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O Papel do Supremo Tribunal Federal como Intérprete da Constituição - os Limites da Decisão Judicial

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA 
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS 
CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO 
 
 
 
 
 
DANIELLE MEDEIROS 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
O PAPEL DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL COMO INTÉRPRETE DA 
CONSTITUIÇÃO: OS LIMITES DA DECISÃO JUDICIAL 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Florianópolis 
2019 
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA 
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS 
CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO 
 
 
 
 
 
 
O PAPEL DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL COMO INTÉRPRETE DA 
CONSTITUIÇÃO: OS LIMITES DA DECISÃO JUDICIAL 
 
 
 
 
 
 
 
 
Monografia submetida ao Centro de Ciências 
Jurídicas da Universidade Federal de Santa Catarina 
como requisito para obtenção do título de Bacharela 
em Direito. 
 
Orientador: Professor Doutor Matheus Felipe de 
Castro 
 
 
 
 
 
 
 
Florianópolis 
2019 
 
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AGRADECIMENTOS 
 
Antes mesmo de iniciar o presente trabalho, ainda quando estava elaborando o projeto 
de conclusão de curso, o medo de não conseguir completar este desafio tomava conta de mim. 
Nesses momentos, pensava em Deus, e lhe pedia forças para completar minha jornada na 
graduação, sabedoria para lidar com os infortúnios que surgiram no meu caminho e humildade 
para saber tratar as vitórias que angariei sem espera-las. Hoje, ao observar que consegui passar 
por mais uma etapa de minha vida, agradeço por Ele ter ouvido minhas preces, ter cuidado de 
mim nos momentos de fraqueza e me mantido em terra firme nos momentos de glória. 
A graduação é o sonho de todo jovem que almeja um futuro melhor para si e para sua 
família. E ter a oportunidade de cursar uma das melhores Universidades do país é muito mais 
do que a realização de um sonho, mas sim o reconhecimento do esforço e dedicação de várias 
pessoas envolvidas neste processo. No meu caso, de sete pessoas em específico. 
Primeiro, uma jovem de 19 anos, do interior do Estado, que estudou a vida toda em 
escola pública, abdicou de todos os lazeres que podia ter para se dedicar única e exclusivamente 
aos estudos, saia de casa as 17 horas para pegar ônibus, viajava cerca de 83 quilômetros, todos 
os dias, para fazer curso pré-vestibular, e chegava em casa à meia noite, comia algo 
rapidamente, tomava banho e dormia, para no dia seguinte fazer tudo de novo. Até que a 
aprovação veio. E a matrícula não pode ser feita porque os documentos para assumir a vaga 
pelas cotas censitárias não foram aprovados. Mais um ano estudando, dessa vez em casa. Com 
organização, persistência, e um sonho maior do que qualquer outra coisa que pudesse existir, a 
aprovação veio novamente, dessa vez na classificação geral: cursar Direito na Universidade 
Federal de Santa Catarina. À essa jovem, eu agradeço por não ter desistido, mesmo quando tudo 
deu errado, mesmo quando ninguém acreditava que seria capaz de seguir adiante. 
Depois, a primeira pessoa que soube da aprovação: minha avó Amélia. Minha Nona, 
que hoje já não está mais entre nós em pessoa. Toda vez que eu chegava de viagem, ela me 
recebia de braços abertos, sorriso no rosto, e um belo de um café na mesa. Queria poder lhe dar 
uma rosa de homenagem, no dia da formatura, mas não conseguirei, pois a senhora já está em 
outro plano. Ainda assim, sinto sua presença quando estou triste, desanimada ou ansiosa. À 
senhora, Nona, agradeço por ter feito parte dos momentos mais felizes da minha vida, por estar 
comigo até hoje, por nunca ter me abandonado, e por ainda cuidar de mim, de onde quer que 
esteja. 
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Passar cinco anos longe de casa, sozinha, não é tarefa fácil. Mas acredito que passar 
cinco anos longe de sua filha mais nova, sem vê-la todos os dias, sem cuidar dela quando está 
doente, sem conversar sobre o seu dia todos os dias, seja infinitamente mais difícil. Minha mãe, 
Laudania, e meu pai, José, que o digam. Acho que me deixar sozinha em uma cidade 
completamente estranha foi uma das coisas mais difíceis que eles já fizeram. A preocupação 
em saber se cheguei bem em casa, se estou num local seguro, se minha cama é confortável, se 
estou me alimentando direito, se minha saúde está boa. Ser pai e mãe não é para qualquer um. 
Aos meus pais, agradeço por sua dedicação, a vida toda, por me proporcionarem a melhor 
infância, a melhor educação, as maiores experiências de vida, por serem os meus maiores 
exemplos e fonte da minha mais pura admiração. Por terem respeitado meus sonhos, terem 
confiado em minha perseverança e hoje estarem comemorando mais uma vitória comigo. Não 
sei se sou digna de seus orgulhos, mas tudo o que fiz, aquilo que sou e quem desejo me tornar 
sempre teve como razão poder fazer valer a pena todo o sacrifício que se submeteram por mim. 
Por falar em orgulho, aquele que é o meu maior: ser irmã da pessoa mais iluminada do 
mundo. Com ela não tem tempo ruim, apesar de às vezes ela ser um pouco brava. Mas com 
certeza sem o seu apoio, sem seus puxões de orelha, sem suas palavras nos momentos mais 
difíceis, sem os seus conselhos, sua sabedoria, sua paciência e também sua dedicação e seu 
sacrifício, nada do que tenho ou sou hoje existiria. À minha irmã, Raquelli, agradeço por ter 
estado sempre do meu lado, me corrigindo quando eu estava errada, mas me defendendo mesmo 
quando às vezes eu nem merecia. Além de nossos pais, sua história de vida me motiva a tentar 
ser pelo menos metade da mulher que é, no aspecto profissional, pessoal ou familiar. Tenho 
muito orgulho de ter crescido ao seu lado, e de continuar crescendo contigo, através de seus 
exemplos e sua paixão pela vida. 
Dos sete mencionados, faltaram dois, que são as minhas joias mais preciosas, os donos 
do meu coração, os quais me ensinaram a ter mais paciência, a ser mais delicada, a encarar a 
vida de forma mais real, mas que também trouxeram mais ternura e fofura para uma pessoa que 
não sabia como expressar seus sentimentos. Meus afilhados, Guilherme e Laura, a vocês 
agradeço por terem trazido mais luz à minha vida, por terem me ensinado a ter mais 
responsabilidade em nossas atitudes, pois podemos ser os exemplos de uma geração, mas 
também por eternamente me lembrarem que a vida não é só feita de momentos de seriedade, 
que às vezes a gente tem que parar para se divertir, deixar nossa criança interior brincar. 
Por fim, agradeço aos meus amigos e demais parentes, por terem tido paciência comigo 
nas lamentações do dia a dia, nas discussões acerca de política nos grupos de Whatsapp, por 
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terem também me aconselhado nos momentos de dúvida, terem tornado minha passagem pela 
graduação mais leve e divertida. 
Agradeço, também, ao meu orientador, Professor Doutor Matheus Felipe de Castro, por 
todo o ensinamento compartilhado e também pela paciência em ter aguardado a conclusão desse 
projeto desde o convite para me orientar, ainda na sexta fase do curso. 
Muito obrigada! 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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Ainda que os teus passos pareçam inúteis, vai 
abrindo caminhos, como a água que desce 
cantando da montanha. Outros te seguirão. 
 
Antoine de Saint-Exupéry 
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RESUMO 
 
A presente monografia tem o objetivo de estudar a formação das Democracias atuais, levando 
em conta o desenvolvimento das teorias de Estado clássicas aplicadas ao Constitucionalismo 
vigente, para entender de que forma a tripartição dos poderes definida por Montesquieu vem 
sendo utilizada na prática. Procuraremos entender, também, se este modelo tripartite vem sendo 
seguido conforme fora idealizado, principalmente quando nos defrontamos com uma atuação 
cada vez mais ativista do Poder Judiciário, que utiliza ferramentas externas ao Direito para 
embasar suas decisões, transformando um sistema estatal de Civil Law numa mistura entre 
aplicação subjetiva da lei e vinculação à precedentes. Por fim, analisaremoscasos práticos 
recentes do Supremo Tribunal Federal nesta atuação inovadora, para verificarmos de que forma 
o ativismo judicial encontrado nos tribunais brasileiros atingem a sociedade, indo de encontro 
com os próprios preceitos basilares da Democracia, demonstrando um agir completamente 
controverso à constitucionalidade vigente, uma vez que não possui legitimidade para atuar de 
forma direta na representação das vontades do povo. 
 
Palavras-chave: Poder Judiciário. Ativismo judicial. Tripartição dos Poderes. Democracia. 
Constituição. 
 
ABSTRACT 
 
The present monography has the objective of understanding how current Democracies are 
shaped, taking into account the State classic theories applied to the ongoing constitutionalism, 
to comprehend in what way Montesquieu’s division of powers has been used in practical 
manners. In addition, we intent to understand if this model has been used as idealized, mainly 
when confronting it to the increasingly activist operation of the Judicial Power, who uses 
external tools from law as ground for their decisions, transforming Civil Law state-owned 
system in a mix of subjective application of law and precedents association. At last, we will 
analyze recent practical cases from Federal Court of Justice, who used this innovative operation, 
in means of verifying in what way the judicial activism found in Brazilian courts affect society, 
encountering the basic principles of Democracy and evidencing a controversial act towards the 
actual constitution, once it has no legitimacy to operate directly in representing people’s desires. 
 
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Key-Words: Judicial Power. Judicial Activism. Division of Power. Democracy. Constitution. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS 
 
ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas 
 
ADO – Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão 
 
HC – Habeas Corpus 
 
LGBT – Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais 
 
MI – Mandado de Injunção 
 
STF – Supremo Tribunal Federal 
 
STJ – Superior Tribunal de Justiça 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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SUMÁRIO 
 
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 13 
CAPÍTULO I - ESTADOS REPRESENTATIVOS E O PAPEL DO PODER LEGISLATIVO
 .................................................................................................................................................. 16 
1.1. Os limites da decisão judicial num Estado de funções tripartidas: uma abordagem 
inicial .................................................................................................................................... 17 
1.2. O Desenvolvimento das teorias de Estado Democrático e o Conceito de separação de 
poderes .................................................................................................................................. 22 
1.3. Representação e Poder Legislativo: legitimação como porta-voz do povo ................... 33 
CAPÍTULO II - O PODER JUDICIÁRIO E SUA CONJUNTURA FUNCIONAL ............... 40 
2.1. O Poder Judiciário como intérprete constitucional: o controle de constitucionalidade 
como função precípua do órgão jurisdicional ....................................................................... 43 
2.2. Interpretação judicial e discricionariedade: as atuais formas de se fazer justiça no 
sistema Judiciário .................................................................................................................. 48 
2.3. A problemática do decisionismo e a fuga às funções básicas do órgão jurisdicional.... 56 
CAPÍTULO III - AS CONSEQUÊNCIAS PRÁTICAS DO INTERVENCIONISMO 
JUDICIAL ................................................................................................................................ 60 
3.1. A mitigação do princípio da presunção de inocência: construção de princípios a partir 
de juízos de valor .................................................................................................................. 64 
3.2. Criminalização da Homofobia: um Judiciário que cria leis penais “de ofício” ............. 73 
3.3. O Poder Judiciário brasileiro do século XXI: quem pode explica-lo? .......................... 79 
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................... 84 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................................... 88 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
13 
 
INTRODUÇÃO 
 
Desde o início das formações sociais, a humanidade procura estudar e entender a 
maneira com que os mais variados tipos de governo surgem, e como eles atuam com relação ao 
povo e ao seu próprio poder. Tais preocupações avançaram conforme a evolução das sociedades 
e do modo de pensar o poder do Estado, procurando sempre encontrar a melhor maneira de 
relacionar Governo e sociedade, de acordo com os anseios e necessidades apresentadas por esta, 
com o passar dos tempos. 
Nos dias de hoje é praticamente uma unanimidade considerar que a melhor relação entre 
Estado e povo provém da forma de governo democrática, que permite uma atuação mais direta 
da comunidade perante o poderio estatal, colocando a soberania das decisões, num aspecto 
amplo, à sociedade, sem retirar, contudo, a autoridade governamental da figura dos 
governantes. Nesse sentido, teorias de desconcentração de poder acabaram adquirindo grande 
importância no desenvolvimento dos governos democráticos, notadamente os preceitos de 
divisão de poderes entre os entes estatais, que tiveram na figura de Montesquieu seu maior 
representante e sistematizador. 
Entretanto, denota-se que mesmo a famosa forma de governo democrática baseada na 
superioridade da Constituição e embasada na tripartição dos poderes estatais não existe mais da 
maneira com que foi concebida, e não se explica a partir das teorias clássicas que lhe 
fundamentaram em seu início, principalmente no âmbito brasileiro, em que fenômenos sociais 
e políticos influenciaram na atual manifestação governamental que se apresenta. 
Nota-se essa mudança de atuação do governo a partir da alteração de protagonismo dos 
poderes estatais, onde percebe-se uma maior atenção às ações do Poder Judiciário, em 
detrimento da atuação dos demais poderes estatais, principalmente do Poder Legislativo, o qual 
possui interferência direta da sociedade em sua formação e manifestação. Além disso, 
vislumbra-se uma atuação única do poder judicante que se mostra cada vez mais relacionada a 
institutos relativamente novos em nosso sistema jurídico, como o ativismo judicial, presente 
em vários momentos da justiça brasileira, não se sabendo mais ao certo se a tripartição dos 
poderes está sendo respeitada pelos poderes estatais, colocando em dúvida se este Poder está 
cumprindo ou ultrapassando os limites de sua função, num Estado tripartite. 
Nesse sentido, faz-se necessário compreender se a atual conjuntura político-social e 
jurídica do Brasil ainda consegue se amoldar aos exemplos dos governos exteriores, diante da 
complexidade que tem se apresentado em sua própria formulação. Dessa forma, verifica-se a 
14 
 
necessidade de rediscutir o papel da instituição judiciária e suas funções, mediante os demais 
poderes estatais, e principalmente as consequências que tais inovações adquirem na vida da 
sociedade, como um todo, para descobrir se a atuação cotidiana do ente judicante está de acordo 
com o instituto da separação dos poderes, se o órgão Constitucional deste poder possuem 
legitimidade para agir de maneira intensiva mediante as funções dos demais poderes, e se essa 
manifestação pode atingir os próprios princípios basilares da Democracia. 
Para descobrir a resposta de tais problemáticas, buscamos retratar, no primeirocapítulo, 
de que forma a Democracia se desenvolveu como tipo de governo no mundo, desde o 
rompimento com o absolutismo, até as manifestações constitucionais que adotaram a 
democracia como melhor maneira de se governar um Estado social e liberal. Procuraremos 
entender também, neste capítulo, quais foram as razões para se modificar a estrutura do poderio 
estatal, de que forma ele seria dividido, e de que maneira o Poder Legislativo se tornou o real 
representante dos anseios comunitários, e, portanto, o legitimado para agir de maneira direta na 
interpretação e afirmação da vontade geral. 
No segundo capítulo, procuraremos estudar a atuação do Poder Judiciário como 
intérprete da legislação formulada pelo Legislativo, e quais são os limites de sua hermenêutica 
perante suas funções precípuas de controlador da constitucionalidade das ações estatais 
legislativas, considerando-o o ente legitimado para agir em controle técnico abstrato da 
formulação normativa. Entretanto, verificaremos que esta atuação vem se mostrando cada vez 
mais invasiva com relação às funções dos demais poderes, e tentaremos compreender o que está 
levando o Judiciário a agir dessa forma. 
Por fim, no terceiro capítulo, analisaremos casos práticos dessa atuação ativista, no 
âmbito do Supremo Tribunal Federal, quais sejam a mitigação do princípio da presunção de 
inocência e a recente criminalização da homofobia, que vêm gerando amplos debates na seara 
jurídica sobre a forma de agir do ente judicante perante a Constituição, a qual aquele deveria 
proteger em seus próprios termos. 
Após essa análise prática, concluiremos sobre este fenômeno recente que está 
acontecendo no cenário político-jurídico brasileiro, que não mais consegue encontrar 
explicações nas teorias clássicas de governo, e como isso afeta a sociedade, que espera de seus 
governantes a aplicação expressa do ordenamento jurídico, colocando em risco a própria 
existência do Estado Democrático Constitucional. 
Para atingir os objetivos expostos, foi utilizado o método dedutivo, e a pesquisa 
realizada foi essencialmente bibliográfica, sendo utilizados artigos científicos, livros, 
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publicações avulsas, pesquisas, monografias e teses, contando também com a análise de 
jurisprudências do Supremo Tribunal Federal. Utilizou-se no desenvolvimento do presente 
projeto as normas atualizadas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), com a 
ressalva da utilização do modelo de citação autor-data, em conjunto com o uso de notas 
explicativas. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
16 
 
 
CAPÍTULO I 
 
ESTADOS REPRESENTATIVOS E O PAPEL DO PODER LEGISLATIVO 
 
Durante toda a história da humanidade, inúmeros estudiosos se ocuparam em entender 
as ações humanas, principalmente no que diz respeito à relação entre líderes e subordinados, 
entre governantes e governados. Nesse sentido, é correto afirmar que conforme os Estados 
foram se desenvolvendo, as teorias de governo também foram acompanhando tal evolução, 
chegando-se aos sistemas democráticos representativos que encontramos na maior parte do 
mundo, nos dias de hoje. Geralmente, esse papel de representação é incumbido ao Parlamento, 
que, nas conformidades de cada Constituição, é formado pelo sufrágio universal. Observamos 
também que em grande parte dos países tidos como democráticos, é comum a adoção da teoria 
tripartite dos poderes estatais, defendida por Locke e definida por Montesquieu, ainda nos 
séculos passados. 
A clássica tripartição dos poderes, a qual fora, inclusive, adotada pela Constituição de 
1988, no Brasil, determina a forma de atuação do Estado perante a comunidade submetida aos 
seus regramentos, a qual pressupõe a divisão dos poderes em Legislativo, Executivo e 
Judiciário, cada um com seus objetivos e suas funções bem definidas, e, conforme estabelece a 
própria letra da lei, agindo de forma independente e harmônica entre si. 
Entretanto, é notório que, na atualidade, essa divisão de funções entre os poderes vem 
se confundindo, na medida em que a necessidade de novas leis, ou novas interpretações destas 
se apresentam. No que tange aos poderes Legislativo e Judiciário, essa confusão se torna ainda 
mais evidente, principalmente num cenário onde encontramos, por vezes, um legislativo omisso 
e desqualificado, e em contrapartida, um judiciário ativista e cada vez mais político. 
Essa atuação, de forma mais dissociada das funções intrínsecas de cada Poder Estatal, 
pode gerar conflitos e questionamentos com relação à própria legitimidade dos referidos 
poderes, uma vez que não se sabe, ao certo, quais os limites saudáveis para esse tipo de 
intervenção. Dessa forma, cabe resgatar os ensinamentos básicos sobre as teorias de Estado, 
política e direito, na intenção de descobrir se tal forma de agir está de acordo com a ideia 
original da formação do Estado Brasileiro, após a Constituição de 1988. 
 
 
17 
 
1.1. Os limites da decisão judicial num Estado de funções tripartidas: uma abordagem 
inicial 
 
Para iniciar o resgate ideológico que se cumpre fazer, destaca-se o pensamento de 
Alejandro Serrano Caldera, no livro Os Dilemas da Democracia (1996), que, ao realizar um 
estudo sobre a Constituição da Nicarágua, em 1995, considera que a tripartição dos poderes é 
um dos princípios basilares do desenvolvimento dos Estados Democráticos. Em sua opinião, 
sem a tripartição, na forma definida por Montesquieu, na atualidade, não há como se falar em 
democracia. Segundo Caldera (1996), a tripartição dos poderes do Estado veio justamente para 
permitir uma melhor representatividade de classes, uma vez que “se buscava um equilíbrio de 
classes mediante a distribuição dos poderes” (CALDERA, 1996, p. 86). 
Tais pensamentos se tornaram comuns no mundo pós-absolutista, onde as classes que 
almejavam o poder viram nesta nova forma de governo uma maneira de satisfazer seus 
interesses perante o Estado. Contudo, para se evitar um novo despotismo, agora calcado nas 
figuras de classes sociais diversas, principalmente a aristocracia, se fez necessário delimitar a 
atuação dessas classes representativas, bem como dos próprios poderes do Estado. Nessa senda, 
de acordo com Caldera (1996), entram os outros princípios garantidores de um Estado 
Democrático, que procuram delimitar a atuação do Estado perante seus comandados, e também 
sua própria atuação para consigo mesmo. 
Caldera (1996) aduz que, dentre tais princípios, encontra-se o princípio da hierarquia da 
norma jurídica, bem definida por Kelsen, adotada pela grande maioria dos Estados 
Democráticos, e que supõe a nivelação do próprio ordenamento jurídico, para que este pudesse 
ter seu próprio grau de coercitividade perante os comandados, e perante o próprio Estado. Nesse 
sentido, as leis se colocam acima do próprio Estado, que da mesma forma que as elabora de 
acordo com os interesses dos comandados, fica submetido às mesmas, criando uma espécie de 
autocontrole. Somado a esse princípio, está o princípio da legalidade, que também busca 
delimitar a atuação do Estado e de seus poderes, perante a sociedade e em suas próprias 
diretrizes internas. Com estes dois princípios em mente, Caldera (1996) descreve a atuação dos 
poderes do Estado, principalmente o Legislativo e o Judiciário, numa Democracia efetiva, e de 
que forma esta seria garantida: 
 
A corte tem faculdades para declarar inconstitucional toda lei que se oponha à 
Constituição, mas não uma disposição constitucional propriamente dita. Portanto, as 
reformas da Constituição política, que legitimamente a Assembleia adote, isto é, 
seguindo para tal os procedimentos que a própria Constituição estabelece, não podem 
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ser objeto de um recurso por inconstitucionalidade da lei, pois a Corte Suprema não 
tem faculdades para declarar inconstitucional uma reforma da Constituição, salvo no 
caso que se refira ao procedimento para realizara mesma, estabelecida pela própria 
Constituição (CALDERA, 1996, p. 88). 
 
Além disso, numa Democracia plenamente eficaz, de acordo com Caldera (1996), não 
basta apenas definir o poder do Estado sobre os indivíduos, e seu autocontrole, que nem sempre 
existirá. É necessário, também, que haja meios em que os comandados consigam postular suas 
divergências com relação à atuação do Estado sobre si, quando esta se torna abusiva. É o que 
garante o sistema de recursos defendidos pela legislação desses Estados, onde o indivíduo busca 
perante o próprio Estado a tutela de seus direitos, dentro do poder estatal definido para tanto, 
demonstrando que o Estado somente será democrático quando ele mesmo estiver submetido às 
leis que, por suas prerrogativas funcionais, cria em nome dos interessados, representando-os. 
Ainda, segundo Caldera (1996), mesmo que o conceito de democracia não tenha surgido 
no sentido de se deixar representar por outros, devido à complexidade sociocultural das 
comunidades, bem como o tamanho das populações, fez evoluir as definições de tal forma de 
governo, relacionando intrinsecamente representação com democracia, de tal maneira que, na 
modernidade, não se pode falar de um sem o outro. 
Nada obstante, Caldera (1996) salienta que “[...] na regulamentação constitucional e na 
prática, não existe uma separação absoluta, pois, sem prejuízo das atribuições que, por sua 
própria natureza, correspondem-lhes, cada um dos poderes exerce, em algum momento e 
circunstância, funções que naturalmente concernem a outro ou outros poderes” (CALDERA, 
1996, p. 86). Dessa forma, assumindo este desvio de função entre os poderes dentro da 
Democracia, principalmente no que tange aos poderes Judiciário e Legislativo, questiona-se de 
que forma aquele atua, para transmitir essa sensação de intervenção nas funções deste? Na 
tentativa de obter uma resposta a este questionamento, faz-se necessário estudar, inicialmente, 
a relação entre o direito e o Estado, e os fatores que influenciam nesta relação, na finalidade de 
compreender a emanação do real poder estatal. 
Nesse sentido, destaca-se o ensinamento de Norberto Bobbio, que sabiamente 
relacionou a política e o direito dentro das concepções de Estado, em sua obra Teoria Geral da 
Política: A filosofia Política e as Lições dos Clássicos (2000). Bobbio (2000) descreve várias 
formas em que a política se relaciona, com os mais diversos setores que constituem um Estado, 
como a economia e a própria sociedade, e, ao estudar a influência que política e direito exercem 
um sobre o outro, demonstra que tais conceitos não se sobrepõem, e sim, coexistem numa 
relação de interdependência. 
19 
 
Para Bobbio (2000), o poder político surge a partir do momento que se pressupõe a 
existência de uma autoridade, que emana esse poder para elaborar os comandos que vigerão 
sobre a sociedade comandada por si. Portanto, seria correto dizer que o poder político faz o 
direito positivo, ao qual a sociedade se submete. Contudo, ao mesmo tempo em que fabrica o 
direito, para diferenciar-se de outros conglomerados humanos de relação de dominância, o 
poder político se submete também às próprias leis que cria, no sentido de legitimar sua própria 
atuação. Dessa forma, o governante legitima seu poder, perante todos, delimitando seu próprio 
poder, conforme depreende-se da seguinte passagem: 
 
O que significa a lei faz o rei? Significa que é rei, ou melhor, é soberano legítimo, e 
portanto tem a autoridade e não apenas o simples poder do mais forte, aquele que 
governa com base em um poder que lhe foi atribuído por uma lei superior a si mesmo 
(que não pode modificar senão com base em leis colocadas ainda mais no alto, que 
prevêm o modo como podem ser modificadas as mesmas leis fundamentais) 
(BOBBIO, 2000, p. 235). 
 
Sendo assim, para Bobbio (2000), o poder político do governante, seja ele um monarca, 
seja o Parlamento, somente se legitima quando sua autoridade é regulamentada pela própria lei 
que o estabeleceu, tendo suas funções igualmente delimitadas, exigindo-se que “quem o detém 
o exerça não segundo o próprio capricho, mas em conformidade com as regras estabelecidas e 
dentro dos limites dessas regras” (BOBBIO, 2000, p. 237). 
Em verdade, essa ideia de limitação do poder do soberano, segundo Bobbio (2000) 
delineia em sua obra, é um pensamento típico do período pós absolutista, mais precisamente 
quando do surgimento dos Estados liberais, onde começa-se a constitucionalização dos Estados, 
colocando a soberania da lei acima até mesmo da autoridade do governante. Um dos maiores 
responsáveis por esse entendimento, o qual está enraizado na maioria das constituições dos 
Estados hoje em dia, foi Kelsen, ao definir a hierarquia das leis, definindo conjuntamente a 
hierarquia do soberano, colocando-o em papel coadjuvante com a positivação das regras do 
Estado. 
Bobbio (2000) ainda afirma que, em contrassenso às formas de Estado até então 
desenvolvidas, no Estado liberal, que busca a supremacia da lei, em conjunto com a soberania 
do povo, o Estado somente será um Estado de Direito se o poder dos governantes for delimitado 
por lei, ou, em suas palavras, “[...] Estado de direito, [...] no qual cada poder é exercido no 
âmbito de regras jurídicas que delimitam a sua competência e orientam, ainda que, 
frequentemente, com uma certa margem de discricionariedade, suas decisões” (BOBBIO, 2000, 
p. 257). 
20 
 
Entretanto, conforme Bobbio (2000) anuncia, para que o Estado de Direito possa 
realmente ser “de Direito” não é suficiente que apenas haja as leis. É necessário, também, e 
principalmente, que essas leis se mostrem eficazes perante a sociedade, bem como que 
transmitam a coercitividade necessária para que seja respeitada, e isso somente ocorreria se, em 
concomitância com a criação da normatividade, houvesse o poder de aplica-la. 
Nesse sentido, surge a razão de existir do judiciário, que basicamente possui a função 
de aplicar as leis aos casos concretos levados à sua ponderação. Contudo, se a atuação dos juízes 
fosse apenas de aplicar a lei existente ao caso concreto, não haveria polêmicas com relação à 
sua atuação. O problema surge quando faltam leis, e nessa situação, se questiona qual a melhor 
maneira de agir do judiciário? 
De acordo com Bobbio (2000), na falta da lei, caberia ao juiz analisar caso a caso, e 
dessa análise individualista, duas situações poderiam ocorrer, quais sejam a equidade ou o 
privilégio. Segundo Bobbio (2000), no primeiro aspecto, o juiz decidiria a questão em análise 
de forma análoga a outros casos semelhantes, em que a lei existente foi devidamente aplicada, 
o que acarretaria na efetiva imposição da justiça, considerando o sentido lato desta1. Já na 
situação do privilégio, o juiz, diante de dois problemas relativamente iguais, aplicaria uma 
norma específica em um caso específico, o que poderia acarretar numa interpretação errônea da 
aplicação dessa normatividade específica, já que poderia não se relacionar com a questão que 
sua constituição se propunha a solucionar, de maneira a privilegiar ou prejudicar alguém, 
conforme fosse o caso, podendo, inclusive, gerar incompatibilidade de decisões dentro do 
próprio entendimento dos juristas, de modo geral, o que no seu ver, não deixaria de ser a 
aplicação de alguma justiça. É nesse sentido que Bobbio (2000) defende a importância da 
imparcialidade dos juízes, uma vez que: 
 
Cabe ao juiz estabelecer em cada situação quem deve ser incluído na categoria e quem 
deve ser dela excluído. O preceito da imparcialidade é necessário, porque a aplicação 
de uma norma ao caso concreto nunca é mecânica e requer uma interpretação na qual 
intervém, em maior ou menor medida segundo os diferentes tipos de lei, o juízo 
pessoal do juiz (BOBBIO, 2000, p. 313). 
 
 
1
 Segundo Bobbio (2000), “[...] ’justo’ tem dois significados e um dos quaisé ‘conforme à lei’ ou legal, enquanto, 
respectivamente, injusto significa não-conforme à lei ou ilegal”. Além disso, o autor complementa este sentido de 
justiça, aduzindo que “[...] um homem justo pode ser tanto um homem respeitoso das leis quanto um homem 
equânime, que distribui imparcialmente o torto e o direito”. Ainda, “[...] ‘sentença justa’ pode ser tanto a sentença 
do juiz que observou rigorosamente a lei quanto a sentença equânime que respeitou a regra geral do igual 
tratamento dos iguais”. (BOBBIO, 2000, pp. 308-309). 
21 
 
Em contrapartida, Carl Schmitt, em sua obra Teologia Política (2006), defende que a 
figura do soberano, numa ideia de Estado positivista, é a única que tem o poder de ditar as 
regras do Estado, é apenas ele, seja um monarca, seja o Parlamento, quem pode fazer as normas 
que regem a sociedade, pois ele é o detentor do poder para tal, isto conforme definição legal de 
cada Constituição. Em suas palavras, “[...] à questão de como se deve proceder quando não 
existe lei estatal, Anschütz responde que essa não seria, em absoluto, uma questão jurídica 
‘Aqui não há uma lacuna na lei, ou seja, no texto constitucional, mas uma lacuna no Direito que 
não pode ser preenchida com operações conceituais jurídico-científicas” (SCHMITT, 2006, p. 
15). 
Contudo, Schmitt (2006) parte do princípio de que o decisionismo é a chave para a 
efetividade das normas estatais. Para ele, a norma criada pelo Estado, ainda que represente os 
interesses de quem a pleiteia, e apesar de possuir certa impositividade, por si só não tem eficácia 
de imputação, uma vez que é considerada de forma abstrata no mundo jurídico. O seu poder 
coercitivo e a sua real efetividade somente se concretizam quando a instância competente para 
tal aplica a norma à casos concretos, a partir de suas decisões. 
Para Schmitt (2006), ainda, essa instância competente se traduz no próprio Estado, que 
é o soberano responsável pela produção normativa, seja no seu aspecto abstrato, seja no seu 
aspecto concreto. Pode-se depreender que, ao tratar da instância competente para aplicação das 
normas, Schmitt queria se referir ao Poder Judiciário, que é um dos poderes estatais segundo a 
classificação tripartite do Estado. Ainda, para Schmitt, as decisões tomadas pelo ente 
competente, mesmo que tomem por base a positivação da norma estatal, quando se propõe a 
aplicá-la, não se submete à sua fundamentação, tornando-se autônoma no que se refere ao 
direito aplicado. 
Entretanto, segundo Schmitt (2006), o fato de as decisões judiciais serem as 
responsáveis pela efetividade das normas estatais traz à tona uma situação que pode não ser 
esperada, mas que comumente acontece, qual seja, a produção de decisões incorretas do ponto 
de vista positivista, e as quais, da mesma forma que acontece com as decisões apropriadas, 
tomam efeito jurídico perante a sociedade. 
Corroborando com todo o exposto, retira-se das palavras de Schmitt (2006): 
 
No momento, a decisão torna-se independente da fundamentação argumentada e 
adquire um valor autônomo. Na doutrina do ato estatal defeituoso, isso se revela em 
todo o seu significado teórico e prático. Confere-se à decisão incorreta e defeituosa 
um efeito jurídico. A decisão incorreta contém um momento constitutivo, justamente, 
em virtude de sua inexatidão. No entanto, é inerente à ideia da decisão o fato de não 
poder haver decisões absolutamente declaratórias. Analisando-se a partir do conteúdo 
22 
 
da norma tomada por base, todo momento de decisão específico, constitutivo, é algo 
novo e estranho. Na perspectiva normativa, a decisão nasce do nada (SCHMITT, 
2006, p. 30). 
 
Depreende-se, portanto, deste levantamento inicial, que para um Estado ser considerado 
Democrático e de Direito, precisa-se de um conjunto de fatores, que estão conexos e devem 
coexistir de maneira pacífica entre si, quais sejam, uma efetiva representação e participação do 
povo nas decisões do Estado, ainda que de maneira indireta, a elaboração de leis claras e 
objetivas, que visem as necessidades da sociedade, mas que levem em conta, principalmente, o 
interesse geral do Estado, para que, em casos concretos, essas leis possam ser devidamente 
aplicadas pelo órgão estatal competente para tal, e que essas decisões, isentas de juízo de valor, 
transmitam a eficácia pretendida com a norma abstrata, bem como a segurança jurídica das 
interpretações dessas normas, buscando sempre uma igualdade de tratamento, conforme cada 
caso. 
Ainda, para assegurar todos esses fatores, considera-se de suma importância uma real 
separação dos poderes do Estado, com a efetiva divisão de funções entre si. Nesse sentido, 
retomando a ideia exposta anteriormente, é natural que, em determinados momentos, possa 
existir uma interferência dentre essas funções, contudo, é necessário entender a partir de que 
ponto essa intervenção ultrapassa os limites da tripartição dos poderes, a ponto de se prejudicar 
a própria democracia, e consequentemente, o próprio modelo de Estado. 
Dessa forma, a proposta desta monografia, nos próximos capítulos, é resgatar de forma 
mais aprofundada as teorias de Estado que visaram conceituar a Democracia como forma de 
governo, repisando, neste contexto, a clássica definição da tripartição dos poderes de 
Montesquieu, para que se possa novamente encontrar a verdadeira função do Poder Judiciário 
num Estado de Direito tripartite, analisando, a partir de então, de que forma as decisões do 
Poder Judiciário, principalmente no que tange ao Supremo Tribunal Federal brasileiro, 
influenciam no cotidiano das pessoas, e como se apresentam diante dos outros dois Poderes 
Estatais, além de discorrer sobre os fundamentos que vêm sendo utilizados para tal. Isso porque, 
do estudo das jurisprudências atuais da Suprema Corte, tem-se vislumbrado um verdadeiro 
legislar do Poder Judiciário, frente à omissão do Poder Legislativo, ou mesmo um transpassar 
de poder ao interpretar as normas de forma ampla demais, para atingir determinados entes ou 
pessoas específicas. 
 
1.2. O Desenvolvimento das teorias de Estado Democrático e o Conceito de separação de 
poderes 
23 
 
 
Para começarmos a entender a problemática central no que tange às decisões judiciais, 
precisamos inferir o que baseou o modo de governo em que vivemos hoje. Nesse resgate, 
importa relembrar o início das sociedades, os motivos que levaram os seres humanos a se 
agruparem em comunidades, para adentrarmos às estruturas de Estado, nos interessando, no 
momento, o surgimento dos Estados Democráticos, para compreender o aspecto principal que 
originou o Poder Legislativo e a sua função como Poder representante das massas. 
Inicialmente, podemos destacar que as sociedades surgem, principalmente, num sentido 
de tentar determinar regras para a convivência em comum. De acordo com Dalmo de Abreu 
Dallari, em sua obra Elementos de Teoria Geral do Estado (2011), o que justifica a criação de 
normas regulamentadoras gerais é justamente a impositividade que essas normas possuem 
perante as pessoas, estabelecendo um nexo de bilateralidade, uma vez que no descumprimento 
dessas leis, o próprio prejuízo da vítima acarreta num prejuízo global, sendo responsabilidade 
do Estado punir o culpado, para repor a ordem social, contrapondo, portanto, as normas de 
cunho moral, que não possuem impositividade externa, apenas interna, a depender de cada 
consciência o cuidado de obedecê-la. Nas palavras de Dallari (2011): 
 
O que se verifica, em resumo, é que as manifestações de conjunto se produzem numa 
ordem, para que a sociedade possa atuar em função do bem comum. Essa ordem, 
regida por leis sujeitas ao princípio da imputação, não exclui a vontade e a liberdade 
dos indivíduos, uma vez que todos os membros da sociedade participam da escolha 
das normas de comportamento social, restando ainda a possibilidade de optar entre o 
cumprimento de uma norma ou o recebimento da punição que forprevista para a 
desobediência (DALLARI, 2011, p. 41). 
 
Essa formação de normatividade, segundo Dallari (2011), pressupunha uma relação de 
poder de alguns sobre outros, para que houvesse, de fato, a coercitividade na postura da lei, e 
da própria formação social. Por sua vez, a citada relação de poder não se mostra homogênea na 
evolução dos tipos sociais, no passar do tempo. Nas primeiras formações sociais, de acordo 
com Dallari (2011), a figura do poder estava diretamente relacionada com a força humana, 
sendo considerado seu detentor aquele que possuísse maior condições físicas de garantir a 
sociedade, e consequentemente seu próprio domínio sobre os outros. Contudo, levando em 
conta a forma como as sociedades se relacionavam com o ambiente em que viviam, “[...] em 
consequência da tendência do homem para aceitar a presença de um sobrenatural sempre que 
alguma coisa escapa à sua compreensão ou ao seu controle, fora admitido um poder desprovido 
de força material, reconhecendo-se como fonte do poder uma entidade ideal” (DALLARI, 2011, 
p. 52). 
24 
 
Em continuidade, ao adquirir maior complexidade, as sociedades foram desenvolvendo 
a ideia de emanação de poder e de direito por sua própria constituição, passando a considerar a 
existência de uma vontade geral superior às vontades individuais, e que aquela exigiria um 
poder que fosse além da força. 
Nesse sentido, ao divorciar a noção de poder da ideia de força física ou metafísica 
(contudo, ainda relacionado à força jurídica e coercitiva), passou-se a questionar quem ou o que 
teria legitimidade para portar este poder. De acordo com Dallari (2011), é nessa conjuntura que 
surge o entendimento de que deve existir um consentimento de todos, ou da maioria, para que 
o líder, ou os líderes, tomassem para si o poder de governar a comunidade. 
Dessa forma, começam a aparecer os primeiros modelos de Estado, os quais, durante 
todo seu desenvolvimento, não seguiram um padrão cronológico de existência, mas 
inegavelmente sofreram influências uns sobre os outros, conforme a propagação de cada ideia 
elaborada para explicar-lhes. 
Para o objetivo deste estudo, importa-nos estudar de que modo surgiu e se desenvolveu 
as teorias sobre os Estados Democráticos, sendo que estes, de maneira geral e inicial, não são 
resultado das teorias modernas. Dallari (2011) ressalta que a democracia surgiu muito antes do 
cristianismo, inclusive, perante os povos gregos e romanos. Na Grécia, principalmente na 
cidade de Atenas, era comum as pessoas se reunirem nas praças para tomarem as decisões pelo 
Estado, visando um bem-estar geral. Para os gregos, de acordo com Dallari (2011), “Há uma 
elite, que compõe a classe política, com intensa participação nas decisões do Estado a respeito 
dos assuntos de caráter público” (DALLARI, 2011, p. 72). Contudo, não eram todos os cidadãos 
que participavam dessas decisões, uma vez que se acreditava que a ampliação excessiva dos 
poderes de decisão seria prejudicial à manutenção do controle político por parte desta elite. 
Em consonância, Dallari (2011) afirma que Roma também experimentou uma certa 
democracia, porém bem mais restrita que a grega, uma vez que na própria sociedade romana, 
apenas os patrícios (membros de famílias descendentes dos fundadores do Estado) eram 
considerados cidadãos, no aspecto decisionista da democracia romana. Nas palavras de Dallari 
(2011): 
 
Assim como no Estado Grego, também no Estado Romano, durante muitos séculos, o 
povo participava diretamente do governo, mas a noção de povo era muito restrita, 
compreendendo apenas uma faixa estreita da população. Como governantes supremos 
havia os magistrados, sendo certo que durante muito tempo as principais magistraturas 
foram reservadas às famílias patrícias (DALLARI, 2011, p. 72). 
 
25 
 
Contudo, a experiência romana não foi muito longa, e em seguida fulminada pelo 
período imperial, este sim o grande símbolo da Roma Antiga, e o qual era amplamente fundado 
na superioridade romana, e posteriormente calcado no cristianismo e na religião que se 
desenvolveu a partir de então. 
Somente após a Idade Média é que se vislumbrou um novo tipo de Estado emergente, 
uma vez que, de acordo com Dallari (2011), a Idade Média foi uma tentativa de reprodução dos 
modos de governo romanos, que acabou falhando diante a insatisfação dos feudos com os 
monarcas pouco relutantes e violentos, bem como em frente ao surgimento de uma nova classe 
social, que buscava o poder no Estado e dominava o poderio econômico da época, qual seja a 
burguesia. 
No Estado Moderno, segundo Dallari (2011), surgem as primeiras tentativas de se 
jurisdicionar os poderes dos governantes, bem como as regras de convivência social. Contudo, 
ainda nesse período se tinha uma ideia de soberania num sentido de supremacia, a característica 
estatal mais alta e importante de todas, e completamente ligada à figura do governante, que, 
geralmente, era um monarca. 
Notadamente Dallari (2011) relaciona o desenvolvimento dos tipos de Estado com o 
significado de soberania, demonstrando que esta evoluiu de acordo com as mudanças nos 
governos, principalmente na Europa dos séculos XVIII e XIX. Nesse sentido, Dallari (2011) 
cita Bodin, e o conceito de soberania que este desenvolveu, aduzindo que a soberania, para este, 
era um poder absoluto, na medida em que não se submetia nem às leis, nem às vontades 
individuais do próprio governante que a detinha, e perpétuo, o qual não concebia a ideia de 
temporariedade na chefia de um Estado. 
Contudo, Dallari (2011) relembra que Rousseau transferiu essa ideia de soberania 
vinculada ao governante, voltando-a ao povo, em si mesmo considerado, dizendo que a sua 
soberania está submetida às leis, uma vez que deve buscar sempre a vontade geral do Estado. 
É somente após a Revolução Francesa que a soberania é vinculada à ideia de poder político do 
Estado, e conforme aduz Dallari (2011): 
 
[...] a legitimação do soberano, que equivale ao nascimento do Estado, se dá com a 
consolidação da ordenação através do decurso do tempo. Quando determinada 
ordenação consegue positividade, impondo-se ao respeito dos destinatários, e se torna 
estável, adquirindo caráter permanente, aí então se pode dizer que existe poder 
soberano (DALLARI, 2011, p. 89). 
 
Nesse sentido, afirma Dallari (2011) que, na consecução do objetivo final do Estado, 
qual seria a sua organização jurídica para delimitar seu próprio funcionamento perante a 
26 
 
sociedade, o citado poder político é preponderante, e atua levando em conta três dualismos 
fundamentais: necessidade e possibilidade, onde deve-se identificar as necessidades do povo, 
com relação ao seu progresso e sobrevivência, e persegui-las conforme as possibilidades de 
organização e persecução ao alcance do Estado; indivíduos e coletividade, onde aduz Dallari 
(2011) a importância do equilíbrio entre a persecução de interesses individuais e coletivos, 
procurando nunca sobrepor um ao outro; e, por fim, liberdade e autoridade, dualismo este que 
também necessita de equilíbrio em sua aplicação, onde, segundo Dallari (2011), não se pode 
dar liberdade absoluta aos membros do Estado, mas também não se pode restringi-la demais, 
na figura da autoridade da lei. 
É levando-se em consideração toda a evolução discorrida sobre o surgimento dos 
Estados, principalmente no que se refere ao modelo de Estado Democrático Grego e à 
experiência romana, bem como os aspectos de Estado jurídico traduzido por si até então, que 
Dallari (2011) delineia o que se passou a entender, a partir do Estado Moderno, como o modo 
de governo “Democracia”. 
Segundo Dallari (2011), o Estado Democrático Moderno se desenvolveu, 
principalmente, a partir das ideias propagadas pelos clássicos jusnaturalistas, como por exemplo 
Rousseau e Locke, ainda que estes não defendessem abertamente o modo de governo 
democrático, uma vez que não vislumbravam o sucesso de tal empreitadaquando a 
administração do Estado passasse aos cuidados de absolutamente todas as pessoas. Nesse 
sentido, o nascimento da Democracia moderna se baseou das lutas contra o absolutismo europeu 
do século XVIII, bem como da afirmação dos direitos naturais da pessoa humana. 
Ressalta Dallari (2011), que três foram os principais movimentos político-sociais que 
motivaram os princípios basilares do Estado Democrático atual, cada um trazendo uma 
peculiaridade própria de sua revolução para a formação do conceito atual de Democracia, quais 
sejam a Revolução Inglesa, de 1689, com a criação do Bill of Rights, a Revolução Norte-
Americana, de 1776, com a Declaração de Independência das treze colônias, e a Revolução 
Francesa, de 1789, com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. 
Com a Revolução Inglesa, Dallari (2011) afirma que o aspecto mais importante que foi 
exportado para a Democracia atual foi a ideia de que o governo da maioria era justificado pela 
necessidade de limitar o poder absoluto do monarca, de modo a contribuir com a proteção dos 
direitos naturais dos indivíduos, nascidos livres e iguais, e aquele governo deveria ser exercido 
através do poder de legislar a liberdade dos cidadãos. Nesse sentido, Dallari (2011) cita o 
pensamento de Locke, influenciador da Revolução Inglesa, o qual transcreve-se: 
27 
 
 
A comunidade conserva perpetuamente o poder supremo de se salvaguardar dos 
propósitos e atentados de quem quer que seja, mesmo dos legisladores. E quem detiver 
o poder legislativo ou o poder supremo de qualquer comunidade obriga-se a governá-
la mediante leis estabelecidas, promulgadas e conhecidas do povo, e não por meio de 
decretos que surpreendam o povo (DALLARI, 2011, pp. 147-148). 
 
Da Revolução Norte-Americana, por sua vez, de acordo com Dallari (2011), retira-se a 
ideia da dissociação da intervenção do Estado da Democracia, entendendo que esta somente 
existe quando a liberdade do povo é seu principal objetivo. Contudo, essa liberdade não era 
absoluta, mas sim submetida à vontade do povo, que formulava e aprovava as normas que 
regulariam a convivência de todas as liberdades individuais. Dallari (2011) atribui o 
desenvolvimento desta forma de encarar a Democracia às lutas norte-americanas contra o 
absolutismo inglês, e também contra os autocratas presentes em sua própria nação, o que os 
levou a defender, inicialmente, um governo do próprio povo, refutando a ideia de um 
Parlamento representativo, ou qualquer órgão governamental nesse sentido. 
Já a Revolução Francesa deixou por herança à Democracia, segundo Dallari (2011), 
além da ideia de nação, como sendo a união de um povo autodeterminado, o desenvolvimento 
de uma teoria global para a liberdade e os direitos naturais da humanidade, diferentemente do 
que ocorreu nas outras revoluções supracitadas, que buscaram definir tais direitos e liberdade 
de maneira local. Foi nesse aspecto que surgiu a Declaração dos Direitos do Homem e do 
Cidadão, a qual é mundialmente aceita até hoje, e imposta a todos os países que procurem se 
autoafirmar democráticos, mesmo que internamente ajam de forma totalitária. Nesse aspecto, 
para os franceses, segundo Dallari (2011): 
 
Declara-se, então, que os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos. 
Como fim da sociedade política aponta-se a conservação dos direitos naturais e 
imprescritíveis do homem, que são a liberdade, a propriedade, a segurança, e a 
resistência à opressão. Nenhuma limitação pode ser imposta ao indivíduo, a não ser 
por meio da lei, que é a expressão da vontade geral. E todos os cidadãos têm o direito 
de concorrer, pessoalmente ou por seus representantes, para a formação dessa vontade 
geral. Assim, pois, a base da organização do Estado deve ser a preservação dessa 
possibilidade de participação popular no governo, a fim de que sejam garantidos os 
direitos naturais (DALLARI, 2011, p. 150). 
 
Conclui, Dallari (2011), que os princípios norteadores da Democracia, conforme as 
inspirações retiradas de cada uma das revoluções citadas, são: a supremacia da vontade 
popular, traduzida na participação popular no governo, seja de forma direta, seja através de 
representação; a preservação da liberdade, entendida como a garantia de cada indivíduo em 
poder fazer tudo aquilo que não seja prejudicial a outro indivíduo, sem a interferência do 
28 
 
Estado; e a igualdade de direitos, a qual proíbe qualquer discriminação no gozo dos direitos, 
seja por motivos de classe social, ou por motivos econômicos. 
Por fim, de acordo com Dallari (2011), a partir destas características, desenvolveu-se na 
maior parte dos Estados, a Democracia, a qual ainda sofreu outra alteração, no que diz respeito 
à sua forma de atuação, retirando do aspecto social geral a incumbência de governar, colocando 
tal responsabilidade à figuras de cidadãos previamente escolhidos pelo povo, geralmente 
através de eleição, para, perante o Estado, representar a vontade de todos. Surge, então, o 
conceito de Democracia Representativa, sendo esta a que mais se visualiza como governo, nos 
dias de hoje, e que será objeto de estudo no próximo tópico. 
Contudo, de acordo com Dallari (2011), a mais recente modificação no conceito de 
Estado Democrático sobreveio com o aparecimento das Constituições estatais, as quais tinham 
por objetivo os mesmos elencados na implantação da Democracia, somando-se, entretanto, a 
ideia de racionalização do poder e a positivação dos comandos de limitação dos poderes, que 
encontrou guarida nas definições de Kelsen, com relação à hierarquia normativa, colocando, 
portanto, a Constituição como norma máxima estatal, garantidora dos direitos individuais e 
coletivos. Dallari (2011), para explicar as funções da norma máxima, e delinear o conteúdo 
material destas, cita a enumeração de requisitos mínimos de uma Constituição desenvolvida por 
Loewenstein, quais sejam: 
 
a) a diferenciação das diversas tarefas estatais e sua atribuição a diferentes órgãos ou 
detentores do poder, para evitar a concentração do poder nas mãos de um só indivíduo; 
b) um mecanismo planejado, que estabeleça a cooperação dos diversos detentores do 
poder, significando, ao mesmo tempo, uma limitação e uma distribuição do exercício 
do poder; c) um mecanismo, planejado também com antecipação, para evitar 
bloqueios respectivos entre os diferentes detentores de parcelas autônomas do poder, 
a fim de evitar que qualquer deles, numa hipótese de conflito, resolva o embaraço 
sobrepondo-se aos demais; d) um mecanismo, também previamente planejado, para 
adaptação pacífica da ordem fundamental às mutáveis condições sociais e políticas, 
ou seja, um método racional de reforma constitucional para evitar o recurso à 
ilegalidade, à força ou à revolução; e) além disso tudo, a Constituição deve conter o 
reconhecimento expresso de certas esferas de autodeterminação individual, isto é, dos 
direitos individuais e das liberdades fundamentais, prevendo sua proteção contra a 
interferência de um ou de todos os detentores do poder (DALLARI, 2011, p. 200). 
 
Dessa forma, de acordo com Dallari (2011), a revolução constitucionalista incorporou 
ao conceito de Democracia características do movimento iluminista em ascensão, 
principalmente no que tange à importância dada à razão e à submissão às leis. Exemplo dessa 
relação entre constitucionalização e Democracia, são as palavras de Dallari (2011), que afirma 
que “o poder constituinte é sempre do povo. É nele que se encontram os valores fundamentais 
que informam os comportamentos sociais, sendo, portanto, ilegítima a Constituição que reflete 
29 
 
os valores e as aspirações de um indivíduo ou de um grupo e não do povo a que a Constituição 
se vincula” (DALLARI, 2011, p. 201). 
Denota-se, portanto, que o conceito mais atual de Democracia leva em conta as 
diretrizes que basearam os movimentos constitucionalistas, demonstrando que uma das mais 
importantes garantidoras do EstadoDemocrático, contra abusos de totalitarismos e ditaduras, 
ou seja, contra a concentração de poderes, é a divisão de funções dentro de órgãos estatais, ou, 
em outras palavras, a separação dos poderes estatais. 
Sem dúvidas, o maior expoente da teoria da separação de poderes foi Montesquieu, que, 
em sua clássica obra O Espírito das Leis (2003), desenvolveu-a de acordo com o momento 
político da Europa do século XVIII. Nesta senda, para resgatar tal base teórica, deve-se entender 
o pensamento do filósofo, para compreender às conclusões por ele retiradas, chegando-se à 
separação dos poderes, que se pretende estudar. 
Segundo o filósofo, desde sua criação, o mundo é regulamentado por leis, quais sejam 
as leis naturais e as leis divinas. Contudo, com o aparecimento do homem, este, por ser um Ser 
inteligente, passou a produzir normas para sua convivência harmônica com seus semelhantes, 
ainda que todos estivessem submetidos às leis primordiais já citadas. Entretanto, Montesquieu 
(2003) entende que o homem não é inteligente o suficiente para seguir todas as regras que ele 
mesmo se impõe, de forma que as normas humanas estão sempre em modificação. O filósofo 
ainda afirma que, mesmo que leis humanas não existissem, o senso de justiça sempre existiu, 
num sentido de garantir a vontade individual de cada um. Dessa forma, o filósofo afirma que o 
único meio encontrado para que o homem parasse de descumprir e modificar as normas 
humanas foi através da fabricação de leis, a partir do poder legislativo. 
A partir daí, dando ao conceito acima delineado o aso de explicar as razões pelas quais 
os homens precisavam se unir em sociedades, o filósofo se ocupa a definir os tipos de governo 
reconhecidos à época. Destaca-se que a Democracia não era a forma de governo preferida de 
Montesquieu (2003), contudo, este se propôs a estudar de que forma ela poderia prosperar, 
desde que não houvesse corrupção do homem e dos governantes. 
Nesse sentido, Montesquieu (2003) definiu a Democracia como o governo onde o povo 
é o soberano, que “a vontade do soberano é o próprio soberano” (MONTESQUIEU, 2003, p. 
23), e que por isso as leis são fundamentais nesse tipo de governo. Montesquieu (2003) já trazia 
a ideia de representação do povo, uma vez que considerava que deixando as decisões nas mãos 
de todo o povo, este poderia ignorar a si mesmo, ou perder o controle de quem efetivamente 
participou das votações ou não. Para o filósofo, além de limitar o número de cidadãos que 
30 
 
compunham as assembleias, a composição destas deveria ser escolhida pelos próprios cidadãos, 
para que atuassem nos momentos em que estes, por si próprios, não conseguissem se manifestar. 
Contudo, para o filósofo, esta forma de governo é bastante frágil, uma vez que os 
homens não possuem a capacidade para tomar decisões pelo Estado, já que, algumas vezes 
podem ser enérgicos demais, ou, em outras, ser muito relapsos, ou seja, em suas palavras, “Às 
vezes, com cem mil braços, tudo transforma; outras, com cem mil pés, caminha apenas como 
os insetos” (MONTESQUIEU, 2003, p. 25). Afirma, ainda, o filósofo, que a Democracia 
somente consegue se manter com a soma dos princípios da força da lei e da virtude, considerada 
como o “amor pela república” e o “amor pela igualdade”, que se pode traduzir numa ideia atual 
de honestidade dos homens para governar conforme as leis, se submetendo a elas. 
Em sequência, Montesquieu afirma que, a despeito de que se tenha um órgão 
funcionando como elaborador de leis, e levando em conta que o homem, por sua natureza, não 
consegue obedecer às leis que por si edita, nos governos deve existir um órgão responsável por 
julgar as demandas nas quais estas leis não foram obedecidas, e no que se refere à Democracia, 
o filósofo aduz que este órgão, ao cumprir sua função, deve se restringir expressamente ao que 
diz a letra da lei, uma vez que os jurisconsultos eram formados por membros do próprio povo, 
e estes não poderiam ser capazes de interpretar além do que a lei expunha. 
Contudo, as leis e as decisões, de acordo com o filósofo, jamais devem imprimir uma 
sensação de liberdade como significando agir da maneira que se quiser. Em verdade, para 
Montesquieu, o sentido de liberdade, numa Democracia, “[...] não pode consistir senão em 
poder fazer o que se deve querer, e em não ser constrangido a fazer o que não se deve desejar” 
(MONTESQUIEU, 2003, p. 164). E, para a garantia dessa liberdade, em cada governo, o 
filósofo desenvolve a ideia da divisão de poderes do Estado em três, os quais denomina como 
“poder legislativo”, “poder executivo das coisas que dependem do direito das gentes” e “poder 
executivo das coisas que dependem do direito civil”. De acordo com Montesquieu (2003), cada 
poder destes teria uma função bem definida, conforme delineou: 
 
Pelo primeiro poder, o príncipe ou magistrado cria as leis para um tempo determinado 
ou para sempre, e corrige ou ab-roga aquelas que já estão feitas. Pelo segundo, 
determina a paz ou a guerra, envia ou recebe embaixadas, estabelece a segurança, 
previne as invasões. Pelo terceiro, pune os crimes ou julga as questões dos indivíduos. 
Chamaremos este último “o poder de julgar”, e o outro chamaremos, simplesmente, 
“o poder executivo do Estado” (MONTESQUIEU, 2003, pp. 165-166). 
 
Nesse sentido, o filósofo afirma que, para que a citada liberdade seja plenamente gozada 
pelos cidadãos, além da divisão dos poderes em si, esses poderes jamais poderiam se misturar 
31 
 
uns aos outros, pelo risco de se criar, novamente, governos despóticos. Defende, portanto, 
Montesquieu (2003), a independência dos poderes, pois, de acordo com sua obra, quando o 
poder legislativo e o poder executivo estão concentrados em uma só pessoa, ou em um só corpo 
de pessoas, corre-se o risco de ocorrer a criação de leis tirânicas, a serem aplicadas de forma 
tirânica. Em consonância, se o poder de julgar não estiver desvinculado dos demais poderes, 
poderia ou ocorrer a opressão por parte dos juízes, ou haveria apenas decisões arbitrárias, já 
que o juiz legislaria conforme seu entendimento, em cada causa, abolindo-se, assim, a liberdade 
dos indivíduos perante o Estado. 
Contudo, o filósofo defende que, ao contrário do poder legislativo, que deve ser vitalício 
para que os costumes sejam sempre preservados, e do executivo, que deve ser hereditário, 
concentrado, preferencialmente, na figura de um rei, o poder de julgar deveria ser eleito pelo 
cidadão a ser julgado, sempre que necessário, para não se criar um mal-estar social. E, ainda, 
de acordo com Montesquieu (2003), os jurisconsultos eleitos para dirimir as questões 
levantadas deveriam se ater às leis, trazendo uma noção primária de segurança jurídica, 
conforme se depreende se seus dizeres: “se os tribunais não devem ser fixos, os julgamentos 
devem sê-lo a um tal ponto, que nunca sejam mais que um texto fixo da lei. Se representassem 
uma opinião particular do juiz, viver-se-ia na sociedade sem saber precisamente quais os 
compromissos que nela são assumidos” (MONTESQUIEU, 2003, pp. 167-168). 
Em contrapartida, remontamos ao que diz Dalmo de Abreu Dallari (2011), que explica 
que esta separação de poderes, ainda que considerada o alicerce fundamental contra a tirania 
dos governos, não se caracteriza como uma efetiva quebra no poder do Estado, mas se traduz, 
sim, numa divisão de funções entre órgãos estatais que compõem o poder do Estado, de forma 
uma. Nesse sentido, Dallari (2011) afirma que a intenção da ideia primária de divisão de 
poderes era exatamente a de enfraquecer o Estado, para que as liberdades individuais fossem 
asseguradas e prevalecessem. Contudo, nos dias de hoje, é pacífico o entendimento de que o 
Estado deve ser indivisível, para manter sua soberania frente à outros Estados, transformando 
essa noção de separação de poderes em uma distribuição de funções, à órgãos especializados 
dentro do Estado, o que dá maior eficiênciaàs ações governamentais. 
Conforme bem lembra Dallari (2011), a ideia de repartição do poder do soberano 
remonta à Aristóteles, que já afirmava que a concentração do poder estatal na mão de apenas 
um indivíduo era injusto e perigoso. Perpassou-se esta ideologia, ainda, por Maquiavel, que 
afirmava que “[...] já se encontravam na França três poderes distintos: o Legislativo 
(Parlamento), o Executivo (o rei) e um Judiciário independente [que] poderia proteger os mais 
32 
 
fracos, vítimas de ambições e das insolências dos poderosos, poupando o rei da necessidade de 
interferir nas disputas [...]” (DALLARI, 2011, p. 216). 
Contudo, é apenas em Locke que se encontra uma sistematização da separação de 
poderes, mas foi Montesquieu o responsável por elaborar a teoria da separação dos poderes, 
harmônicos e independentes entre si, nos moldes encontrados na maioria das Constituições 
atuais do mundo, estando prevista, inclusive, na própria Declaração dos Direitos do Homem e 
do Cidadão, como garantia de liberdade individual constitucional. 
Com o desenvolvimento das Constituições pelo mundo todo, conforme aduz Dallari 
(2011), o conceito de separação de poderes de Montesquieu foi aprimorado, justamente para se 
afastar do já mencionado aspecto enfraquecedor do Estado, buscando caracterizar apenas uma 
divisão de funções entre os órgãos estatais. A Constituição Norte-Americana, com seu conceito 
de freios e contrapesos deu grande contribuição para este aprimoramento, o qual, juntamente 
com a definição primitiva de Charles-Louis de Secondat, influenciou a Constituição Brasileira 
de 1988. De acordo com Dallari (2011), a teoria dos freios e contrapesos defende o seguinte: 
 
[...] os atos que o Estado pratica podem ser de duas espécies: ou são atos gerais ou 
são especiais. Os atos gerais, que só podem ser praticados pelo poder legislativo, 
consistem na emissão de regras gerais e abstratas, não se sabendo, no momento de 
serem emitidas, a quem elas irão atingir [...]. Só depois de emitida a norma geral é que 
se abre a possibilidade de atuação do poder executivo, por meio de atos especiais. O 
executivo dispõe de meios concretos para agir, mas está igualmente impossibilitado 
de atuar discricionariamente, porque todos os seus atos estão limitados pelos atos 
gerais praticados pelo legislativo. E se houver exorbitância de qualquer dos poderes 
surge a ação fiscalizadora do poder judiciário, obrigando cada um a permanecer nos 
limites de sua respectiva esfera de competências (DALLARI, 2011, p. 218). 
 
Apesar da evolução no conceito de separação de poderes, aduz Dallari (2011) que na 
atualidade, esse sistema se mostra falido, não por sua conceituação primordial, que buscava o 
protagonismo máximo do povo, estando o Estado como coadjuvante do governo geral, mas sim 
porque com o avanço das sociedades, passou-se a exigir cada vez mais a intervenção do Estado, 
de forma técnica, para a solução dos problemas cotidianos, principalmente no que se refere à 
economia Liberal, que sempre buscou a liberdade individual das pessoas, mas acabou se 
mostrando defensora das liberdades de apenas alguns privilegiados. 
Dessa forma, as principais críticas ao modelo de Democracia calcado na separação dos 
poderes, onde Dallari (2011) afirma que, atualmente, esta separação de poderes é apenas formal, 
uma vez que da análise do comportamento dos órgãos estatais, depreende-se que houve uma 
intensa intervenção de uns órgãos sobre os outros, ou ainda, da sobreposição de algum dos 
órgãos estatais sobre os demais. O caso brasileiro que se pretende estudar não foge à regra, 
33 
 
concentrando-se o segundo capítulo desta monografia na pesquisa sobre a interpenetração que 
o Poder Judiciário vem fazendo às funções do Legislativo, para tentar entender o sistema 
governamental que se desenvolveu em nosso Estado, à luz de nossa Constituição. 
 
1.3. Representação e Poder Legislativo: legitimação como porta-voz do povo 
 
Remontando ao aspecto basilar da democracia, qual seja a participação das massas 
gerais da sociedade, faz-se necessário entender como funciona a democracia representativa, e 
de que forma surgiu essa ideia de representação. Nesse sentido, retornamos ao ensinamento de 
Bobbio (2000), que afirma, ao analisar o desenvolvimento das teorias de governo, que o 
conceito de democracia passou por uma evolução, uma vez que em sua concepção antiga, o 
povo se reunia na praça para decidir por si mesmos as coisas do Estado, o que não era bem visto 
aos olhos dos principais teóricos políticos, já que estes consideravam as sociedades um 
agrupamento de classes que não saberia dosar seus interesses pessoais em prol do bem maior 
do Estado, onde cada grupamento estaria apenas interessado em defender suas próprias queixas, 
quase que num retorno ao “estado de natureza”, cuja existência é defendida por alguns teóricos. 
Contudo, ao contrário do que pensavam os teóricos clássicos pós-absolutistas, a 
democracia moderna é a forma de governo mais aceita e mais buscada pelos Estados na 
atualidade, justamente porque, de acordo com o Bobbio (2000), a soberania e o poder 
continuam com o povo, porém, quem decide para o povo são seus representantes, eleitos por 
estes, demonstrando uma centralização de ideias dentro do Estado, mas esse tipo de governo 
somente será considerado uma democracia efetivamente, se toda a atuação do representante for 
pública, para que o povo possa exercer o controle sobre este, de forma a permitir que a 
representação continue, ou se encerre. 
Dessa forma, uma vez que a representação é vista como um dos alicerces da democracia 
moderna, destaca-se os conceitos desenvolvidos sobre o que é, de fato, este instituto. De acordo 
com Bobbio (2000), por exemplo, a representação pode tomar dois aspectos diferentes em seu 
fundamento, quais sejam, primeiramente a ideia de uma instituição composta por pessoas 
eleitas, que se reúnem para tomar decisões coletivas, e, em segundo plano, a noção de que essas 
mesmas pessoas lideram diferentes ideologias, e defendem, neste interim, interesses 
particulares de determinados grupos sociais. Nas palavras de Bobbio (2000): 
 
“Estado Representativo” quer dizer Estado no qual existe um órgão para as decisões 
coletivas composto por “representantes”, mas pouco a pouco assume também o outro 
34 
 
significado de Estado no qual existe um órgão decisório que, através de seus 
componentes, representa as diferentes tendências ideais e os vários grupos de interesse 
do país globalmente considerado (BOBBIO, 2000, p. 458). 
 
Contudo, destaca Bobbio (2000) que essa “representação” deve ser considerada, sempre, 
uma “representação de interesses”, ainda que se leve em conta os vários aspectos que a palavra 
“interesse” possa tomar. Bobbio (2000) afirma que o termo “interesse” é bastante genérico, e 
apenas terá sentido, dentro da ideia de representação, num Estado democrático, quando 
qualificado pela intenção que necessita tomar. Nas palavras de Bobbio (2000), “[...] a diferença 
está na oposição entre interesses parciais e interesses gerais, entre interesses de grupos 
particulares e o interesse da inteira nação [...]” (BOBBIO, 2000, p. 461), e esta “representação 
de interesses” tomará forma, ou seja, será privada ou global, a depender da atuação do 
representante, dentro do órgão representativo, observando-se os momentos em que este agirá 
em defesa da classe que lidera, ou na formação da vontade geral do Estado. 
Em consonância, Orides Mezzaroba, em seu livro Introdução ao Direito Partidário 
Brasileiro (2004), aduz que a representação, encarada de forma genérica, possui uma infinidade 
de conceitos que podem ser considerados nas mais diversas áreas de conhecimento, desde as 
artes, a dramaturgia, passando pelas questões cotidianas, do âmbito civilístico, perpetrando pela 
noção jurídica da palavra, em seus mais variados ramos, até chegar na sua definição política. 
Em suas palavras, tantoo verbo representar quanto o substantivo representação podem 
significar “substituir ou agir em nome de alguém; reproduzir, espelhar as características de 
alguém ou de alguma coisa; evocar simbolicamente alguém ou alguma coisa; ou ainda 
personificar alguém ou alguma coisa” (MEZZAROBA, 2004, p. 10). 
Tomando essa ideia de que a representação admite inúmeras formas, ainda segundo 
Mezzaroba (2004), encontramos dentre os maiores pensadores clássicos da filosofia, as mais 
variadas formas de conceitua-la, com por exemplo Aristóteles, que defendia que a representação 
possui um caráter mais intelectual, ou Descartes, que relaciona representação com imaginação. 
Chama a atenção, contudo, o conceito de Schopenhauer, que define a representação como a 
manifestação da vontade objetificada no mundo real. 
Depreende-se da obra, ainda, que a vastidão de conceitos sobre representação também 
se agiganta dentro do Direito propriamente dito, ideia a qual, desde o século XIII, vai ganhando 
espaço. Frente ao juízo, por exemplo, a ideia de procurador, de acordo com Mezzaroba (2004), 
não se iniciou num sentido de representação de maneira geral, mas sim de interventor, que, 
contudo, caracterizava em si toda uma sociedade que buscava se apresentar. Entretanto, pelo 
35 
 
fato de os defensores da justiça guardarem essa relação com as pessoas, de modo geral, estes 
passaram a denominar-se representantes, para se referir à sua atuação profissional. 
Todavia, de todas as conceituações possíveis de representação, interessa-nos aquela 
feita por Mezzaroba (2004), no âmbito político, qual seja: 
 
A representação proporcional é, no Direito Político, instituto que garante, ao mesmo 
tempo que a representação dos grandes Partidos, também a possibilidade de espaço 
juridicamente protegido para as minorias partidárias. Da mesma forma, no Direito 
Público se opera com o conceito de regime representativo, para qualificar, em sentido 
amplo, todo o governo que for escolhido livremente pelo povo através de processo 
eleitoral e no qual o Poder é exercido em seu nome (MEZZAROBA, 2004, pp. 13-
14). 
 
Ainda, segundo Mezzaroba (2004), há de se tomar o cuidado em diferenciar 
representação da figura do mandato, que, apesar de se apresentarem correlacionadas, são 
institutos diferentes. Enquanto a representação se apresenta como essa tese de espelhar algo ou 
alguém, o mandato é a ordem propriamente dita, que é dada por alguém e para alguém, para 
efetivamente exercer a representação. Conforme aduz Mezzaroba (2004), “o mandato é um tipo 
de autorização para que uma pessoa exerça determinadas atividades em nome daquela que lha 
deu” (MEZZAROBA, 2004, p. 15). 
Contudo, o conceito de representação política, segundo Mezzaroba (2004), não nasceu 
da forma como o concebemos hoje em dia. Inicialmente, este conceito de representatividade 
não se referia à pessoas, ou à formas de governo, mas sim admitia-se um conceito de 
representação voltado à personificação de imagens abstratas, de objetos da natureza. Mesmo na 
idade antiga, com as primeiras civilizações, ainda que houvesse um tipo de governo com a 
figura de um representante, não se considerava que essa representação projetasse ideias 
políticas eleitorais, ou se relacionasse à figura do povo, de forma geral. 
A ideia de representação política como projeção das vontades e ideias de uma 
comunidade, conforme assegura Mezzaroba (2004), somente vieram a surgir entre os séculos 
XIII e XVII, com as reuniões dos burgueses e os lordes do parlamento, os quais foram tomando 
para si essa postura de reivindicadores das necessidades de seus conglomerados perante o poder 
central da monarquia. 
Verifica-se pela obra de Mezzaroba (2004), que as raízes do que se chama de 
representação iniciaram na Inglaterra, a partir do século XI, quando os senhores feudais 
buscavam limitar os poderes do rei, na necessidade de garantir seus interesses. Inicialmente, 
observa-se que os primeiros grupos representativos de classes não necessariamente 
representavam os interesses destas, ou do povo, de modo geral, mas sim, eram convocados pelo 
36 
 
rei para discutir o interesse deste. Apenas com o passar do tempo, e com a necessidade crescente 
que essas classes, principalmente a burguesa, do século XVIII, desenvolviam para proteger seus 
próprios interesses, é que esta noção de representação da vontade de outros passou a prosperar, 
e mesmo prevalecer sobre a soberania do rei. Nos dizeres de Mezzaroba (2004): 
 
Ao ser introduzida, a representação política não comportava nenhuma implicação 
democrática, operava tão somente como instrumento de articulação e acomodamento 
das forças políticas no Poder. Somente após a consolidação do Parlamento frente aos 
poderes do rei é que o regime político passa a atuar na direção crescente da formação 
de um governo representativo (MEZZAROBA, 2004, p. 31). 
 
Já nos Estados Unidos, o surgimento dos ideais de representação se relaciona com a 
conjuntura social em que a então colônia inglesa estava inserida. Suas próprias constituições 
regionais já demonstravam que se tinha essa ideia de soberania do povo, e que os governantes 
lá estavam para defender os interesses da nação. Tanto é que este sentimento de liberdade foi o 
motivo primordial que desencadeou na independência deste país. 
Enquanto isso, na França, o fator culminante para se instaurar uma ideologia 
representativa em seu governo foi a grave crise econômica que o país passou a atravessar após 
sua empreitada na guerra de independência norte-americana, o que gerou a instabilidade do 
governo, desencadeando nas manifestações das classes menos favorecidas, qual seja o terceiro 
estado, composto pelos que não faziam parte da nobreza e do clero, as quais resultaram no 
divisor de águas estabelecido pela Revolução Francesa. Foi ali que surgiram as maiores teorias 
sobre a representação política do povo, e de onde saíram as maiores inspirações para as 
formações de governos que viriam a seguir, como, por exemplo, a própria brasileira. 
Hoje em dia, nas palavras de Mezzaroba (2004), o conceito de representação, como o 
conhecemos, não é algo que possa ser definido de forma desconectada dos conceitos do sistema 
eleitoral, principalmente com relação às ideias liberais de Estado, uma vez que “a razão da 
representação política está em possibilitar o controle do Poder do Estado por aqueles que não 
podem exercê-lo pessoalmente” (MEZZAROBA, 2004, p. 20). 
Com a evolução das teorias dos estados e governos, verifica-se, segundo Mezzaroba 
(2004), que a mais recente estrutura de representação se encontra nas definições do estado 
liberal, o qual ascendeu como forma de governo em contraponto ao absolutismo vigente na 
Europa do século XVIII. No estado liberal, o principal objetivo era garantir a proteção à 
propriedade privada, reduzindo o intervencionismo do estado nas questões particulares, 
econômicas e sociais. 
37 
 
Dessa forma, de acordo com Mezzaroba (2004), houve um intenso trabalho dos teóricos 
da época, para definir o estado liberal, e foi de onde partiram as primeiras noções de 
representação política com o intuito de representar os interesses do povo, ainda que fossem, 
inicialmente, a defesa dos interesses de apenas algumas classes sociais. 
 
Obviamente que, de início, o modelo apresentado foi o da representação burguesa, 
censitário e excludente, com o qual a burguesia passa “ilusoriamente” a falar em nome 
de toda a Sociedade e a estabelecer as normas válidas para todos os indivíduos 
(MEZZAROBA, 2004, p. 48). 
 
Contudo, ainda que a representação política somente tenha ganhado força numa Europa 
moderna, o primeiro teórico a desenvolver um raciocínio de representação política, segundo 
Mezzaroba (2004), foi Thomas Hobbes, ao definir seu Leviatã como a personificação de todos 
os homens submetidos à sua autoridade. Entretanto, era exatamente esse o sentido de 
representação em Hobbes: o de uma entidade soberana,

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