Buscar

ABANDONO AFETIVO

Prévia do material em texto

ABANDONO AFETIVO
Após a consolidação do afeto nas relações familiares juntamente com a evolução do ordenamento jurídico, o aspecto protetivo em relação à criança e ao adolescente foi incorporado na legislação.
Segundo a Constituição Federal, o dever da família é de resguardar a criança e o adolescente de toda forma de negligência, cabendo aos pais o dever de guarda e de educação dos filhos menores.
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)43
Conforme Rolf Madaleno, não se pode afirmar que diante da análise de um caso de abandono afetivo, não se vinga o argumento que é validado no Ar. 5º, inciso II da Constituição Federal: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, pois a própria Constituição Federal expressa como direito fundamental da criança e adolescente ser resguardado de toda forma de negligência.44
O Estatuto da Criança e do Adolescente é bem objetivo ao qualificar os deveres dos pais, cabendo a estes a proteção dos filhos.
Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.45
Já o Código Civil trata dos deveres específicos que é dado aos pais, de maneira bem taxativa, entretanto com uma total interpretação da norma como um todo.
Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges:
I - fidelidade recíproca;
II - vida em comum, no domicílio conjugal;
III - mútua assistência;
IV - sustento, guarda e educação dos filhos;
V - respeito e consideração mútuos.46
Em análise dos artigos acima mencionados, pode-se afirmar que a omissão injustificada do amparo físico e emocional de um filho, por qualquer parte dos genitores, ferem diretamente à Constituição, juntamente com as leis complementares a ela elencadas.
Segundo Rolf Mariano, “os filhos são vulneráveis às instabilidades afetivas e emocionais de seus pais. E estes são legalmente responsáveis pela assistência material e moral de sua prole, independente do exercício da sua guarda”.47
Após a formação de uma legislação mais protetiva, alguns aspectos foram colocados em debate sendo o legislador levado a novas situações como o dano moral por abandono afetivo
DANO MORAL NO ABANDONO AFETIVO
A reparação moral é uma forma de a pessoa defender sua identidade e integridade física mental, sendo de tamanha importância para o âmbito jurídico, que gerou diversas leis no campo jurídico geral.
A Constituição Federal no artigo 5º finalizou todas as discussões acerca de dano moral, para que não houvesse dúvidas diante do fato. Levando-a, a um patamar de direito fundamental.
Art. 5º: Todos são iguais perante a lei, sem distinções de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e a propriedade, nos seguintes termos:
(...)
V: é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
(...)
X : são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.81
Entretanto, dano moral, tem um caráter subjetivo, onde o legislador deve usar de seus conhecimentos para a perfeita aplicação da lei no caso concreto.
Já no âmbito do abandono afetivo, o dano moral tem um cárter significativo, no qual visa estabelecer uma multa pecuniária ao responsável por deixar a criança e causar a elas sérios danos psicológicos.
Deve-se ter muito cuidado ao utilizar o dano moral; sendo assim, o legislador tem que avaliar o caso concreto para mensurar a gravidade de tais danos à criança e ao adolescente.
Só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angustias e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão de fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia,no trabalho, no transito,entre amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do individuo.Se assim não se entender,acabaremos por banalizar o dano moral, ensejando ações judiciais em busca de indenizações pelos mais triviais aborrecimentos.82
Pode-se concluir que o dano moral firmou-se no ordenamento jurídico, pois as teorias que já vinham sendo aplicadas e seus reflexos se espelharam pelas legislações, como o ECA; que protege o Direito da Criança e do Adolescente, resguardando sua integridade física e psíquica e protegendo-os de lesões à sua dignidade ou a qualquer direito fundamental. Uma vez que haja o descumprimento dessas normas poderá culminar em dano moral.
7.1. CORRENTES DOUTRINÁRIAS
O entendimento doutrinário também sofreu diversas evoluções acerca do tema abandono afetivo, várias correntes se formaram, dando assim mais amplitude para o debate sobre o tema.
Entre os doutrinadores a matéria até então não pacificada gerou entendimento de duas correntes. Uma formada por aqueles que defendiam que o abandono afetivo se alto satisfazia, dentro do próprio direito de família, com a destituição do poder familiar e outra que defende a existência de dano moral nos casos de abandono afetivo.
Alguns argumentos utilizados por essas correntes são os que tratam do princípio da dignidade humana se calçando no princípio da afetividade juntamente com a proteção da criança e do adolescente. Em contrapartida existe o medo de o legislador interferir no seio familiar e querer quantificar o amor, dando a ele um valor monetário.
Quanto mais os casos ganhavam repercussão, mais o tema era amplamente debatido pelos doutrinadores que apresentavam argumentos novos para ambas as teses do dever de indenizar ou até mesmo da existência de abandono afetivo.
Dentre os grandes doutrinadores que se posicionam favoravelmente ao dever de indenizar por dano moral decorrente de abandono afetivo podemos classificar: “Maria Berenice Dias, Paulo Lôbo, Giselda Hironaka, Bernardo Castelo Branco, Rui Stoco, Rodrigo da Cunha Pereira, Maria Cláudia da Silva e Claudete Carvalho.83
 
Para Maria Berenice Dias:
A falta de convívio dos pais com os filhos, em face do rompimento do elo de afetividade, pode gerar severas sequelas psicológicas e comprometer seu desenvolvimento saudável. A figura do pai é responsável pela primeira e necessária ruptura da intimidade mãe-filho e pela introdução do filho no mundo transpessoal, dos irmãos, dos parentes e da sociedade [...].84
No mesmo sentido, Maria Berenice Dias, ataca também a corrente contrária, e afirma que:
A negligencia justifica, inclusive a perda do poder familiar, por configurar abandono (CC 1638 II). Porem, esta penalização não basta. Aliais, a decretação da perda do poder familiar, isoladamente, pode constituir-se não em uma pena, mas bonificação pelo abandono. A relação paterno filial vem assumindo destaque nas disposições sobre a temática da família, deixando clara a preocupação com os filhos como sujeitos e não como sujeita-os ao poder paterno ou, mais especificamente, ao poder do pai.85
No mesmo sentido, têm-se as palavras de Rui Stoco:
[...] o que se põe em relevo e exsurge como causa de responsabilização por dano moral é o abandono afetivo, decorrente do distanciamento físico e da omissão sentimental, ou seja a negação de carinho, de atenção, de amor e de consideração, através do afastamento, do desinteresse, dodesprezo e falta de apoio e, às vezes, da completa ausência de relacionamento entre pai.86
Percebe-se que para essa corrente, a relação paterna filial exerce uma função indispensável no cuidado de uma criança e de um adolescente e que o abandono causa severos danos ao psicológico dos mesmos. Sendo isso suficiente para uma indenização moral, o que não descarta a perda do poder familiar, entretanto somente ele não satisfaz por completo o reparo e a sensação de abandono causado à criança e ao adolescente.
Aos olhares de Bernardo Castelo Branco, o pai tem um papel fundamental na vida dos filhos, sendo ele responsável pela criação moral e intelectual e pelo papel de permitir o acesso a ambientes nocivos ao seu desenvolvimento. Assim como também de precaver o contato com álcool e drogas, por exemplo, por ser adoção de comportamento ilícito que viola um dever juridicamente imposto aos titulares do poder familiar.87
Deve-se perceber também, que a reparação pecuniária, não se baseia apenas na falta de afeto em si, e sim no descumprimento de um dever jurídico resguardado pela Constituição. Desta forma, Wlademir Paes de Lira opina: “a paternidade e maternidade responsável está prevista no art. 226 da CF, e caminha conjunto ao direito fundamental da criança e adolescente, e são de suma importância para colocar a multa pecuniária”88
Em contrapartida existem os doutrinadores que entendem que a reparação civil não deve ser vingada, em seus argumentos se destacam o de que a reparação pecuniária do abandono afetivo causaria uma monetização do afeto. Seguindo este conceito, Lizete Schuh, afirma que a simples indenização pode ser um caráter punitivo, porém reafirma a mecanização das relações familiares. Contudo, afirma que apesar disso nesses casos a reparação tem intuito pedagógico, visando inibir omissões futuras dos pais em relação a seus filhos. 89
Ainda na corrente contrária, existem também aqueles que sustentam a tese de que o descumprimento desse dever se finaliza dentro do próprio direito de família uma vez que, sua sanção mais correta seria a destituição do poder familiar.
Nessa linha de pensamento, discorre Danielle Alheiros Diniz que esse descumprimento deve ser olhado apenas na ótica do direito de família. Sendo o caso de perda do poder familiar a mais adequada sanção, pois uma mãe ou um pai que não convive com o filho não merece ter sobre ele qualquer tipo de direito.90
Outra tese desses doutrinadores é de que não se pode obrigar a amar um filho e nem ser culpado por isto. Lizete Schuh afirma que: “não se pode postular o amor em juízo, visto que a capacidade de dar e receber carinho faz parte do intimo do ser humano, fazendo que o amor crie conceitos jurídicos”.91
Em uma defesa contrária a de Lizete Schuh, Giselda Hironka rebate afirmando:
[...] é certo que não se pode obrigar ninguém ao cumprimento do direito ao afeto, mas é verdade também que, se esse direito for maculado – desde que sejam respeitados certos pressupostos essenciais – seu titular pode sofrer as consequências do abandono afetivo e, por isso, poderá vir a lamentar-se em juízo, desde que a ausência ou omissão paternas tenham-lhe causado repercussões prejudiciais, ou negativas, em sua esfera pessoal – material e psicológica – repercussões estas que passam a ser consideradas, hoje em dia, como juridicamente relevantes.92
Não pare agora... Tem mais depois da publicidade ;)
Desta forma, Priscilla Menezes da Silva, afirma que o dever familiar deve ser priorizado e que a convivência física não é tão necessária e sim a efetiva participação na vida dos filhos. Já que alguns casais não vivem juntos o que deve ser apontado não é a convivência, e sim o dever dos pais em cuidar, mesmo vivendo com outros companheiros e fora do núcleo familiar da criança e do adolescente.93
Catarina Almeida de Oliveira aponta que afetividade familiar está relacionada com solidariedade, não podendo se confundir com sentimento de afeto existente entre pai e filho, nesses termos aduz que:
Ao confundir a afetividade que pode ser realizada, independentemente do sentimento que se tenha, com aquelas outras expressões do amor (...), corre-se o risco de afastar da proteção do Judiciário, situações que tenham esse princípio como cerne, como por exemplo, o abandono afetivo, o que justificaria o argumento contrário de que a lei não pode obrigar ninguém a amar. Pode sim. Objetivamente.94
Os que vão contra a teoria da indenização nos casos de abandono afetivo, como Bernardo Castelo Branco, afirmam que uma indenização pode ser extremamente perigosa para a relação entre a criança ou adolescente e os pais. Pois pode afastá-los ainda mais, criando um efeito contrário ao esperado, visto que o pai poderá se revoltar contra tal punição pecuniária.
[...] a particularidade que cerca a relação paterno-filial, eis que fundada essencialmente na afetividade entre os sujeitos que dela participam, não permite a aplicação integral dos princípios que regem a responsabilidade civil. Logo, mesmo no campo específico do dano moral, cabe aferir em que medida o comportamento adotado foi capaz de romper os eventuais laços de afeto entre pais e filhos, uma vez que a admissibilidade da reparação não pode servir de estopim a provocar a desagregação da família ou o desfazimento dos vínculos que devem existir entre os sujeitos daquela relação. 95
Com isso, deve-se notar também que outras teorias conflitantes e controvérsias surgem ao tema ser levantado. Existem autores que debatem o tipo de caráter que seria assumido pela indenização, para alguns seu verdadeiro objetivo é impedir negligências no campo do afeto, para que se torne um caráter pedagógico e diminua os casos em toda esfera familiar. Para outros, tem caráter extremamente punitivo, no qual os pais são punidos por abandonarem seus filhos. E também há aqueles que vêem como um caráter compensatório, pois os filhos que foram lesados devem ser compensados para que o sentimento de rejeição venha a ser preenchido por um reconhecimento. E, ainda aqueles que são mais flexíveis vendo na indenização um meio de custear um plano psicológico para tratamento dos danos causados à criança e ao adolescente. Haja vista os autos custos das redes particulares de saúde e as más condições da rede pública ao se tratar do tema.
Contudo, deve haver uma análise ampla do tema do modo em que exista os requisitos para sua aplicabilidade. Sendo eles: a ação, o dano lesivo, o nexo de causalidade e o dever de indenizar, nesse sentido aduz Paulo Lôbo, que segundo o que consta no art. 226 da Constituição Federal, o dever de assistência abrange tanto a material quanto o moral, cujo o cumprimento deve-se a pretensão indenizatória.
7.2. CASOS DE DESTAQUE
Uma das primeiras sentenças sobre o referido tema ocorreu em 2003, quando o magistrado da 2º Vara da Comarca de Capão de Canoa/RS, Mario Romano Maggioni, proferiu sentença condenando um pai a indenizar a própria filha a título de danos morais. (Processo n.º 141/1030012032-0).
O pai foi condenado a pagar 200 salários mínimos de indenização por dano moral, em razão do abandono afetivo e moral da filha de 9 anos.
O legislador se valeu dos critérios de deveres inerentes ao pai para basear sua decisão, usando de base o artigo 22 da lei. 8.069/90, afirmando que:
Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos (art. 22, da lei nº 8.069/90). A educação abrange não somente a escolaridade, mas também a convivência familiar, o afeto, amor, carinho, ir ao parque, jogar futebol, brincar, passear, visitar, estabelecer paradigmas, criar condições para que a criança se auto-afirme.96
Em outro trecho, aduz que a ausência de um pai pode ser extremamente danosa, pois, os ensinamentos do “certo e do errado”, ficam abalados, tendo fortes possibilidades dos filhos se aterem a outros caminhos.
A ausência, o descaso e a rejeição do pai em relação ao filho recém-nascido ou em desenvolvimento violam a sua honra e a sua imagem. Basta atentar para os jovens drogados e ver-se-á que grande parte deles derivam de pais que não lhe dedicam amor e carinho;assim também em relação aos criminosos. De outra parte se a inclusão no SPC dá margem à indenização por danos morais pois viola a honra e a imagem, quanto mais a rejeição do pai.97
Como existiam interesses de menores o Ministério Público, deu seu parecer ministerial acerca do tema, afirmando que não poderia se valorar o amor indenizando uma pessoa pela falta do sentimento afetivo. Entretanto, mesmo com o parecer ministerial contrário o Juiz proferiu sentença favorável condenando assim o pai a pagar uma devida quantia. Esta sentença transitou em julgado, pois o réu não interpôs recurso, sendo assim considerado revel.
Após essa decisão, deu-se uma reviravolta no âmbito jurídico de modo que o tema passou a ser mais difundido e discutido, e em 2004, um novo caso surgiu dando mais uma vez decisão favorável ao filho que alegava não ter tido afeto.
O magistrado Luis Fernando Cirilona, da 31ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo-SP (Processo n.º 01.036747-0), segui a linha de pensamento utilizada pelo legislador Mario Romano Maggioni do Rio Grande do Sul, para sua decisão afirmando que:
A par da ofensa à integridade física (e psíquica) decorrente de um crescimento desprovido do afeto paterno, o abandono afetivo se apresenta também como ofensa à dignidade da pessoa humana, bem jurídico que a indenização do dano moral se destina a tutelar.98
O legislador ainda combateu a tese de que o sentimento não tem valor material afirmando que:
A indenização do dano moral é sempre o sucedâneo de algo que a rigor não tem valor patrimonial, inclusive e notadamente porque o valor do bem ofendido não se compra com dinheiro. Não se pode rejeitar a possibilidade de pagamento de indenização do dano decorrente da falta de afeto simplesmente pela consideração de que o verdadeiro afeto não tem preço, porque também não tem sentido sustentar que a vida de um ente querido, a honra e a imagem e a dignidade de um ser humano tenham preço, e nem por isso se nega o direito à obtenção de um benefício econômico em contraposição à ofensa praticada contra esses bens.99
Trouxe também, embasamento legal para sua decisão alegando que a paternidade provoca o surgimento de deveres, sendo eles resguardados em lei.
Examinando-se o Código Civil vigente à época dos fatos, verifica-se que a lei atribuía aos pais o dever de direção da criação e educação dos filhos, e de tê-los não somente sob sua guarda, mas também em sua companhia (artigo 384, I e II). Há, portanto, fundamento estritamente normativo para que se conclua que a paternidade não gera apenas deveres de assistência material, e que, além da guarda, portanto independentemente dela, existe um dever, a cargo do pai, de ter o filho em sua companhia. Além disso, o abandono era previsto como causa de perda do pátrio poder (artigo 395, II), sendo cediço que não se pode restringir a figura do abandono apenas à dimensão material. Regras no mesmo sentido estão presentes também no Código Civil vigente (artigos 1.634, I e II e 1.638, II).100
Importante verificar que além da indenização pecuniária dada ao réu, o juiz sentenciou que custeasse tratamento psicológico da autora.
O Tribunal do Estado de MG teve destaque e nas poucas oportunidades que apreciou a questão proferiu decisões contrarias e favoráveis ao dever de indenizar, sendo elas:
(Apelação Cível Nº 408.550-5, Sétima Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais, Relator: Unias Silva, Julgado em 01/04/2004, TJMG) que afirma positivamente, se valendo no conceito de deve ser indenizável, conforme o princípio da dignidade humana.
EMENTA – INDENIZAÇÃO DANOS MORAIS – RELAÇÃO PATERNO-FILIAL – PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA – PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE
A dor sofrida pelo filho, em virtude do abandono paterno, que o privou do direito à convivência, ao amparo afetivo, moral e psíquico, deve ser indenizável, com fulcro no princípio da dignidade da pessoa humana. (Apelação Cível Nº 408.550-5, Sétima Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais, Relator: Unias Silva, Julgado em 01/04/2004, TJMG).101
 
(APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0145.05.219641-0/001, Relator: Domingos Coelho, Data de Julgamento: 06/12/2006, TJMG) contrária ao dever de indenizar, se valendo das correntes que afirmam que não se pode obrigar o pai a amar seu filho.
EMENTA: AÇÃO DE INDENIZAÇÃO- DANOS MORAIS - ABANDONO AFETIVO - REQUISITOS PARA RESPONSABILIDADE CIVIL - INEXISTÊNICIA. - A responsabilidade civil assenta-se em três indissociáveis elementos, quais sejam: ato ilícito, dano e nexo causal, de modo que, não demonstrado algum deles, inviável se torna acolher qualquer pretensão ressarcitória. - O abandono paterno atem-se, a meu ver, à esfera da moral, pois não se pode obrigar em última análise o pai a amar o filho. O laço sentimental é algo profundo e não será uma decisão judicial que irá mudar uma situação ou sanar eventuais deficiências. - O dano moral decorre de situações especiais, que causam imensa dor, angústia ou vexame, não de aborrecimentos do cotidiano, que acontecem quando vemos frustradas as expectativas que temos em relação às pessoas que nos cercam. (APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0145.05.219641-0/001, Relator: Domingos Coelho, Data de Julgamento: 06/12/2006, TJMG)102
Juntamente com a (APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0702.03.056438-0/001, Relator: GERALDO AUGUSTO , DJ.:25/09/2007, TJMG), que afirma que falta legislação clara para aplicação da dano moral nas obrigações afetivas.
NVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE - RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE (EXAME DE DNA) - INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL - NÃO CARACTERIZAÇÃO - ATO ILÍCITO - INEXISTÊNCIA - ALIMENTOS - MAIORIDADE CIVIL - NECESSIDADE PREMENTE - AUSÊNCIA DESTA - MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. O abandono afetivo do pai em relação ao filho não enseja o direito à indenização por dano moral, eis que não há no ordenamento jurídico obrigação legal de amar ou de dedicar amor. Logo, não há responsabilidade civil, pretérita ou atual, do pai em relação ao filho, face à ausência de conduta ilícita ou antijurídica daquele, e devido à ausência de nexo causal entre a conduta dele e o alegado dano, pois não há que se falar em conduta antijurídica, ou em omissão dolosa, pelo fato de o pai, não sabendo ou não acreditando na questionada paternidade, não se ter antecipado em reconhecer o filho espontaneamente. Em princípio, ainda que já considerado maior e capaz civilmente, não perderá o filho, automaticamente, quando atingir a maioridade. Tal permanece até que se comprove concretamente a desnecessidade e a possibilidade de sustentar a si próprio. Presente tal comprovação, não há como deferir a pretensão, pelo que improcede o pedido de pensão alimentícia. (APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0702.03.056438-0/001, Relator: GERALDO AUGUSTO , DJ.:25/09/2007, TJMG) 103
O estado do Espírito Santo também julgou favoravelmente ao dever de indenizar, sendo este: (TJES, Classe: Apelação Cível, 15096006794, Relator: ÁLVARO MANOEL ROSINDO BOURGUIGNON - Relator Substituto : FERNANDO ESTEVAM BRAVIN RUY, Órgão julgador: SEGUNDA CÂMARA CÍVEL, Data de Julgamento: 21/09/2010, Data da Publicação no Diário: 11/11/2010), que afirmou quanto ao pedido ser juridicamente possível e reconhecido pelo nosso ordenamento jurídico.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 015096006794APELANTE: CARLA DOS SANTOS FERNANDES APELADO: PAULO CEZAR FRANÇA CABRALRELATOR: DES. SUBST. FERNANDO ESTEVAM BRAVIN RUY A C Ó R D Ã OEMENTA: PROCESSO CIVIL - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - GENITOR - ABANDONO MORAL E FALTA DE AFETO - PEDIDO JURIDICAMENTE POSSÍVEL -SENTENÇA ANULADA - PROSSEGUIMENTO REGULAR DO FEITO - RECURSO PROVIDO.1. O pedido de reparação por danos morais sofridos é um pedido juridicamente possível e reconhecido pelo nosso ordenamento jurídico.2. No caso de pedido de indenização por danos moral em decorrência de abandono moral e falta de afeto por parte do genitor, é necessária a caracterização dos elementos ensejadores da responsabilidade civil, quais sejam, o dano experimento pela filho, o ato ilícito praticado pelo pai, e liame causal que conecta os referidos elementos.3. Impõe-se a remessa dos autos à instância de origem,a fim de propiciar a angularização do processo, citando-se o réu/apelado para exercer o contraditório e a ampla defesa, bem como proceder a dilação probatória necessária ao deslinde da quaestio.4. Recurso conhecido e provido.VISTOS, relatados e discutidos, estes autos em que estão as partes acima indicadas. ACORDA a Egrégia Segunda Câmara Cível, na conformidade da ata e notas taquigráficas que integram este julgado, à unanimidade de votos, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, anulando a sentença objurgada e determinando o retorno dos autos à instância de origem, para o seu regular processamento.Vitória(ES), de 2010. DES. PRESIDENTE DES. RELATORPROCURADOR DE JUSTIÇA(TJES, Classe: Apelação Cível, 15096006794, Relator: ÁLVARO MANOEL ROSINDO BOURGUIGNON - Relator Substituto : FERNANDO ESTEVAM BRAVIN RUY, Órgão julgador: SEGUNDA CÂMARA CÍVEL, Data de Julgamento: 21/09/2010, Data da Publicação no Diário: 11/11/2010).104
Verifica-se que os entendimentos dos tribunais de primeira e segunda instância ainda não são pacíficos, havendo embates focados em diversos argumentos favoráveis e contrários. Sabe-se que muito se evoluiu desde o primeiro julgamento em Capão da Canoa/RS, entretanto os legisladores não chegaram a uma razoabilidade que agrade ambos os lados.
7.3. ENTENDIMENTO DOS SUPREMOS TRIBUNAIS
Em 2005, o Supremo Tribunal de Justiça, julgou o primeiro caso reformando a decisão da 7º Câmara Civil, Apelação Cívil 408.550-5 dando uma decisão contrária ao dever de indenizar.
O Supremo Tribunal entendeu que a perda do poder familiar, já era por si suficiente para punir os pais transgressores, sendo assim não se faria necessário o dano material.
No caso de abandono ou do descumprimento injustificado do dever de sustento, guarda e educação dos filhos, porem a legislação prevê como punição a perda do poder familiar, antigo pátrio-poder, tanto no Estatuto da Criança e Adolescente, art 24, quanto no Código Civil, art. 1638, inciso II. Assim, o ordenamento jurídico, com a determinação da perda do poder familiar, a mais grave pena civil a ser imputada a um pai já se encarrega da função punitiva e, principalmente dissuasória, mostrando eficientemente aos indivíduos que o Direito e a sociedade não se compadecem com a conduta do abandono, com o que cai por terra a justificativa maus pungente dos que defendem a indenização pelo abandono moral.105
Em outro ponto, o Supremo Tribunal de Justiça, afirma que a remuneração pecuniária pode causar o afastamento ainda mais dos pais e isso geraria o efeito contrário daquilo que quer se sanar.
Por certo um litígio entre as partes reduziria drasticamente a esperança do filho de se ver acolhido, ainda que tardiamente, pelo amor paterno. O deferimento do pedido não atenderia, ainda, o objetivo de reparação financeira, porquanto o amparo nesse sentido já é providenciado com a pensão alimentícia, nem mesmo alcançaria efeito punitivo e dissuasório, porquanto já obtidos com outros meios previstos na legislação civil, conforme acima esclarecido106
Recentemente STJ em julgamento ao Recurso Especial nº 1.159.242-SP (2009/0193701-9), afirmou a decisão do Tribunal de São Paulo e reconheceu a indenização por abandono afetivo.
Esse caso não somente repercutiu na mídia, assim como no âmbito jurídico, por discordar do julgamento de 2005 (Apelação Cívil 408.550-5), como noticiou o portal de notícias G1:
[...]Luciane Nunes de Oliveira Souza diz que sempre se sentiu abandonada e que jamais teve apoio paterno. "Passamos por muitas dificuldades, principalmente em relação à alimentação. Meus irmãos sempre tiveram tudo e eu nunca tive nada
[...]"Nunca tive um pai para me aconselhar, para conversar. Desde que nasci, ele nunca me quis", afirma, emocionada. Ela diz que por pouco não passou a infância em um orfanato. Após a morte dos avós, a mãe se viu perdida e sem condições de criá-la e chegou a levá-la a um abrigo, mas acabou desistindo da ideia.
A decisão do STJ foi dada no dia 24 de abril e tornou-se pública nesta quarta-feira (2). Pela primeira vez no Brasil, uma turma do órgão ordenou que um pai indenizasse a filha por abandono afetivo. O condenado é um empresário de Sorocaba (SP) que trabalha no ramo de postos de combustíveis.
A mulher entrou com ação contra o pai alegando abandono material e afetivo durante a infância e a adolescência. O Tribunal de Justiça de São Paulo julgou o caso improcedente por entender que "o distanciamento se deveu ao comportamento agressivo da mãe em relação ao pai".
Depois, em apelação em novembro de 2008, o próprio TJ-SP reformou a decisão por entender que o pai era "abastado e próspero" e fixou indenização por danos morais em R$ 415 mil.
O pai recorreu ao STJ alegando não ter abandonado a filha e argumentando que, mesmo se isso tivesse ocorrido, "não haveria ilícito indenizável". Para ele, a punição possível nesse caso seria a perda de poder familiar.
O STJ decidiu manter a condenação do TJ, mas reduziu o valor de R$ 415 mil para R$ 200 mil por considerá-lo elevado. A quantia, no entanto, será superior a R$ 200 mil, porque será atualizada conforme a inflação do período desde a data da condenação do TJ, em novembro de 2008.107
Conforme a relatora do caso ministra Ellen Gracie:
A ministra Ellen Gracie afastou a possibilidade de analisar o pedido de reparação pecuniária por abandono moral, pois isto demandaria a análise dos fatos e das provas contidas nos autos, bem como da legislação infraconstitucional que disciplina a matéria (Código Civil e Estatuto da Criança e do Adolescente), o que é inviável por meio de recurso extraordinário. Para a ministra Ellen Gracie, o caso “não tem lugar nesta via recursal considerados, respectivamente, o óbice da Súmula 279, do STF, e a natureza reflexa ou indireta de eventual ofensa ao texto constitucional”.
Ao citar parecer da Procuradoria Geral da República, a ministra asseverou que conforme o Código Civil e o ECA, eventual lesão à Constituição Federal, se existente, “ocorreria de forma reflexa e demandaria a reavaliação do contexto fático, o que, também, é incompatível com a via eleita”. Dessa forma, a ministra Ellen Gracie negou seguimento (arquivou) ao recurso extraordinário.108
Outros casos ganharam destaques na mídia e o mais importante deles foi quando pela primeira vez no Brasil, o STF, ordenou que um pai indenizasse a filha por abandono afetivo, no caso em questão como noticiou o site G1:
A filha entrou com ação contra o pai alegando abandono material e afetivo durante a infância e a adolescência. O Tribunal de Justiça de São Paulo julgou o caso improcedente por entender que "o distanciamento se deveu ao comportamento agressivo da mãe em relação ao pai.
Depois, em apelação de novembro de 2008, o próprio TJ-SP reformou a decisão por entender que o pai era "abastado e próspero" e fixou indenização por danos morais em R$ 415 mil.
O pai recorreu ao STJ alegando não ter abandonado a filha e argumentando que, mesmo se isso tivesse ocorrido, não "haveria ilícito indenizável". Para ele, a punição possível nesse caso seria a perda de poder familiar.109
Sempre devemos falar de abandono afetivo com muita calma, o caso concreto deve ser muito bem analisado para um bom entendimento do tema. Segundo o voto da ministra Nancy Andrighi, a 3ª turma do supremo tribunal de Justiça decidiu manter a condenação do STJ110:
(...) o vínculo não apenas afetivo, mas também legal que une pais e filhos, sendo monótono o entendimento doutrinário de que, entre os deveres inerentes ao poder familiar, destacam-se o dever de convívio, de cuidado, de criação e educação dos filhos, vetores que, por óbvio, envolvem a necessária transmissão de atenção e o acompanhamento do desenvolvimento sócio-psicológico da criança. E é esse vínculo que deve ser buscado e mensurado, para garantir a proteção do filho quando o sentimento for tão tênue a ponto de não sustentarem, por si só, a manutenção física e psíquica do filho, por seus pais – biológicos ou não.111
Com isso podemos afirmar que o STJ, validou o que já estava escrito na legislação e deu provimento a causa deabandono afetivo, que era altamente discutido no ordenamento jurídico. Em outra parte do julgado Nancy Andrighi afirma que:
Vê-se hoje nas normas constitucionais a máxima amplitude possível e, em paralelo, a cristalização do entendimento, no âmbito científico, do que já era empiricamente percebido: o cuidado é fundamental para a formação do menor e do adolescente; ganha o debate contornos mais técnicos, pois não se discute mais a mensuração do intangível – o amor – mas, sim, a verificação do cumprimento, descumprimento, ou parcial cumprimento, de uma obrigação legal: cuidar.
Negar ao cuidado o status de obrigação legal importa na vulneração da membrana constitucional de proteção ao menor e adolescente, cristalizada, na parte final do dispositivo citado: “(...) além de colocá-los a salvo de toda a forma de negligência (...)”.112
A ministra também debateu as teses contrárias que consideram a perda do pátrio poder como forma de suprir as sanções pecuniárias afirmando que:
(...) a perda do pátrio poder não suprime, nem afasta, a possibilidade de indenizações ou compensações, porque tem como objetivo primário resguardar a integridade do menor, ofertando-lhe, por outros meios, a criação e educação negada pelos genitores, e nunca compensar os prejuízos advindos do malcuidado recebido pelos filhos.113
Existe também a importância da avaliação psicológica da vítima, pois o legislador não pode sozinho verificar as condições psicológicas da criança e do adolescente, cabendo isto a um profissional específico a fim de proferir um laudo preciso acerca dos danos causados. O que servirá de base para que possa analisar e aplicar ou a reparação civil.
Forma simples de verificar a ocorrência desses elementos é a existência de laudo formulado por especialista, que aponte a existência de uma determinada patologia psicológica e a vincule, no todo ou em parte, ao descuidado por parte de um dos pais.114
Nesse sentido, cita-se, o estudo do psicanalista Winnicott, relativo à formação da criança:
[...] do lado psicológico, um bebê privado de algumas coisas correntes, mas necessárias, como um contato afetivo, está voltado, até certo ponto, a perturbações no seu desenvolvimento emocional que se revelarão através de dificuldades pessoais, à medida que crescer. Por outras palavras: a medida que a criança cresce e transita de fase para fase do complexo de desenvolvimento interno, até seguir finalmente uma capacidade de relacionação, os pais poderão verificar que a sua boa assistência constitui um ingrediente essencial. (WINNICOTT, D.W. A criança e o seu mundo. 6ª ed. Rio de Janeiro:LTC, 2008)115
No caso em questão existiam todos os requisitos para a reparação material e, é relevante novamente citar a importância do caso concreto para que se averigue se os danos causados à criança e ao adolescente são realmente grandes e lhes provocam algum ônus.
(...) cabe ao julgador ponderar – sem nunca deixar de negar efetividade à norma constitucional protetiva dos menores – as situações fáticas que tenha à disposição para seu escrutínio, sopesando, como ocorre em relação às necessidades materiais da prole, o binômio necessidade e possibilidade116
A partir deste ponto muitas evoluções foram feitas, alguns doutrinadores se permaneciam contra, porém muitos tribunais e ações se mostravam favoráveis a tal caso
Recentemente em abril de 2014, a decisão foi reafirmada pela segunda seção do Supremo Tribunal de Justiça como noticiou o Jornal da Globo:
O processo foi parar na segunda seção do Superior Tribunal de Justiça porque o pai entrou com um recurso contra o pagamento da indenização, alegando que em outro caso semelhante, de 2005, o próprio STJ havia dado uma sentença diferente.
Mesmo com o recurso, os ministros entenderam que esses dois casos não podem ser comparados e que, portanto, não se pode falar em contradição do STJ. O recurso do pai foi rejeitado e o pagamento da indenização foi mantido.
O relator na segunda seção, ministro Marco Buzzi, destacou que o dano moral em direito de familia é "excepcionalíssimo", mas que no caso analisado, o pai não cumpriu o dever parental de cuidar da filha.
A decisão de 2012 concluiu que houve dano moral por abandono117
 
Até o presente momento, o STJ, posiciona-se favoravelmente, porém como podemos perceber, deve-se analisar o caso concreto, pois, existem decisões divergentes. Entretanto, o tema já está inserido no âmbito jurídico e é amplamente debatido

Continue navegando