriais. A dosagem do TSH sérico é o teste de triagem isolado mais útil para o hipertireoidismo, uma vez que os níveis de TSH estão reduzidos mesmo nos estágios iniciais, quando a doença ainda pode ser subclínica. Nos raros casos de hipertireoidismo associado à hipófise ou ao hipotálamo (secundários), os níveis de TSH estão normais ou elevados. Um valor baixo de TSH geralmente está associado a níveis aumentados de T4 livre. Eventualmente, o hipertireoidismo do paciente resulta predominantemente do aumento dos níveis circulantes de T3 Luíza Barreto – Medicina 2020.2 (tireotoxicose por T3). Nesses casos, os níveis de T4 livres podem estar reduzidos, e a dosagem direta do T3 sérico pode ser útil. Uma vez que o diagnóstico da tireotoxicose tenha sido confirmado por uma combinação de exames de TSH e de hormônios tireoidianos livres, a medida da captação de iodo radioativo pela glândula tireoide frequentemente é de grande valor na determinação da etiologia. Por exemplo, essas varreduras podem exibir uma captação difusamente aumentada (em toda a glândula) na doença de Graves, o aumento da captação em um adenoma tóxico ou a redução da captação na tireoidite. EXAME FÍSICO Além do exame da tireoide, o exame físico deve incluir uma busca de possíveis sinais de função tireoidiana anormal, bem como das características extratireoidianas de oftalmopatia e dermopatia. O exame do pescoço deve começar pela inspeção frontal e lateral do paciente sentado, observando quaisquer cicatrizes cirúrgicas, massas óbvias ou veias distendidas. A tireoide pode ser palpada com ambas as mãos por trás ou colocando-se adiante do paciente, utilizando os polegares para palpar cada lobo. É preferível utilizar uma combinação desses métodos, em especial quando os nódulos são pequenos. O pescoço do paciente deve ser flexionado ligeiramente para relaxar seus músculos. Após localizar a cartilagem cricóidea, o istmo, que está fixado ao terço inferior dos lobos da tireoide, pode ser identificado e, em seguida, acompanhado lateralmente para localizar cada lobo (em condições normais, o lobo direito é levemente maior do que o esquerdo). Pedindo-se que o paciente degluta goles de água, a consistência da tireoide pode ser mais bem reconhecida quando a glândula se movimenta por debaixo dos dedos do examinador. Os elementos a serem observados são tamanho, consistência, nodularidade e qualquer hipersensibilidade ou fixação da tireoide. Deve ser feita uma estimativa do tamanho da tireoide (em geral pesa 12 a 20 g), e um desenho constitui com frequência a melhor maneira de registrar os achados. Entretanto, a ultrassonografia é o método de escolha quando é importante determinar com exatidão o tamanho da glândula. O tamanho, a localização e a consistência de quaisquer nódulos também devem ser definidos. Um sopro sobre a glândula, localizado na inserção das artérias tireóideas superior e inferior (súpero ou inferolateralmente), indica vascularização aumentada, como a que ocorre no hipertireoidismo. Se as bordas inferiores dos lobos da tireoide não forem percebidas claramente, pode existir um bócio retroesternal. Os grandes bócios retroesternais podem acarretar distensão venosa no pescoço e dificuldade respiratória, sobretudo quando os braços são erguidos (sinal de Pemberton). Com qualquer massa central acima da tireoide, a língua deve ser colocada em extensão, pois os cistos tireoglossos se deslocam para cima. O exame da tireoide não terá sido completo sem uma avaliação para a possível presença de linfadenopatia nas regiões supraclavicular e cervical do pescoço. TRATAMENTO: O tratamento com betabloqueadores deve ser considerado em pacientes sintomáticos, com suspeita ou diagnóstico de tireotoxicose. Esses medicamentos diminuem a frequência cardíaca, a pressão arterial, os tremores, a labilidade emocional e a intolerância aos exercícios. O betabloqueador não seletivo propranolol é o mais utilizado, com melhora dos movimentos hipercinéticos, tremores finos de extremidades e mãos úmidas, mas também podem ser prescritos betabloqueadores cardiosseletivos (atenolol, metoprolol) ou com meia-vida mais curta (esmolol). A dose oral habitual de propranolol ou atenolol varia de 20 a 80 mg a cada 6 a 12 horas e 50 a 100 mg uma vez ao dia, respectivamente, e deve ser ajustada conforme a resposta clínica. Os bloqueadores de canais de cálcio, verapamil e diltiazem, administrados oralmente, podem ser utilizados nos casos de contraindicação ao uso de betabloqueadores. (Consenso Brasileiro para Diagnóstico e Tratamento do Hipertireoidismo). REFERÊNCIAS: Margarida Aires (Fisiologia); Carol Porth (Fisiopatologia); Endocrinologia Clínica (Lucio Vilar); Cecil (Medicina Interna); Harrison (Medicina Interna); Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia; Patologia Básica (Robbins); Aula de Anatomia; Sanarflix; Patologia (Bogliolo)
Compartilhar