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LUCAS TORCHIO COMPLEXO DO FREVO ESPAÇO COLABORATIVO PARA OS CLUBES DE FREVO DE PERNAMBUCO TRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO DO CURSO DE ARQUITETURA E URBANISMO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO - UFPE SOB ORIENTAÇÃO DO PROFESSOR FABIANO DINIZ PARA OBTENÇÃO DE TÍTULO DE BACHAREL EM ARQUITETURA E URBANISMO RECIFE 2019 Apresentação Este documento corresponde ao Trabalho de Conclusão do Curso de Arquitetura e Urbanismo realizado pelo aluno Lucas Torchio sob a orientação do Professor Fabiano Diniz para obtenção do título de bacharel em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Pernambuco. O tema foi escolhido a partir da problemática situação em que os clubes de frevo se encontram, mas também por razões afetivas pessoais com o Carnaval. O trabalho foi desenvolvido com a finalidade de entregar, como produto final, uma proposta arquitetônica que visa solucionar os problemas das agremiações e levantar o debate sobre o abandono dos clubes, pelo poder público e pela população em geral. O escopo do texto é o desenvolvimento do anteprojeto arquitetônico do Complexo do Frevo, com uma proposta pensada como parte de uma concepção urbanística que contempla todo polígono de intervenção determinado. O entendimento da relação mútua entre o bem imaterial do frevo e o espaço físico de São José foi primordial para um resultado completo de respostas às problemáticas levantadas no texto. A organização do documento se dá de forma linear para facilitar a leitura, embora o processo tenha acontecido de maneira sinuosa. O trabalho está dividido em quatro etapas distintas: análise histórica, situação atual dos clubes, o contexto urbano e a proposta do produto final. O embasamento inicial do projeto foi feito através de uma introdução histórica da origem do frevo e sua relação com o bairro de São José, com destaque para o processo de ruptura e descontinuidade da identidade do bairro e com a situação atual dos clubes. O momento delicado das agremiações foi identificado por meio de reportagens e entrevistas dos sócios dos clubes de frevo, que enfatizavam a necessidade de um espaço edificado para se estabelecer. No trecho seguinte, é levantada a questão da valorização do frevo como Patrimônio Histórico da Humanidade - título conferido pela UNESCO, 2012 - e também com a construção de um museu próprio, e contraste com a falta de atenção dada aos clubes. Essa contradição ressalta a necessidade de investimentos nessa outra área, já que os clubes são as instituições que dão continuidade ao frevo e são responsáveis pelo futuro da manifestação. Destacado o problema, na etapa seguinte foi feita uma análise urbana que evidenciou a necessidade de uma proposta global que una a proposta arquitetônica ao espaço público. O diagnóstico do bairro foi fundamental para o surgimento de conceitos norteadores e diretrizes para o desenvolvimento do partido da proposta edificada. A identificação das características urbanas se deu através da delimitação de um polígono de intervenção demarcado por pontos nodais e marcos arquitetônicos da região. A delimitação espacial demonstrou a existência de um adensamento de pontos focais, como prédios históricos, que apesar de próximos estão ilhados e segregados entre si. Também evidenciou a existência de diversas barreiras e vias subutilizadas que criam esse distanciamento formal e visual entre as partes importantes que precisam ser conectadas para criação de uma identidade do bairro. A última etapa é a proposta projetual propriamente dita, onde todo o embasamento dado anteriormente é materializado em forma, com dimensionamento e alocação dos usos. Inicialmente, foi necessário estabelecer um programa de necessidades que atendessem às demandas do bairro e dos clubes, desvendadas após as investigações realizadas neste presente trabalho. Após esse processo, foi necessário distribuir esse programa com o dimensionamento correto de acordo com as necessidades dos usuários. Essa composição dos programas distribuídos pelo terreno geram a volumetria da edificação que precisa ser implementada de forma que abracem o espaço público no térreo. Por fim, como resultado de todo esse processo foi apresentado os desenhos que compõem o anteprojeto (Plantas, Cortes, Fachadas e Perspectivas), feitos a partir de soluções espaciais e estruturais, propostas de revestimentos, concepção de fachadas e relações de cheios e vazios. SUMÁRIO 1. A HISTÓRIA DO FREVO 1.1. CARNAVAL E SUA ORIGEM.................................................................................................... .01 1.2. O FREVO E O BAIRRO DE SÃO JOSÉ.....................................................................................03 2. PROBLEMÁTICA DOS CLUBES 2.1. PREOCUPAÇÃO COM O PASSADO, MAS NÃO COM O FUTURO..........................................07 3. ANÁLISE URBANA 3.1. CONTEXTO URBANO................................................................................................................13 3.2. DIRETRIZES URBANAS......................................................,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,.................. ...59 4. COMPLEXO DO FREVO 4.1. O COMPLEXO DO FREVO............................................................................................................24 4.2. PROGRAMA DE NECESSIDADES............................................................................................... .25 4.3. O TERRENO............................................................................................................................. ......26 4.4. IMPLANTAÇÃO E VOLUMETRIA..................................................................................................28 4.5. O PROJETO..................................................................................................... ...............................31 1. A HISTÓRIA DO FREVO 1 1.1.Carnaval e sua Origem O Carnaval tal como se conhece hoje, é uma festividade derivada do Entrudo, uma tradição de costume português trazida ao Brasil no período colonial. O termo ‘entrudo’ é originado pela palavra latina “introlito” que significa introdução, faz referência aos dias anteriores à quaresma. A solenidade consistia em uma grande brincadeira em que as pessoas se atacavam com farinha, limões de cheiro, polvilho, urina e líquidos diversos durantes os três dias antes do período de liturgia e penitência. O entrudo, era uma manifestação que além da festividade popular, era um conflito de ocupação do espaço público entre classes sociais segregadas entre si.Foi o primeiro momento em que as classes populares composta de escravos, afrodescendentes, e comerciantes de baixa renda se divertiam coletivamente nas ruas da cidade. Em meados do século XIX, a manifestação começou a ter grande receptividade da população nativa, ela servia para ajudar e aliviar os compromissos atados com os dogmas religiosos rígidos do catolicismo da época. Toda a brincadeira e festa auxiliaram a aceitação e doutrinação religiosa em diferentes classes sociais. Enquanto isso, a tradição dos bailes já existia em Recife desde 1845, quando aconteceu o primeiro baile de máscaras na Madalena, e nos anos seguintes em que foram realizados nos teatros públicos do Apolo e Santa Isabel. Esses bailes que eram organizados pelas elites à moda de Veneza, cresceram e deixaram os salões para ganhar a rua, local já IMAGEM 01: Desenho de Jean Baptiste-Debret (1768-1848) mostrando escravos brincando no entrudo 2 abraçado pela população mais pobre. O choque de classes gerou muito conflito de pessoas com vivências distintas, pela disputa do uso da rua. A foliado povo no espaço público logo foi taxada negativamente pelas pessoas, imprensas e elite intelectual da época. Os jogos, brigas, violência e urinas se tornaram atividades reprimidas pelo governo. A força policial controlou a antiga prática do entrudo com o objetivo de afastar os pobres marginais das ruas das cidades para que os membros das classes médias e altas pudessem ocupá- las. Foi nesse contexto, que governo Imperial realizou, em 1855 no Rio de Janeiro, o Congresso de Sumidades Carnavalescas, para reunir todas as instituições que tinham interesse de resolver esse conflito, para assim decidirem o futuro do carnaval. O evento foi considerado a primeira agremiação organizada do carnaval, composto pelas classes mais bem posicionadas no topo da hierarquia social, demonstrando sua face e intenção elitista e higienista. No evento consegue-se chegar a um consenso de que o carnaval não terminaria, mas seguiria os moldes europeus visando atender a ordem e os bons costumes. Configurava-se assim, uma tentativa de modernizar o espaço público de maneira excludente, incentivando somente a prática de atividades culturais consideradas civilizadas. A proibição ao formato tradicional do carnaval de todo o Brasil, enfraqueceu a tradição e causou o declínio do entrudo no final do século XIX. Mas a atividade carnavalesca popular se adaptou, continuou nas ruas e resistiu em vários territórios do país. Em todo o Brasil, o carnaval começou a mudar de estilo, à exceção de Pernambuco onde se inicia um IMAGEM 02: Desenho de Guerave de 1883 retrata um baile de máscaras no Teatro Lírico do Rio de Janeiro. 3 movimento contrário ao governo imperial. Na mesma época da definição de mudança da festividade, aconteceu na região portuária de Recife um esboço daquilo que viria a se tornar as agremiações carnavalescas pernambucanas. Os integrantes das Companhias de Carregadores de Açúcar e das Companhias de Carregadores de Mercadorias se uniram durantes os festejos de tradição ibérica dos ternos de Reis. Os integrantes realizaram um cortejo levando música, dança e orações em referência aos três reis magos, enquanto carregavam um caixão de madeira e bandeiras ao som de fogos e músicas improvisadas no calor momento. Esse acontecimento iniciou a criação das associações coletivas de grupos de carnaval, iniciando a cultura de grupos carnavalescos de rua. Pode-se dizer que a partir da Abolição da escravatura em 1888 e com a maior liberdade civil para as classes mais baixas ocuparem as ruas sem opressão estatal, os grupos organizados de carnavais começaram a deslanchar. Nesse momento acontecem os desfiles carnavalescos, sempre acompanhados pelas bandas, militares e civis. A mistura da influência da cultura escravagista e da capoeira, as marchas e as quadrilhas europeias se misturam para formar as fanfarras. Grupos tradicionais pernambucanos, constituídos por instrumentos de metal são considerados a forma embrionária do frevo, resultado de toda a miscigenação cultural e artística brasileira. 1.2. O Frevo e o Bairro de São José No final do século XIX e início do século XX a cidade de Recife viveu uma fase de intensa agitação. O Novo século anunciava uma nova era: estradas de ferro, novas tecnologias de comunicação, construção de novas avenidas e mudanças urbanas. Essa modernização, o bairrismo e a libertação dos escravos trazia uma sensação de otimismo e esperança. O frevo traduzia o clima de efervescência vivida pela população que se expressava através da dança e música. Para compreender a história do frevo é necessário entender a história da formação dos bairros mais antigos e das camadas populares da cidade. O surgimento do frevo se confunde muitas vezes com a 4 história de formação do centro histórico, principalmente de São José. São José é um dos bairros mais tradicionais da cidade do Recife e compõe junto com os Bairros de Santo Antônio, e do Recife o centro histórico e cultural do município. A região tem inúmeros marcos importante para a cidade, como o Mercado de São José; a Casa da Cultura; o Pátio de São Pedro e o Forte das Cinco Pontas. O espaço público com todos esses marcos, além de acolher espacialmente as manifestações fez parte do processo como protagonistas na união entre grupos diferentes de pessoas, e foi nesse encontro de experiências e de costumes que o frevo foi criado, unindo diferentes tribos. Após a abolição da escravatura o centro histórico de Recife e de todo o país tinha uma presença forte de negros de ganho - ex-escravos que passavam o dia peregrinando pela cidade atrás de algum serviço que pudesse sustentá-los. Trabalhavam como pedreiro, ferreiro, marceneiro ou qualquer atividade que trouxesse alguma renda para ele e sua família, como uma prática de resistência e sobrevivência. Geralmente se aglomeravam em locais movimentados como mercados, praças, portos e pontes, nos bairros históricos. O cenário de São José constituído do Mercado de São José, dos Armazéns, das praças e Igrejas criou um grande ambiente de troca e de conexão criando um frenesi social que foi a base para o surgimento do frevo. É nesse contexto espacial que as primeiras associações organizadas de trabalhadores formaram os clubes de pedestres em diversos formatos, tamanhos, músicas e fantasias. Essas organizações foram criadas com o objetivo de defender os interesses coletivos e reivindicar melhores condições de vida, mas também estruturaram cortejos inspirados nas procissões da quaresma. Os clubes criaram uma forma própria de festejar durante os dias de folgas, não existiam os luxos alegóricos, nem as músicas cantadas nos bailes e teatros. O povo desenvolveu músicas e cantos particulares, muito vibrantes que se espalharam nas ruas do centro urbano, principalmente no Bairro de São José. O carnaval do Recife ainda hoje, tem a maioria de suas tradições ligadas ao bairro, pois é lá onde se 5 realizam os desfiles, e também é o lugar em que originou as sedes de clubes carnavalescos importantes, como o Clube das Pás Douradas, dos Vasculhadores e do Clube Vassourinhas, além da escola de samba Estudantes de São José, criada pelos estudantes da vizinhança. Em São José também sai, no Sábado de Zé Pereira o Galo da Madrugada, conhecido como o maior bloco carnavalesco do mundo, que anuncia a chegada do carnaval. Antigamente, os ensaios dessas agremiações no período antes do carnaval, levavam multidões às ruas ao som do frevo e das músicas tradicionais. Documentações históricas contam como o bairro se transformava em um grande bloco monolítico, nas vielas e ruas estreitas quando os clubes vinham de todas as partes da cidade. A Rua da Concórdia, Pátio do terço, Rua Direita, Forte das Cinco Pontas, tudo se unia num único cenário de festa. Era o Carnaval do povo mais humilde, tradicional e inclusivo da cidade do Recife. Porém, apesar das tradições, com o passar do tempo São José deixou de ser uma zona residencial e passou a ser uma área predominantemente comercial. As Ruas das Calçadas, da Concórdia e todo o comércio informal existente no local cria uma atmosfera de degradação, que piora depois do horário comercial. Esse processo de desvalorização causou o padecimento da identidade do bairro por causa da falta de residentes locais, e em consequência disto as agremiações também foram perdendo sua importância perante a sociedade, principalmente em relação ao público mais jovem. Mesmo passado por processo de degradação e de gentrificação das populações antigas que residiam na região, o centro histórico ainda é o lugar que carrega a simbologia, a memória e continua sendo o palco principal do carnaval e do frevo. E apesar detodo o descuido público, o local ainda mostra ser um espaço de resistência em que o passado é revivido, e a história e tradições podem ser resgatadas. O complexo do frevo é proposto com a missão de ajudar neste resgate a tradição de São José. O projeto serve como instrumento de apropriação do frevo ao bairro, porque somente com a relação afetuosa entre os moradores, as pessoas e o patrimônio imaterial é possível readquirir os valores culturais e de costumes da região. 6 2. A problemática dos clubes 7 2.1.PREOCUPAÇÃO COM PASSADO, MAS NÃO COM O FUTURO O processo de reconhecimento formal do frevo como patrimônio imaterial foi um passo importante para manutenção dessa expressão artística e cultural. Em 2007, o frevo foi declarado Patrimônio Imaterial do Brasil pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), mas foi em 2012 que veio o maior reconhecimento. A Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) aprovou durante a 7ª Sessão do Comitê Intergovernamental para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, o frevo como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade. A condecoração incentivou o Poder Público a investir em novos espaços culturais para realizar a salvaguarda do frevo, que após o título é garantida por lei. O maior deles foi inaugurado em 2014. O Paço do Frevo, um museu novo, moderno e com design arrojado foi construído para contar as histórias do frevo de forma interativa e sensorial. O edifício além de ter um acervo histórico, também abriga atividades semanais de apresentações e ensino de dança e música, servindo como maior centro de referência do frevo. O contraste de investimento do poder público é evidente. Enquanto as áreas que geram mais publicidade eleitoral, como a inauguração de um grande museu recebem a devida atenção, as instituições tradicionais que mantém a história do frevo brigam pela sobrevivência e manutenção do legado. Nos períodos de Carnaval, toda exuberância desfilada durante a semana de folia destoa com a realidade do resto do ano. No corredor da Avenida Dantas Barreto, no centro do Recife, a decoração típica domina a Terça-feira Gorda, mas nos outros dias a luta dos clubes para se sustentar até o carnaval do ano seguinte é grande. As dificuldades econômicas são o principal desafio para a continuidade das agremiações, o que faz com que muitas vezes os presidentes recorram a empréstimos em agiotas para não deixar os clubes acabarem. As Instituições carnavalescas mais tradicionais alegam que os incentivos públicos não dão conta das 8 despesas. Elas recebem anualmente um incentivo que varia de acordo com o grupo. O valor da ajuda é R$ 3.450 a cada participante do Grupo de Acesso e de R$ 16 mil para os integrantes do Grupo Especial. O auxílio é depositado pela prefeitura em duas prestações, uma antes do carnaval e uma posterior, sendo a última, mediante prestação de contas (dados de 2015, segundo reportagem do Diário de Pernmbuco). Mas segundo os diretores, o custo de um desfile é cerca de 20 mil reais. De acordo com Lindivaldo Oliveira, (reportagem agência do Brasil) presidente do Banhista do Pina aos 82 anos na época da reportagem, o grupo se mantém através de ajuda da comunidade. “Vamos desfilar no carnaval e a prefeitura pagou o cachê, então não é uma ajuda, é um serviço. O que eles dão não dá nem para a orquestra”, argumentou. A manutenção das sedes, para os clubes que possuem, demanda munição financeira durante o ano inteiro. Para se sustentar, os diretores dos clubes organizam rifas, bingos e eventos, mas para aqueles que não têm sede fixa é difícil quitar as dívidas, armazenar materiais e angariar recursos. Atualmente, a maioria das instituições armazenam os pertences dos clubes na casa de sócios, e para fazer eventos precisam alugar um espaço privado. Os sócios das agremiações afirmam a necessidade de ter seu espaço próprio, o que ressalta a importância das sedes para a sobrevivência dos clubes, e consequentemente do frevo. A condição precária das agremiações fica evidenciada pelos depoimentos daqueles que são responsáveis pelas instituições. Mesmo Clubes centenários, como o Bola de Ouro, fundado em 1915, não escapam dessa conjuntura como conta em reportagem ao Jornal Diário de Pernambuco(2015) Luiza Ramalho, sua ex-presidente: “Nós, que nem sede fixa temos, tomamos empréstimos, usamos cartões de crédito dos familiares e recorremos à solidariedade de amigos para custear orquestra, fantasias e estandarte”.(...)Na casa no Bairro de São José - onde já se amontoam figurino e adereços do próximo desfile, além de peças dos carnavais passados - ela diz aguardar uma fiscalização mais “generosa” das entidades governamentais. Espera ser agraciada 9 com uma sede fixa e armazenar os pertences do clube fora da residência. “Seria a melhor homenagem”, arremata. “Vou morrer nesse bairro, à frente do clube, e, quando isso acontecer, vou passar o bastão ao meu filho Robervaldo Ramalho, vice-presidente” Infelizmente Dona Luiza faleceu meses após o centenário do clube, mas o filho dela segue administrando, dando continuidade ao legado da instituição, como era a vontade dela, segundo Gláucia Araújo de Souza, 50 anos, companheira do filho Robervaldo e atual vice-presidente, em outra reportagem, na Folha de Pernambuco(2017): “Ela (Luiza) tinha pedido a ele (Robervaldo) que não deixasse essa cultura morrer”, A administração passou de geração, o tempo passou, mas a conjuntura continua a mesma. A falta de sede e a gentrificação do clube para bairros periféricos e sem relação de memória e identidade com a história dificultam a manutenção. .“O maior sonho dela (Luiza) era ter uma sede”, lembra Gláucia. Atualmente o Bola de Ouro funciona sem sede, apenas com eventos na rua, no Bairro da Bomba do Hemetério, longe da região em que ele foi fundado. A importância de um espaço físico para realização de atividades, de armazenamento de materiais e de acolhimento da comunidade também é destacado pela nova gestão. “Se a gente tivesse uma sede, poderia promover eventos, desenvolver um projeto social e colocar um Carnaval melhor na rua”. Desabafa a vice- presidente durante realização da reportagem. Mesmo com toda a dificuldade utilizando recursos próprios e emprestados, o clube continua a sair todos os anos no carnaval ,sobrevivendo à base do amor de seus sócios e no legado passado para as novas gerações. É nisso que acredita Genival Dantas, presidente do Lenhadores, segundo ele: “As tradições que vêm de família, sobrevivem”(Diário de Pernambuco, 2015). Sua afirmação está apoiada pela fala de seu neto João Victor ao dizer que sonha ser presidente dos Lenhadores no futuro. O senhor de 76 anos de idade, destaca como maior obstáculo a situação fiscal. O Clube Carnavalesco 10 Misto dos Lenhadores, também está sediado em um bairro afastado do centro histórico e de sua origem. Atualmente está situado na Mustardinha, região sem ligação direta com o carnaval. Apesar de alguns clubes terem novas gerações de sócios dispostos a prosseguir com as tradições festivas, existem muitos em que os administradores estão em idade muito avançada e não tem ninguém para sucedê-los. É o que acontece com o Elefante de Olinda, por exemplo. João Trindade de 76 anos, não desiste do carnaval apesar de toda a dificuldade. “Só vou parar quando Deus quiser. É só disso que eu gosto. Foi a vida que eu escolhi”, conclui (Diário de Pernambuco,2015). O presidente acumula dívidas e trabalha o ano inteiro visando o carnaval e também passa pelo problema defalta de sede. Todo o patrimônio do clube fica armazenado na casa dele. Algumas agremiações apesar de possuírem edifício próprio, enfrentam o obstáculo de regular formalmente perante os órgão públicos, como no caso do Banhistas do Pina: “Gastamos as economias do grupo para atender às exigências do Ministério Público e Corpo de Bombeiros, que interditaram o espaço no fim do ano passado”, conta. Agora se desdobra para arrecadar fundos e custear as novas fantasias para o desfile. “Talvez não tenhamos condições”, lamenta Lindivaldo Leite, presidente do Banhistas do Pina ao contar do risco de não desfilar no carnaval (Diário de Pernambuco,2015). O Grupo Misto Pão Duro, fundado no mesmo bairro (Pina) em 1916, compartilha dos mesmos obstáculos. A resistência se dá pelo amor ao carnaval e da vontade de manter a administração familiar. O clube é presidido por José Levino, filho de um dos fundadores. Pela dificuldade de manter uma sede no bairro original por causa da especulação imobiliária, o clube se encontra atualmente na Rua Imperial. O que mais impressiona, é que mesmo os clubes tradicionais, que estão na cabeça de todo pernambucano que gosta de carnaval também estarem em situação precárias. Eliane Nogueira, diretora do Clube das Pás reclama: 11 “Trabalhamos com pouca estrutura e quase nenhuma mão-de-obra. São cerca de 150 fantasias, só uma costureira e duas bordadeiras. Não sou reconhecida” (Diário de Pernambuco, 2015). O que chama a atenção é que mesmo assim, a maioria dos dirigentes não pensa em desistir: “Só deixo isso aqui no dia em que Deus me levar” Conta Eliane. Outro Símbolo da história carnavalesca, o Amante das Flores persiste com resiliência. Fundada em 1919 no alto do Mandú, tem atualmente uma sede provisória na Bomba do Hemetério. O presidente, José Rinaldo é servidor público e assumiu durante a maior crise da história em 2010, quando o clube sofria o risco de não desfilar. Ele falou em reportagem sobre a dificuldade generalizada das agremiações: “Não há política de valorização. Boa parte dos presidentes de agremiações são pessoas idosas, com problemas de saúde, e isso coloca em xeque a sobrevivência das agremiações. Assumimos para não deixar uma tradição secular se perder”(Diário de Pernambuco,2015) Até o Vassourinhas, nome mais conhecido de todo o carnaval pernambucano, cujo hino da agremiação é o frevo mais tocado de todo o carnaval também está numa condição similar. Foi obrigado a mudar a sede para afogados, e posteriormente por falta de recursos desativou-a e colocou o imovel a venda. Mesmo com todo sacrifício, principalmente financeiro, ainda existem aproximadamente cinquenta clubes de frevo que participam dos carnavais da cidade de Recife e Olinda sendo 25 deles filiados à Federação Carnavalesca de Pernambuco. 12 3. Análise urbana 13 3.1. CONTEXTO URBANO 3.2. O BAIRRO SÃO JOSÉ SANTO ANTÔNIO BOA VISTA SANTO AMARO RECIFE São José é um dos Bairros mais antigos e tradicionais da cidade do Recife, possui uma área de 178 hectares e uma população de 8.63 habitantes segundo o censo de 2000 realizado pelo IBGE. Faz parte do centro histórico da cidade junto com os bairros de Santo Antônio, Santo Amaro e Boa vista. Essa é uma região de destaque, porque detém grande valor histórico, concentrado em maior parte nos bairro de Recife e São José, e também grande valor natural com a presença do encontro do Oceano com o Rio Capibaribe. MAPA 01 – CENTRO HISTÓRICO DO RECIFE 14 A região central do Recife, assim como a maioria dos centros históricos no Brasil, encontra-se em situação de abandono. A informalidade toma conta da região, os prédios residenciais encontram-se desvalorizados. Porém de toda zona histórica da cidade, nenhuma sofreu tanta descaracterização do seu patrimônio como o bairro de São José. A demolição maciça de prédios e desconfiguração do espaço urbano fez com que uma região que no passado era um bairro residencial, adquirisse com o passar dos anos uma função quase que unicamente comercial, e de maioria informal. Barracas, camelôs, Bancas e estruturas elétricas completamente desorganizadas obstruem a circulação nas calçadas e poluem a paisagem. Para agravar o cenário, a condição do asfalto das ruas e dos bueiros é precária. As praças se transformaram em dormitório para moradores de rua e os prédios históricos religiosos estão abandonados. A Basílica Nossa Senhora da Penha tem uma das torres com risco de desabar. A Igreja Matriz de São José está fechada aguardando obras de restauro que não tem prazo para começar e a Igreja do Terço tem as portas pichadas e vegetação invade a fachada. Diante dessa conjuntura, a proposta do Complexo do Frevo tem o objetivo de oferecer as condições necessárias para o funcionamento das agremiações, valorizando o bairro de São José por meio da cultura, para assim resgatar a importância das instituições. O projeto se propõe também a ser um instrumento para reestruturar a urbanidade do local e gerar vida noturna a uma área estritamente comercial. IMAGEM 03: Comércio informal no bairro de São José – foto de Arthur de Souza 15 Neste projeto, o recorte para análise de contexto urbano foi determinado pelos Limites mais influentes da região. De acordo com Lynch (1960), Limites são elementos de quebras lineares de continuidade visual e de circulação, atuando muitas vezes como barreiras, separando partes da cidade. Para definição do polígono de intervenção, foram escolhidos o trecho delimitado pelo Cais de Santa Rita ao leste, até o Terminal de Passageiros do Recife, a Casa da Cultura e o Rio Capibaribe à oeste. No outro sentido, os pontos marcantes para definição do polígono são a Basílica de Nossa Senhora do Carmo ao norte, e o Forte das Cinco Pontas com o viaduto ao sul. Entre esses pontos extremos existem outros pontos focais importantes como o mercado de São José, o Pátio de São Pedro e o Pátio do Terço. Todos eles conectados pelo eixo central da Av. Dantas Barreto (destacada no mapa 01 como uma grande linha pontilhada), que apesar de sua localização potencial atualmente serve como uma barreira entre as partes. MAPA 02 - MARCOS 16 Para entender o Polígono de intervenção é necessário relembrar o seu passado, mais precisamente durante as décadas de 1960 e 1970. Nesse período, a região sofreu um grande trauma na sua estrutura urbana o que ajuda a entender o abandono atual. Durante a segunda gestão como prefeito, Augusto Lucena concluiu a última fase da Avenida Dantas Barreto - trecho da Av. Nossa senhora do Carmo até a Praça José de Loreto. Apesar da oposição do IPHAN, o prefeito contou com apoio de uma elite intelectual e de grande parte da população seduzida pelo discurso do progresso. A abertura da Avenida Dantas Barreto destruiu cerca de 400 casas e sobrados, a Igreja dos Martírios e o Pátio do Carmo. A justificativa para a intervenção era viabilizar a fluidez entre a região central e a Zona Sul. Porém, a avenida nunca chegou a desempenhar sua principal atribuição funcional. Ela não tem uma conexão lógica com a malha urbana existente, e está no meio de dois fluxos binários (destacados em laranja no mapa 02), tornando-se uma via dispensável. Tentando resolver o problema, a prefeitura implantou o Calçadão dos Mascates, conhecido popularmente como camelódromo,com a função de dar uso à via, e diminuir o comércio informal da região. Nenhuns dos dois objetivos foram alcançados. A avenida não melhorou a fluidez do trânsito; o camelódromo está subutilizado e o comércio informal continua presente em todo o bairro de São José. Os ambulantes ocupam os espaços e promovem o caos urbano, dificultando a limpeza e organização do espaço público. IMAGEM 04: Av. Dantas Barreto subutilizada – fonte: Google Maps 2015 17 Além do acima exposto, a Avenida Dantas Barreto junto com o camelódromo, criou uma barreira visual e de passagem. Essa barreira modificou a forma de ocupação do solo, dividindo o bairro em quatro zonas de características diferentes de uso, morfologia e tipologia segregadas entre si. Pensando nisso, a proposta do Complexo do Frevo contém também uma reforma urbana, urbana, entendendo que para a efetividade do projeto é necessário que o contexto urbano esteja em um bom funcionamento. A intervenção de pedestrianização da avenida em um trecho específico tem como objetivo criar um espaço público central que possa conectar os marcos importantes da região para assim existir uma maior unidade e identidade entre as zonas ilhadas. No mapa 02 pode se perceber como as vias funcionam de modo que ajudam a descaracterizar o bairro. MAPA 03 - ZONEAMENTO 00002 18 A região Nordeste em marrom, onde se encontram o mercado de São José, pátio de São Pedro e o pátio do Terço, é a àrea de maior densidade comercial e que ainda tem mais edificações antigas em algum nível de preservação. Apesar de existir muitos sobrados, a degradação urbana e o comércio informal torna essa região bastante conflituosa. Nesse setor também tem os maiores problemas de infraestrutura urbana, com muitos bloqueios de passagem, calçadas em estado de degradação e vazamento de esgoto. No setor mais ao Sudeste na cor roxa, percebe-se um maior uso residencial nas proximidades do Forte das Cinco Pontas. Alguns sobrados ainda existem, mas em grande parte foram descaracterizados com revestimentos cerâmicos e esquadrias em alumínio.A dificuldade de manutenção dos edifícios antigos para moradores sem muitas condições financeiras acarretam na deformação dessas habitações históricas. Porém, ao Norte, na direção da Rua São João o uso predominante é de grandes comércios e galpões ao contrário da região do mercado que é formada por vários pequenos comércios. Do outro lado do eixo da Dantas Barreto, é evidente a diferença do tipo de ocupação em relação às áreas situadas mais ao oeste. Na parte Noroeste em laranja, ainda é possível encontrar alguns poucos sobrados, mas existem mais edificações modernistas de baixo gabarito, e pouco comércio informal. O uso predominante dessa região é o comércio formal mais concentrado e específico, de informática, eletrônicos, instrumentos musicais e autopeças. Na parte Sudoeste da delimitação territorial, colorido de rosa no mapa, é a região mais descaracterizada de todas, onde encontra-se muitos galpões, armazéns, estacionamentos e edifícios de alto gabarito. Essa é a região onde será proposto o Complexo do Frevo pelo seu alto potencial construtivo. Dentro do polígono de intervenção existem também, fora das zonas de ocupação, dois grandes terminais de transporte público. O terminal do Recife localizado mais do lado oeste contem os modais ferroviário e rodoviário integrados, com uma grande circulação diária de passageiros. Mais ao Leste está terminal do Cais de Santa Rita, uma das maiores estações Rodoviárias da Cidade. 19 No meio de tudo isso, está localizado o terreno destinado ao edifício. A localização do lote destinado ao Complexo do Frevo cria uma relação visual e espacial entre os edifícios importantes da região, ele serve como instrumento de delimitação geográfica para um aglomerado de pontos atrativos da região. A edificação possui uma forte presença na esquina em que se inicia a Alameda da Dantas Barreto, que termina em outra edificação importante a Igreja de Nossa Senhora do Carmo. A ideia dessa rua pedestrianizada e continua, é trazer unidade entre os percursos, e assim dar uma identidade visual e de percepção ao pedestre. O contraste entre as vielas fechadas e um grande boulevard aberto cria uma dinâmica interessante de espaços com diferentes escalas. Seguindo o conceito de visão serial defendida por CULLEN, no seu livro a imagem da Cidade, em que defende que a paisagem urbana deve ter uma sucessão de surpresas e revelações súbitas no percurso do transeunte. MAPA 04 -CONEXÕES 20 . 3.2. DIRETRIZES URBANAS Dentro do polígono de intervenção delimitado pelo projeto, existem vários edifícios notáveis e dois grandes terminais de transporte público; o Cais de Santa Rita e o Terminal do Recife. Apesar de existir a aglomeração de pessoas, a relação entre os pontos focais não existe. Cada edifício histórico e cada parte marcante do bairro é uma ilha segregada ao entorno. A abordagem utilizada para entendimento da relação do projeto com o espaço urbano foi baseada nos pensamentos de Kevin Lynch sobre a percepção da cidade, estruturado em três elementos principais: Bairros, Caminhos e Marcos. O Bairro nesse caso é entendido como uma área com uma percepção relativamente homogênea em relação à cidade, com alguma característica única em comum que o diferencie dos outros lugares da cidade, ou seja, um espaço delimitado com identidade própria como ele descreve no seu livro A Imagem da Cidade: “(Bairros são) partes razoavelmente grandes da cidade na qual o observador “entra”, e que são percebidas como possuindo alguma característica comum, identificadora.” (LYNCH, 1960, p. 66) Como descrito anteriormente, as avenidas, os bloqueios físicos e visuais, como o camelódromo e os mercados informais, criam obstáculos para interação do bairro como um todo. A unidade e identidade do bairro com os prédios mais significativos é importante para dar maior valor global e atrair as pessoas. Um conjunto histórico atrai mais interesse que prédios isolados entre si. São José tem a característica de uma malha urbana inspirada nos moldes europeus, não existem grandes eixos conectores na região, o que dificulta associações entre os espaços. O charme das vielas é interrompido pela falta de estrutura que impossibilita as visadas e passagem entre os caminhos, que segundo Lynch (1960, p. 47): “São canais ao longo dos quais o observador costumeiramente, ocasionalmente, ou potencialmente se move. Podem ser ruas, calçadas, linhas de trânsito, canais, estradas-de-ferro” . 21 Ainda segundo Lynch, os caminhos são os principais elementos da percepção dos usuários, já que é durante os percursos e deslocamentos que as pessoas conseguem assimilar todos os outros componentes da cidade e da paisagem. Quando esses caminhos não apresentam características de unidade, a imagem global da cidade fica prejudicada. Nessa conjuntura, como atualmente a Dantas Barreto é um grande corredor que serve para segregar as partes do bairro, ela deixa de cumprir sua função, e atua como uma barreira, e não um caminho. Por isso, junto ao o projeto do edifício está a proposta pedestrianização da via, no trecho da Rua São João (via lateral ao Coplexo do Frevo) até o pátio da Igreja Nossa Senhora do Carmo. Uma grande alameda com permeabilidade visual, fluidez e conforto para o pedestre, servirá como principal eixo conector entre os pontos importantes do bairro. Por outro lado, o fechamento da Dantas Barreto não causaria grandes transtornospara o trânsito, porque existem dois binários viários no perímetro do polígono de intervenção. Um binário ao norte oriundo da Rua Imperial e outro ao sul proveniente da Av. José Estelita. A solução de transporte público que atualmente passa por lá, já é realizada durante o carnaval sem maiores problemas. Nesse trecho da Avenida existem três pontos de ônibus que seriam desativados pela proposta. Essas três paradas contemplam 16 linhas de ônibus (Dados do o app Citamobbi) que trafegam no sentido zona sul, para Boa Viagem / Pina pela Avenida Engenheiro José Estelita, ou para Afogados e Jaboatão pela Rua Imperial. A solução, assim como proposto nos dias de carnaval é utilizar os fluxos binários existentes na malha urbana. Para ir em direção à Afogados e Jaboatão o trajeto se dá pela Rua Floriano Peixoto mais à oeste do polígono. Para ir ao sentido Pina e Boa Viagem o caminho é percorrido pelo Cais de Santa Rita ao leste da Região, Ambos os fluxos estão destacados em laranja no Mapa três presente no texto. Um novo projeto para camelódromo também é necessário de forma a fragmentar a grande edificação construída, para assim criar-se mais vias de passagem melhorando o fluxo e aumentando as relações entre os dois lados da avenida. 22 RU A SÃ O JO ÃO Atualmente o camelódromo é um grande volume continuo como se fosse um grande muro separando o bairro. A diretriz para a proposta urbana é fragmentar esse volume em módulos de 15 e 20 metros que se repetem com um espaçamento de 5 metros entre eles trazendo uma unidade rítmica e identidade a via. Esse espaçamento serve para trazer de volta a relação entre as partes do bairro e criar essa permeabilidade visual e novos fluxos destacados no desenho abaixo com setas pretas tracejadas. Outra diretriz importante a ser seguida é a relação com a malha urbana existente, as ruas do bairro precisam ter continuidade para que os caminhos tenham lógica ao transeunte. As aberturas destacadas com as setas vermelhas indicam essa lógica de permeabilidade urbana que são necessárias para o bom funcionamento do bairro. O dimensionamento correto das vias de pedestres também é necessário para abrigar corretamente as atividades do cotidiano. A Avenida tem aproximadamente 50 metros de largura em toda sua extensão. Dentro desses 50 m foi atribuído 20 para os desfiles de carnaval (como é atualmente), 5 para cada edifico comercial e o restante de grandes espaços de circulação arborizados. Desenho 01 – DIRETRIZ URBANA COMPLEXO DO FREVO 23 4. O COMPLEXO DO FREVO 24 4.1. O COMPLEXO DO FREVO A partir da análise histórica, urbanística e da condição dos clubes de frevo percebe-se que é necessário uma solução que favoreça autonomia e independência das agremiações. Essa autossuficiência só será possível no bairro em que suas tradições estejam enraizadas, para que a população se aproprie do espaço destinado às entidades carnavalescas. Por isso, a revitalização do Bairro de São José e o resgate do frevo são questões correlacionadas. A solução para o cenário de tantas problemáticas deve ter um pensamento interdependente que compreenda a conjuntura completa. Pensando nisso, a proposta do Complexo do Frevo apresenta um conjunto de soluções urbanas, arquitetônicas e de espaços colaborativos para os representantes das entidades interagirem entre si e com a sociedade. Para assim, criar um espaço edificado direcionado aos clubes de frevo, pois um bem imaterial necessita de um lugar físico para se estabelecer e fincar raízes. O terreno escolhido encontra-se em um local estratégico, onde atualmente é usado como estacionamento. O projeto situa-se na esquina da Dantas Barreto onde começa o desfile do carnaval, para servir assim como um marco que delimita o espaço e chama os olhares para a área de apresentação dos clubes. O Edifício contempla os espaços necessários para as agremiações funcionarem. O programa contém área de diferentes tamanhos para ensaio e dança, além de espaço para armazenamento de material, lojas, ateliês compartilhados e área para realização de eventos aberto ao público ou fechado. Com o intuito de promover utilização diária da população e também viabilizar financeiramente o projeto, o prédio vai abrigar restaurantes que poderão se transformar em camarotes no carnaval, e uma parte de maior gabarito com comércio e serviços. A localização privilegiada do lote atribui ao projeto a necessidade de se integrar ao espaço público. O térreo fluido e de uso comum, com eventos e restaurantes, dão uma vida noturna a um bairro estritamente comercial, estimulando novas 25 atividades e uma melhor dinâmica urbana para a região. A proposta é que o pavimento térreo seja uma grande praça conectada aos pedestres, para que os moradores, pessoas que trabalham no bairro e visitantes possam usufruir dos eventos, do polo gastronômico e das lojas. 4.2. PROGRAMA DE NECESSIDADES RESTAURANTES (850 m2) Devido ao potencial gastronômico de centro históricos e com a intenção de trazer vida noturna o edifício terá no lado adjacente a Alameda Dantas Barreto restaurantes com uso na calçada, no grande vão e no primeiro andar. Esse restaurante no primeiro também poderá ser utilizado como camarote para os períodos do carnaval com a remoção temporária dos brises. A área abriga espaço para 250 pessoas divididos em 4 espaços distintos, todos com áreas de contemplação do espaço público e para o pátio interno do edifício com uma escala de visões e conexões que atraem as pessoas. ESPAÇO PARA APRESENTAÇÕES. No grande espaço de convivência situado no centro do terreno tem uma área com palco para apresentação gratuita para o público em que as agremiações podem fazer eventos para divulgação do trabalho dos clubes. BOX DE LOJAS (150 m²) Um dos problemas encontrados na realização de festividades carnavalescas é o grande desperdício de material. Apetrechos, fantasias e ornamentações de alta qualidade são descartadas, quando poderiam ser vendidas e gerar lucro para as agremiações. Por isso, no térreo existe uma área destinada à loja e exposição desses materiais. ENSAIOS E SHOWS (175 m²) Espaço para ensaios modulares com 12 módulos base de 7,5 m² que podem se transformar em espaços de 15 ou 30 m² de acordo com a necessidade e números de pessoas que forem utilizar. Foi proposto também um salão maior com palco para apresentações e festas privadas com 70 m² e que de acordo com a demanda as paredes podem se retrair e todo o 26 espaço virar uma área para evento fechado com cobrança de ingressos. ARMAZENAMENTO (160 m²) Um depósito por clube da primeira divisão do frevo (16) com 10 m² cada para armazenamento de materiais diversos. ATELIERS (300 m²) Ateliers compartilhado de marcenaria serralharia e costura com espaço e equipamentos necessários para o exercício das atividades, A área destinada a serralharia tem 130 m², enquanto que para marcenaria e costura tem 85 m² cada. Esses espaços são destinados aos clubes carnavalescos para elaboração dos desfiles e apresentações nos outros períodos do ano, mas também podem ser utilizados por pessoas devidamente registradas. GERENCIA DOS CLUBES (50 M²) Espaço destinado para administração independente do edifício, com espaço para reunião dos representantes dos clubes tomarem as decisões em conjunto e mediar conflitos, essa área é composta por uma sala de chefia, uma de reunião e uma copa. SALAS COMERCIAIS (715 M²) Área administrada pelo coletivo de clubes para gerar renda e autonomia financeira para manutenção doedifício e independência para realização de atividades durante todo o ano. Esse espaço de salas comercias para alugar, estão dispostas em 18 salas de 35 a 50 m² e possuem áreas auxiliares de mini auditório, copa,sala de reunião e sala para administração do edifício além de estacionamento com uma vaga para cada escritório. 4.3. O TERRENO O terreno escolhido para o Complexo do Frevo estpa localizado na esquina da Rua São João como a Avenida Dantas Barreto, atualmente o lote é utilizado como estacionamento, uso que torna mais fácil propor uma nova construção por não necessitar de demolições. O lote possui 1.645 m² e está localizada em uma Zona Especial de Centro Principal com uma legislação de grande potencial construtivo. De acordo com o zoneamento a área tem coeficiente de ocupação μ = 7 afastamentos frontais e laterais nulos ou de 1,50 27 MAPA 05 – ENTORNO IMEDIATO metros dependendo do gabarito e afastamento no fundo de 3 metros. O terreno se situa na quadra junto a usos majoritariamente de serviços como o banco Santander, escritório de advocacia. No lote a Oeste do terreno Tem a presença de um edifício multifamiliar de uso misto sem muito valor histórico e tipológico. O entorno imediato com edificações genéricas, junto com uma legislação mais permissiva do terreno de certa forma dá mais liberdade projetual para realização do complexo do frevo. 28 4.4. IMPLANTAÇÃO E VOLUMETRIA A proposta do Complexo do frevo tem a intenção de não ser apenas um edifício, mas sim um espaço público de interação entre as pessoas e um marco importante para atrair atenção da sociedade para o bairro de São José que apesar de ter vários pontos marcantes da cidade está ofuscado pela degradação. Os marcos, pela visão de Lynch, são elementos pontuais vistos de várias partes da cidade e que se destacam na paisagem. A principal característica é a singularidade, com um aspecto único que o contrasta dos demais. A localização do edifício em uma esquina maximiza a importância do prédio como marco, pois as esquinas são pontos marcantes na estrutura urbana já que representam uma decisão, uma escolha para qual caminho seguir. Nestes pontos de convergências, a atenção do observador e a assimilação da paisagem é redobrada, e por isso os marcos que estão localizados nas interseções dos caminhos são mais facilmente memorizáveis e notadas como referências Além disso, a implantação e a morfologia do projeto precisam refletir a necessidade de ser relevante para o contexto local. Para alcançar esse objetivo tem o edifício foi pensado a partir de uma ocupação perimetral que abraçasse o espaço de convivência no meio do lote. Esse pátio central é alimentado pela própria dinâmica do edifício, a densidade dos usos atribuídas ao prédio traz a vitalidade para o espaço público proposto. A ocupação do lote se dá de forma que o edifício envolve a área de convivência e permite que os espaços internos e externos conversem entre si, seguindo o raciocínio defendido por Jane Jacobs e indo de encontro ao modelo modernista ainda muito utilizado no Brasil. IMAGEM 05: EVOLUÇÃO VOLUMETRICA 29 “Frequentemente, nas cidades modernas, arquitetos e planejadores constroem praças que são muito grandes. Elas são bonitas nos desenhos; mas na vida real acabam desoladas e mortas. Nossas observações sugerem fortemente que espaços abertos destinados a praças devem ser muito pequenos.” (Jacobs, 2000) Para alcançar esse objetivo, além da ocupação perimetral, foi proposto aberturas para circulação cruzada dos pedestres. Para assim, por meio da facilidade do de trajeto mais curto pelo meio da quadra, será criada uma grande praça interna com um fluxo natural de pessoas, no encontro dois eixos conectores evidenciando uma forte centralidade nesse espaço público central Essa região central da edificação é o que permeia o projeto que abraça o espaço conectando várias atividades propostas, articulando encontros, permanências e fluxos, convidando o passante a usufruí-lo. De acordo com Ghel (2011), a dinâmica dos espaços depende de aproximação, trocas, vivências e visadas. Um fator determinante para áreas públicas tenham vivência é a escala, que permite a convivência de maneira mais eficiente. “[...] pessoas e atividades podem ser montadas colocando-se prédios e usos para que o sistema de espaços públicos seja o mais compacto possível e para que as distâncias para o tráfego de pedestres e experiências sensoriais sejam as mais próximas possíveis.” Gehl (2011, p. 85) Seguindo esses conceitos, o projeto tem uma escala humana em que as distâncias a serem percorridas são curtas de forma a estimular a densidade e aglomeração de pessoas. Com a intenção de criar melhores articulações e relações entre as áreas de diferentes usos, foram propostas diagonais para aproximar os espaços edificados. Uma Diagonal foi projetada sobre o grande pátio central e outra inserida formalmente na fachada sul para materializar uma nova área de IMAGEM 06: EVOLUÇÃO VOLUMETRICA 30 convivência alargando a calçada. A forma diagonal induz linhas de fluxo e representam ação, atividade e movimento refletindo formalmente a personalidade do uso do complexo. A aproximação dos espaços não é feita apenas em relação a distância, mas também com a criação de interações passivas de sons,cheiros, visualização e assimilação de acontecimentos como defende Ghel: “Crucial para determinar a distância aceitável em uma determinada circunstância é não apenas a distância física real, mas em grande medida a distância percebida.” Gehl (2011, p. 137). Além da permeabilidade entre os espaços públicos e o prédio, é também necessário dar viabilidade econômica ao projeto. Sobre esse aspecto, foi observado que o principal problema dos clubes do frevo é não conseguir se manter justamente por não terem autonomia financeira e dependerem de subsídios do setor público. A proposta do Complexo contém uma parte de maior gabarito onde se estabelecerão cômodos de comércio e serviços. Essa área empresarial será de administração coletiva das agremiações do frevo e servirá para bancar as agremiações e manutenção do edifício. IMAGEM 07: EVOLUÇÃO VOLUMETRICA IMAGEM 08: EVOLUÇÃO VOLUMETRICA 31 Esse setor mais vertical se encontra mais à oeste, próximo de edificações de maior porte e na região sem relação visual com edifícios históricos. Ele protege o restante do edifício da insolação poente e ao mesmo tempo recebe diretamente os ventos de sudeste dando ao prédio uma situação de maior conforto térmico. O edifício se espalha por todo o terreno criando densidade sem a necessidade de grandes gabaritos conversando com a escala do seu entorno. A forma distribuída pelo lote cria conexões dos volumes que se intersecionam e criam uma dinâmica formal interessante, gerando uma volumetria que chama atenção do transeunte e fortalece o edifício como um marco para o bairro. 4.5. O PROJETO O térreo é o pavimento mais importante plano de conexão entre o edifício e a cidade, por isso é nele que estão a maioria dos usos públicos e coletivos. É nesse pavimento que o Complexo do Frevo precisa ser mais chamativo para a população e precisa ter o maior numero de atividades e formas atrativas. Visando atingir esses objetivos, no térreo está disposto dois grandes restaurantes, um café, área pra lojas e exposição além de espaço para apresentações abertas ao publico. Apresentando uma mistura de uso interno e externo para que a relação entre o Complexo e a Rua seja fluida e dinâmica. Noprimeiro andar existe uma área de uso mais restrita para os clubes, com espaço para armazenamento, ensaio e eventos privados, mas também restaurantes direcionadas para a Alameda Dantas Barreto. Nos andares superiores estão localizados os compartimentos de usos mais reservados como os escritórios e os ateliers. IMAGEM 08: EVOLUÇÃO VOLUMETRICA 32 . 32 33 34 35 36 37 38 32 33 REFERÊNCIAS: GASPAR, Lúcia. Agremiações carnavalescas do Recife e Olinda: clubes de frevo. Pesquisa Escolar Online, Fundação Joaquim Nabuco, Recife. Disponível em:<http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar> Lins, Larissa e Simões, Marina. Sócios da resistência: dirigentes lutam pela sobrevivência dos clubes carnavalescos. Diário de Pernambuco, Recife, 02 de fevereiro de 2015. Disponível em:< https://www.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/viver/2015/02/01/internas_viver,558025/soc ios-da-resistencia-dirigentes-lutam-pela-sobrevivencia-dos-clubes-carnavalescos.shtml.> Frevo Comemora 110 anos com festa e agremiações tradicionais pedem apoio. Revista Istoé,Recife 09 de Fevereiro de 2017. Disponível em: <https://istoe.com.br/frevo-comemora-110-anos-com-festa-e- agremiacoes-tradicionais-pedem-apoio/> ALMEIDA, L.S.; CABRAL, O.; ARAÚJO, Z. (Orgs.). “Festas públicas e carnavais”, in O negro e a construção do carnaval no Nordeste. Maceió: Edufal, 1996. IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Dossiê de Candidatura. Frevo: Patrimônio Imaterial do Brasil. Recife, Novembro 2006. LYNCH, Kevin. A Imagem da Cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1995. GEHL, Jan. Cidades para Pessoas. São Paulo: Perspectiva, 2013. JACOBS, Jane. Morte e Vida de Grandes Cidades. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
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